𝗏𝗂𝖼𝗍𝗈𝗋’s review published on Letterboxd:
❝é uma sensação esquisita sentir alívio por um atestado de óbito…❞
do remanso bonançoso em uma era de ouro, a aura de uma família serena ecoava a magnificência das suas nuances basilares que fomentavam desde sempre o afeto e primazia pela adjacência mútua, de um carinho e amor sem igual proporcionado por um Rubens e uma Eunice que sempre estiveram presentes na vida de seus filhos e nos momentos com eles vividos em seu saudoso recanto, estabelecido logo bem pertinho da praia, com porta ao mar, um lugar onde memórias foram criadas e lindas lembranças que se mantiveram com o passar dos anos. Viviam mansos e plenos, seguros de suas convicções e pensamentos em um contexto que se tornava cada vez mais obsoleto, onde pilares da boa fé e da paz social começavam a ruir em um país que se dizia se portar como democrático, mas que escondia nos bastidores um regime autoritário que promovia e empregava mais terror do que a ordem que tanto alegavam em seus discursos. No olhar em meio a uma foto onde a felicidade predominava, Eunice observava que as coisas ao seu redor estavam mudando, e seu sorriso aos poucos desaparecia, como algo que vai se esvaindo gradualmente por não conseguir conter a sensação de que algo não estava certo. Ela volta então a prestar atenção e apresentar uma cortesia que não mais era autêntica, tava mais para algo emulado forçadamente e, mal sabia ela que esse sorriso sumiria de seu rosto completamente logo mais. A partir desse pressuposto, se forma uma dualidade emocional refletida naquela mesma feição de Eunice, amedrontada e temerosa, mas que usa como escudo seu vigor, alguém forte como uma rocha, tudo aquilo que ela sempre foi, mas que se viu obrigada pela pujante condição e resolve abraçar essa virtude com maior agracio pois era a ferramenta mais adequada e necessária que ela podia fornecer. A situação fica ainda mais obscura quando seu marido e um excepcional pai, é tirado de seus braços sem ao menos ela saber como e o por que. Entorno daquelas dúvidas e da demora para um retorno que demorava mais e mais, os Paiva sob o comando de uma mãe receosa, tentavam, acima de tudo, preservar e manter de pé as bases que tornavam aquela parentela unida e presente para o que desse e viesse, não importasse a magnitude que fosse, todos ali estariam preparados para o melhor ou o pior, para o que der e vier, e no fim acabou que veio, um temor acanhado que aos poucos crescia e crescia cada vez mais, até se tornar um pesadelo que Eunice não queria relacionar para quem ela mais amava, agora literalmente amordaçada, nas palavras deles 'por saber demais' sem nem ao menos ter a chance de entender naquilo que estava sendo submetida, passando por um marasmo a assombrou por bastante tempo. A ditadura querendo ou não ainda vive, não dispondo sobre o regime dela, mas pelas feridas e e marcas pungentes que ela trouxe, feridas profundas que escancaram um período vergonhoso para essa nação, onde criminosos confessos não foram e nunca serão punidos pelas das mais graves atrocidades. Walter Salles sabe disso, ademais ele vai além dessa concepção e emprega uma visão mais catártica e pretensiosa, revelando como algo tão simples foi utilizada como uma arma mais eficaz do que os próprios canos de rifles empunhados pelos militares, este sendo o silêncio, implementado sob efeito de ameaça para calar almas, estas que até hoje permaneceram por conta da magnitude e da tremenda dor causada pelo botão 'mute' no qual foram obrigadas a acionar. Não há como descrever com tamanha exatidão tudo o que senti durante essa experiência que agregou novos aspectos para minha convicção, um deles sendo o de olhar para o passado para que não repitamos o mesmo erro novamente, afinal isso é o verdadeiro cinema, voltar atrás para resgatar memórias, sejam elas boas ou ruins e aprendermos com elas, e acima de tudo, é sobre lembrar para não esquecer.
