ര ۪ ݁ ! theus 𝅄 ౨ৎ ㅤ۪’s review published on Letterboxd:
incrível como walter salles não cede à tentação de transformar a dor em espetáculo, nem busca na grandiloquência a chave para tratar da tragédia. seu olhar é de uma contenção quase cruel, que nos conduz, sem alarde, ao abismo – e só percebemos a queda quando já estamos imersos. nos primeiros movimentos do filme, há vida: praias acariciadas por uma luz suave, dias plenos de promessas que, para quem os vive, parecem inabaláveis. há calor, esperança, uma luz que abraça. mas essa luz não dissolve as sombras; ao contrário, ela as torna mais dilacerantes quando começam, inevitavelmente, a se alongar. o mergulho na escuridão não acontece de forma abrupta; não há rupturas, apenas um deslizamento quase imperceptível. essa transição sutil é fundamental: a dor em ainda estou aqui não é uma explosão, mas uma corrosão lenta, insidiosa, que invade até os cantos mais íntimos, deixando-nos submersos sem que possamos respirar. o que torna o filme devastador não é apenas o retrato do trágico, mas sua habilidade em capturar o indizível – a ausência, a perda, o vazio, que se instalam no que não é dito, no silêncio que fala mais alto que qualquer palavra. o rapto de rubens paiva, centro da narrativa, é tratado com uma sobriedade que amplifica sua gravidade. não há gritos, não há histrionismo. a violência não é encenada; ela é apenas sugerida, mas sua presença é esmagadora, como um corpo que nunca retorna. salles entende que a tragédia não anuncia sua chegada; ela se infiltra na banalidade dos gestos cotidianos, em rotinas que à primeira vista parecem inofensivas. o rapto, nesse contexto, é quase um ato maquinal, despojado de qualquer grandeza – e é assim que o mal se apresenta: não como um clamor, mas como algo que ocorre sem exigir atenção, e que, ainda assim, destrói de forma devastadora.
queria encerrar aqui, mas não posso deixar de falar da cena final. a fotografia (tão usada no filme), nesse momento, transcende o ato de registrar. ela se transforma em resistência – um grito contra o esquecimento, uma negação à morte definitiva. pela arte – seja ela a fotografia, o cinema ou a palavra – a memória recusa o desaparecimento, resgatando o ausente da voracidade do tempo. não há restituição plena, mas uma travessia rumo ao intangível, àquilo que permanece mesmo na ausência. um filme sobre a ditadura. um filme sobre a memória. um filme que, na arte, encontra a última morada do irrecuperável – e, nela, a eternidade.