... porque também é sobre linguagem e mentalidade, política, cultura e milhões de coisas, que as palavras: racismo, bbb e privilégio resumem, mas não são suficientes porque esse não é um assunto que dá pra resumir.
A que ponto chegamos que tão usando o BBB pra ensinar as pessoas sobre racismo e sem êxito algum, mas usado como exemplo. Ta lá sendo validado como programa que levanta debate educativo, sendo que não é. Valide o BBB por qualquer coisa, menos por ser um ótimo experimento social. Eu não quero experimento social pra ver racismo televisionado não. Continue chamando de reality show, que ta de acordo com a proposta de entretenimento barato pra despertar e mostrar o pior das pessoas que assistem e que são assistidas.
Mas cá estou eu assistindo e tentando entender como funciona a cabeça das pessoas. Em que tipo de utopia elas vivem que acreditam que racismo são momentos pontuais, que acontecem vez ou outra. Infelizmente, a gente vive o racismo. É diário, é cultural, é indireto, é direto. Eu vivo o racismo de ver as noticias na tv, de ver as pessoas morando na rua, de ver as pessoas passando na rua e quais lugares ocupam. É algo que me acontece todos os dias, sem precisar que nada seja dito pra mim ou sobre mim, só está lá. O mesmo vale para o machismo.
Mas é muito engraçado 🤡 ver que a pauta ganha espaço com situações pontuais, quando se usa a palavra. E o peso que uma palavra tem, que as atitudes não tem. As atitudes sozinhas, sem nome, não são consideradas pesadas ou sérias o suficiente. Sim, eu errei por ter beijado uma mulher sem o consentimento, mas dizer que foi assédio é de mais! Intolerância religiosa com religião de matriz africana, praticada por uma pessoa negra, é okay. Mas chamar de racismo é muito forte! Eu sou uma boa pessoa, de bom coração, com boa trajetória, com boas intenções, sei que o que é errado e nunca cometeria tais crimes.
Meu sonho era ser entendido por todos que: pessoas boas, também fazem coisas ruins, prejudiciais, equivocadas, criminosas. Independente do quão boas elas sejam. E eu não to falando que errar é humano, ou que todo mundo erra. Não. Ta mais pro ditado: de boa intensão, o inferno ta cheio. A intenção pode ser boa pra você, pra mim não. Nem tudo o que é bom pra você, é bom pra mim. Nem tudo o que é feito de bom coração por você, vai trazer boas consequências pra mim. O que você tem na cabeça como correto e bom, não vai ter o mesmo impacto positivo pras outras pessoas. Será que conseguem ter dimensão disso? De que não é sobre você? Nem é sobre sua índole? É sobre atitudes e escolhas, não é sobre erros.
Um erro é isolado, é pontual e individual, é um engano. Poxa, cometi um erro, vou aqui consertar. Poxa, por falta de atenção, eu errei aqui o passo. Não é o mesmo que passar a mão na bunda de uma mulher aqui, sem querer. Nossa, nem vi que tava tirando sarro da religião alheia. Errei. Esse tipo de atitude não pode ser tratada como erro, porque não foi um erro, foi uma decisão. Independente dessa decisão ser fruto de milhares de anos de banalização e preconceito enraizado, que é o que torna estrutural. Algo que ta na estrutura, na formação, na história, na cultura, na mentalidade de forma tão intrínseca que não se nota.
Antes de ser um crime, são atitudes. Que, num espectro maior de convivência em sociedade, são enquadradas como crime.
E existem exceções, existem casos e casos, existem milhares de formas de lidar, de educar e de punir essas atitudes, mas não pode ser deixada passar em branco mais uma vez, com pessoas com 30 anos na cara, que trabalham, interagem com o mundo, que vão ter filhos, vão montar família e vão passar essas atitudes pra frente. Deixando um rastro de destruição por onde passam. E isso é chato, meu deus como é chato você ser chamado atenção por ter feito algo ruim. E pior ainda, é que as pessoas que cumprem esse papel de chamar atenção, são sempre as chatas que tão sempre reclamando. Não por acaso, as pessoas chatas são as que percebem as atitudes, porque são elas que sofrem pelas atitudes. Então sempre vai ser uma mulher, um preto, uma gay... O que contribui ainda mais pra essa imagem do militante pé no saco. Mas se não for nós, quem será por nós?
Que pena que essas pautas tão sendo discutidas justo no BBB. Que bom também, que pelo menos tão sendo discutidas. Mais uma vez, em mais uma edição, mais um ano. Pelo menos esse ano teve muita gente preta no programa, não um ou dois acuados.
