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Guerra Colonial Portuguesa

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Guerra Colonial Portuguesa
Parte da Guerra Fria e dos Movimentos de Independência Africanos
Data 4 de fevereiro de 196125 de abril de 1974
(13 anos, 2 meses e 3 semanas)
Local Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste
Desfecho Conflito cessado pela Revolução de 25 de Abril de 1974
Mudanças territoriais Independência das colónias africanas portuguesas
Beligerantes
Portugal Portugal

Apoiado por:
África do Sul África do Sul
 Rodésia
Malawi[1]
Essuatíni
Botswana
Espanha Espanha
Movimentos de independência
MPLA
UNITA
FNLA
FLEC
PAIGC
Moçambique FRELIMO
MLSTP
FRETILIN

Apoiados por:
 União Soviética
 Cuba
 China
 Estados Unidos
Zaire[2]
 Zâmbia
 Argélia
Tanzânia
Senegal
 Tunísia
Guiné
Gana
Etiópia Etiópia
Egito Egito
Nigéria
Uganda
Somália
República do Congo Congo
Líbia Líbia
Checoslováquia Checoslováquia
Polónia Polônia
Bulgária Bulgária
Jugoslávia Jugoslávia
Marrocos Marrocos
Comandantes
Angola:
Portugal Francisco da Costa Gomes
Guiné-Bissau:
Portugal António de Spínola
Moçambique:
Portugal António Augusto dos Santos (1964–69),
Portugal Kaúlza de Arriaga (1969–74)
Angola:
Holden Roberto
Jonas Savimbi
Agostinho Neto
Mário Pinto de Andrade
Daniel Chipenda
Guiné-Bissau:
Amílcar Cabral
Moçambique:
Moçambique Eduardo Mondlane   (1962–69)
Moçambique Filipe Samuel Magaia   (1964–66)
Moçambique Samora Moïses Machel (1969–75)
Forças
800 000 homens mobilizados para as forças armadas e serviços civis auxiliares (média de 107 000 homens destacados em África em qualquer altura) [3] 38 000 - 53 000+ ? Guerrilha
18 000 em Angola
10 000 na Guiné-Bissau
10 000 - 15 000 em Moçambique
Baixas
8 830 mortes, das quais 8 290 do exército e restantes da Marinha e da Força Aérea, sendo 2 493 de recrutamento local e 6 337 da metrópole
15 507 com deficiência permanente (física ou psicológica)
50 000 em Angola (~ 6 000 mortos)
~4 000 feridos na Guiné-Bissau
10 000 em Moçambique

A Guerra Colonial Portuguesa, também conhecida como Guerra de Libertação ou Guerra da Independência pelos movimentos independentistas africanos e asiáticos, é uma das designações atuais do período de confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação ou independência formados nas províncias do então Ultramar Português, em particular Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique — entre 1961 e 1974. O termo Guerra do Ultramar começou a ser utilizado de forma oficial por várias das principais figuras do regime, como o presidente do conselho Oliveira Salazar[4] e o então Governador da Guiné, António Spínola,[5] durante o período do Estado Novo, embora o regime ditatorial habitualmente considerasse os levantamentos armados dos movimentos de libertação como atos não de guerra, mas de terrorismo.[6] A designação Guerra do Ultramar é também a designação utilizada atualmente por antigos combatentes e associações de veteranos de guerra. Na época, a guerra era referida vulgarmente em Portugal como Guerra de África.[7]

O início deste episódio da história militar portuguesa e da história do colonialismo português ocorreu em Angola, a 15 de março de 1961, na zona que viria a designar-se por Zona Sublevada do Norte, que corresponde aos distritos do Zaire, Uíje e Quanza-Norte. A Revolução dos Cravos em Portugal (25 de Abril de 1974), e que põe fim à ditadura do Estado Novo, resulta em grande parte dos desenvolvimentos políticos, sociais, militares e legais da guerra. A mudança do rumo político do país permitiu que se pusesse fim a uma guerra que durava há treze anos e dar início ao processo de descolonização. Os novos dirigentes anunciavam a democratização do país e predispunham-se a aceitar as reivindicações de independência das colónias. Entre 1974 e 11 de novembro de 1975 o Estado português negoceia com os movimentos de libertação a transição para a independência dos territórios africanos sob o domínio colonial português.

Durante o conflito armado, o Estado Novo aumentou progressivamente a mobilização das forças armadas portuguesas, nos três teatros de operações, de forma proporcional ao alargamento das frentes de combate que, no início da década de 1970, atingiria o seu limite crítico. Aumento que decorre da mobilização de contingentes africanos num processo denominado "africanização da guerra".[8] O Estado Novo defendia desde o seu princípio a integridade dos territórios coloniais portugueses. A guerra sustentava-se pelo princípio político da defesa daquilo que o regime considerava território nacional por via da revisão constitucional de 1951. Ideologicamente, baseava-se no conceito de nação pluricontinental e multirracial a partir da instrumentalização das teses de Gilberto Freyre sobre o lusotropicalismo. Os movimentos de libertação defendiam a independência dos territórios sob o domínio colonial português com base no princípio inalienável de autodeterminação e independência. O seu posicionamento foi defendido num quadro internacional de apoio e incentivo à luta e apoiado nos movimentos internacionais de negritude e pan-africanismo.[9]

A Guerra do Ultramar e a Guerra do Vietnam

Portugal não era na verdade o único país que estava em guerra colonial. Em 1955, a guerra do Vietnam (1955-1975) iniciou-se e grande parte da região ocidental e oriental também viu-se afetada com essa guerra, marcada também por várias tragédias. A América do Norte e a Ásia foram os mais afetados.

