J.M. Darhower - Ghosted (Rev)
J.M. Darhower - Ghosted (Rev)
J.M. Darhower - Ghosted (Rev)
Sinopse
Dedicatória
Tabela de Conteúdos
Aviso
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
“Herói Trágico em Formação”
Capítulo 3
Capítulo 4
“Reunião do Clube ‘Fodam-se os Clubes’”
Capítulo 5
Capítulo 6
“A Viagem de Campo para o Problema”
Capítulo 7
Capítulo 8
“Se Dando Bem no Parque”
Capítulo 9
Capítulo 10
“Presentes de Aniversário”
Capítulo 11
Capítulo 12
“Encontro Ilegal”
Capítulo 13
Capítulo 14
“Despreparados para dizer Adeus”
Capítulo 15
Capítulo 16
“O Começo de uma Nova Vida”
Capítulo 17
Capítulo 18
“Presente de Aniversonho”
Capítulo 19
Capítulo 20
“Dores de Cabeça em Hollywood
Capítulo 21
Capítulo 22
“Vozes Perdidas & Tempo Roubado”
Capítulo 23
Capítulo 24
“Vício Fatal do Herói Trágico”
Capítulo 25
Capítulo 26
“Promessas Quebradas”
Capítulo 27
Capítulo 28
“Hora de Dizer Adeus”
Capítulo 29
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Aviso
1
No original, PR = Public Relations (relações públicas). É o responsável pelo
gerenciamento de mídia.
— Nem me fale — uma voz ágil soa do assento ao meu lado.
— Algo sobre este filme o transforma em um idiota
temperamental.
Eu desvio meus olhos para Serena enquanto ela bagunça seu
cabelo recém-tingido – castanho escuro agora, em vez de seu
loiro usual. Tem que entrar no personagem. Eu posso sentir seu
olhar, mesmo que ela esteja usando óculos escuros. É um
maldito brilho duro. Ela não está feliz comigo esta manhã. Ou
qualquer manhã.
Não é uma pessoa matinal.
Em frente a ela está sentada sua assistente de longa data,
Amanda, ignorando todos nós enquanto se ocupa filtrando o
e-mail de Serena, como todas as manhãs, eliminando qualquer
coisa que possa desencadear um acesso de raiva.
— Isso é verdade, Johnny? — Cliff pergunta. — Porque
como seu empresário, eu quero que você seja feliz, e como seu
empresário, é meu trabalho garantir que seus colegas de elenco
não sejam idiotas mal-humorados.
— Estou bem — digo. — Foi apenas uma longa semana.
A barreira de metal é retirada do caminho quando a
limusine se aproxima dela, e nós dirigimos para a área afastada,
passando por um muro de segurança. Há uma leve comoção do
lado de fora, alguns fãs gritando, enquanto a limusine passa por
um pequeno beco e para fora de vista. Cliff ajuda Serena a sair,
pegando sua mão, enquanto eu solto Amanda antes de sair da
limusine.
Serena não hesita, valsando para fora do beco e direto para a
multidão, um sorriso de repente estampado em seu rosto. Há
mais alguns gritos, alguns guinchos enquanto os fãs
enlouquecem.
Sem esconder agora.
Eu a deixo com isso. Ela adora essa parte e aproveita bem. O
centro das atenções faz suas maravilhas – os fãs adoráveis, a
câmera. Serena sempre foi destinada a ser uma estrela.
Eu? Eu queria ser ator.
Vou direto para a fileira de trailers montados na parte de trás
do beco, espalhando-se pelo estacionamento de um enorme
armazém. Teremos principalmente fotos de interiores hoje,
com algumas filmagens na rua enquanto eles coordenavam
uma explosão simulada, de acordo com a folha de chamada que
Cliff me empurra antes de desaparecer... em algum lugar.
Sets de filmagem são sempre um caos.
Sou recebido com um sorriso genuíno assim que entro no
primeiro trailer. Cabelo e Maquiagem. Jazz, com sua pele
morena quente e lábios vermelhos brilhantes, é uma visão
acolhedora. Nem sempre é fácil encontrar um rosto amigável a
essa hora, todos tão focados nos negócios. Esse trailer é o mais
movimentado, um dos maiores, meia dúzia de maquiadores
espalhados em estações bem iluminadas, mas vou direto a Jazz.
— Ei, superstar — ela diz, dando um tapinha no assento de
uma cadeira na frente de um grande espelho, gesticulando para
eu me sentar. — Parece que meu trabalho já foi feito para mim.
— Você sempre faz — eu digo, caindo na cadeira e tirando
meu chapéu, deixando-o de lado antes de passar as mãos pelo
meu cabelo grosso. É o trabalho da Jazz me fazer parecer bem,
e isso nem sempre é fácil, especialmente quando eu durmo mal
pra caralho há mais de uma semana, com bolsas escuras debaixo
dos meus olhos.
Ela começa a trabalhar, fazendo o que faz de melhor,
tagarelando sobre alguma coisa. Estou escutando vagamente,
minha mente vagando para alguns pensamentos perigosos que
continuo tendo. Pensamentos de uma vida que eu poderia ter
tido, mas joguei fora como um idiota. Sempre acontece quando
estou de volta a Nova York, há uma atração magnética difícil
de ignorar, mas faço o que posso para resistir.
É ainda mais difícil desta vez, no entanto.
Sou arrastado de volta à realidade quando Jazz diz:
— Então, li algo escandaloso outro dia.
— Um daqueles livros bizarros sobre chicotes e correntes?
Ela ri.
— Não dessa vez. Não, eu peguei uma cópia de Hollywood
Chronicles…
Eu gemo, fechando meus olhos e inclinando minha cabeça
para trás, cobrindo meu rosto com as mãos quando ela diz isso.
Estou fodendo qualquer progresso que ela tenha feito em me
fazer parecer humano novamente, mas prefiro arrancar minhas
próprias bolas e fazer malabarismos com elas como um macaco
treinado do que reconhecer que esse pedaço de tabloide de
merda existe. Eles têm sido a maldição da minha existência por
muito tempo, insistindo em colocar meu rosto na capa o tempo
todo.
— Por que você me odeia, Jazz? — eu murmuro. — Por
favor, me diga que você não deu seu dinheiro a esses idiotas.
— O que? Pfft, claro que não — ela diz com uma risada,
tirando minhas mãos do meu rosto para voltar ao trabalho. —
Eu disse que peguei, não que eu comprei. Eu estava na fila do
caixa na loja.
— Sim, bem, o que quer que dissesse, eu não quero saber...
— Disse que você e a senhorita Markson se casaram.
Eu gemo novamente.
— Eu só disse que não queria saber.
— Bem, eu te disse de qualquer maneira — diz ela. — Então,
o que você acha disso?
— Acho que você não deveria desperdiçar suas células
cerebrais em tabloides inúteis. É melhor você ficar com os livros
bizarros.
Ela me lança um olhar, mas abandona o assunto. Eu sei o
que ela está perguntando. Ela está dando dicas, tentando me
fazer contar o que está acontecendo na minha vida desde que
filmamos o último filme. Ela quer saber se há alguma verdade
nessa história, mas não estou com vontade de entrar nela.
Uma vez que a maquiagem está pronta, eu mudo para o
cabelo, antes de me despedir de Jazz e ir para o trailer do guarda-
roupa para colocar meu figurino. Meu dublê está lá, já usando
o traje azul claro e branco.
Eu coloco o meu – ou bem, eu sou empurrado nele como se
eles estivessem enfiando a porra da salsicha em sua embalagem,
o material mostrando cada maldita ondulação, então eles
cutucam e cutucam e prendem e dobram. Malha, cromo e
camadas de espuma, cobertas de material flexível ajustado, feito
para parecer um simples elastano sem, você sabe, ser elastano.
É tão desconfortável quanto você está imaginando.
— Parabéns, amigo — meu dublê diz, me dando um tapa
nas costas. — Ouvi dizer que você se casou! Homem de sorte.
Eu tremo.
— Quem te disse isso?
— Jasmine.
Jazz.
Eu vou estrangular aquela mulher.
Demora quase trinta minutos para me colocar no traje, para
ter meu bumbum com a aparência certa e meus músculos
acolchoados, já que não estou nem perto de ser um super-herói
forte. Eu saio quando termino, correndo direto para Serena
com sua assistente em seus calcanhares.
— Bem, bem, bem — diz Serena, sorrindo, enquanto ela me
olha. — É bom ver você de volta nesse traje.
Eu olho para mim mesmo, me esticando para tentar soltar o
material.
— Eu pareço ridículo.
Ela ri.
— Não parece. Você deve usá-lo o tempo todo. Estou
falando o dia todo, todos os dias, mesmo à noite.
— Continue sonhando, Ser.
— Oh, eu vou.
Ela passa por mim, mordendo o lábio inferior enquanto me
olha por trás. É vergonhoso. Eu quase coro, por mais ridículo
que seja, observando enquanto sua assistente a leva para o
guarda-roupa para que não demoremos para começar hoje.
— Ei — eu chamo. — Você deveria saber que Jazz está
contando para todo mundo…
— Que somos casados? Eu sei. — Serena revira os olhos e ri.
— Aparentemente, fizemos a capa do Chronicles novamente.
— Sim, aparentemente — eu digo enquanto ela entra no
trailer, indo para o set assim que ela sai.
É um longo dia. Tomada após tomada após tomada. Estou
suado de tanto correr e cansado de ficar de pé, minha cabeça
latejando com os estrondos e explosões, a pirotecnia
balançando a vizinhança. Há uma brecha de segurança no meio
da tarde, uma mulher passando pela barreira depois que as
cenas se movem para o exterior, mas eles a pegam.
Eu tento não pensar nisso. Tente não pensar em nenhum
deles. Eu tento não pensar nela quando sinto olhos me
observando, mas é difícil tirá-la da minha mente. Estamos
filmando uma sequência em que Maryanne, o amor da vida de
Breezeo, foi sequestrada. Serena está presa com uma bomba
prestes a explodir, e é meu trabalho salvá-la da morte iminente.
Eu faço isso, e faço isso bem, derramando minha alma em
cada momento. Está chegando ao fim da história, embora ainda
estejamos no início das filmagens. Isso tira tudo de mim,
porque finais são difíceis. Finais são difíceis pra caralho...
especialmente finais que me lembram de uma garota que estou
tentando muito não pensar.
Dou um suspiro de alívio quando terminamos o dia, meus
ombros caindo enquanto passo a mão pelo meu cabelo. Eu
tento ir embora quando Serena se joga em mim. O sol está se
pondo, escuridão se aproximando, mas o flash das câmeras
ilumina a área enquanto ela pula em meus braços.
— Isso foi incrível! — ela diz. — Tipo... uau. Você atuou
pra caramba, Johnny! Você me fez acreditar em cada palavra!
Ela me beija antes que eu possa responder, mais flashes de
câmera disparando. É só um beijinho, mas imagino que algum
paparazzi vai ganhar muito dinheiro com essas fotos hoje à
noite. Eu posso ver agora. Legenda: Johnny fode Serena na
frente de todos!
