Desde o meu diagnóstico de autismo, eu venho descobrindo milhares de coisas que eu faço e julgava ser normal, que na verdade só é comum dentre pessoas neurodivergentes. Então, vamos aos registros de todas as coisas que eu faço e como faço daqui em diante, as vezes no meu caderno, as vezes aqui no blog, mas sempre registrando.
Eu gosto de ler, mas eu também sou bem preguiçosa e demoro pra terminar livros. Ás vezes, eu esqueço do livro e meses depois lembro dele, então continuo a leitura de onde eu parei. Eu esqueço do livro mesmo se eu estiver gostando e lendo todo dia, mas se houver alguma mudança na minha rotina e o livro sumir da minha vista, ele some da minha vida também. Por isso, eu li poucos livros na vida e isso sempre fez eu me considerar uma não-leitora.
Agora, com mais maturidade, eu entendo que tenho processos diferentes das pessoas as quais eu considerava leitoras e ta tudo bem.
Recentemente, eu percebi que demoro de 50 a 100 páginas pra entender um livro. Então, é como se eu passasse pelo menos 50 páginas em branco, sem conseguir me conectar com a leitura e sem entender nada do que o livro fala. Depois dessas primeiras páginas, eu consigo entender o padrão de escrita do autor e prever como vai ser as próximas páginas, e assim eu consigo me conectar e continuar a leitura. E só então, aquelas palavras que eu estive lendo nas primeiras 50 páginas, começam a fazer sentido e significar alguma coisa. Não sei se isso é a coisa mais normal ou anormal do mundo, mas é assim que minha cabeça funciona.
Quando digo prever, não quer dizer que eu adivinho o final da história, é mais uma assimilação e familiarização com os personagens, com a voz do autor, com as figuras de linguagem, com a estrutura dos parágrafos e capítulos, enfim com os elementos que compõem a história, que se repetem e que meu cérebro autista consegue identificar e classificar em padrões. Eu vivo de identificar padrões nas coisas.
Então, resumindo, toda vez que eu pego um livro, é como se eu tivesse aprendendo a ler do zero. Acredito que seja porque cada escritor tem um jeito muito diferente de escrever e eu leio livros muito diferentes entre si. Uma vez que eu não leio vários livros do mesmo gênero, um seguido do outro. Caso eu lesse, talvez, fosse mais fácil pra mim em relação a previsibilidade e estrutura de narrativa. É uma hipótese a se testar. Quem sabe quando eu começar a ler Irmãos Karamazov, eu já esteja acostumada com a narrativa não linear e carregada de personagens. E então quem sabe eu possa tentar ler 100 Anos de Solidão ou alguma novela chinesa, como Mo Dao Zu Shi que compartilham dessas mesmas características. Deixa eu sonhar...
Ao que parece, é como se minha cabeça precisasse de referência pra poder se concentrar, entender e seguir em frente. Não basta só eu ler uma sequência de páginas com várias informações soltas, mesmo que amarradas por uma história. Não faz sentido até eu conseguir traçar um padrão.
Daí eu lembro das várias e várias vezes que eu tentei ler O Mundo de Sofia e nunca passava do primeiro capitulo. E das várias vezes que tentei ler A Menina que Roubava Livros e desisti, simplesmente por não entender nada nas primeiras páginas do livro (imagem acima). Eu achava muito difícil. Achava que não era pra mim, mas era só porque eu ainda não estava acostumada com a escrita do autor e a diagramação do livro. Em compensação, quando eu consegui terminar a leitura de O Mundo de Sofia, a coisa que eu mais queria era ler todos os livros do autor pra poder ler mais história iguais a essa, escritas pelo mesmo autor. Sinais do autismo e indo na contramão da galera que quer ser surpreendida e reclama de autores que escrevem o mesmo livro varias vezes.