Embora Portugal não tenha entrado tanto nessa guerra como na Segunda Guerra Mundial, os motivos da guerra do Vietnam acabariam por atrair anos mais tarde a atenção das organizações comunistas e dos movimentos estudantis, levando a 21 de fevereiro de 1968 a ser realizada em Lisboa uma manifestação contra essa guerra. Apesar de tudo isso, a manifestação estava legalizada por carta registada. A PIDE teria testemunhado o ocorrido. [10]

Devidos às tragédias e consequências causadas, a Guerra Colonial Portuguesa viria a ser particularmente conhecida como "Vietnam português" e mencionado por uma imprensa que 1968 "deixou marcas para sempre".[11]

Contexto político-social

Nas colónias europeias sempre existiram movimentos de oposição e resistência à presença das potências coloniais. Porém, ao longo do século XX, o sentimento nacionalista — fortemente impulsionado pelas primeira e segunda guerras mundiais — era patente em todas as movimentações europeias, pelo que não será surpreendente notar o seu alastramento às colónias, já que também muitos dos seus nativos nelas participaram, expondo o paradoxo da celebração da vitória na luta pela libertação, em território colonial, ainda submetido e dependente.

Províncias ultramarinas portuguesas em África no período da Guerra do Ultramar.

Por outro lado, também as grandes potências emergentes da II Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética, alimentavam — quer ideologicamente, quer materialmente — a formação de grupos de resistência nacionalistas, durante a sua disputa por zonas de influência. É neste contexto que a Conferência de Bandung, em 1955, irá conceder voz própria às colónias, que enfrentavam os mesmos problemas e procuravam uma alternativa ao simples alinhamento no conflito bipolar que confrontava as duas grandes potências. Estas, eram, assim, chamadas a considerar com outra legitimidade as reivindicações do chamado Terceiro Mundo, quer para manter o equilíbrio nas relações internacionais da Guerra Fria, quer para canalizar os sentimentos autonomistas para seu benefício, como zona de influência. A influência externa nas colónias perdia a orientação meramente separatista e desestabilizadora, e caminhava para um efectivo apoio — ou entrave — nas relações com os países colonizadores.

No final da década de 1950, as Forças Armadas Portuguesas viam-se confrontadas com o paradoxo da situação política gerada pelo Estado Novo, que haviam implantado e sustentado desde 1926: por um lado, a política de neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial colocava as Forças Armadas Portuguesas afastadas de um eventual confronto Leste-Oeste, por outro, aumentava, na perspectiva do regime, a responsabilidade na manutenção da soberania sobre os vastos territórios ultramarinos, onde a tensão do pós-guerra avizinhava lutas independentistas nas colónias da Europa dos Impérios. Contudo, os mesmos dirigentes que afastaram Portugal da luta pela libertação europeia, optaram por integrar o país na estrutura militar da NATO, num subtil desejo de se aliar aos vencedores, em detrimento da preparação para as ameaças nos espaços coloniais, que o próprio regime considerava imprescindíveis para a sobrevivência nacional.

Esta integração de Portugal na Aliança Atlântica iria formar uma elite de militares que se tornaria indispensável para o planeamento e condução das operações durante a Guerra do Ultramar. Esta "geração NATO" ascenderia rapidamente aos mais altos cargos políticos e de comando, sem necessidade de dar provas de fidelidade para com o regime. A Guerra Colonial estabelecia, assim, incompatibilidades entre a estrutura militar — fortemente influenciada pelas potências ocidentais, de regime democrático — e o poder político. Alguns analistas consideram que o chamado «golpe Botelho Moniz» marcou o início desta ruptura, bem como a origem de uma certa desconfiança do regime em relação à manutenção de um único centro de comando, perante a ameaça do confronto com a força armada. Esta situação provocaria, como se verificaria mais tarde, a descoordenação entre os três estados-maiores (Exército, Força Aérea e Marinha).

O regime do Estado Novo nunca reconheceu a existência de uma guerra, considerando que os movimentos independentistas eram apenas terroristas e que os territórios não eram colónias, mas províncias e parte integrante de Portugal. Durante muito tempo, grande parte da população portuguesa, iludida pela censura à imprensa, viveu sob a ilusão de que, em África, não havia uma guerra, mas apenas alguns ataques de terroristas e de potências estrangeiras.

Oposição

Ver artigo principal: Oposição à ditadura portuguesa

Contrariando o que o estado pretendia transmitir como sendo de consenso geral, isto é, que as colónias faziam parte da unidade nacional, os comunistas foram os primeiros a opor-se aos confrontos. Na verdade, a primeira organização a manifestar-se publicamente foi o Partido Comunista Português, em 1957, durante o seu V Congresso, pedindo a independência imediata, completa e indolor. Porém, a censura do regime obrigava o partido a representar dois papéis: o de partido político e o de força de coesão entre os sectores oposicionistas, com os quais acordava programas que não reflectiam as suas posições anticoloniais; seguindo a mesma linha de orientação, já assim se tinham manifestado, durante as eleições presidenciais celebradas durante o Estado Novo, onde era defendida essa unidade: Norton de Matos (1949), Quintão Meireles (1951), Humberto Delgado (1958), e mesmo os candidatos apoiados pelo PCP: Ruy Luís Gomes e Arlindo Vicente.

Depois da fraude eleitoral de 1958, Humberto Delgado formou o Movimento Nacional Independente (MNI) que, em outubro de 1960, defendia a necessidade de preparar o povo das colónias, antes de lhe ser concedido o direito à autodeterminação. No entanto, nenhuma data ou metodologia foi sugerida.

Assim, a oposição ia-se assumindo lentamente, começando pelo estalar da luta armada, até se aperceber que o conflito estava a durar tempo demais. Em 1961, o n.º 8 da Tribuna Militar tinha como título, "Ponhamos fim à guerra de Angola". Os seus autores estavam ligados às Juntas de Acção Patriótica (JAP), apoiantes de Humberto Delgado, responsáveis pelo ataque ao quartel de Beja. A Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), criada em dezembro de 1962, contrapunha as posições conciliadoras. O sentimento oficial do estado português, contudo, mantinha-se: Portugal possuía direitos inalienáveis e legítimos sobre as colónias e era isso que era transmitido pelos meios de comunicação e pela propaganda estatal.