Ela se afasta quando Cliff se aproxima.
— Ótimo trabalho, vocês dois — diz ele, sua voz desprovida
de emoção, seu olhar fixo em seu Blackberry, como de costume.
— Eles vão manter a programação atual, então você estará de
volta aqui de manhã, Johnny.
— Você também, Serena — diz sua assistente.
— Parece ótimo para mim. — Serena sorri enquanto se
afasta, seu olhar permanece em mim. — Troque-se, Johnny.
Vamos comemorar!
— Não fique fora até tarde — Cliff grita. — O carro vai
pegar vocês dois amanhã às seis em ponto!
Serena faz uma careta para ele, mas não discute, indo em
direção à multidão para cumprimentar todos novamente.
— Você fez bem, idiota mal-humorado — brinca Cliff, me
dando um tapa nas costas. — Vá tirar o traje. Eu sei que deve
ser desconfortável.
Eu faço exatamente isso, vestindo meu jeans e camiseta
branca simples, colocando meu boné. Com as filmagens feitas
para a noite, a segurança afrouxou, a multidão está se
aproximando do set... perto o suficiente para que alguns deles
me cerquem quando eu saio do trailer. Merda.
Câmeras piscam, uma enxurrada de perguntas me
bombardeando.
“Johnny, posso tirar uma foto?”
“Um autógrafo, Johnny?”
“Posso ganhar um abraço?”
Esses eu não me importo, e eu faria isso o dia todo se não
fosse pelos outros. Os abutres.
“Há quanto tempo você e Serena estão juntos?”
“É verdade que vocês dois se casaram?”
“O que seu pai tem feito ultimamente?”
“Você o perdoou?”
“Você o viu?”
“Quando foi a última vez que você foi para casa para
visitar?”
Odeio as perguntas pessoais e nunca as respondo. Eu odeio
a intromissão. Eu odeio os rumores. Eu odeio tudo isso e por
um bom motivo – há muitos esqueletos no meu armário,
muitos segredos que tenho escondidos. Muitas coisas que não
posso deixar manchar um mundo tão puro que não sou mais
bem-vindo nele.
Serena aparece ao meu lado, pronta para partir. Ela sorri,
jogando para as câmeras, encantando a todos enquanto
responde o que pode, respondendo o que eu não vou.
◈◈◈
Kennedy Garfield
◈◈◈
◈◈◈
Você é sortudo.
Foi o que o médico me disse.
É o seu dia de sorte.
Mas enquanto estou deitado na cama branca do hospital no
quarto escuro privado, cercado por pessoas que não me
importo de olhar, com segurança postada em cada esquina
enquanto os telefones tocam e tocam e tocam, eu não me sinto
muito sortudo. Este dia tornou-se inimaginavelmente pior.
Concussão grave. Laceração na têmpora. Pulso direito
quebrado. Costelas machucadas. Além de uma série de cortes e
arranhões, inchaço em lugares que não estão felizes com essa
merda, isso é tudo o que parece estar errado comigo.
Então, talvez eu tenha sorte, mas as vozes ao meu redor
agora não pensam assim.
Meu empresário, um executivo de estúdio, o diretor de
cinema e um monte RP’s nesse pesadelo. Meu advogado está
aqui em algum lugar. Lembro-me de tê-lo visto antes. Eles estão
preocupados com ações judiciais e cotações de seguros e como
isso afetará a produção, mas estou mais preocupado com essa
sensação fluindo em minhas veias no momento. Porra. É o
meio da noite, e minha cabeça está girando, meu estômago
enjoado. Estou inquieto. Minhas pernas continuam
formigando e sinto que estou começando a flutuar para fora do
meu corpo.
Qualquer droga que eles estejam injetando no meu soro é
forte.
Muito forte. Estou ficando dormente.
Faz muito tempo que não sinto nada.
Eu pressiono o botão de chamada, repetidamente, até que a
enfermeira irrompe, empurrando a multidão de ternos para
chegar à cama. Cliff se afasta dos outros, aproximando-se.
— Seja lá o que for isso — eu digo, apontando para as bolsas
de soro —, preciso parar.
— A morfina? — a enfermeira pergunta confusa, colocando
a mão no meu ombro. — Querido, você vai querer isso. Vai
sentir dor sem ela.
— Eu posso lidar com a dor — eu digo. — Não tenho tanta
certeza sobre as drogas.
Ela parece ainda mais confusa agora, então Cliff entra na
conversa.
— Sr. Cunning está em recuperação, então qualquer coisa
boa é problemática, se me entende.
— Ah, bem, vou falar com o médico — diz ela. — Vamos
ver o que podemos fazer.
Eu fecho meus olhos enquanto ela corre para longe.
Arrependimento me atinge, segurando firme, uma voz em
minha mente dizendo você cometeu um erro, mas isso é o viciado
em mim gritando, o patético filho da puta que se excita com a
dormência. Isso começa no esquecimento. Mas caramba, a
sensação é boa.
Talvez eu aprecie por um tempo.
Abro os olhos novamente quando Cliff me cutuca,
segurando seu Blackberry, e olho para a tela, lendo a manchete
de uma notícia.
Quando a Ficção Encontra a Realidade
Ator super-herói salva garota
Kennedy Garfield
Breezeo: Ghosted
Edição nº 4 de 5
◈◈◈
2
Cadeia de supermercados americana.
— Olhe para mim — digo, ignorando sua pergunta, porque
ele ainda não fez contato visual comigo. — Eu preciso que você
olhe para mim, Jonathan.
Ele não olha.
Em vez disso, senta-se no capô do meu carro, murmurando:
— Jonathan. Faz muito tempo que ninguém me chama
assim.
— Ah, certo — eu digo, destrancando a porta do lado do
motorista, porque não tenho coragem de ficar aqui e brincar
com ele. — Johnny Cunning. Quase esqueci que é quem você
é agora.
— Ainda sou a mesma pessoa — diz ele calmamente.
— E quem exatamente é esse? — Eu pergunto. — Estamos
falando sobre o filho do presidente Cunningham? O sonhador,
o crente, aquele que nunca deixou que nada o detivesse? Ou
talvez estejamos falando sobre o alcoólatra. Sabe, o viciado em
cocaína.
— Eu não faço mais isso.
— Por que eu deveria acreditar em você?
— Porque é a verdade. — Sua mão esquerda desliza em seu
bolso para tirar algo. Ela reflete as luzes do estacionamento
enquanto ele a segura – uma moeda de bronze brilhante, não
muito maior que uma moeda de 25 centavos.
Uma ficha de sobriedade.
Eu não sei o que dizer. Tudo fica quieto novamente. Meus
dedos roçam os dele quando a pego. É de metal sólido, um
triângulo gravado na face dela, o numeral romano I no centro
com “recuperação” escrito na parte inferior.
Um ano sóbrio.
— As pessoas viram você saindo de um bar na semana
passada.
— Isso não significa que bebi. Eu queria, mas não fiz. Eu
não vou. — Ele faz uma pausa, sua voz mais calma quando diz:
— Eu não posso.
Eu quero acreditar nele.
Eu queria poder.
Era uma vez, acreditei em tudo o que saía dos lábios desse
homem, mas é difícil dar algum peso às suas palavras depois do
que passamos.
— Então por que você não olha para mim? — Eu pergunto.
— Você diz isso, quer que eu acredite, mas nem me olha nos
olhos.
— Porque eu fodi as coisas com você — diz ele. — Sabe
como é difícil enfrentá-la agora? Sei que nada pode apagar o
que fiz, mas preciso que você saiba o quanto estou arrependido.
Desculpas.
Não é a primeira vez que ele se desculpa. Ele fez isso todas as
vezes. Mas ele estava confuso na época, sempre, e não tenho
certeza se ele está agora, porque a ficha de sobriedade pesa na
minha mão, mas seus olhos ainda não encontram os meus.
— Sinto muito pela maneira como te machuquei — diz ele.
— Desculpe por tudo o que fiz que nos levou a este ponto. E
eu entendo, sabe, se você me odeia. Não te culparia de forma
alguma. Mas eu só preciso te dizer... preciso que você saiba...
que mesmo quando eu estava completamente fodido, nunca
deixei de te amar.
Essas palavras arrancam o ar dos meus pulmões. Eu fecho
minhas mãos em punhos, a moeda de bronze cavando em
minha palma.
— Não espero que você acredite nisso. — Ele se levanta do
meu carro, seus olhos finalmente encontram os meus, e eles são
azuis brilhantes e tão claros, mas dura apenas alguns segundos
antes de seu olhar voltar para o chão. — Mas esse não é o ponto.
A questão é que não sou perfeito, mas estou fazendo o melhor
que posso. Eu não sei nada sobre ser pai, mas espero que você
me dê a chance de tentar. Amanhã... no dia seguinte... algum
dia... quando for, estarei lá.
Ele começa a se afastar com isso, como se tivesse dito tudo o
que podia e não tivesse mais nada a oferecer.
— Jonathan — eu chamo. — Sua ficha.
— Fique com ela.
— O que?
— Sei como estou. Eu não preciso de uma moeda para me
dizer, mas talvez você precise, então fique com ela.
Eu olho para a moeda no brilho da luz da rua, não sei o que
pensar. Eu não sei o que dizer. Eu não sei para onde ele está indo
ou quanto tempo ele realmente planeja ficar.
No momento, não sei de muita coisa, exceto que ele está
aqui, na minha frente, me contando tudo o que eu ansiava
ouvir há muito, muito tempo, e estou deixando ele ir embora
com se tudo isso não significa nada.
— Jonathan — eu chamo novamente.
Ele faz uma pausa e olha por cima do ombro para mim.
— Eu, ah... estou feliz que você esteja bem — digo. — Eu vi
sobre o acidente, sobre o que você fez, ajudando aquela garota,
e eu só... estou feliz que você esteja bem.
Ele sorri levemente, um sorriso familiar, cheio de tanta
tristeza.
— Vou ficar por aqui por um tempo, quieto na cidade. Vou
ficar no Landing Inn.
— O lugar da Sra. McKleski? — Eu pergunto. — Ela alugou
para você?
Uma risada leve escapa dele.
— Ela não ficou empolgada com isso, mas eu precisava de
um lugar privado. Foi preciso um pouco de convencimento e
um baita depósito de segurança para fazer com que ela
concordasse com isso.
— Imagino — eu digo, imaginando como a mulher deve ter
parecido quando ele apareceu, procurando um santuário.
— Então, é onde eu estarei — diz ele. — Se você procurar
por mim.
Ele não espera por uma resposta, mancando. É um pouco
mais de um quilômetro de onde eu trabalho para onde ele está
indo. Memórias da voz da minha mãe me incomodam, o anjo
no meu ombro, me dizendo que eu deveria ter lhe oferecido
uma carona, mas em vez disso, eu escuto o diabo, parecendo
muito com meu pai quando ele diz: “Nunca entre em um carro
com um estranho.”
Ainda não tenho certeza de quem ele é agora.
◈◈◈
◈◈◈
É manhã.
O sol está brilhando.