A ironia da minha vida é que eu só comecei a ler de fato e gostar de ler, na universidade. Graças a meu curso superior, hoje eu sou uma pessoa que ler, gosta de ler e entende como ler. Porque eu gosto de estudar e ler textos fazia parte do estudo. Então, ler artigos era muito interessante pra mim, porque eu os lia depois de ter tido uma aula sobre o assunto, então eu já tinha uma referência do que se tratava e todo artigo tem a mesma estrutura, então era tudo muito previsível e confortável. O mesmo vale para livros teóricos que são bem explicativos, até certo ponto. Então tudo me foi muito convidativo, até onde me lembro. Diferente da experiência de muita gente que perde o gosto pela leitura no ensino superior. Não que eu tirasse de letra todo texto teórico de primeira, mas foi através desses textos que eu aprendi a ler e aprendi qual a melhor forma pra eu entender o que leio, uma vez que fazia parte do meu estudo.
Eu entendi que não bastava ler apenas uma vez, de uma vez só, precisava de pausas, de releitura de trechos, de pesquisas, pra enfim eu conseguir fazer uma leitura completa de uma vez só. Alguns textos demandavam mais de mim, outros eu entendia de primeira e com o tempo foi ficando cada vez mais fácil e confortável. Praticas que eu não achava ser possíveis de se fazer com livros ficcionais, até então. De tal forma, que hoje eu não tenho o bloqueio das primeiras páginas com livro acadêmico.
Hoje eu leio riscando, escrevendo, pesquisando e relendo. Eu leio estudando e é isso que me ajuda a me manter no presente durante a leitura. Se não, minha cabeça vaga longe e eu esqueço que to lendo. Sinais de um TDAH em processo de diagnóstico, talvez. Como minha memoria visual é muito boa, fazer marcações me ajudam a lembrar elementos da história caso eu me perca em pensamentos. Tbm gosto de escrever pequenos resumos de trechos ou capítulos, ao longo da leitura. E se for preciso, eu releio capítulos passados.
Outro recurso que uso pra conseguir ler é ouvir música. Normalmente eu recorro a playlists do youtube de música instrumental ou mesmo música eletrônica, se eu precisar de um barulho mais alto pra me isolar dos ruídos externos, caso contrário, eu não consigo me desligar dos incômodos externos e a leitura não flui. Porque quando eu leio, eu fico vulnerável, não é como se eu me concentrasse e tudo ao redor desaparecesse, pelo contrário. Então, ouvir música é a única coisa que consegue me isolar pra eu concentrar na leitura.
Dito tudo isso, parece que ler pra mim é muito complicado e talvez seja mesmo, talvez ler não precisasse ser levado tão a sério, e talvez por isso eu tenha preguiça e demore tanto pra terminar minhas leituras, mas eu gosto de ler os livros que leio e gosto de poder aproveitar bem essas leituras. Ou talvez eu gostei porque foi o único jeito que achei para apreciar uma leitura. É o que temos.
Essas foram as observações recentes que percebi na últimas leituras que fiz esse ano. Caso eu descubra mais coisas, irei anexar a essa postagem.
achei muito legal a ideia desse post :) me identifiquei quando você comentou sobre gostar das leituras acadêmicas, eu também gosto muito. ultimamente também tenho tido essa dificuldade de me envolver com a história, mas acho que é isso que chamam de "ressaca literária"... :')
ResponderExcluirDe tempos em tempos a gente fica com ressaca literária, acho que é uma mecanismo de preservação do cerebro, dar um tempinho pra processar as informações
ExcluirPara eu conseguir ler ou estudar, eu tenho que ter foco e não desviar os olhos ou a concentração para outra coisa, eis um dos motivos que não consigo estudar em casa - ou vou na biblioteca ou em cafeterias, munida com fones de ouvido com a playlist de música instrumental para não perder o foco (não sei se você curte o estilo chillhop, que foi uma febre uns anos atrás, mas no Spotify tem o Hanauta Chill com instrumentais de músicas de diversos idol groups). Meu problema de estudar em casa, é que eu acabo desviando o foco para outras coisas, mas na pandemia, que fiquei 40 dias em casa sem poder sair, tive que me trancar no quarto com fones de ouvido, foi assim que consegui passar no N3 de proeficiência em língua japonesa...