Em abril de 1964, o Directório de Acção Democrata-Social reivindicava uma resolução política e não militar. Em sintonia com esta iniciativa, em 1966, Mário Soares sugeria a preparação de um referendo sobre a política ultramarina a seguir por Portugal, e que deveria ser precedido por um debate nacional a realizar durante seis meses.

Nem a morte de Salazar fez com que o panorama político se alterasse. Só com as eleições legislativas de 1969 se viria a verificar uma radicalização da atitude política, nomeadamente entre as camadas mais jovens, que mais se sentiam vitimizadas pela continuação da guerra. As universidades desempenharam um papel fundamental na difusão deste posicionamento. Surgem, assim, as publicações Cadernos Circunstância, Cadernos Necessários, Tempo e Modo, e Polémica. É neste ambiente que a Acção Revolucionária Armada (ARA) e as Brigadas Revolucionárias (BR) se revelam como uma importante forma de resistência contra o sistema colonial português, dirigindo os seus ataques, principalmente, contra o Exército.

A ARA, vinculada ao PCP, iniciou as suas acções militares em outubro de 1970, mantendo-as até agosto de 1972. Destacam-se o ataque à Base Aérea de Tancos contra equipamento da Força Aérea, a 8 de março de 1971, e o atentado contra as instalações do quartel-general do COMIBERLANT, em Oeiras, em outubro do mesmo ano. As BR, por sua vez, iniciaram as acções armadas a 7 de novembro de 1971, com a sabotagem da base da NATO de Pinhal de Ameiro, verificando-se a última a 9 de abril de 1974, contra o navio Niassa que se preparava para zarpar de Lisboa transportando tropas para a Guiné. As BR chegaram, inclusive, a agir nas colónias, colocando uma bomba no Comando Militar de Bissau, a 22 de fevereiro de 1974.

Também o alinhamento dos sectores da finança e negócios, classes médias e movimentos operários constituiu um importante ponto de inflexão na contestação à política do regime, em 1973. Apresentavam-se, agora, concordantes quanto à independência das colónias, poucos meses antes do 25 de Abril.

Antecipação casual

A propaganda tornou-se uma forma de combate psicológico contribuindo para desorganização do inimigo.

A instrução dos quadros e tropas das forças portuguesas, por normalização da estrutura da NATO, concebeu a publicação de um conjunto de manuais intitulados "O Exército na Guerra Subversiva" que serviriam de suporte para a organização das tropas durante a Guerra. Introduziam também a necessidade da guerra psicológica que se revelaria como uma frente de combate sólida para Portugal. Com efeito, a "conquista das populações" foi aplicada a níveis tácticos e estratégicos com sucesso, exceptuando as dificuldades no início e fim da guerra.

Também se revelou fundamental a especialização de grupos armados, como os Comandos, único corpo organizado especificamente para esta guerra — desmantelado pouco tempo depois de esta terminar — e adaptação dos Fuzileiros e paraquedistas. Quanto às unidades recrutadas no próprio teatro de operações, as tropas especiais africanas, os TE, GE e GEP, Flechas e fuzileiros foram adaptadas às técnicas de combate específicas deste tipo de cenário (guerrilha) e terreno. Porém, a quase sempre deficiente instrução dos efectivos implicaria uma crescente degradação da sua eficácia, a par com o cansaço e esvaziamento dos quadros permanentes.

Com o embargo internacional à venda de armas a Portugal, as forças armadas viram-se, a partir dos anos 70, ultrapassadas tecnologicamente pelos movimentos de libertação, o que foi especialmente notório na Guiné-Bissau. O défice seria provisoriamente suportado pela supremacia aérea, até à introdução dos mísseis antiaéreos por parte dos guerrilheiros.

História

Angola

Soldados portugueses nas matas de Angola.

Guiné-Bissau

Primeiros anos (1963 — 1968)

Antes do começo da guerra, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral, tentara seguir o modelo dos movimentos nacionalistas pela independência das nações colonizadas pela França, através da negociação. Contudo, as tentativas de negociação foram ignoradas pela metrópole.[12] A guerra na Guiné-Bissau teve início em janeiro de 1963, influenciada, como o resto do império, pela rebelião em Angola três anos antes. Não obstante, a guerra de guerrilha teve também origens locais.[12] O PAIGC chegou à conclusão da inevitabilidade da luta armada quando, em 1959, ocorreu um massacre de cinquenta pessoas, trabalhadores das docas em protesto, perpetrado pelo Estado colonial da Guiné-Bissau. Apesar do aumento dos avisos, através de atos de sabotagem, o início da guerra tomou os colonizadores por surpresa, com os primeiros ataques a darem-se perto da fronteira com a Guiné Conacri.[13] A presença militar de Portugal na altura totalizava duas companhias de infantaria. Poucos meses depois, o Ministro da Defesa do Estado Novo, Manuel Gomes de Araújo, chegou a conceder ao público que quinze por cento do território era controlado pelo PAIGC, e que a guerra se expandia a norte.[13] Apesar da conjuntura de acalmia no teatro de guerra angolano, o reforço acelerado foi incapaz de conter o avanço das guerrilhas. A divisão entre o governador do território, que afirmava ser possível ganhar a guerra, e o seu comandante militar, que questionava publicamente as suas declarações, era um símbolo da confusão e divisão por parte de Portugal.[14] Os cargos foram-lhes retirados a meio de 1964, e o ditador Oliveira Salazar, exasperado, substituiu-os por Arnaldo Schulz, que tomou as posições de ambos. As suas tentativas de reganhar a iniciativa militar, contudo, foram mal sucedidas.[14]

