Abu Mohammed al-Jolani, antigo numero 2 do Daesh (E.I.), agora o novo senhor de Damasco, dá uma conferência de imprensa na grande mesquita dos Omíadas.

Em 11 dias, a República Árabe da Síria, que resistiu valentemente, desde 2011, aos ataques de jihadistas apoiados pela maior coligação da história foi derrubada. O que é que se passou então?

Primeiramente, desde 15 de Outubro de 2017, os Estados Unidos montaram um cerco à Síria, proibindo em simultâneo todo o comércio com ela e proibindo às Nações Unidas de participar na sua reconstrução [1] . Esta estratégia foi alargada, em 2020, ao Líbano com o Caesar Act [2] . Todos nós, membros da União Europeia, participamos neste crime. A maioria dos Sírios estava mal alimentada. O valor da libra tinha-se afundado : o que se comprava com 1 libra antes da guerra, em 2011, requeria 50. 000 aquando da queda de Damasco (a libra foi revalorizada três dias mais tarde graças a uma injecção de dinheiro catariano). Sendo que as mesmas causas provocam sempre os mesmos efeitos, a Síria foi vencida tal como antes dela o Iraque, sobre o qual a Secretária de Estado Madeleine Albright se felicitava por ter causado a morte de meio milhão de crianças iraquianas por doença e subnutrição .

Por outro lado, se foram os jihadistas de Hayat Tahrir al-Sham (HTC) que tomaram Damasco, não foram eles que venceram no plano militar. Em 27 de Novembro, o HTC, armado pelo Catar e enquadrado pelo Exército turco disfarçado de « Exército Nacional Sírio » (SNA), tomou o controle da auto-estrada M4 que servia de linha de cessar-fogo. Além disso o HTC e a Turquia dispunham de drones muito avançados operados por conselheiros ucranianos.
Por fim, o HTC trouxe com ele a colónia uígur do Partido islâmico do Turquestão (TIP), que estava acampada em al-Zanbaki desde há 8 anos [3]. Os teatros de operação israelita, russo e chinês fundiram-se portanto.

Depois, estas forças atacaram Alepo, até aí defendida pelos Guardas da Revolução Iranianos. Estes retiraram-se sem dizer nada, deixando uma pequena guarnição do Exército árabe sírio a defender a cidade. Face à desproporção de forças, o Governo sírio deu ordem às suas tropas para recuarem para Hama, o que elas fizeram, em 29 de Novembro, após uma curta batalha.

Em 30 de Novembro, o Presidente sírio, Bashar al-Assad, viaja para a Rússia. Não para assistir ao exame que seu filho Hafez fazia na Universidade de Moscovo, onde segue os seus estudos, mas para pedir ajuda. As Forças russas na Síria apenas podiam bombardear os comboios jihadistas, já que estas são apenas Forças aéreas. Portanto, elas tentaram bloquear a rota do HTC e da Turquia. Mas não podiam intervir no solo contra estes. Alepo estava, pois, completamente perdida. Além disso, o Presidente turco, Recip Tayyip Erdogan, seguindo a tradição do seu país [4] , jamais reconheceu a perda dos territórios otomanos da Grécia (Tessalónica), da ilha de Chipre, da Síria (Alepo) e do Iraque (Mossul).

Tendo as células jihadistas dormentes sido reactivadas pela Turquia, o Exército árabe sírio, já exausto, tinha que se bater em todas as frentes em simultâneo. Foi o que tentou fazer, em vão, o General Maher el-Assad (o irmão do Presidente).

Ali Larijani, enviado especial do Aiatola Ali Khamenei, visitou Damasco para explicar a retirada dos Guardas da Revolução de Alepo e colocar condições para uma ajuda militar da República islâmica do Irão; condições culturais assombrosas para um Estado laico.
Numa entrevista telefónica com o seu homólogo iraniano, Masoud Pezeshkian, o Presidente Bashar al-Assad declarou que a «escalada terrorista» visava «tentar partir a região, desintegrar os seus Estados e redesenhar o mapa regional de acordo com os interesses e objectivos de América e do Ocidente. No entanto, o comunicado oficial não dá conta da atmosfera da conversa. O Presidente sírio queria saber quem dera a ordem aos Guardas da Revolução para que abandonassem Alepo.
Não obteve resposta. Ele avisou então o Presidente Pezeskhian quanto às consequências para o Irão de uma queda da Síria. Nada feito. Teerão continuava a exigir que para a defender lhe entregassem as chaves à Síria.