A luz brilhante se derrama pelas persianas abertas que
cobrem as janelas, fluindo pelas finas cortinas brancas,
aquecendo o quarto. Não durmo mais do que alguns minutos
aqui ou ali, cochilos curtos que pareceram meros segundos
enquanto meus olhos se fechavam, antes que a realidade me
despertasse de volta – a realidade de estar de volta a esta cidade,
a realidade de tê-la visto novamente.
Há uma batida na porta do quarto, mas eu ignoro. São
quase oito da manhã, muito cedo para eu lidar com qualquer
besteira que esteja na agenda de hoje. Outra batida, e então a
porta se abre. Eu coloco meu braço esquerdo sobre meus olhos
e solto um gemido quando McKleski entra.
— Você tem uma visita — diz ela.
— Ninguém sabe que estou aqui.
— Alguém sabe ou não estaria aqui para vê-lo, hein?
Ela sai, deixando a porta aberta. Fico em silêncio por um
momento antes de mover meu braço. Visita. Apenas uma
pessoa sabe que estou na cidade.
Kennedy.
Me colocando de pé, eu cambaleio para fora do quarto e
desço as escadas. Ela está de pé no saguão, vestida com um
uniforme de trabalho, parecendo nervosa. Ela olha para mim
quando percebe que estou aqui, um olhar em seu rosto que faz
meu peito parecer tão pesado. A desconfiança brilha em seus
olhos, sempre cautelosos agora, como se ela estivesse apenas
esperando.
Esperando que eu foda tudo.
Esperando que eu a machuque.
— Ei — eu digo, parando no vestíbulo na frente dela. — Eu
não esperava ver você de novo tão cedo.
— Sim, bem, você sabe — ela murmura, não terminando
seu pensamento, desviando o olhar e olhando ao meu redor,
como se estivesse procurando por algum tipo de saída.
— Você quer se sentar? — Eu ofereço, apontando para a
área de dentro, tenho certeza de que McKleski não se
importaria.
— Não, não posso ficar. Eu só tenho algo para lhe dar.
— Ok.
Ela fica ali, quieta por um momento, mordendo a parte de
dentro da bochecha como costumava fazer quando éramos
crianças. Crianças. Eu ainda penso em nós assim às vezes. Ou
bem, eu, de qualquer maneira. Ela cresceu rápido demais, mas
eu? Nunca parei de ser aquele garoto estúpido de dezoito anos
com pouca moral e grandes sonhos.
Enfiando a mão no bolso de trás, ela tira um envelope, com
giz de cera vermelho rabiscado do lado de fora.
Meu estômago revira.
— Isso é…?
Ela acena. Eu nem preciso terminar a pergunta.
Cuidadosamente, ela estende o envelope, sua voz suave quando
diz:
— Eu disse a ela que enviaríamos, mas já que você está aqui...
— Obrigado — eu digo, olhando para ele. É endereçado a
Breezeo. — Ela sabe…?
— Não — ela diz, entendendo o que eu não consigo
terminar. — Ela não sabe que você é o pai dela. Ela, hum... ela
acha que heróis são reais, não importa quantas vezes eu
explique que são apenas pessoas, e ela olha para você como se
fosse um deles. Ela é muito jovem para vê-lo de outra maneira.
E é por isso…
Ela se desfaz. Eu sei onde está indo. É por isso que é tão
difícil para ela me dar essa chance, porque se eu for qualquer
coisa menos que esse herói, isso vai esmagá-la. E eu sei que ela
não quer dizer isso no sentido teatral. Ninguém espera que eu
use o traje e fique invisível. Mas eu tenho um histórico incrível
quando se trata de decepcionar as pessoas.
— Eu entendo — digo. — E eu sei que é muito, pedir sua
confiança…
— Mas você não vai embora desta vez.
— Não.
Acho que isso pode irritá-la, eu empurrando esse tema, mas
ela solta uma respiração profunda, sua postura relaxando.
— Bem, eu deveria começar a trabalhar. Só queria resolver
isso.
— Ah, sim, tudo bem.
Depois que ela se foi, abro o envelope e tiro o pedaço de
papel, olhando para ele. Ela me desenhou uma foto. Eu leio
suas palavras e posso sentir meu peito apertando, meus olhos
queimando, mas caramba, estou sorrindo como um tolo. Não
consigo evitar.
— Você parece o gato que pegou o canário — diz McKleski,
aparecendo no vestíbulo, espionando.
— Sim, ela deixou isso — eu digo, acenando com o papel
para ela. — É de Madison.
— Ah, pequena Maddie — ela diz. — É um pouco difícil,
aquela garota, mas o que se poderia esperar? Olhe para os pais
dela.
“A Viagem de Campo para o Problema”
Kennedy Garfield
— Surpresa!
Eu sou pega desprevenida quando essa palavra soa atrás de
mim, surpreendentemente perto no corredor. Girando ao
redor, os olhos arregalados, eu quase bato direto em um corpo
à espreita, com um metro e oitenta e três vestindo um terno
preto liso, parecendo o epítome de alto, moreno e bonito.
— Uau.
— Não assustei você, assustei? — ele pergunta. — Você
parecia estar em seu próprio mundinho. Quase não quis
interromper.
— Ah, não, estou apenas... surpresa em ver você — admito,
olhando para ele. Drew. — O que está fazendo aqui?
— Vim ver você — diz ele. — Não tenho notícias suas desde
que cancelou nosso último encontro. Tentei ligar, mas percebi
que estava ocupada com o trabalho, então pensei em passar por
aqui, talvez comprar um almoço para você.
Eu franzo a testa.
— Acabei de fazer uma pausa.
— Pena — diz ele. — Talvez jantar?
— Talvez — eu digo. — Vou ver se consigo alguém para
ficar com Maddie.
— Ou você poderia trazê-la — ele sugere, levantando as
mãos defensivamente quando eu viro meus olhos para ele. —
Ou não.
— Tenho certeza que meu pai não vai se importar — digo.
— Se ele estiver ocupado, sei que Meghan ficará feliz em fazer
isso.
— Meghan — diz ele, fazendo uma careta com a menção
dela.
— Ah, não seja assim. — Eu o cutuco, rindo. — Ela tem sido
uma salva-vidas. Não sei o que faria sem ela.
— Eu sei — diz ele. — Eu sei o que faria sem ela.
— Seja legal.
Ele finge me cumprimentar.
Drew é, bem... o que posso dizer sobre ele? Ele não é a pessoa
mais fácil de se acostumar, mas uma vez que você o conhece, ele
pode ser meio charmoso. Sarcástico, um pouco precipitado,
mas inabalavelmente determinado. Nós nos conhecemos há
anos, mas não foi até recentemente, quando o encontrei em
algum lugar com Meghan, que me abri para a possibilidade de
algo acontecer entre nós.
Faz sentido, sabe. Sou ocupada. Ele é ocupado. Ele é uma
das poucas pessoas de quem não me sinto obrigada a esconder
meus segredos.
Ele odeia minha melhor amiga, no entanto, então isso é um
grande golpe contra ele, e o sentimento é mútuo, mas isso pode
ter algo a ver com o fato de Meghan ser tão protetora quanto
uma armadura à prova de balas.
— Ligo para você — digo a ele —, assim que souber.
— Bom. — Estendendo a mão, ele cutuca meu queixo. —
Vejo você depois.
Espero até que ele vá embora antes de pegar meu telefone,
enviando uma mensagem para Meghan rapidamente, já que
estou na correria. Alguma chance de você estar livre para
ficar com Maddie hoje à noite para que eu possa ter algum
tempo adulto?
A bolha aparece, sua resposta chegando. Posso estar lá às
6. Quem é o sortudo?
Rindo, eu digito “Quem você acha?” antes de enfiar meu
telefone de volta no bolso, sem me preocupar em olhar para ele
quando vibra com uma mensagem, sabendo que será um fluxo
de emojis descontentes com alguns palavrões escolhidos – sabe,
para dar ênfase.
◈◈◈
3
Um tipo de pimenta seca. Pode se referir a comida apimentada.
puxa minha cadeira, empurrando-a de volta quando me sento,
sendo um cavalheiro. Sorrio quando penso nisso.
— O que é tão engraçado? — ele pergunta, sentando-se na
minha frente.
— Só lembrando o quanto você era um idiota quando nos
conhecemos.
— Eu não era tão ruim assim, era?
— Você nunca falou comigo.
O garçom se aproxima e peço água, enquanto Drew pede
uma cerveja.
Assim que o garçom se afasta, Drew diz:
— Tenho certeza de que você também não falou comigo.
— Porque você era um idiota.
Ele ri.
Então começa a falar novamente.
Eu faço o meu melhor para prestar atenção, entrando em
todos os lugares certos. Conheço a conversa como a palma da
minha mão. Política.
Isso torna as coisas fáceis, porém, mas Drew já é fácil. As
coisas parecem simples ao seu redor. Familiares. Ele é fácil, e
ele é gentil, e eu continuo pensando que ele é bonito, mas além
disso, nada.
Sem arrepios. Sem borboletas. Nada de sorrisos bobos.
Ele não me faz sentir como se estivesse em parafuso.
Nós comemos.
Drew bebe.
Eu fico na água.
— Vamos, vamos sair daqui — diz ele depois de pagar a
conta, recusando meu dinheiro quando me ofereço para pagar
minha parte. Graças a Deus, porque eu não podia pagar.
Ele pega minha mão, e eu deixo. Ele me leva para o
estacionamento, e eu não luto. Mas no momento em que ele
tenta me colocar no carro, hesito. Eu não diria que ele está
bêbado, mas está bebendo, e isso nunca será algo que vou
arriscar.
— Está tarde — minto – são apenas nove horas. — Posso
pegar um táxi para casa e poupar a viagem.
Ele parece confuso, sem saber como reagir. Eu sei que ele
esperava mais desta noite, e eu poderia concordar com isso,
mas...
— Vá para casa — digo a ele —, mas dirija com segurança.
Eu nunca vou te perdoar se você bater seu carro em uma árvore.
— Tem certeza? — ele pergunta, parecendo em conflito. —
Eu posso te levar para casa.
— Positivo. — Inclinando-me, eu o beijo, um pequeno
beijo. — Não se preocupe comigo. Vou ficar bem.
Capítulo 8
Jonathan
Kennedy Garfield
Breezeo: Ghosted
Edição nº 5 de 5
Antes que eu possa dar mais um passo, sou puxada para parar,
uma mão segurando meu pulso.
Virando, pega de surpresa, eu olho para ele. Jonathan. Ainda
estamos no parque, não muito longe de onde começamos. Há
uma expressão em seu rosto machucado. Não tenho certeza de
como ler, não tenho certeza do que ele está pensando ou como
está se sentindo.
Essa é a coisa com ele, no entanto.
Ele é um ator. Seu talento vem naturalmente. Ele nunca teve
que trabalhar muito duro para isso. Ele pode mudar de humor
em um momento, mudar cenas em um instante, virar o roteiro
sem que ninguém perceba o que está acontecendo. É difícil
dizer se ele está apenas interpretando um personagem ou se
você pode confiar no significado do que ele diz.