Desde do começo, a posição da metrópole sobre o território era posta em causa. As zonas do sul e do centro-sul tinham sido perdidas desde o início, e o único aliado do Estado colonial dentro do território estava no nordeste da Guiné-Bissau, com o receio dos chefes tradicionais Fulas sobre o radicalismo do PAIGC.[14] Uma nova frente, pouco tempo depois, começou no norte, perto da fronteira do Senegal, e desta vez com a ajuda de ambos Estado vizinhos, que ofereciam algum refúgio para os guerrilheiros. O território da Guiné-Bissau permitiu que os guerrilheiros perfurassem profundamente o território usando o mar, e os grandes rios e bacias hidrográficas.[14] Entre as táticas mais importantes do PAIGC, estavam "incursões profundas dentro do território seguido de uma retirada rápida através das fronteiras da Guiné Conacri e do Senegal". Na metade da década de 1960, o PAIGC, constituído por cerca de seis mil membros, estabelecera em duas áreas de forte florestação no norte e no sul dois santuários internos, ou "zonas libertadas". Em 1966, segundo a história oficial do PAIGC, cerca de sessenta por cento do território estava sob o seu controlo.[14]

Em 1966, estavam na Guiné-Bissau cerca de trinta mil tropas portuguesas. O avanço inicial dos guerrilheiros fora detido, com poucas alterações de território, mas a violência do conflito continuou inalterada, com o atrito constante sobre as guarnições individuais das forças colonizadoras.[15] As grandes partes do interior eram abandonados pelo exército português, já que a tática do PAIGC — de pequenos grupos altamente móveis — forçou-o, e o seus método excessivamente convencional de guerra, a concentrar-se na defesa preventiva dos centros urbanos. O orçamento colonial entrou em afundou-se em défice, e a pequena vantagem económica do território cessou de existir.[16] A Companhia União Fabril (CUF) deixara a sua produção em 1965 assim como os seus armazéns no interior. A produção de amendoim diminuiu dois terços e o alimento básico no território, o arroz, passou a ser importado.[16]

Período de António de Spínola (1968 — 1973)

António de Spínola, então Brigadeiro que se tornaria, mais tarde, General, substituiu Arnaldo Schulz, após este ser retirado da Guiné-Bissau. Spínola era um "produto típico da classe média alta de Portugal metropolitano do pós-guerra que mais beneficiou do Estado Novo e que povoou os seus estratos políticos, económicos e militares superiores".[16] Oliveira Salazar escolhera Spínola devido ao seu comando militar regional na guerra em Angola. Não obstante a imprecisão das circunstâncias e condições da sua nomeação por Oliveira Salazar, teve o seu comando quase inteiro durante o período de Marcello Caetano, menos rígido do que o ditador de longa data.[16] Quatro meses após a sua nomeação, os poderes de primeiro-ministro de Oliveira Salazar passaram para Caetano, na sequência de um forte derrame que o atingiu. A relação entre Caetano e Spínola estiveram no centro da autodestruição do imperialismo português e do fim da ditadura, derrubada cinco anos e meio depois, na Revolução de 25 de Abril de 1974.[17]

Quando chegou à Guiné-Bissau, Spínola removeu oficiais militares e civis vistos como ineficientes ou incompetentes dos seus antigos postos, da era de Schultz. As suas táticas, apesar de marcantes no contexto da prática portuguesa até então, não eram inovadoras internacionalmente, e assemelhavam-se fortemente àquelas utilizadas pelos Estados Unidos no Sudeste Asiático.[18] As três "verdades militares" básicas sobre campanhas antiguerrilha, que "as 'guerras de subversão' não podem ser ganhas apenas por meios militares; os militares poderiam aspirar apenas a não perder em vez de ganhar; a vitória só poderia vir através de ação governamental no domínio político", estavam na sua essência. Nestas circunstâncias, e dado o contexto da Guiné, o Estado colonial passou a reconhecer as demandas do PAIGC como legítimas e tentou satisfazê-las dentro das possibilidades políticas disponíveis.[18] Em simultâneo, aproveitou todas as oportunidades para explorar e aumentar a divisão entre os mestiços caboverdianos e os africanos da Guiné-Bissau. Houve, inclusive, esforços para tentar influenciar Amílcar Cabral, que o Estado colonial via como "licitável e reformável".[18] O objetivo político máximo seria o da aceitação de Amílcar Cabral de um referendo na Guiné, que oferecia a melhor hipótese de o Estado Novo perdurar o domínio colonial. Contudo, a implementação deste plano aumentaria os poderes do governador colonial num império altamente centralizado, e requeria uma mudança fundamental na política do regime instaurado em Portugal.[18] O fracasso em alcançar esta mudança também acabou por determinar não só o resultado da Guerra, como do regime em si.[18]

Posto de controlo montado pelo PAIGC na Guiné-Bissau em 1974, depois da declaração de independência.

Moçambique

Coluna mobilizada para a reconquista da roça Beira Baixa no norte de Angola (1961)


Estado Português da Índia

Fim da guerra

Hastear da bandeira da Guiné-Bissau após o arrear da bandeira portuguesa, em Canjadude (1974).

O Programa do MFA, da responsabilidade da sua Comissão Coordenadora apresentava, de forma inequívoca, a vontade de possibilitar a independência das colónias. Porém, a remoção desta alínea, negociada durante a noite de 25 para 26 de Abril, levantaria ainda alguns equívocos a respeito, que só seriam esclarecidos pela Lei 7/74 de 27 de julho. Esta medida levantaria grande parte da cortina que separava o Estado Português de conseguir negociações com os movimentos de libertação. Dava-se assim início ao processo de descolonização.[carece de fontes?]

