Movimentos LGBT no Brasil
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Movimentos civis LGBT no Brasil são uma série de manifestações sócio-político-culturais em favor do reconhecimento da diversidade sexual e pela promoção dos interesses dos homossexuais diante da sociedade brasileira.
O movimento em si não tem uma data de início específica mas as manifestações contra o preconceito que se exercia contra as pessoas homossexuais pode ser sentida desde a década de 1960, com especial ênfase a partir da década de 1970, depois da abertura política.
História
[editar | editar código-fonte]Origem
[editar | editar código-fonte]O primeiro ato político em relação aos direitos dos homossexuais no Brasil foi registrado no ano de 1977, quando o advogado gaúcho João Antônio Mascarenhas, que morava no Rio de Janeiro, convidou o editor da publicação Gay Sunshine, de São Francisco, Estados Unidos, para realizar conferências no país.[1]
Mascarenhas ainda criou, durante a ditadura militar, a publicação O Lampião da Esquina, que militava contra o preconceito e pelos direitos civis LGBT e durou de 1978 a 1981.[1][2]
Movimento organizado
[editar | editar código-fonte]Com o endurecimento da ditadura militar, entre as décadas de 1960 e 1970, um movimento estudantil ativo começa a ganhar visibilidade. Nos anos 1970, o movimento feminista ganha evidência e, na segunda parte da década, surgem as primeiras organizações do movimento negro contemporâneo, como o Movimento Negro Unificado, e do movimento homossexual, como o Somos - Grupo de Afirmação Homossexual, de São Paulo.[3]
Assim como no movimento feminista e no movimento negro, a "primeira onda" do movimento homossexual continha propostas de transformação para o conjunto da sociedade. Pertenceram a essa fase o grupo Somos e o jornal Lampião da Esquina, que promoviam a reflexão em torno da sujeição do indivíduo às convenções de uma sociedade sexista, gerando espaços onde a diversidade sexual podia ser afirmada. O movimento desse período é marcado por um forte caráter anti-autoritário, em reação ao contexto da ditadura.[4]
Em 1979, num dos primeiros encontros de homossexuais militantes no Rio de Janeiro, as resoluções foram a reivindicação da inclusão do respeito à orientação sexual na constituição federal; campanhas para retirar a homossexualidade da lista de doenças; e a convocação de um primeiro encontro de um grupo de homossexuais organizados, o que aconteceu em São Paulo em abril de 1980. No mesmo ano, há uma cisão no grupo Somos com o surgimento do primeiro grupo exclusivamente lésbico. Em 13 de junho é realizada a primeira passeata organizada pelo movimento na região central da capital paulista.[4]
A partir de 1980 se inicia a atuação do Grupo Gay da Bahia (GGB), que vai ter uma influência muito grande nos anos de 1980 e que, de certa forma, vai ajudar também a fortalecer o ativismo no Nordeste. Em 1983, o grupo Somos de São Paulo é dissolvido. É também nesse momento que eclode a epidemia do HIV/AIDS, o que reduz o número de grupos ativistas e atrapalha ainda mais o movimento civil organizado homossexual no país.[4]
Nesse contexto que emerge o que chamo de "segunda onda" do movimento homossexual no Brasil, que corresponde a um período de aumento da visibilidade pública da homossexualidade, com o início da criação de um mercado de bens e serviços voltados ao público homossexual. Este período é marcado por um ativismo mais pragmática, com o objetivo de garantir direitos civis e ações contra discriminações e violência.[3]
Constituição de 1988
[editar | editar código-fonte]Em 1985, João Antônio Mascarenhas também colaborou com a decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de deixar de considerar a homossexualidade um distúrbio mental. Além disso, o advogado participou do debate da elaboração da Constituição Federal de 1988, sendo o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado para falar à Assembleia Nacional Constituinte, com o intuito de argumentar pela inclusão do termo "orientação sexual" no artigo 3.º, Inciso IV, que estabelecia "o bem de todos, sem preconceitos contra quaisquer formas de discriminação".[1][3]
“ | A cada vez que o assunto entrava em pauta a temperatura da Assembleia subia e os debates descambavam para insultos pessoais. Os constituintes, contrários à petição dos homossexuais costumavam insinuar que seus defensores tentavam legislar em causa própria. A fúria provinha especialmente de deputados ligados às igrejas evangélicas. | ” |
No dia 28 de janeiro de 1988, no entanto, o termo acabou rejeitado pela maioria dos representantes da Constituinte. Dos 559 políticos que exerciam mandato no Congresso Nacional do Brasil, 429 (ou seja, mais de três quartos) se opuseram à proposta de inclusão.[1]
Terceira onda