— Não — diz ele, sua voz baixa, mas determinada. — Não
faça isso.
— Não fazer o quê?
— Não aja como se você não fosse o suficiente para mim.
— Eu não era.
Ele balança a cabeça, sua expressão piscando com outra
coisa. Raiva? Dor? Frustração?
— Eu não sei como você pode dizer isso, como pode sequer
pensar isso.
— Porque é verdade — eu sussurro, olhando para onde sua
mão está em volta do meu pulso. Ele não solta. — Não estou
dizendo isso para ser rancorosa, mas é óbvio que eu não era o
suficiente para você.
— Como é óbvio?
Eu não posso acreditar que ele está perguntando isso, que
está fingindo não entender o que quero dizer. Ele está fingindo?
Não sei. Ou isso ou ele passou muito tempo ignorando a
realidade.
— Você queria muito mais do que já teve comigo — eu
digo. — Não consegui acompanhar. Tentei, mas não consegui.
As madrugadas, as festas, todos aqueles lugares e rostos
diferentes... Eu me perdi em algum lugar no meio disso tudo,
mas você nunca parou para olhar para ter certeza de que eu
ainda estava com você. E depois com a bebida, as drogas… as
mulheres.
Ele se encolhe quando digo isso.
— Eu nunca te traí.
Ele me disse isso antes, mas não é o ponto. Bom para ele por
manter suas calças, por manter suas mãos para si mesmo, mas
ainda assim, uma e outra vez, ele os escolheu. Ele me deixou para
trás, sozinha, em uma cidade onde eu só tinha ele, para que
pudesse estar com eles.
Atores. Modelos. Socialites.
Lutei tanto por ele e seu sonho. Eu desisti de tudo. Mas até
o final, ele não me deu nem um minuto.
Um minuto foi tudo que eu pedi.
— Não importa — digo. — Agora acabou, de qualquer
maneira.
Ele solta meu pulso, e eu começo a andar novamente. Ele
caminha ao meu lado. Eu posso dizer que ele quer argumentar
seu ponto de vista, e de vez em quando seus lábios se abrem,
como se tivesse encontrado as palavras que precisa para me
convencer, mas ele se detém.
Quando chegamos ao meu prédio, paro no estacionamento
não muito longe da minha porta.
— Obrigada — murmuro, sem jeito, sem saber o que dizer
neste momento.
— Você está errada — diz ele quando eu me viro, sua voz
alta o suficiente para eu ouvir. Deveria saber que ele não iria
deixar isso quieto.
Eu balanço minha cabeça.
— Não estou.
— Você está — diz ele novamente. — E eu odeio ter feito
você pensar o contrário, Kennedy.
Ele se afasta. Eu o observo ir, ignorando o pequeno pedaço
de mim que não quer que ele vá embora.
Maddie já está na cama quando entro, mas Meghan está no
sofá, passando pelos canais tão rápido que não tenho certeza de
como ela pode dizer o que está passando. Ela olha para mim,
parando enquanto se senta.
— Uau, você parece… — ela começa, acenando para mim.
— Eu pareço o quê?
— Eu não sei — ela diz —, mas você parece alguma coisa.
— Eu sinto alguma coisa — murmuro, sentando no sofá ao
lado dela, deixando cair seus sapatos em seu colo enquanto
coloco meus pés em cima da mesa de café. Meu vestido está
puxado para cima quase até a minha cintura. Provavelmente
estou mostrando minha calcinha para ela, mas não me importo.
Que noite.
— Oh Deus, foi tão ruim assim? — ela pergunta, sua voz
ficando baixa enquanto ela aperta o peito. — É pequeno? Ele
tem um instrumento de ponta fina? Ah, Deus, isso é ouro... por
favor, me diga que Andrew tem um dedo mindinho nas calças.
— Não — eu digo com uma risada, fazendo uma pausa
antes de acrescentar: — Bem, eu não sei. Nunca vi, mas duvido
que seja o caso.
— O que você quer dizer com nunca vi?
— Quero dizer, eu nunca vi. Nós nunca... você sabe.
— O que? — Ela me olha chocada. — Vocês já saíram
algumas vezes e nem brincou com aquilo? Por que não? Quero
dizer, eu não culpo você, porque é nojento, mas por que
continua se ele não está ligando para você? Qual é o ponto?
— Talvez porque ele seja legal.
— Legal? Você sabe quem mais é legal?
— Nem comece.
— Senhor Rogers — diz ela. — Ele quer que você seja sua
vizinha. Bob Ross, ele também é legal. Ele vai pintar para você
uma pequena nuvem feliz. Inferno, que tal um dos Cleavers?
Por que não sair com um deles?
— Tenho certeza de que estão todos mortos.
— Sim, bem, sua vagina também está nesse ritmo.
Rindo, eu a cutuco, quase a empurrando para fora do sofá.
— Não está.
— Tudo bem, tanto faz, então Andrew é legal. — Ela finge
engasgar. — Se você não ficou nua, o que fez hoje à noite?
— Fui jantar.
— Jantar — diz ela, olhando para mim. — Você se foi há
quatro horas. Quanto você comeu?
— Por que está fazendo tantas perguntas?
— Apenas me certificando de que você não fugiu e fez algo
estúpido, como ficar nua com outra pessoa.
— Claro que não — eu digo. — Meu vestido ficou no lugar
a noite toda.
— Mas você fugiu, não foi?
— Eu não fiz nada.
Ela acena com o dedo no meu rosto.
— Você viu ele.
Culpada.
Não preciso dizer nada. Ela sabe.
— Jesus Cristo, Kennedy…
— Eu sei, eu sei. Você nem precisa dizer.
— Ah, mas eu vou — diz ela. — Eu não vou te dizer o que
fazer. Quero dizer, eu quero. Quero dizer-lhe para obter uma
ordem de restrição, mas não vou. Eu sei que ele é o pai dela…
— Ele também é seu irmão.
Ela enfia a mão no meu rosto, afastando minha cabeça.
— Argh, não me lembre.
De pé, ela coloca os sapatos, alisando os vincos de suas
roupas.
— Você pode ficar, sabe — digo a ela. — Não precisa se
apressar.
— Eu sei — ela diz, brincando com meu cabelo até que eu
dou um tapa em sua mão. — Mas o universo exige equilíbrio.
Você não se rendeu esta noite, o que significa que depende de
mim, então vou sair para cumprir meu dever cívico.
— Ah, para ser jovem novamente.
Ela me deixa louca.
A verdade é que Meghan me venceu por alguns anos. Ela
está prestes a completar trinta anos e não está nem perto de se
estabelecer. Ela é tão despreocupada que me faz sentir como
uma velha nebulosa.
— Te amo — diz ela.
— Também te amo, Meghan.
— Te amo, bolinho de maçã com açúcar e canela! — ela
grita enquanto abre a porta da frente, sua voz ecoando pelo
apartamento.
Não espero que ela receba uma resposta, mas uma voz
sonolenta chama do quarto:
— Te amo!
Meghan olha para mim, tentando parecer séria, apontando
para os olhos antes de apontar para mim, avisando que ela
estará assistindo.
Antes que eu possa responder, ela se foi.
Eu realmente não conhecia Meghan até que Maddie veio ao
mundo. Nós conversamos algumas vezes, nos vimos de
passagem, mas ela tinha uma vida bem distante de seu irmão.
Ela queria conhecer sua sobrinha, porém, e nos aproximamos
depois disso.
Suspirando, desligo a televisão, trancando a porta antes de ir
para a cama. Eu paro do lado de fora do quarto de Maddie,
espreitando na porta, aqueles olhos azuis brilhando para mim.
— Ei, querida. Você se divertiu esta noite com a tia
Meghan?
Ela acena.
— Você se divertiu com seu encontro?
— Claro — eu digo. — Foi agradável.
— Ele disse que você estava bonita em seu vestido?
— Oh, não. — Eu olho para mim mesma. — Acho que ele
não percebeu.
— Por que não?
— Às vezes as pessoas simplesmente não percebem coisas
assim.
— Eu percebi — diz ela. — Eu não acho que você deve
gostar do encontro se não notarem vestidos bonitos. Porque
você pode ver, mas se eles não veem, então não olharam. E
deveriam olhar para você em encontros quando está bonita.
— Você está certa — eu digo – ela é muito inteligente para
seu próprio bem. — Esse é um ótimo conselho.
Ela sorri enquanto eu ando até lá, me inclinando para beijar
sua testa.
— Durma um pouco — digo a ela. — Talvez possamos fazer
algo especial amanhã.
◈◈◈
Kennedy Garfield
◈◈◈
Meio-dia.
O sol está brilhando lá fora, a luz entrando pelas janelas
abertas do apartamento, aquecendo o lugar com um brilho
suave. Uma brisa flui através das telas, agitando as finas cortinas
brancas enquanto alguma boy band de pop atual toca no rádio
na sala de estar. Maddie dança ao redor, vestindo sua melhor
roupa de domingo – o que significa que ela está vestida como
uma espécie de pequena super-heroína indisciplinada, com um
tutu e meia-calça listrada de arco-íris, uma camiseta preta muito
grande de Breezeo, completa com um cobertor roxo felpudo
jogado ao redor dela como um capa. Ela está em todo lugar,
uma bola de energia esta manhã, enquanto eu estou... bem...
estou uma bagunça.
Meus olhos ardem. Eu não dormi muito, olhando para o
teto na escuridão, evocando conversas hipotéticas, jogando
anos de e se. Esta manhã, minhas mãos estão tremendo
enquanto me ocupo da limpeza, tentando me distrair da
realidade, mas não está funcionando. Não importa o quanto eu
varra, esfregue e limpe, continuo pensando no tamanho do
desastre que isso pode se tornar.
A música no rádio muda... uma banda de garotas desta vez...
quando uma batida suave soa na porta do apartamento.
— Eu entendi! — Maddie grita, indo para a porta enquanto
eu fico tensa, no meio de limpar os balcões da cozinha pela
terceira vez.
— Não, espere, espere um segundo — eu digo, mas ela não
está prestando atenção. O relógio na parede marca 12:01. Eu
disse a ele para vir a qualquer hora da tarde, e já passa do meio-
dia agora, o que significa...
— Breezeo! — ela anuncia, abrindo a porta, animadamente
girando para me procurar. — Mamãe, olhe, é...
— Jonathan — eu digo, saindo da cozinha, nervosamente
esfregando minhas mãos nas coxas do meu jeans.
— Jonathan — ela repete, de pé na porta na frente dele.
Ele a encara, sorrindo.
— Maddie.
— Entre! — Maddie diz, agarrando seu braço – o ferido –
para puxá-lo para dentro do apartamento. Ele faz uma careta,
sem resistir, mas seu sorriso vacila quando seus olhos
encontram os meus.
Suspirando, eu fecho a porta atrás deles, minhas costas
pressionando contra ela. Maddie está divagando – sobre o quê,
eu não sei. Sinto como se estivesse escorregando debaixo
d’água, meu coração acelerado febrilmente, mas Jonathan
parece entender. Ele está sorrindo para ela novamente,
ouvindo, enquanto ela parece dar a ele um rápido tour pelo
apartamento.