Relativamente a São Tomé e Príncipe e Guiné Portuguesa, foi assinado o Acordo de Argel em 25 de agosto de 1974.[19]

Também em Timor-Leste se verificou um período dramático, já que as autoridades portuguesas não tinham como dispor de capacidade para normalizar os conflitos, acabando a Indonésia por invadir a ilha.[carece de fontes?]

A Organização de Unidade Africana

Ver artigo principal: Organização de Unidade Africana

Formalmente constituída em Adis Abeba em Maio de 1963, a Organização de Unidade Africana (OUA) assentava sobre algumas das bases de cooperação africana estabelecidas pela Conferência de Lagos tanto a nível geral como regional, com a missão de reforçar a unidade e solidariedade dos estados africanos, defender a sua integridade territorial e autonomia, e eliminar, sob todas as formas, o colonialismo em África. Este último tornar-se-ia o principal objectivo da organização, mediante intervenções perante o Conselho de Segurança da ONU, como no caso da reunião urgente deste Conselho para a avaliação da conduta portuguesa para com as colónias africanas.[20]

A OUA estabeleceu um Comité de Ajuda aos Movimentos de Libertação, com sede em Dar-es-Salam, onde integrava representantes da Etiópia, Argélia, Uganda, Egipto, Tanzânia, Zaire, Guiné-Conacri, Senegal e Nigéria. Esta ajuda distribuía-se pela criação de infraestruturas, treino militar e na compra de armamento.[carece de fontes?]

Relativamente à questão colonial portuguesa, a OUA desencadeou acções no sentido do reconhecimento do Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), formado pela FNLA e Holden Roberto, em 1964. Este apoio foi, contudo, transferido para o movimento MPLA de Agostinho Neto, a partir de 1967, em detrimento do primeiro, para, em novembro de 1972, novamente serem reconhecidos ambos os movimentos, tendo em vista a sua união. A legitimação da UNITA como organização anticolonialista pela OUA só se viria a verificar nas vésperas do Acordo de Alvor (1974). Em 1964, a OUA reconheceu o PAIGC como o legítimo representante da Guiné-Bissau e Cabo Verde, bem como a FRELIMO para Moçambique, em 1965.[carece de fontes?]

Afora a questão portuguesa, a OUA ainda se esforçou por afastar a intervenção das potências externas durante a guerra da secessão do Catanga (1960-65), a Declaração Unilateral da Independência da Rodésia (1966-1979) e o conflito de Biafra (1967-1970).[carece de fontes?]

Acção psicológica e Aldeamentos

Durante o conflito em África, uma das estratégias das forças portuguesas foi a designada Acção Psicológica (baseada na doutrina militar norte-americana e francesa),[21] cujo objectivo era obter o apoio da população; desmoralizar o inimigo, procurando mesmo que este passasse a cooperar com o seu adversário; e manter elevado o moral das próprias tropas.[22] Este tipo de acção manteve-se durante todo o conflito, e terá sido crucial para a manutenção das Forças Armadas em África durante o período da guerra.[21][23]

Os principais meios utilizados para a acção psicológica eram a propaganda, a contra-propaganda e a informação. Em relação às populações, fazia-se o possível para lhes "conquistar o coração" através de programas de educação, ajuda sanitária, económica e religiosa, dando-lhes melhores condições de vida.[22] A política de acção social das forças portuguesas materializava-se nos "aldeamentos" e "reordenamento rural", criando, assim, um ordenamento e controlo da população, dificultando o seu contacto com os guerrilheiros.[21] Estes "aldeamentos", cercados por arame farpado,[24] eram vigiados tanto pelo exército como pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), e também por uma milícia composta por elementos da própria população, que também fazia parte da rede de informação da polícia secreta portuguesa. No entanto, este sistema de concentração da população em aldeias começou a ser posto em causa por volta de 1967, quando alguns oficiais, polícia e funcionários públicos argumentaram sobre a ruptura causada à área rural — abandonada — e ao seu futuro desenvolvimento.[25] No início da década de 1970, cerca de um milhão de pessoas tinham sido realojadas em Angola, e outro tanto em Moçambique, no âmbito do programa.[24]

Já no que concerne ao inimigo, a táctica era criar um fosso entre os guerrilheiros e a população, tentando criar uma má imagem daqueles junto desta; tentava-se, ainda, apelar à sua rendição garantindo-lhes toda a ajuda. Por seu lado, as forças independentistas dirigiam-se às populações com ideais de justiça, paz, independência e auto-determinação.[22]

Em termos internos, as tropas portuguesas também agiam junto dos seus homens reforçando-lhes o moral transmitindo-lhes a ideia de que o que combatiam era uma causa justa, recorrendo-se da exaltação patriótica.[22] No início do conflito, Portugal não estava preparado, ao nível social e legislativo, para dar apoio em caso de morte, ou ferimento, dos militares, nem das suas famílias.[26] É aqui que entra o Movimento Nacional Feminino (MNF)[27] e a Secção Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP). O MNF e a CVP, foram duas organizações que tiveram uma forte influência entre os militares portugueses utilizando a figura da mulher para, moralmente, os fortalecer e suprimir, de algum modo, as ditas falhas sociais e legislativas. Organizavam vários eventos como a festa de Natal, visita de artistas, a angariação das madrinhas de guerra para troca de correspondência entre os soldados, apoio a feridos e envio de lembranças.[28] A acção destas duas instituições iria ter um papel importante junto do governo português no que diz respeito a novas leis e normas sobre os feridos em combate, as suas pensões e apoio às famílias dos mortos.[26]

Em Portugal, a Acção Psicológica, e toda a sua organização, só teve início em 1963, integrada na contra-informação; nos anos seguintes, com o desenrolar da guerra, esta acção passou a fazer parte do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, no Serviço de Informação Pública das Forças Armadas.[28]

