gabryel’s review published on Letterboxd:
“GAROTAS BONITAS DEVEM SEMPRE SORRIR.”
A Substância é eloquente, frenético e implacável. O filme de Coralie Fargeat tem quase 2h30 de duração, o que amplia tanto a sua visão conceitual de ficção científica, quanto a sua mórbida capacidade de advertir a audiência através da crítica sobre a obsessão feminina pela aparência, autoestima e auto-ódio. Produto constantemente provocador, o longa-metragem explora a ideia da percepção que temos sobre a trama, fazendo dos seus quase 150 minutos de duração uma explosão crescente de novas bizarrices até um ponto que deveria ser insustentável para qualquer narrativa. E, ainda assim, toda estranheza suga a atenção do espectador em um nível psicótico. E é necessário compreender que esse cinema do radicalismo, da vulgaridade linguística e corporal (e, por muitas vezes, até retrógados) é necessário para impelir debates profundos na sociedade contemporânea. Em A Substância, acompanhamos Elisabeth Sparkle (Demi Moore) uma atriz em decadência em Hollywood e que recorre a uma droga experimental depois de ser demitida do seu programa fitness na TV, para então recuperar o estrelato gerando “uma versão melhor de si mesma” - o que acaba sendo, é claro, bem literal, já que Sparkle dá à luz a uma garota de 20 anos (Margaret Qualley). Do drama, o filme se inclina para o sci-fi, introduzindo as regras da substância de maneira objetiva, e depois abrindo caminho ao body horror grotesco após a desobediência dessas regras, até chegar a uma sátira caricata e exagerada que assume um rumo imparável. Abusando do horror corporal, a cineasta francesa faz da repulsa um ingrediente indispensável na fita, tornando sua direção destemida, até impiedosa. A câmera é claustrofóbica, quase não dá espaço para respirar, com planos fechados – sendo poucos os exemplos de planos abertos – que se interpolam com design de som incômodo, cheio de ruídos molhados de carne e osso se contorcendo como não deveriam; a direção de arte impressiona pelo uso de efeitos práticos, maquiagem e próteses – o que fica evidente pela maneira chocante que Fargeat usa o visual distorcido da criatura para encerrar sua crítica sobre etarismo e a busca prejudicial por padrões de beleza em alusão a como as mulheres se tornam inimigas de si mesmas por essa pressão social. O que potencializa ainda mais a forma criativa com a qual cineasta dirige, é o uso da linguagem do male gaze, abusando das tomadas de comercial, com câmera lenta, inserts e supercloses, além de ângulos deliberadamente exploratórios para filmar o corpo de suas protagonistas. Enquanto Moore é um retrato vulnerável e insatisfeito, Qualley é representada com o olhar hipersexualizado por atender aos padrões que são impostos a mulher pela sociedade – principalmente pela ótica fetichista dos homens. A Substância é uma genial fábula monstruosa moderna, criando interlocuções com referências a obras icônicas, mas com audácia e impulso discursivo para ser único, sempre nos surpreendendo, nos chacoalhando e nos intrigando.