Ele para perto do pequeno corredor que leva aos quartos,
seu olhar encontra o meu novamente. Eu sei o que ele está
pensando. Não tenho certeza de como, ou mesmo por que, mas
no momento em que nossos olhos se conectam, é como ser
empurrada de volta no tempo – para outro lugar, um
apartamento diferente, de alguma forma ainda menor, mas foi
nosso lar por um tempo.
— Podemos ir brincar no meu quarto! — Maddie diz,
tentando puxá-lo em direção a ele.
— Oh, ei, ei — eu digo, saindo do meu estupor enquanto
me afasto da porta. Ele aparece e tudo sobre estranho perigoso
some de sua cabeça. Eu sei que ele é o pai dela e tudo, mas ela
não sabe disso. Ainda não. — Espere um pouco, garotinha.
Precisamos ter uma conversa.
Seus olhos se arregalam. Eu olho entre ela e Jonathan, suas
expressões quase idênticas. Preocupadas.
— Eu não fiz nada — diz Maddie, balançando a cabeça.
— Eu sei — digo, apontando para o sofá. — Sente-se.
Ela se senta, finalmente soltando Jonathan. Ele
cuidadosamente se senta na beirada do sofá ao lado dela.
Demoro um momento antes de me empoleirar na mesa de café
na frente dela.
— Eu, hum… — não tenho ideia de como começar. —
Quero dizer, nós...
— Talvez eu devesse… — Jonathan começa, fazendo uma
pausa antes de dizer: — Você sabe.
— Está bem — digo. — Entendi.
— Entendeu o que, mamãe? — Maddie pergunta.
— Queríamos falar com você sobre algo — digo a ela. —
Sobre o porquê de Jonathan estar aqui.
— Para brincar comigo? — ela pergunta.
— Não — digo, balançando a cabeça. — Bem, quero dizer,
talvez, mas não é bem isso. Sabe, eu o conheço há muito tempo,
desde antes de você entrar na minha vida, querida.
— Oh. — Ela me encara. — Então ele vai brincar com você?
— O que? Não. — Eu zombo, fazendo uma careta. Argh,
posso sentir minhas bochechas esquentando. — Não é nada
disso. É só que… olha, você conhece sua amiga Jenny que
morava ao lado do vovô? Lembra-se quando ela foi embora, e
eu expliquei que os pais dela decidiram não morar mais juntos,
porque alguns pais não moram juntos, então ela teve que ficar
em uma casa diferente?
Seus olhos se arregalam novamente.
— Eu tenho que ir embora?
— O que? Não! Você não precisa ir a lugar nenhum.
— Promete?
— Eu prometo. Não é isso. Só estou dizendo, sabe, às vezes
os pais não moram juntos, e tudo bem, e isso não os torna
menos familiares. Todo mundo tem uma mãe e um pai.
Ela balança a cabeça.
— Nem todos.
— Sim, querida. Todos.
— Nah-ah, Noah na minha escola não tem pai. Ele tem duas
mães!
— Ah, bem... tudo bem, mas ainda assim, é isso que quero
dizer. Todo mundo tem dois pais.
— Mas Jenny não tem dois agora. Ela tem três, porque o pai
dela se casou, então ela tem outro tipo de mãe diferente, certo?
— Certo. — Cara, estou estragando tudo isso. — Mas ela
ainda tem o pai dela também, então o que estou dizendo é…
— Eu sou seu pai.
A voz de Jonathan é baixa quando ele interrompe, mas ainda
tem força suficiente para me fazer inalar bruscamente.
Maddie olha para ele.
— Você quer ser meu pai?
— Eu quero — diz ele. — Eu já sou.
Sua boca se abre em choque.
— Você se casou com a mamãe?
Ele pisca rapidamente, pego de surpresa, enquanto eu
engasgo com o ar, tossindo com essa pergunta.
— Oh, não, nós não… — Seus olhos cortam meu caminho
antes que ele continue. — Não é desse jeito. Eu sempre fui seu
pai.
— Como?
— Como? — Ele repete. — Bem, eu simplesmente sou. Sua
mãe, ela é sua mãe, e eu sou seu pai.
— Mas como? — ela pergunta novamente.
Ele olha para mim pedindo ajuda, como se não tivesse
certeza do que ela está pedindo, então eu falo de novo antes que
ele leve isso ao pé da letra e comece a falar sobre os pássaros e as
abelhas.
— Mamães e papais nem sempre estão juntos, lembra?
Então ele ainda é seu pai, mesmo que não esteja por perto.
— Mas onde ele estava?
Ela está me perguntando, não ele. Eu sei que é porque ela
confia em mim implicitamente, e por mais que ela adore o que
ela acredita que ele é, ainda não conhece Jonathan. Mas não sei
como responder a isso, ou se deveria. Não sei se deveria ser eu a
explicar sua ausência, a dar suas desculpas.
— Eu não estava onde deveria estar — ele entra na conversa.
— Eu deveria estar com você, mas estava...
— Doente — digo quando ele luta por palavras.
— Doente — diz ele.
— Você teve o problema da barriga? — ela pergunta,
olhando para ele.
— Não, foi pior do que isso — ele admite —, e sou o
culpado, ninguém mais. Eu fiz algumas escolhas muito ruins.
Eu…
— Você desapareceu? — ela pergunta.
— Eu errei — diz ele. — Sei que não estive aqui para você,
mas eu quero estar aqui agora, se você me deixar.
Ela fica em silêncio por um momento, pensando sobre isso,
antes de dar de ombros.
— Ok.
Ele parece atordoado.
— Ok?
— Ok — ela diz novamente, levantando-se do sofá
enquanto ela pega a mão dele para puxá-lo junto com ela
novamente. — Mas você tem que dormir na cama da mamãe,
porque a minha não cabe você.
— Hum… — Ele ri sem jeito enquanto a segue. — O que?
— Ele não vai morar conosco — digo. — Lembra dos pais
de Jenny?
Ela assente, olhando para mim.
— Mas ele pode brincar agora, mamãe? Por favor?
— Claro — digo, dando-lhe um sorriso. — Ele pode ficar e
brincar o quanto quiser.
Ela o arrasta para longe antes que eu diga qualquer outra
coisa.
Eu a ouço vagamente divagando sobre algo de seu quarto
enquanto tento me ocupar novamente para não me fixar em
sua presença. Eu limpo um pouco mais. Ouço música. Assisto
um pouco de televisão.
As horas passam.
Longas, longas horas, algumas das horas mais longas da
minha vida. Não sei o que eles estão fazendo, não querendo
interromper, mas posso ouvir Maddie rindo, e posso ouvi-lo
falando, os dois conversando.
Está quase anoitecendo e estou na cozinha, preparando o
jantar, quando as coisas ficam quietas. Ouço passos atrás de
mim, presos no chão de madeira, vindo em minha direção.
Jonathan faz uma pausa bem na entrada.
— Ela adormeceu.
— Não estou surpresa — eu digo. — Ela esteve animada o
dia todo.
Eu olho para a comida no fogão. Ela tomou café da manhã
e almoçou, mas agora eu sei que o jantar é um fracasso. Mesmo
quando a acordar, duvido que ela coma muito.
— Sim — diz ele, inclinando-se contra o batente da porta.
— Eu gostaria de ter metade da energia dela. Engarrafar e levar
comigo para aquelas noites no set.
— Acho que supera a coca, hein?
Sua expressão entristece quando digo isso. Imediatamente,
me sinto um lixo. Argh.
— Desculpe — digo. — Não deveria ter dito isso.
— Está bem — diz ele. — Eu mereço o que quer que você
jogue em mim.
— Talvez sim, mas eu disse a mim mesma há muito tempo
que não faria essa coisa toda de mulher desprezada.
Termino o jantar, juntando tudo, desligo o fogão enquanto
ele fica ali.
— Está com fome? — Eu pergunto. — Posso fazer um prato
para você.
— Você não precisa fazer isso.
— Eu sei, mas estou oferecendo.
— Bem, hum... tudo bem. — Ele caminha até a mesa. — Se
você não se importa.
Eu preparo dois pratos de comida. Espaguete e pão de alho
– nada extravagante, mas a gente consegue. Eu não sou uma
boa cozinheira, francamente. O macarrão ainda está meio
crocante e o molho saiu de uma jarra. Sentamos à mesa um de
frente para o outro. Ele espera até que eu dê uma mordida antes
mesmo de tocar seu garfo.
Eu belisco minha comida, sem fome, mas quando ele
começa a comer, não para até que o prato esteja vazio. Eu me
pergunto quando ele comeu pela última vez uma refeição
caseira. Gostaria de saber se ele tem um chef contratado. Eu me
pergunto se Serena cozinha para ele.
Serena. Ele me disse que eles não eram casados, mas, além
disso, ele evitou o assunto.
— Ela sabe?
A pergunta voa dos meus lábios antes mesmo de eu pensar
muito.
Sua expressão é cautelosa.
— Quem sabe o quê?
— Serena — eu digo. — Ela sabe sobre nossa filha?
Ele hesita, como se tivesse que pensar sobre isso.
— Tenho certeza que sim.
— Com certeza.
— Lembro-me vagamente de ter contado a ela — diz ele. —
Mas nós dois estávamos chapados na época, então quem sabe
se ela acreditou em mim ou se ela se importava.
— Uau — digo. — É bom saber.
— Nós não estamos… — ele começa, esfregando a mão no
rosto. — Olha, sobre isso...
— Não é da minha conta — eu digo. — Não mais. Tudo o
que você faz e com quem você faz, isso é com você. Mas se
começar a afetar Maddie...
— Não vai — diz ele. — Isso não é sério.
— Parece sério.
— As aparências enganam. Nós somos apenas amigos.
— Amigos — digo. — Então você está me dizendo que
nunca fez sexo com ela?
Ele hesita.
— Foi o que eu pensei — murmuro, girando o espaguete
não comido no meu prato.
— Não foi sério — diz ele. — Foi só uma coisa que
aconteceu.
— Há quanto tempo?
— Não sei — diz ele. — Estava ligado e desligado.
— Quando foi a primeira vez?
Sei que estou fazendo muitas perguntas para alguém cujo
negócio não é esse, mas a porta está escancarada, e não consigo
me impedir de espiar por dentro em busca de respostas.
Ele hesita novamente.
— Esqueça que eu perguntei — digo enquanto desisto de
comer, me empurrando para fora da minha cadeira. Conversa
encerrada. Eu me ocupo em guardar as sobras e começo a
limpar enquanto ele fica sentado lá.
— Posso ajudar com isso? — ele pergunta quando eu encho
a pia com água quente.
— O que, você vai lavar a louça com uma mão?
— Hum, eu acho — diz ele. — Você não tem lava-louças?
— Não — digo, olhando para a máquina de lavar louça. —
Bem, eu tenho, mas não funciona.
— O que há de errado com ela?
— Quem sabe? A manutenção deveria consertá-la, mas
bem, como meu pai sempre diz, eles são tão úteis quanto o
Congresso. Nunca consertaram minha lavadora e secadora.