Consequências

Custos financeiros

Evolução das despesas extraordinárias das Forças Armadas Portuguesas e do Estado

O Orçamento e as contas do Estado Português, ao longo das décadas de 1960 e seguinte reflectiram claramente o esforço financeiro exigido ao país durante a guerra. Obviamente, as despesas com a Defesa Nacional sofreram crescentes aumentos a partir de 1961, com o despoletar dos sucessivos conflitos em África. Estas despesas com as Forças Armadas classificavam-se, para efeito orçamental, como ordinárias (DO), de carácter normal e permanente, e extraordinárias (DE), respeitantes à defesa da ordem pública em circunstâncias excepcionais. A parcela mais importante das DE, os gastos com as províncias ultramarinas, inscrevia-se no Orçamento, na rubrica Forças Militares Extraordinárias no Ultramar (OFMEU). É interessante verificar que as despesas totais do Estado sofrem incremento acentuado a partir de 1967/68, coincidindo com a subida ao poder de Marcello Caetano.[carece de fontes?]

As dificuldades orçamentais encontradas pelas Forças Armadas Portuguesas levaram o Exército a estudar o custo mínimo para as forças em campanha (OFMEU), concluindo que o custo diário médio de um combatente era, em 1965, de 165 ESC para a Guiné, 115 ESC para Angola e 125 ESC para Moçambique. Por ano, equivalia, portanto, a cerca de 42 mil ESC, de onde se derivou a fórmula V=42n (sendo n o número de homens).[carece de fontes?]

Os veteranos de guerra

  • De origem Portuguesa

Foram também vítimas da guerra os soldados que nela participaram, tornando-se uma das faces mais visíveis das consequências do conflito. Não obstante, os hospitais militares tornaram-se simultaneamente, para estes, um refúgio e um depósito onde a sociedade mantinha longe da vista os corpos amputados. Nem o Código de Inválidos de 1929, que visava dar um estatuto de reconhecimento e assistência aos feridos na I Guerra Mundial, evitou que ficassem na miséria, sem direito a assistência médica ou quaisquer regalias sociais.[carece de fontes?]

Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Lisboa.

É também neste contexto que o 25 de Abril de 1974 mostra uma luz de esperança, ao ser instituída a Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que teve como primeiro acto a apresentação à Junta de Salvação Nacional de um conjunto de princípios reivindicativos, que possibilitavam a prestação de serviços de apoio aos associados, desde os processos burocráticos e administrativos, aos cuidados de saúde, reabilitação física e integração social. Esta associação conta com mais de 13 500 associados, ilustrando perfeitamente as necessidades sentidas pelos feridos de guerra. No entanto, alguns levantamentos estatísticos efectuados pela ADFA apontam a marca para os 25 milhares, durante todos os 13 anos de guerra. Em relação ao stress de guerra, a ADFA estima números bastante superiores aos apontados pelas fontes oficiais (560).[carece de fontes?]

  • De origem Guineense

Na antiga Guiné Portuguesa, uma parte dos que combateram pelo lado do governo de Portugal contra o PAIGC, eram soldados ou milícias naturais do próprio território. Após a independência, a grande maioria desses combatentes foram abandonados à sua sorte em consequência de várias circunstâncias entre as quais a falta de definição do seu estatuto nos acordos assinados entre as forças beligerantes e à falta de capacidade de resolução de tantos problemas em simultâneo pelos novos governantes de Portugal durante a Revolução dos Cravos.[carece de fontes?]

A principal consequência desses factos foi a sua perseguição e assassinato pelos seus antigos inimigos. Estima-se que tenham sido assassinados sumariamente milhares de ex-combatentes, havendo quem avance com números na ordem dos onze mil.[carece de fontes?]

O 10 de Junho

Desfile militar por ocasião do Dia de Portugal, na avenida marginal de Luanda.

O regime aproveitou a data quase esquecida do 10 de Junho, que detinha uma conotação como o Dia da Raça, entretanto desactualizada, para transformá-la num grande evento de apoio à política colonial, sob pretexto de homenagear os heróis que a suportavam na frente de combate. O dia 10 de Junho passaria, assim, a carregar consigo uma identificação próxima com a defesa do regime e das colónias, enquanto as Forças Armadas eram chamadas para a demonstração do poderio militar português.[carece de fontes?]

A primeira das celebrações realizou-se em 1963, no Terreiro do Paço, em Lisboa, para condecorar combatentes. Este modelo seguir-se-ia, com ligeiras alterações, até 1973: formatura geral dos três ramos das Forças Armadas, dispondo os alunos do Colégio Militar e do Instituto Militar dos Pupilos do Exército, seguidos dos cadetes da Escola Naval e da Academia Militar. Segundo o Diário de Notícias, edição de 12 de junho desse primeiro ano, «quatro mil homens descansavam as mãos nas armas de guerra. Em volta, uma multidão silenciosa. A memória dos combatentes do Ultramar impunha respeito».[carece de fontes?]

As cerimónias de condecoração de militares no 10 de Junho celebravam-se também nas regiões militares metropolitanas, no Porto, Tomar, Évora, Funchal e Ponta Delgada, presididas pelos respectivos comandantes, bem como nas capitais dos teatros de operações, Bissau, Luanda e Lourenço Marques, presididas pelos respectivos governadores.[carece de fontes?]

Com a Revolução do 25 de Abril de 1974, o dia passar-se-ia a designar como Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.[carece de fontes?]