[editar | editar código-fonte]No início dos anos 1990, o movimento LGBT cresceu como resposta à epidemia, tornando o Brasil pioneiro na resposta comunitária e governamental à AIDS (ver HIV/AIDS no Brasil) e dá inicio à "terceira onda" do movimento. Nessa época também há um aumento do número de grupos e a expansão do movimento por todos os estados do país, além da diversificação de tipos de organizações.[3][4]
Nesse novo momento, uma das características é a diferenciação de vários sujeitos políticos internos ao movimento: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com foco em demandas específicas de cada um desses coletivos. Em 1995, ocorre a fundação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a primeira e maior rede de organizações LGBT brasileiras, que reúne cerca de 200 organizações espalhadas por todo o país, sendo considerada a maior rede do tipo em toda a América Latina. Com a criação da ABGLT, várias redes nacionais surgem pelo país. Em 2007, havia a ABGLT, a Associação Brasileira de Lésbicas (ABL), a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Associação Nacional de Travestis (Antra), o Coletivo Nacional de Transexuais (CNT), o Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB) e a Rede Afro LGBT.[3][4]
Paradas do movimento homossexual passaram a ocorrer por todo o país. Segundo a ABGLT, 300 eventos do tipo forma realizados no país em 2007. A maior delas, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, já chegou a reunir 3 milhões de pessoas, segundo a Prefeitura de São Paulo.[3][4]
Em 2004, é criado o programa "Brasil sem Homofobia", com o objetivo de criar uma articulação interministerial, para inserir ações de combate à homofobia em diversos ministérios, com a criação de grupos de trabalho compostos por gestores, técnicos e ativistas, que passam então a contribuir na proposição e no controle social de políticas públicas. Nas eleições de 2014, o deputado Jean Wyllys foi reeleito como o sétimo mais votado entre os candidatos do estado do Rio de Janeiro, com pouco menos de 145 mil votos válidos.[5] Abertamente homossexual, Wyllys é um dos mais atuantes parlamentares brasileiros na defesa dos direitos humanos, especialmente em relação aos direitos LGBT.[6] A maior torcida organizada do Brasil — a Galo Queer — foi fundada em Minas Gerais depois de uma cientista social visitar o estrangeiro e ter se chocado com a realidade do futebol brasileiro.[7]
Organizações
[editar | editar código-fonte]Organização | Fundação |
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Aliança Nacional LGBTI | 2003[8] |
Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) | 2000[9] |
Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT) | 2012[10] |
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) | 1995[11] |
Associação Brasileira Intersexo (ABRAI)[10] | 2018[12] |
Articulação Brasileira Não Binária (ABRANB)[13][14] | 2021[15] |
Associação de Travestis e Liberados (ASTRAL) | 1992[10] |
Bancada LGBT+ Brasileira | 2023[16][17] |
Coletivo de Artistas Transmasculines (CATS) | 2020[10] |
Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ | 2019[18] |
Coletivo TYBYRA | 2019[19] |
Evangélicxs pela Diversidade | 2016[20] |
Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS) | Não disponível |
Frente Bissexual Brasileira[10] | Não disponível |
Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF) | 1981[10] |
Grupo de Mulheres Felipa de Sousa | 2001[10] |
Grupo Dignidade | 1992[21] |
Grupo Gay da Bahia (GGB) | 1980[10] |
Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) | 2013[10] |
Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) | 2003[22] |
Rede Brasileira de Pessoas Intersexo (REBRAPI / INTERSEXO BRASIL)[23] | Não disponível |
Somos – Grupo de Afirmação Homossexual | 1978[10] |
Turma OK | 1962[10] |
VoteLGBT | 2014[24] |
Eventos históricos
[editar | editar código-fonte]Evento histórico | Data de ocorrência |
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Denúncia contra Xica Manicongo ao Tribunal do Santo Ofício | 1591[10] |
Condenação de Felipa de Souza pelo Tribunal do Santo Ofício | 1591[10] |
Execução de Tibira do Maranhão | 1614[10] |
I Congresso Nacional do Terceiro Sexo (não realizado) | 1966[10] |
I Congresso de Homossexuais do Nordeste | 1972[10] |
Primeira cirurgia de redesignação sexual para um homem trans | 1977[10] |
Primeira edição de O Lampião da Esquina | 1978[10] |
I Encontro Brasileiro de Homossexuais | 1980[10] |
Primeira edição de Chanacomchana | 1981[10] |
Invasão do Ferro’s Bar | 1983[10] |
Eleição de Kátia Tapety à Câmara Municipal de Colônia do Piauí | 1992[10] |
Encontro Nacional de Travestis e Liberados que Atuam na Prevenção da Aids (ENTLAIDS) | 1993[10] |
1.º Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) | 1996[25] |
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Homossexualidade no Brasil
- Movimentos civis LGBT
- Feminismo no Brasil
- O Lampião da Esquina
- Chanacomchana
- Tibira do Maranhão
- Filipa de Sousa
- Xica Manicongo
- João W. Nery
- Dia de Homens Trans e Pessoas Transmasculinas
- Dia Nacional da Visibilidade Trans