— O que há de errado com sua lavadora e secadora?
— Uma vaza, o outra não aquece.
Ele fica estranhamente quieto quando começo a lavar a
louça. Quando olho para ele, vejo que está olhando em volta,
com a testa franzida.
— Por que você mora aqui?
— Por que eu não moraria?
— Não é muito.
— É o suficiente — digo —, para nós, de qualquer maneira.
Eu trabalho em uma mercearia, sabe. Isso é o que paga.
— Por quê?
— Talvez porque nunca fui para a faculdade como deveria,
então faço o que tenho que fazer.
— Mas por quê?
Virando-me, eu olho para ele novamente.
Ele está olhando para mim com confusão.
— Eu envio dinheiro — diz ele. — Deve ser suficiente.
— Eu não quero o seu dinheiro.
— Por quê?
— Por que, Jonathan? Você realmente está me perguntando
por quê?
— Olha, só estou dizendo...
— Eu sei o que você está dizendo, mas estamos bem sem o
seu dinheiro.
— Vamos, não seja assim, K.
— Assim como?
— Assim. Eu quero ajudar.
— Então seja um pai, não um salário.
Ele fica quieto, enquanto continuo lavando a louça.
Quando termino e começo a drenar a água, ele se levanta para
ir embora. Ele dá alguns passos antes de hesitar, dizendo:
— Eu nunca te traí.
Secando minhas mãos, eu me viro para ele, recostando-me
no balcão.
— Estou falando sério — diz ele. — Os últimos anos são um
borrão, então não posso dizer o que não me lembro, mas sei que
terminamos antes que algo acontecesse com ela.
Eu aceno, olhando para minhas mãos.
— Eu não estava acusando você de traição. Só queria saber
quanto tempo você levou para seguir em frente.
— Ah, bem, essa é fácil — diz ele. — Isso não aconteceu.
Capítulo 12
Jonathan
◈◈◈
Segunda-feira veio e foi.
Quase passei o dia inteiro na cama, mas McKleski não estava
bem com essa merda. Acordei com ela batendo na porta do
quarto em algum momento da tarde, uma lista de tarefas
jogadas em mim.
Coisas para fazer.
— Já que você vai ficar aqui — ela disse —, é melhor fazer
alguma coisa.
Eu fiz tudo – ou pelo menos, o que pude. Limpando,
pendurando quadros, consertando uma porta que range. Não
foi fácil com meu pulso fodido, e não estou acostumado com
trabalho braçal, mas consegui fazer dar certo, me mantendo
ocupado, esperando a terça-feira.
Terça-feira.
Quando chega às cinco da tarde de terça-feira, me aproximo
do apartamento, carregando duas pizzas grandes – uma pizza
de queijo só com queijo, como Madison pediu, a outra uma
monstruosidade feita com presunto e abacaxi.
Hesitante, eu bato, ouvindo uma enxurrada de passos
dentro antes que a porta se abra, a pequena bola de energia na
minha frente, sorrindo.
— Madison Jaqueline! — Kennedy grita, aparecendo na
minha linha de visão. — O que eu disse sobre atender a porta
assim?
— Oh. — Seus olhos se arregalam, e antes que eu possa dizer
uma palavra, ela fecha a porta, batendo-a na minha cara. Eu fico
aqui por um momento antes que a porta se abra novamente,
sua cabeça aparecendo enquanto ela sussurra: — Você tem que
bater.
Assim que ela fecha novamente, eu bato na porta.
— Quem está aí? — ela grita.
— Jonathan.
— Jonathan quem?
Sorrio, movendo as pizzas ao redor quando elas começam a
escorregar das minhas mãos. Antes que eu possa responder, a
porta se abre mais uma vez, Kennedy parada ali.
— Desculpe — ela murmura, gesticulando para que eu
entre enquanto ela agarra Madison pelos ombros, conduzindo-
a. — Estamos trabalhando nessa coisa de estranho perigoso. Ela
é muito confiante.
— Mas eu sei que era ele — Madison protesta.
— Você nunca pode ter certeza — diz Kennedy. — É
sempre melhor verificar novamente.
Abro a boca para dar uma opinião, mas me paro, não tenho
certeza se estou naquele lugar onde meu conselho é bem-vindo.
Eu não vou tentar ser expulso antes mesmo de comer qualquer
pizza.
— Então, hum, onde eu deveria...? — aponto as caixas de
pizza enquanto paro.
— Oh, certo. A mesa da cozinha serve.
— Eu vou te mostrar! — Madison anuncia, como se eu não
soubesse onde fica, mas deixo ela me levar até lá de qualquer
maneira. Kennedy fecha a porta e segue atrás de nós. Coloco as
caixas na mesa e Madison não hesita, abrindo a de cima. Ela faz
uma careta, parecendo horrorizada. — Credo!
— O que diabos você está…? — Kennedy ri enquanto olha
para a pizza. — Presunto e abacaxi.
— Por que essa fruta está na pizza? — Madison pergunta.
— Porque é bom — diz Kennedy, pegando a caixa de cima
antes de abrir a outra. — Pronto, essa é para você.
Madison dá de ombros, pegando uma fatia de pizza de
queijo, comendo direto da caixa. Estou percebendo que isso é
normal, já que Kennedy se senta ao lado dela para fazer o
mesmo.
— Você se lembrou — diz ela arrancando um pedaço de
abacaxi de uma fatia de pizza e colocando na boca.
— Claro — digo, pegando uma fatia de queijo da caixa que
Madison está guardando. — Tenho certeza de que tenho
cicatrizes para a vida por causa disso. Não é algo que eu possa
esquecer.
Ela ri, o som suave, enquanto ela me dá um dos sorrisos mais
genuínos que já vi em muito tempo. Desaparece quando ela
desvia o olhar, mas caramba, aconteceu.
— Você deveria ter conseguido os pães — diz Madison, de
pé em sua cadeira enquanto se aproxima, disputando minha
atenção como se estivesse com medo de que eu não a veja. — E
as asinhas!
— Ah, não sabia que você gostava disso — digo a ela —, ou
eu teria comprado.
— Da próxima vez — diz ela, assim mesmo, sem dúvida
sobre isso.
— Da próxima vez — eu digo.
— E refrigerante também — diz ela.
— Sem refrigerante — Kennedy entra na conversa.
Madison olha para sua mãe antes de se inclinar ainda mais
perto de mim, sussurrando e gritando:
— Refri.
— Não tenho certeza se sua mãe vai gostar disso — digo.
— Está tudo bem — diz Madison. — Ela diz ao vovô sem
refrigerante também, mas ele me deixa tomar.
— Isso é porque você o chantageia emocionalmente — diz
Kennedy.
— Nananinanão! — Madison diz, olhando para sua mãe. —
Eu não o chantageio!
Kennedy zomba.
— Como sabe? Você nem sabe o que isso significa.
— E? — diz Madison. — Eu não chantageio ele!
Estou tentando não rir, estou, mas Jesus Cristo, é quase
como se ela estivesse discutindo consigo mesma. Kennedy
sempre foi teimosa como o inferno, mas eu nunca fui melhor.
É por isso que, quando nós dois brigamos, as coisas ficaram
feias.
— Você dá a ele aqueles olhos tristes de cachorrinho — diz
Kennedy, agarrando Madison pelo queixo, apertando suas
bochechas rechonchudas. — E você diz a ele que vai amá-lo
“mais” se ele lhe der um pouco de Coca-Cola para beber.
— Porque eu vou — diz Madison.
— Isso é chantagem emocional.
— Oh. — Madison faz uma careta, virando-se para mim
quando sua mãe a solta. — Que tal refrigerante?
— Temo que não — digo a ela. — Desculpe.
Madison faz uma careta, pulando da mesa para pegar uma
caixa de suco da geladeira.
O silêncio envolve a mesa, mas dura apenas um momento
antes de Madison decidir sobre outra coisa que ela quer falar. A
criança pode aliviar até as situações mais embaraçosas, estou
percebendo, enquanto ela tagarela, contando alguma história
sobre algo que alguém na escola fez para o Mostre e Conte hoje.
— Vá se lavar — Kennedy diz a ela quando termina de
comer, molho de pizza por todas as mãos e rosto. — Termine
sua lição de casa e então você pode brincar.
Madison pula da mesa para fugir. Ouço água correndo ao
longe enquanto Kennedy guarda as sobras.
— Dever de casa no jardim de infância — eu digo.
— É só desenhar coisas — diz ela, sentando-se na minha
frente. — Desenhe três coisas que começam com a letra “S”.
Não é difícil, mas ela adora arte, então ela nunca para em três.
Sempre acaba como um livro de imagens inteiro.
Parece outra pessoa que conheço – sua mãe, que tamborila
os dedos na mesa, parecendo ansiosa. Ela sempre foi inquieta,
mas costumava canalizar essa energia para criar.
— Você ainda escreve? — pergunto.
— Não.
— Por que não?
Ela encolhe os ombros.
Eu quero que ela olhe para mim. Sei que isso é hipócrita. É
egoísta. Eu quero muito. Estou pedindo muito, mais do que
mereço depois de tudo o que aconteceu. Eu a machuquei, e
gostaria de poder voltar atrás, ser o homem que ela pensou que
eu era.
Eu alcanço a mesa, meus dedos mal roçando os dela antes
que ela afaste as mãos. Eles desaparecem debaixo da mesa –
cerrados em punhos, provavelmente. Não duvido. Mas faz o
truque, seu olhar encontra o meu.
— O que posso fazer? — pergunto. — Eu vou fazer.
Estou parecendo desesperado pra caralho, eu sei, mas estou.
Meu terapeuta me diria que não é saudável, que estou sendo
codependente. Jack provavelmente me diria para parar de ser
um filho da puta patético. Cliff, ele provavelmente me
lembraria que tenho o mundo inteiro na ponta dos dedos, mas
isso não parece importar, não quando a primeira pessoa a
realmente acreditar em mim olha para mim como se eu fosse o
pior dos piores.
Ela hesita por um momento, mas antes que possa dizer
qualquer coisa, Madison entra, batendo seu papel na mesa
entre nós.
— Eu preciso de mais que comece com S — diz ela, seu
papel preenchido com uma dúzia deles. Ambiciosa.
— Sapato — Kennedy diz, examinando o papel, suas mãos
de volta na mesa enquanto ela aponta para algo. — Você
escreveu “sereia” errado. Há um I depois do segundo E.
Madison faz uma careta, pegando o papel para acabar.
Assim que ela sai, tento de novo, estendendo a mão sobre a
mesa para pegar as mãos de Kennedy. Ela não se afasta desta vez
quando eu a toco, minhas mãos cobrindo as dela.
— Por que você está fazendo isso? — ela pergunta, sua voz
calma. — Já se passaram seis anos, Jonathan. Seis anos.
— Eu sei, mas eu só...
— Você apenas o que? Supõe que eu ainda te amo?
— Ainda ama?
Ela balança a cabeça, mas não é uma negação. É mais
exasperação por eu ter a coragem de fazer essa pergunta a ela.