Em Portugal

O período entre 1974 e 1994, relativo à produção de obras sobre o período colonial, foi baixa, e é referido como de "lento degelo", com um aumento da produção em 1991.[29] São documentadas dezasseis ficções, onze documentários, dezassete documentários feitos para a televisão, e dez produções de "mesa redonda" e entrevistas.[30]

Nas obras de ficção, predominam os sentimentos de culpa nos personagens e a dificuldade de, após voltarem à metrópole, prosseguirem uma "vida normal". Nos filmes de ficção que seguiram a Revolução de 25 de Abril, predominaram as consequências que a guerra teve na metrópole.[31] Entre 1974 e 1984, foram produzidos cinco filmes de ficção, aumentando para onze entre 1985 e 1994. O Um Adeus Português (1985), de João Botelho, e o Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990), de Manoel de Oliveira, são considerados como "dois dos filmes mais assinaláveis" deste período.[31]

Ao contrário das ficções, a quantidade de documentários diminuiu de nove, de 1974 a 1984, para dois, de 1984 a 1994. No primeiro período, a visão anticolonial era explítica em pelo menos seis deles; no segundo período, não existe: um é sobre a comunidade cabo-verdiana em Portugal, e outro sobre uma exposição de fotografias de Timor-Leste em Lisboa.[32] Este fenómeno também se repetiu nos documentários para a televisão, que eram realizados quase exclusivamente pela Rádio e Televisão de Portugal (RTP), que é a televisão pública. De treze documentários realizados entre 1974 e 1984, caiu para quatro entre 1985 e 1994.[32] No primeiro período, onze dos documentários eram explicitamente anticoloniais. O momento da independência, o primeiro ano das nações independentes, assim como a continuação do racismo na África do Sul eram acontecimentos predominantes.[32] Dos 83 documentários produzidos (incluindo os para a televisão) sobre o 25 de abril e o Processo Revolucionário em Curso, entre 1974 e 1980, só doze eram relacionados com a Guerra Colonial e a independência das nações. Entre 1974 e 1980, de todos os documentários produzidos em Portugal, apenas 3% correspondiam à Guerra Colonial e/ou à descolonização portuguesa.[32] Dos quatro documentários televisivos produzidos entre 1985 e 1994, é destacável o Geração de 60, com seis episódios, de Diana Andringa. Sendo uma "iniciativa pioneira" na RTP, uniu 105 entrevistas em 180 horas de gravação; dois foram realizados no âmbito do 20.º aniversário da Revolução, em 1994, e outro no mesmo ano, embora fora deste evento.[33]

Os poderes político e militar vigentes, contudo, "não estavam dispostos a tolerar que as Forças Armadas fossem enxovalhadas na praça pública, quer a propósito da Guerra Colonial quer da Descolonização", marcados pela suspensão da série "Os Anos do Século" após o episódio "Uma guerra inútil", de março de 1979, sobre a imagem das Forças Armadas e a igreja católica, pela esquerda; e da leitura que a série "Grande Reportagem" de 1981, fez sobre o "Relatório de Timor", onde se "acusou sem fundamento as autoridades políticas e militares de 1975 de cumplicidade com a anexação de Timor pela Indonésia", pela direita.[33]

No cinema

No cinema português, a Guerra do Ultramar, ao contrário do verificado em outros períodos marcados pelas circunstâncias político-militares, não teve uma incidência direta, quer em atualidades, quer em reportagens, por dois motivos principais: a influência da censura e a posterior importância da televisão. Em contrapartida, o documentarismo mereceu um expressivo incremento nos países africanos envolvidos, especialmente Angola e Moçambique. Na televisão em Portugal o tema esteve pouco presente até ao novo milénio, quando surgiram sólidos contributos entre os quais podem destacar-se As Duas Faces da Guerra, de Diana Andringa e Flora Gomes e, acima de tudo, as três monumentais e rigorosas séries de programas de Joaquim Furtado: A Guerra: Colonial; do Ultramar; de Libertação (em fevereiro de 2012 a 3.ª e última série ainda não foi tornada pública). Por outro lado, a Guerra Colonial reflectiu-se, desde meados da década de 1960, na área ficcional da cinematografia lusitana, explorando sobretudo os conflitos individuais. Destacam-se, a título de exemplo, um documentário longo, em 70 min, produzido pelo Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Angola na Guerra e no Progresso (1971, Quirino Simões), baseado em Aquelas Longas Horas, de Manuel Barão da Cunha, com uma síntese dos acontecimentos de 1961 e a subversão do Leste a partir de 1967.[carece de fontes?]

Após o 25 de Abril de 1974 e o levantamento da censura política, a produção cinematográfica alterava substancialmente o teor das produções, agora mais voltado para a exposição do pós-guerra. Produzido para a RTP, Adeus, até ao Meu Regresso (1974, António-Pedro Vasconcelos) narrava alguns casos significativos entre os milhares de soldados que combatiam na Guiné, a propósito das mensagens de Natal para as famílias; Incompleto ficou O Último Soldado (1979, Jorge Alves da Silva), sobre as dificuldades de readaptação conjugal e social de um oficial pára-quedista (João Perry) de regresso a Portugal; La Vitta e Bella (1979, Grigori Tchoukrai), uma co-produção luso-ítalo-soviética, filmada em Lisboa, sobre um taxista, ex-aviador militar que, durante a guerra de Angola, recusara abrir fogo e afundar um barco com mulheres e crianças; em Actos dos Feitos da Guiné (1980), Fernando Matos Silva, argumento com Margarida Gouveia Fernandes, encena, em forma de teatro de crítica, a relação histórica do colonialismo português e seus heróis, com excertos filmados na Guiné, em 1969-70; A Culpa (1980, António Vitorino d'Almeida), narra a obsessão de um ex-combatente da guerra da Guiné (Sinde Filipe); Em Gestos & Fragmentos — Ensaios sobre os Militares e o Poder (1982, Alberto Seixas Santos), Otelo Saraiva de Carvalho descreve o percurso, seu e dos seus camaradas do Movimento dos Capitães, que levou o país da Guerra Colonial ao golpe de estado do 25 de Abril; Um Adeus Português (1985), João Botelho e Leonor Pinhão evocam um incidente com uma patrulha que se perde no mato, com a morte de um furriel; Era Uma Vez um Alferes (1987, Luís Filipe Rocha), sobre a obra de Mário de Carvalho, produzido para a RTP, reconstitui um episódio em África, em que um alferes português pisa uma mina, que rebentará quando ele levantar o pé; Non ou a Vã Glória de Mandar (1990, Manoel de Oliveira), uma reflexão sobre a identidade da pátria por parte de alguns soldados, no final da Guerra, pouco antes do 25 de Abril, ilustrada desde o início de Portugal como nação independente.[carece de fontes?]