Em 2 de Dezembro, o General Jasper Jeffers III, Comandante-Chefe das Forças Especiais dos Estados Unidos (UsSoCom), chega a Beirute. Oficialmente, ele vem vigiar a aplicação do cessar-fogo verbal israelo-libanês. Tendo em conta as suas funções, é evidente que isso será apenas uma parte da sua missão. Ele irá supervisionar a tomada de Damasco pela Turquia, por trás do HTC.

Em 5 de Dezembro, os Estados Unidos renovam as suas acusações no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o Presidente Bashar al-Assad de usar “armas químicas” para reprimir o seu próprio povo. Não têm em conta as muitas objecções, testemunhos e investigações que demonstraram que não era mais do que propaganda de guerra. As armas químicas são o primeiro argumento da gigantesca máquina de manipulação dos Anglo-Saxónicos. Foram eles que permitiram ao número 2 das Nações Unidas, Jeffrey Feltman, interditar a reconstrução da Síria. Foram elas que permitiram convencer a opinião pública ocidental que « Bashar é o carrasco de Damasco » e imputar-lhe todas as mortes da guerra lançada contra o seu país.

Simultaneamente, o Pentágono indica ao HTC e ao Exército turco que podem prosseguir o seu avanço, tomar Damasco e derrubar a República Árabe Síria.

Nos dias 6 e 7 de Dezembro, realizava-se no Catar o Fórum de Doha. Muitas personalidades do Médio-Oriente nele participaram ao lado do Ministro russo dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Serguei Lavrov. À margem do Fórum, foi dada garantia à Rússia, que representa o Presidente el-Assad, que os soldados do Exército Árabe Sírio não serão perseguidos e que as bases militares da Federação da Rússia não serão atacadas. Uma outra garantia é dada ao Irão que os santuários xiitas não serão destruídos, mas parece que Teerão já estava convencido disso.

Segundo Hakan Fidan, o Ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Benyamin Netanyahou e Joe Biden consideravam que a operação devia terminar aí. Foi o Pentágono que decidiu, junto com o Reino-Unido, prosseguir até derrubar a República árabe síria [5].

Em Nova Iorque, o Conselho de Segurança adopta por unanimidade a Resolução 2761 [6]. Ela autoriza a não levar em conta as sanções visando os jihadistas durante «operações humanitárias».
As Nações Unidas, que jamais autorizaram socorrer as populações escravizadas sob o jugo do Daesh (E.I.), acabam de autorizar que se comercie com o HTC
Esta reviravolta do Conselho de Segurança corresponde às instruções do Conselheiro das Nações Unidas, Noah Bonsey, tal como ele já havia avançado em Fevereiro de 2021 quando trabalhava para George Soros [7].

Abu Mohammed al-Jolani, o líder do HTC, dá uma entrevista a Jomana Karadsheh para a CNN. Ela destaca-o, enquanto o site Rewards for Justice, do Departamento de Estado, continua a manter a oferta de US$ 10 milhões de dólares por qualquer informação que permita prender o chefe jihadista [8].

Em 7 de Dezembro, o HTC e Turquia tomam a prisão de Saïdnaya. É uma assunto importante para a propaganda de guerra que a apelidou de «matadouro humano». Alega-se, com efeito, que milhares de pessoas foram aí torturadas, executadas e que os cadáveres foram queimados num crematório. Durante três dias, os “Capacetes Brancos”, uma ONG que em simultâneo salvou vidas e participou em massacres, vasculharam a prisão e os arredores em busca de espaços subterrâneos secretos, salas de tortura e de um crematório. Azar! Eles não encontram nenhuma prova dos crimes anunciados. Finalmente, a jornalista Clarissa Ward encena para a CNN a libertação de um prisioneiro que não vê a luz do dia há três meses, mas que está limpo, bem vestido e tem as unhas bem tratadas [9].