- Dia Nacional da Visibilidade Lésbica
- História transgênero no Brasil
- Direitos transgênero no Brasil
- Literatura LGBT no Brasil
Referências
- ↑ a b c d e Centro Paranaense de Cidadania (CEPAC) (ed.). «História do movimento LGBT». Consultado em 23 de outubro de 2015. Arquivado do original em 3 de março de 2016
- ↑ «Global Communities and Hybrid Cultures: Early Gay and Lesbian Electoral Activism in Brazil and Mexico por Rafael de la Dehesa. Latin American Research Review - Volume 42, Number 1, 2007, pp. 29-51. University of Texas Press.». Consultado em 17 de novembro de 2018. Arquivado do original em 10 de março de 2016
- ↑ a b c d e f Regina Facchini (2003). Universidade Estadual de Campinas, ed. «Movimento Homossexual Brasileiro: Recompondo um Histórico» (PDF). Consultado em 23 de outubro de 2015
- ↑ a b c d e f Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP) (ed.). «Histórico da luta de LGBT no Brasil». Consultado em 23 de outubro de 2015
- ↑ «Senador e deputados federais/estaduais eleitos: Apuração e resultado das Eleições 2014 RJ». placar.eleicoes.uol.com.br. 2014
- ↑ Veja (ed.). «Jean Wyllys». Consultado em 11 de abril de 2011. Arquivado do original em 12 de dezembro de 2012
- ↑ A corajosa "Galo Queer": cientista social funda movimento anti-homofobia na torcida do Atlético-MG
- ↑ «32 Major Corporations and NGOs Join Out & Equal in Urging Brazil's Presidential Candidates to Recognize the Importance of Inclusion for LGBTQ People in the Workplace in Brazil». Out & Equal [en] (em inglês). 5 de setembro de 2018. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ Adm. do sítio web (25 de Janeiro de 2013). «Antra pede a punição dos crimes transfóbicos em São Paulo». Portal dos Conselhos Municipais de Piracicaba. Consultado em 23 de março de 2014
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w Sarmet, Érica (28 de junho de 2022). «Por uma história espiralar do movimento LGBTQIA+ no Brasil». Escola de Ativismo. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ ABGLT. «História»
- ↑ «História». ABRAI. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ Monteiro, Dhiego (14 de julho de 2023). «Pessoas não binárias lutam por reconhecimento e direitos no RJ». ANF - Agência de Notícias das Favelas. Consultado em 13 de junho de 2024
- ↑ Morais, HBlynda (13 de março de 2024). «"Pane no cistema": discutindo a não binariedade e o protagonismo trans nas redes sociais». Revista Periódicus (20): 45–71. ISSN 2358-0844. doi:10.9771/peri.v1i20.54801. Consultado em 13 de junho de 2024
- ↑ Bonassi, Brune Camillo (2023). «Entraves no acesso à saúde para pessoas não binárias e multiplicidade ontológica legal em territórios brasileiros». Consultado em 13 de junho de 2024
- ↑ «Vem aí a "Bancada LGBT+ Brasileira"». votelgbt 7.1. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ Diadorim, Editor (9 de agosto de 2023). «O que é a Bancada LGBT+, criada por parlamentares do Brasil». Agência Diadorim. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ «Canarinhos LGBTQ – Canarinhos LGBTQ». 26 de fevereiro de 2023. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ Carvalho, Maira (28 de junho de 2023). «Coletivo Tybyra traz visibilidade para indígenas LGBTQIAPN+». Lupa do Bem. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ Serra, Cris (2022). «"O amor vence o ódio": disputas entre narrativas de deus e de gênero nos cristianismos brasileiros». Sociedad y Religión: Sociología, Antropología e Historia de la Religión en el Cono Sur (59). Consultado em 9 de setembro de 2023
- ↑ «CRP-PR será homenageado em evento de comemoração aos 24 anos do Grupo Dignidade – CRP-PR». Consultado em 13 de junho de 2024
- ↑ Silva, Zuleide Paiva da (18 de maio de 2017). «LBL - Liga Brasileira de Lésbicas: organização e luta política». Revista Periódicus (7): 20–53. ISSN 2358-0844. doi:10.9771/peri.v1i7.21650. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ «IBGE, olha pra gente!». votelgbt 7.1. Consultado em 6 de setembro de 2023
- ↑ VoteLGBT. «Relatório anual de atividades 2022» (PDF)
- ↑ «Dia da Visibilidade Lésbica: ONU Livres & Iguais celebra os 25 anos do evento que originou a data | As Nações Unidas no Brasil». brasil.un.org. Consultado em 9 de setembro de 2023
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- «ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros»
- «GGB – História da homossexualidade no Brasil: Cronologia dos Principais Destaques»
- movimento homossexual no Brasil: construção da identidade, eventos e visibilidade mediática, por por Elaine Cristina Gomes Moraes, Murilo Cesar Soares (USCS)
- Construção, negociação e desconstrução de identidades: do movimento homossexual ao LGBT, por Glaucia da Silva Destro de Oliveira, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – linha Cultura e Poder, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp.
- "O AI-5 atrasou por anos o movimento gay no Brasil" - CartaCapital