Em 1975, a guerra do Vietnam chega ao fim, no mesmo ano em que Portugal negoceia os movimentos de libertação a transição para a independência dos territórios africanos sob o domínio colonial português.[34]

Na literatura

Ao contrário da repercussão literária portuguesa em outras ocasiões belicistas, a Guerra Colonial contribuiu significativamente para a produção portuguesa. Com cerca de 60 romances em que é tema, e outros 200 em que é subtema, a literatura sobre os acontecimentos formam a única corrente de fundo centrada sobre a guerra. Também aqui, a dualidade do suporte versus oposição ao império só seria manifestada abertamente após a Revolução dos Cravos. Com efeito, as produções tenderam a dramatizar a culpa e assumiram um carácter anti-heroico, antimilitarista e auto-punitivo, como é o caso de Jornada de África de Manuel Alegre, em oposição à produção literária dos africanos lusófonos relativa à sua guerra de libertação. Entre as excepções a estas obras contam-se: A Vida Verdadeira de Domingos Xavier ou Nós, os do Maculusu, de José Luandino Vieira, As Lágrimas e o Vento, de Manuel dos Santos Lima, Mayombe, de Pepetela (todos romances angolanos), Angola, Angolé, Angolema, de Arlindo Barbeitos, os sete contos compilados em Nós Matámos o Cão Tinhoso, do moçambicano Luís Bernardo Honwana. Um exemplo marcante da literatura imparcial portuguesa foi a obra de António Lobo Antunes, em Os Cus de Judas ou em Fado Alexandrino.[carece de fontes?]

Noutro contexto, a literatura técnica sobre a arte militar conheceu também importantes publicações sobre a experiência de combate por parte de fuzileiros, comandos, desertores e elementos dos corpos auxiliares. Há numerosas publicações que narram a experiência — directa ou indirecta —, da guerra e dos seus efeitos, como, por exemplo, o livro de aerogramas de António Lobo Antunes (D'este Viver aqui neste papel descripto, 2005), os dois volumes do Diário da Guerra, de Mário Beja Santos (2008), O Salazar nunca mais morre, de Manuel Beça Múrias (2009), as Crónicas de Guerra, de Rocha de Sousa (1999), ou os depoimentos de mulheres de militares mobilizados no Ultramar em África no Feminino, de Margarida Calafate Ribeiro (2007).[carece de fontes?]

Na poesia, Couto Viana, Bação Leal, Assis Pacheco preenchem a lacuna (todos eles integram a vasta coleção de poemas da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, de 2011); no drama, Fernando Dacosta, n'Um Jeep em Segunda Mão; nos documentários, o diário Jornal de Campanha de Liberto Cruz; no romancismo, a prosa de Juana Ruas, o romance Morte em Combate, de António Silveira ou Autópsia de um mar de ruínas, de João de Melo.[carece de fontes?]

Nas artes plásticas

O tema foi pouco tratado no sector de Artes Plásticas, salvo excepções como alguns cartoons de João Abel Manta, Jaz Morto e Arrefece o Menino de Sua Mãe (1973), de Clara Menéres, ou projectos recentes (Séc. XXI) de Ana Vidigal ou Manuel Botelho.[carece de fontes?]

Ver também

Referências

  1. «Afrikka» (PDF). Consultado em 12 de Maio de 2011 
  2. (em português) FNLA - um movimento em permanente letargia, guerracolonial.org
  3. https://books.google.pt/books?id=bGO3Q-96wkAC&printsec=frontcover&dq=joao+de+melo+anos+da+guerra&hl=pt-PT&sa=X&redir_esc=y#v=onepage&q=oitocentos%20mil&f=false
  4. L. (6 de dezembro de 1962). «A transmissão de poderes dos novos membros do governo». Jornal da Madeira (9420): 1.ª página. ...as operações de guerra do Ultramar Português.. (discurso de Salazar) 
  5. «O Governador da Guiné regressou a Bissau». Diário de Notícias (Madeira) (30653): 3. 30 de novembro de 1968. A Nação tem de viver a guerra do Ultramar na sua real intensidade 
  6. Rodrigues, Fátima (2016). «O modo luso-tropical de fazer ver a guerra». Revista Brasileira de História da Mídia. Consultado em 18 de janeiro de 2020 
  7. A utilização abusiva dos termos «colonial» e «Guerra Colonial», por João José Brandão Ferreira, IPEC, 26 Outubro 2020
  8. Gomes, Carlos Matos (2013). «A africanização na Guerra Colonial e as suas sequelas. Tropas locais – Os vilões nos ventos da História». In: MENESES, Maria Paula; MARTINS, Bruno Sena. As Guerras de Libertação e os sonhos coloniais: Alianças secretas. Coimbra: CES/Almedina. pp. 123–141 
  9. ARAÚJO, Marta; MAESO, Silvia Rodríguez (2016). Os contornos do Eurocentrismo. Raça, história e textos políticos. Coimbra: Almedina 
  10. Há 50 anos em Lisboa: Manifestação contra a guerra do Vietname | Esquerda
  11. Há 60 anos começou-se a matar e morrer no ‘Vietname português’ - Domingo - Correio da Manhã (cmjornal.pt)
  12. a b Macqueen 1999, p. 211.
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  34. 40 anos depois: Dez coisas que você talvez não saiba sobre a Guerra do Vietnã - BBC News Brasil

Bibliografia

Leitura adicional

Ligações externas