As acusações de tortura e de execuções sumárias são ainda mais difíceis de manter já que Bashar al-Assad deu instruções, em 2011, proibindo todas as formas de tortura e criou um Ministério da Reconciliação Nacional encarregue de reintegrar os Sírios que se tinham juntado aos jihadistas e, por fim, que ele aplicou amnistias (anistias-br) gerais cerca de quarenta vezes.

Em 8 de Dezembro, o Presidente Bashar al-Assad dá ordem aos seus homens para deporem as armas. Damasco cai sem disparar um tiro. Os jihadistas desfraldam imediatamente faixas impressas antecipadamente e afixam o símbolo do novo regime nos seus uniformes. O antigo combatente da Alcaida, depois número 2 do Daesh (EI), Abu Mohammed al-Jolani, de seu verdadeiro nome Ahmad el-Chara, assume o Poder. Rodeado por conselheiros de comunicação britânicos, pronuncia um discurso na Grande Mesquita dos Omíadas, no modelo do discurso do califa do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, na Grande Mesquita Al-Nuri, em Mossul, em 2019.

O HTC agora trata os cristãos como mustamin (classificação islâmica para estrangeiros não-muçulmanos que residem de maneira limitada num território muçulmano), poupando-lhes o pacto do dhimmi (série de direitos e deveres reservados aos não-muçulmanos) e o pagamento do imposto da djizîa. Em Setembro de 2022, pela primeira vez numa década, uma cerimónia em honra de Santa Ana pode ter lugar na igreja arménia de al-Yacoubiyah, na zona rural de Jisr al-Shugur, a oeste de Idlib.

Cerca de 3. 000 soldados do Exército árabe sírio exilam-se no Iraque. Eles são desarmados e alojados em tendas no posto fronteiriço de Al-Qaim, sendo depois transferidos para uma base militar em Rutba. Bagdade anuncia que tenta obter garantias para eles para que possam voltar a casa [10].

As Forças de Defesa de Israel (FDI) lançam uma operação destruição do material e das fortificações do Exército árabe sírio. Em quatro dias, 480 bombardeios afundam a frota e incendeiam os arsenais e os armazéns. Simultaneamente, equipas no solo assassinam os principais cientistas do país.
Depois de mostrar a jornalistas as fortificações sírias vazias, ao longo da costa, Benny Kata, um comandante militar local, diz aos seus convidados : «É claro que ficaremos aqui durante um certo tempo. Estamos preparados para isso ».
As FDI invadem já um pouco mais a Síria, para lá da linha de cessar-fogo do Golã que elas ocupam. Anunciam a criação em território sírio de uma nova zona tampão, para proteger a actual zona tampão, em suma para a anexar. Além disso, elas anexam o Monte Hermon de modo a poder vigiar toda a região.

Em 9 de Dezembro, o General Michael Kurilla, Comandante-Chefe das Forças norte-americanas no Médio-Oriente Alargado (CentCom) dirige-se a Amã para se encontrar com o General Yusef Al-H’naity, Presidente do Estado-Maior Conjunto da Jordânia. Ele reafirma o compromisso dos Estados Unidos em apoiar a Jordânia caso emanem ameaças da Síria durante o actual período de transição.

Em 10 de Dezembro, o General Michael Kurilla visita as suas tropas e as das Forças democráticas sírias (mercenários curdos) em várias bases na Síria. Ele desenvolve um plano para que o Daesh(E.I.) não saia da zona que lhe foi atribuída pelo Pentágono e não interfira na mudança de regime em Damasco. De imediato, intensos bombardeamentos impedem o Daesh (EI) de se aproximar.

O HTC nomeia Mohammed al-Bashir, antigo “governador” jihadista de Idlib, como Primeiro-Ministro do novo regime. É um membro da Confraria dos Irmãos Muçulmanos, patrocinada pelo MI6 britânico. A França, que havia negociado com o seu enviado especial, Jean-Yves Le Drian, a nomeação de Riad Hijab (antigo secretário do Conselho de Ministros em 2012), percebe que foi enganada.
Nessa mesma noite, ficou já fora de questão nomear Jean-Yves Le Drian Primeiro-Ministro em França. Pelo contrário, o Eliseu convida o Procurador anti-terrorismo de Paris para o telejornal da France2. Este põe fim às aclamações do novo Poder em Damasco e lamenta que o HTC esteja implicado no assassinato do Professor francês Samuel Patty (2020) e no massacre de Nice (86 mortes, em 2016).
A imprensa francesa muda então de tom e começa a interrogar-se sobre o novo Poder que a imprensa internacional continua a apresentar como respeitável.