Madison corre de volta, e eu afasto minhas mãos, deixando-
a cair.
— Como se soletra tesoura? — ela pergunta, apagando a
palavra em seu papel. Kennedy soletra, e ela escreve antes de
jogar o lápis no chão. — Feito!
— Bom trabalho — diz Kennedy. — Você pode brincar
agora.
Madison se vira para mim.
— Você quer brincar?
— Claro — digo, seguindo-a para seu quarto, imaginando
que é melhor dar a sua mãe algum espaço, para que eu não a
empurre muito longe e ela me dê um soco na cara.
Estou seguro na minha masculinidade. Não tenho
escrúpulos em brincar com bonecas. Então, quando Madison
empurra uma Barbie para mim, eu nem recuo. Vou dar a ela a
melhor performance de Barbie que já viu, se é isso que ela quer.
Eu encaro a Barbie, porém, enquanto Madison vasculha
uma caixa de brinquedos. Parece diferente daqueles com os
quais minha irmã brincava enquanto crescia. Esta Barbie
parece mais uma cientista do que uma stripper, completamente
vestida, seu cabelo ainda intacto.
— Encontrei! — Madison diz, segurando outra boneca. Eu
congelo quando olho para aquilo, vendo o familiar traje branco
e azul e a cabeça de cabelos loiros. Só pode ser brincadeira.
Eles me transformaram em uma boneca. Ou ele, melhor
dizendo. Breezeo. Não é uma figura de ação, não – uma boneca
Barbie de edição de colecionador.
— Eu serei Breezeo e Barbie pode ser Maryanne para você
— diz ela, sentando-se no chão e batendo na madeira ao lado
dela.
— Espere, eu não deveria ser Breezeo?
— Você é ele o tempo todo, então é minha vez agora.
Bem, não posso discutir com essa lógica.
— Barbie está com a cor de cabelo errada — eu digo. —
Você não tem uma boneca Maryanne?
— Não, porque custa muitos dólares, mas você pode fingir,
certo?
— Certo — digo, embora de repente ela pareça cética, como
se duvidasse das minhas habilidades. — Não se preocupe, eu
posso.
Ela começa as coisas. Não sei o que está acontecendo, e ela
não me dá nenhuma direção, então estou improvisando. Ela
muda as coisas comigo, lançando reviravoltas na história.
Estamos fugindo de alguns bandidos antes de repentinamente
estarmos na escola. Eu me formei, nós dois nos tornamos
veterinários de seus bichos de pelúcia, e quando eu sei, estou
concorrendo à presidência do mundo.
É engraçado. Ela é engraçada. A menina é rápida em seus
pés. Ela se distrai eventualmente, porém, e larga a boneca para
desenhar novamente. Ela é intensa sobre isso, em transe, e eu
me desculpo, mas não sei se ela percebe. Pegando a boneca
Breezeo, ando pelo corredor, vendo movimento em outro
cômodo.
O quarto de Kennedy.
Ela está sentada na beirada da cama, trocando o uniforme de
trabalho, vestindo moletom e regata, ocupada puxando o
cabelo para cima. Eu paro quando chego à porta, ainda à
espreita no corredor, não querendo invadir seu espaço. Ela me
olha com cautela, sua atenção mudando para a boneca que
estou segurando.
Ela ri.
Sim, ela ri.
— Ela fez você se apresentar para ela? — pergunta,
acenando para a boneca.
— Não, ela realmente me fez ser a Barbie — digo. — Não
acho que ela ficou tão impressionada com minhas habilidades,
porque desistiu e voltou a desenhar.
Outra risada.
Eu poderia ouvir aquele som para sempre.
— Não leve para o lado pessoal — diz ela, passando por mim
para fora do quarto. — Tenho certeza que você fez um trabalho
melhor do que eu. Geralmente sou rebaixada para um membro
da plateia.
Kennedy vai para a sala de estar. Eu a sigo, curioso,
enquanto ela se acomoda no sofá, ligando a televisão. Ela se
enrola, passando pelos canais em silêncio, o cômodo escuro. O
sol está se pondo lá fora, o que significa que elas logo irão para
a cama.
— Você trabalha todo dia? — pergunto.
— Todos os dias da semana.
— Então você tem fins de semana de folga?
— Geralmente — diz ela. — Eu trabalho enquanto Maddie
está na escola.
— E quando você não está trabalhando? O que faz?
Ela vira os olhos para mim como se eu fosse estúpido.
Imagino que seja isso.
— Eu provavelmente deveria ir — digo, voltando para o
quarto de Madison, encontrando-a ainda desenhando. — Ei,
Maddie.
— Hum?
— Eu vou agora.
Ela para o que está fazendo.
— Por quê?
— Porque está ficando tarde.
— Mas por que você não pode ficar?
Porque eu fodi tudo anos atrás e não sei se vou conseguir
consertar as coisas novamente.
— Simplesmente não posso — digo. — Mas vou voltar.
— Amanhã?
— Hum, não amanhã, mas em breve.
— Quando em breve?
— Na primeira chance que tiver, estarei aqui.
— Ok — diz ela, voltando-se para seu desenho. — Tchau!
— Tchau, Maddie.
Kennedy me olha com cautela quando volto para a sala.
— Eu tenho que voltar para a cidade de manhã — digo,
hesitando perto da porta da frente.
— Você já está indo — diz ela, uma nitidez em suas palavras.
É quase acusatório. — Deveria saber.
— Eu vou voltar.
— Tenho certeza que vai.
Acho que ela não acredita em mim.
Por mais que eu queira ficar e convencê-la, sei que não vai
acreditar em mim até eu provar, então saio do apartamento,
fecho a porta, e fico lá até ouvi-la trancar.
◈◈◈
Kennedy Garfield
◈◈◈
— Eu deveria cancelar.
— Você não deve fazer tal coisa. — A voz de Meghan é
pontiaguda, prosaica, não discuta comigo quando ela diz isso.
— O que deve fazer é levar o cara para um passeio, se você sabe
o que estou dizendo.
— Meghan…
— Estou falando sério — diz ela. — Basta dar uma volta
rápida no quarteirão para ver como ele corre, fazer o motor
ronronar por um tempo.
— Desde quando você é pró-Drew?
— Eu não sou. — Ela faz uma cara de desgosto. — Sou pró-
orgasmo, e sei que faz muito tempo desde que você teve um.
Sorrio… até que uma vozinha entra na conversa,
perguntando:
— O que é isso?
Maddie está sentada à mesa da cozinha em frente a Meghan,
balançando as pernas enquanto desenha seu coração em um
pedaço de papel.
— O que é o quê? — Eu pergunto, recostando-me no balcão
da cozinha, os braços cruzados sobre o peito.
— O que a tia Meghan disse — Maddie diz. — O que é a
orga, hum...?
— Organismo — deixo escapar, percebendo que ela está
prestes a nos perguntar o que é orgasmo.
— Organismo — diz ela. — O que é isso?
— É da ciência — diz Meghan. — É o que eles chamam de
ser vivo, sabe, qualquer coisa que esteja viva.
— Você não tem um desses? — Maddie pergunta, olhando
por cima de seu desenho, sobrancelhas levantadas. — Não por
muito tempo?
— Bem, eu tenho você — eu digo, parando ao lado de sua
cadeira enquanto bagunço seu cabelo. — Você está tão viva
quanto possível. Não preciso de mais nada... nem mesmo
aqueles organismos malucos de que Meghan fala.
Maddie parece muito satisfeita com essa resposta enquanto
volta a desenhar, enquanto Meghan me lança um olhar meio
apologético, meio patético. Reviro os olhos, tirando-a da linha
de visão de Maddie.
— Acho que devo me vestir.
— Algo sexy! — Meghan grita comigo.
Eu vou com algo simples em vez disso – jeans skinny,
sapatilhas pretas, camisa preta. Eu escovo meu cabelo,
deixando as mechas escuras soltas, e coloco uma pitada de
maquiagem. Feito. Meghan torce o nariz para mim, mas guarda
sua opinião para si mesma.
— Mamãe, você pode fazer minhas estrelas? — Maddie
pergunta, empurrando seu papel e lápis para mim.
— Claro — eu digo. Não tenho certeza do que ela está
fazendo, mas posso notar o horizonte facilmente. Eu mostrei a
ela a maneira fácil de desenhar estrelas algumas vezes –
montanha, diagonal, transversal, junta tudo – mas ela sempre
me pede para fazer isso para ela, já que é praticamente a única
coisa que posso desenhar.
Uma batida ecoa na porta da frente do apartamento.
Meghan suspira enquanto empurra a cadeira para trás para
ficar de pé, sussurrando ao passar por mim:
— Parece que seu organismo está aqui.
— Já vou — murmuro, terminando as estrelas antes de
entregar o lápis de volta para Maddie. — Eu tenho que ir,
querida.
— Para onde?
— Sair com meu amigo.
— Posso ir desta vez?
— Não esta noite — digo a ela, franzindo a testa quando
vejo a decepção em seus olhos. — Algum dia, no entanto.
— É o seu amigo que não viu que você estava bonita da
última vez?
— Hum, sim, o mesmo.
Ela faz uma careta.
Quase sorrio.
Mas então eu ouço outra batida na porta, a voz de Meghan
soando acima do som dela enquanto diz:
— Jesus, segure sua maldita lín... ah, meu maldito Deus.
Não.
Eu fico tensa com a mudança repentina em seu tom, de
irreverente para chocada em meia palavra.
— Não... não... não — ela canta antes de dizer: — Saia
daqui.
Olho para fora da cozinha, em direção à porta da frente,
com o coração disparado. Jonathan está parado na pequena
varanda em frente ao meu apartamento, apenas alguns metros
na frente de sua irmã.
— Meghan — diz ele, acenando para ela em saudação.
No momento em que ele diz o nome dela, o choque
desaparece, substituído pela raiva quando seus olhos se
estreitam.
— Não — diz ela, com naturalidade, batendo a porta na cara
dele.
Maddie pula ao som do estrondo.
— Meghan — eu gemo. — Por favor.
Não preciso de uma cena, nenhuma que eu tenha que tentar
explicar. Meghan abre a porta novamente. Jonathan ainda está
lá, sem se mexer.
Maddie suspira, notando-o, e pula de sua cadeira na mesa,
pegando seu desenho enquanto corre para a porta.
— Jonathan!
— Ei — ele diz, evitando olhar para sua irmã, em vez disso
sorrindo para Maddie.
— Você voltou! — Ela empurra o papel para ele. — Eu
estava fazendo um desenho para você!
— Uau — diz ele, olhando para ele. — É incrível.
— Não está terminado — diz ela, pegando-o de volta —,
mas tudo o que tenho que fazer são as pessoas agora, porque
mamãe desenhou as estrelas!
— Bem, são grandes estrelas — diz ele, encontrando meu
olhar. — Tenho certeza que vai ficar perfeito.
— Você pode tê-lo quando estiver pronto — ela diz a ele. —
Você vai ficar? Pode brincar comigo e com a tia Meghan!
Meghan faz um barulho.
— Não esta noite — diz ele. — Eu só vim para falar com sua
mãe por um minuto.