ResponderExcluirMas quando consigo me concentrar em algo, acabo passando quase metade do dia lendo ou estudando. E anotando também, porque pra esquecer é um pulo.
Gosto de chill pop, me ajuda também a concentrar. Já eu não consigo me concentrar por muito tempo com estudo.
ExcluirOi, lembra de mim? KKKKKKK também autista, vamo lá o que consigo me identificar:
ResponderExcluirEu também tenho o mesmo problema de ler, parar de ler, voltar, esquecer, talvez lembrar mas não ter energia, e tudo mais. Eu leio melhor quando não sou interrompida e inclusive isso se inclui a todas as ações que eu faço na minha vida. Eu estudo melhor quando não sou interrompida e tarefas domésticas, que são as mais dolorosas para que eu consiga fazer, são completamente impossíveis de eu terminar se eu tenho uma interrupção ou se tiver alguma pessoa no mesmo espaço que eu tô.
É, foda, mas faz parte.
E é, só isso que me identifiquei mesmo. Autismo é um espectro, né, cada um pode ter desenvolvido o neurológico de um jeito específico que o outro. Aliás, TDAH e autismo têm muitos sintomas semelhantes. Eu tenho uma irmã TDAH e não autista, enquanto eu sou autista e não TDAH. A gente tem muita característica que se cruza, então pode ser que você seja apenas autista mesmo. (Sinceramente, confio muito nos testes neuropsicológicos e é difícil um profissional bem treinado deixar passar um detalhe importante como esse.)
Também tô num processo de auto descoberta mesmo "velha". Queria que a gente não tivesse que passar por isso.
Olá, lembro sim! Obrigada pelo seu relato. Sim, tem muita coisa em comum, os dois diagnósticos, tanto que eu não sei distinguir quem é quem em mim. Vai dar certo, vamos a passinho de tartaruga tentando nos entender e nos manter vivas.
Excluir“Ás vezes, eu esqueço do livro e meses depois lembro dele, então continuo a leitura de onde eu parei. Eu esqueço do livro mesmo se eu estiver gostando e lendo todo dia, mas se houver alguma mudança na minha rotina e o livro sumir da minha vista, ele some da minha vida também.”
ResponderExcluirmeu deus, alguém como eu. tenho uma lista enorme de títulos (entre livros e quadrinhos) que não terminei apenas porque “esqueci no churrasco”, e depois perco o fim da meada. por mais que esteja gostando da leitura, pode acontecer, e se intensificou quando comecei a ler vários títulos ao mesmo tempo. agora, tento me concentrar apenas em uma leitura por vez, e tem funcionado (por enquanto haha). vítimas mais recentes: moby dick e sobre a terra somos belos por um instante, que estou lendo desde o auge da pandemia.
hoje não consigo ler sem marcar, escrever. tenho a sensação de que absorvo melhor o que li ao tentar articular algum pensamento sobre minha experiência, nem que seja um surto de fangirl ou um chapisco. fico frustrada porque não fazia tais registros antigamente, e de muita coisa que li, pouco ficou. quando não tenho tempo de escrever, fico apenas pensando e pensando como se conversasse com alguém.
essa dica da música instrumental estou anotando, não gosto de ler com música, mas ultimamente não consigo me concentrar em casa. só leio no coletivo, porque me parece um tempo entre-tempos no qual não sinto minha auto cobrança sobre as tarefas que preciso cumprir, e posso relaxar por 1h ou 2h horas, dependendo das condições do trânsito. é uma pena porque acabo lendo mais no celular que no kindle fora de casa, estragando minha visão no processo, mas tudo bem.
acho que qualidade da leitura importa mais que quantidade, e não adianta ler correndo sem construir nada em cima do texto. não falo nem da qualidade do material em si, mas de fazer um bom proveito dessa experiência imersiva.
Seu comentário foi tão completinho e concordei com tantas coisas, que nem sei o que responder kkkkk. Eu ja to no caminho de ler varios livros ao mesmo tempo e mesmo assim esquecer todos eles. Obrigada pelo comentário!
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