Em 11 de Dezembro, as principais facções palestinianas presentes na Síria (Frente de Libertação da Palestina, Frente Democrática de Libertação da Palestina, Movimento da Jihad Islâmica, Frente Palestiniana de Luta Popular - Comando Geral) reuniram-se em Yarmuk (Damasco) na presença de delegados do HTC ( Departamento de Operações Militares). A Fatah e o Hamas
não participaram na reunião. É-lhes pedido para fazer a paz com o aliado israelita. É decidido que nenhuma facção teria estatuto privilegiado e que todas seriam tratadas de forma idêntica. Todos os grupos se comprometem a depor as armas.

O General Michael Kurilla visita sucessivamente o Líbano e Israel durante três dias. Em Beirute, ele encontra-se com o General Joseph Aoun, Comandante das Forças Armadas libanesas, e especialmente o seu colega, o General dos EUA Jasper Jeffers III. Em Telavive, ele encontra-se com todos os Chefes de Estado-Maior israelitas e com o Ministro da Defesa, Israel Katz. Na ocasião, ele declara : « A minha visita a Israel, assim como à Jordânia, à Síria, ao Iraque e ao Líbano nos últimos seis dias, sublinhou a importância de avaliar os desafios e as oportunidades actuais através dos olhos dos nossos parceiros, dos nossos comandantes no terreno e dos membros em serviço. Devemos manter parcerias sólidas para fazer face às ameaças actuais e futuras que pesam sobre a região ».

Em 12 de Dezembro, Ibrahim Kalin, director da Organização Nacional de Inteligência Turca (Millî İstihbarat Teşkilatı - MIT), é o primeiro alto-funcionário estrangeiro a visitar a o novo Poder em Damasco. No mesmo dia, mercenários curdos, que administram o Nordeste da Síria para o Exército de ocupação dos Estados Unidos, hasteam a nova bandeira do país, verde, branca e preta com três estrelas, a mesma do mandato colonial francês. Kalin será seguido, em 15 de Dezembro por uma delegação catariana.

Para validar as acusações de tortura atribuídas ao antigo regime, Clarissa Ward, definitivamente em grande forma, encena para a CNN cadáveres encontrados na morgue de um hospital de Damasco, tal como a mesma CNN havia encenado os de uma morgue em Timișoara, durante o derrube dos Ceaușescu, em 1989 [11].

Entretanto, segundo as Nações Unidas, mais de um milhão de sírios tentam fugir do seu país. Eles não acreditam que os jihadistas do HTC se tenham subitamente tornado civilizados.

Tradução
Alva

[1Parâmetros e Princípios da Assistência das Nações Unidas na Síria”, Jeffrey D. Feltman, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Rede Voltaire, 15 de Outubro de 2017.

[2Segundo Hassan Nasrallah, os EUA querem provocar a fome no Líbano”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Junho de 2020.

[3Os 18.000 Uigures da Alcaida na Síria”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 20 de Agosto de 2018. “A CIA e os jiadistas uigures”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Dezembro de 2019. «Uyghur fighters in Syria vow to come for China next», Sophia Yan, The Telegraph, Decembrer 13, 2024.

[4«Juramento Nacional turco», Red Voltaire , 28 de enero de 1920.

[6« Résolution portant exemption des sanctions contre les jihadistes », Réseau Voltaire, 6 décembre 2024.

[7«In Syria’s Idlib, Washington’s Chance to Reimagine Counter-terrorism», New Crisis Group, Noah Bonsey & Dareen Khalifa, February 2021.

[8«Muhammad al-Jawlani», Rewards for Justice, site consulté le 14 décembre 2024.

[10«خاص»
محمد عماد, 11 ديسمبر