E infelizmente, não tem como educar as pessoas sobre esses assuntos pela TV, talvez através da TV esses assuntos cheguem ás casas, mas a compreensão não vem junto. É preciso muitas conversas, muitas vivências ou situações extremas pra gerar aprendizado. A gente passa 12 anos numa escola pra aprender coisas mais simples que isso e não aprende, avalie temas mais complexos. Mas aí haja paciência, porque nem todo mundo tem o tempo do mundo, nem a obrigação, nem toda a paz de espírito do mundo pra lidar com atitudes que machucam, que mantam, que doem lá dentro por tantos anos. Essa parte era importante de entenderem também. Que, ás vezes, a reação (ao assédio, ao preconceito, ao racismo e tudo mais) não é branda, não é educada, não é didática. Ás vezes é violenta, tão violenta como a atitude que desencadeou ela. Afinal, é uma reação. Efeito causado por um estímulo. Não espere uma reação cordial da pessoa que foi agredida.
Esses dias eu anotei um pensamento como notas no celular: coisas grosseiras ditas de maneira branda, com voz mansa, ou de brincadeira não deixam de ser agressivas.
Atitudes racistas, feitas de maneira branda, com voz mansa ou de brincadeira não deixam de ser racistas e portanto, violentas. E assim por diante. Aqui eu retomo ás boas intenções, ás pessoas boas, ás trajetórias impecáveis de quem não se espera nada de ruim. Eu sei que não foi a intenção, mas é ruim mesmo assim, machucou mesmo assim. E ai? Ser na boa intenção, não evitou nada, não abrandou nada, não pesou menos, não machucou menos, não causou menos estragos, não serviu para porra nenhuma. Então pra que trazer isso como argumento? Pra que dizer isso como justificativa? Pra que usar disso como forma de absolvição da culpa?
É curioso, pensar essa relação que fazem entra a índole das pessoas e a acusação.
- Ei cara, isso aqui foi racista.
- O que!!? Mas eu não sou racista!!!
- Não parça... eu to dizendo que isso aqui que você fez agora nesse momento foi racista. Você ta reproduzindo atitudes que minimizam, invalidam e discriminam pessoas pela cor da pele, entende? Não é sobre sua índole, porque racista somos todo. A gente mora no Brasil porra, se situe. Não existe essa de não ser racista, acorde pra vida!
Parece que as pessoas tão mais preocupadas com a acusação do que com a atitude. É mais preocupante ser chamado de assassino, do que ter matado uma pessoa. Ser chamado de ladrão, do que ter roubado alguém. Ser chamado de assediador, do que ter passado a mão numa mina. Ser chamado de covarde, do que ter batido numa mulher. Sabe? AAAAAAAAA Será se conseguem ver isso ou eu to doida?!
Por isso, o debate sobre o combate ao racismo sempre pauta o antiracismo. Não basta levantar a voz pra dizer "não sou racista", tem que praticar o antiracismo. Ou seja, não ficar na passividade de não cometer racismo, mas ser ativo e impedir que o racismo aconteça. Impedir que atitudes, pensamentos, brincadeiras, leis, textos, mídias, marcas e tudo mais, propaguem o racismo, banalizem o racismo, invalidem o racismo, premiem o racismo todos os dias.
Outra coisa curiosa é você pensar, que num país diverso desse, a gente ainda assim ter pessoas que nunca tiveram sua vida confrontada, seja pelo racismo ou por pessoas negras. Num país com esse tanto de habitante, você ter pessoas que nunca trabalharam COM pessoas negras, nunca trabalharam PARA pessoas negras, nunca estudaram com pessoas negras, nunca namoraram pessoas negras, nunca tiveram amigos negros. E o mesmo vale para todas as minorias. Nunca conviveram com pessoas indígenas, trans, pcds, idosas, gordas, neurodivergentes e por aí vai, sem ser em condições subalternas e de serviço.
É muito louco pensar isso e serve pra descer um pouco do pedestal, pra entender que seu privilégio começa quando você não é e nem tem essas pessoas no seu dia a dia, nem nos espaços que você frequenta. E que isso não é nada pra se orgulhar ou pra se sentir culpado, nem é pra ter pena de ninguém, é pra perceber o tamanhão que os mundos são e o tamanhinho que nós somos no nosso próprio mundinho inabalado.
Beautiful blog
ResponderExcluir