Maddie franze a testa, murmurando “ok”, antes de se
afastar.
Jonathan fecha os olhos, soltando um suspiro profundo.
Posso dizer que ele quer mudar de ideia.
— Talvez amanhã — eu interrompo, pisando no caminho
de Maddie para que ela pare de andar. Agarrando seu queixo,
inclino sua cabeça para cima, fazendo-a olhar para mim. — É
meio tarde para brincar esta noite, de qualquer maneira.
— Amanhã — Jonathan concorda. — Estarei aqui.
Seus olhos se iluminam, a decepção desaparecendo.
— Vejo você amanhã! — ela grita de volta para ele antes de
envolver os braços em volta de mim. — Te amo mamãe.
— Também te amo — digo —, mais do que picolés de
banana e pizza havaiana.
— Mais do que os encontros com seu amigo?
— Ah, pff, claro. — Eu aperto suas bochechas de
brincadeira. — Mais do que encontros com qualquer um.
Inclinando-me, dou-lhe um beijo rápido antes que ela corra
para seu quarto. No segundo em que ela está fora da sala, no
segundo em que está fora do alcance da voz, a voz de Meghan
interrompe, um rosnado baixo quando ela diz:
— É melhor você trazer sua bunda de volta para cá amanhã,
irmãozinho, porque se você mentiu para ela bem na minha
frente, juro por Deus...
— Eu disse que estaria aqui — diz ele, virando-se para olhar
para Meghan, sua expressão dura. — Não vou mentir para ela.
— Oh! Tem certeza?
— Sim — diz ele.
— Bem, com licença! — Ela joga as mãos para cima. —
Estúpido, eu deveria saber... quero dizer, você só mentiu para
todo mundo. Esqueci que você era o papai do ano.
— Agora não é a hora para isso — resmungo, me
aproximando e ficando entre eles. — Resolvam isso quando
não houver orelhinhas por perto.
Eu empurro Jonathan para longe do apartamento enquanto
saio, fechando a porta da frente atrás de mim para nos dar um
pouco de privacidade. Caso contrário, Meghan pode estar
inclinada a adicionar seu comentário, como se minha vida fosse
um episódio do Mystery Science Theatre 3000.
— Desculpe por isso — diz ele, apontando para o
apartamento. — Eu esqueci, bem, que você tinha planos.
— Está bem — digo. — Sobre o que você precisava falar
comigo?
— Eu só... estava pensando.
Ele está hesitando. Parando. Posso dizer que está nervoso
pela maneira como desvia o olhar.
— Sobre?
— Sobre algo que aquela garota disse no seu trabalho.
Minha testa franze, e leva um momento antes de eu
descobrir quem ele quer dizer.
— Bethany?
— Esse é o nome dela? — Ele olha para o espaço,
murmurando: — Bethany.
— Você a conheceu uma vez — digo a ele. — Ela foi para o
set. Disse que viu você do lado de fora de um bar.
Ele solta uma risada leve.
— Ah, certo. Bethany. Ela me perguntou sobre aquela vez
em que fui preso.
Ela perguntou. Ela me contou sobre isso. E tudo o que
posso pensar é como ela ficaria incrivelmente feliz em saber que
ele se lembra dela.
— De qualquer forma — diz ele, o nervosismo voltando. —
Bethany mencionou querer uma folga para que ela pudesse ir
para aquela coisa.
— A Convenção?
— Sim, você sabe, para a merda do Breezeo, e eu estava
pensando, e apenas imaginando…
— Imaginando o quê?
— Se talvez eu poderia levar Madison?
Leva um momento para que essas palavras sejam absorvidas,
para o que ele está me pedindo se registrar. Eu pisco para ele,
sem palavras, uma sensação de afundamento na boca do
estômago. Eu não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Uma
voz no fundo da minha mente está gritando, em defesa,
aterrorizada por isso, mas meu coração – meu estúpido,
estúpido coração – está nas nuvens por ele querer fazer isso com
ela.
— Eu, hum… — balanço minha cabeça, tentando limpar
meus pensamentos. — Uau.
— Sei que estou pedindo muito — diz ele. — Estou pedindo
um pouco de confiança, só um pouquinho, e não culpo você
se não me der, mas eu só... estou pedindo. Posso levá-la?
Abro minha boca, ainda sem ter ideia do que dizer, quando
um movimento chama minha atenção segundos antes de uma
voz cortar.
— Estou interrompendo?
Oito e meia em ponto, suponho. Drew. Eu não me viro, não
olho para ele imediatamente, mas Jonathan sim. Suas costas se
endireitam, ombros retos, cada centímetro dele rígido. Observo
enquanto seu rosto fica confuso, esperando que não haja
reconhecimento, mas é instantâneo.
A confusão dá lugar a um tipo de raiva crua, do tipo que
ferve há séculos. Ele olha para Drew como se quisesse pegar seu
coração, arrancá-lo de seu peito e enfiá-lo em sua garganta.
A voz de Jonathan é tão contundente quanto seu olhar
quando diz:
— Hastings.
— Cunningham — diz Drew, imperturbável.
— Que diabos está fazendo? Por que você está aqui?
Drew aponta para mim.
— Pegando ela.
Eu vejo, enquanto Jonathan liga os pontos, percebendo que
ele é o plano que tenho esta noite. Andrew Hastings. Faz muito
tempo que não ouço alguém chamá-lo apenas pelo sobrenome.
Jonathan se vira para mim, sua expressão dura enquanto
tenta conter sua raiva, mas ele está lutando.
— Ele? — Jonathan pergunta. — É isso que você está
namorando? Este é o cara com quem você está saindo?
Começo a responder, mas ele não me deixa.
— Inacreditável. — Jonathan balança a cabeça. — Como
você pôde?
Essas palavras levantam minhas defesas.
— Com licença?
— Ele faz parte da sua vida? A vida de Madison? Jesus
Cristo, você o deixou perto dela? Que diabos está pensando?
— Não — eu digo, levantando minhas mãos para detê-lo
antes que diga qualquer outra coisa. — Nem comece com isso.
— Você deveria ouvir a senhora — Drew entra na conversa
—, e cuidar da sua vida.
— Esse é o meu maldito negócio — Jonathan diz, dando um
passo em direção a Drew, tudo sobre ele de repente cheio de
agressividade. — Estamos falando da minha filha aqui. Minha.
E eu não sei que tipo de merda você fez para forçar sua entrada
na vida delas, mas você também não pode ter a mãe dela. Não
pode ter nenhuma das duas. Você não pode roubar a porra da
minha vida!
— Pare com isso — resmungo, pisando entre eles.
Jonathan balança a cabeça, furioso, a mão esquerda fechada
em punho. Eu não acho que ele vá socar, já que sua mão direita
está engessada, mas posso dizer que ele quer.
E não ajuda nem um pouco quando Drew ri. A diversão
cobre sua voz quando ele diz:
— Não é possível roubar o que estava em jogo.
Isso desencadeia Jonathan. Ele vai até Drew, mas estou no
caminho. Eu o empurro com força, fazendo-o recuar.
— Apenas... vá embora, Jonathan. Saia!
Ele olha para mim, sua expressão dura quando ele diz:
— Eu não posso acreditar em você.
Virando-se, ele se afasta, deixando-me aqui, fumegando.
Inacreditável.
Ele não pode acreditar em mim? Em mim? Depois de tudo
que ele fez? Ele quer agir como se eu fosse a errada?
— Vejo que ele mostrou seu rosto novamente — diz Drew.
— Há quanto tempo ele está aqui?
— Hum, duas semanas, talvez — murmuro, observando
enquanto Jonathan desaparece na noite.
— Você não mencionou isso.
— Não queria falar sobre isso — digo. — Ainda não.
— Justo. — Drew agarra meu ombro, apertando-o
suavemente. — Que tal sairmos daqui, esquecer que isso
aconteceu?
— Parece bom — murmuro, dando-lhe um sorriso, mas sei
que é uma causa perdida. Esquecer isso está fora de questão.
Posso sentir meu sangue fervendo. Eu quero seguir aquele
homem na escuridão e dar a ele um pedaço da minha mente.
Capítulo 14
Jonathan
◈◈◈
◈◈◈
Cinco horas.
Isso é o que meu telefone diz quando eu saio da cama muito
mais tarde, encontrando-o enfiado no bolso do jeans que eu
estava usando, a bateria pairando em dez por cento. As
notificações ocupam a tela, a maioria delas mensagens de Cliff.
Posso conseguir os ingressos da convenção. Por que
você os quer?
Você se lembra que eles convidaram você, certo?
Você deveria ser o headliner.
Eu sei. Eu lembro. Eu recusei. Não que eu não quisesse fazer
isso, mas Cliff achou que não seria sábio, considerando que
quando o convite veio, minha sobriedade ainda estava em
terreno instável.
Ainda está, idiota.
Suspiro enquanto caminho até a porta, olhando para ela na
cama.
Kennedy.
Meus olhos percorrem suas costas nuas, seguindo a curva de
sua coluna. Ela está enrolada, abraçando um travesseiro, um
lençol branco frágil cobrindo partes dela. Ela está dormindo,
roncando levemente – entrando e saindo a noite toda.
O mundo está clareando quando o nascer do sol se
aproxima. Saio do quarto, meus pés descalços enquanto desço
as escadas, respondendo a Cliff. Esqueça isso.
Sua resposta é instantânea, é claro, porque ele não dorme.
Tem certeza?
Eu digito um rápido “Sim” antes de deslizar o telefone no
bolso do meu moletom.
Indo para a cozinha, pego uma garrafa de água da geladeira
e abro quando uma voz soa atrás de mim.
— Você endoidou?
McKleski está lá em sua camisola e roupão, apertando-o e
fazendo uma careta para mim.
— Oh, não.
— Onde estão suas roupas?
Eu olho para o meu peito nu. Sem camisa.
— Só não me vesti ainda.
— Você deveria fazer isso — ela resmunga, arrastando os pés
para a cozinha, passando por mim. — Pode causar um ataque
cardíaco em uma velhinha correndo por aí desse jeito.
Sorrio, tomando um gole da água enquanto ela começa a
fazer um bule de café.
— Acho que, se eu fosse te dar um ataque cardíaco, teria
acontecido naquele dia no parque.
— Quase deu — diz ela. — Por que você acha que eu chamei
a polícia? Toda aquela gritaria acontecendo no meu quintal.
Ela vira os olhos para mim, me dando um olhar conhecedor.
Sim, ela sabia o que estávamos fazendo naquela noite, e tenho
certeza que também sabe o que estava acontecendo nas
primeiras horas desta manhã.
— Achei que você era apenas uma velha morcega mal-
humorada — eu digo. — Não sabia que você tinha tesão por
mim.
— Ah, não insista, Cunningham — diz ela. — Vou te dar
um pé na bunda.
— Sei que você vai — digo enquanto caminho de volta para
fora da cozinha.
— Coloque uma roupa! — ela grita comigo. — Certifique-
se de que sua convidada faça o mesmo. Nada de lençóis em
áreas públicas!
— Sim, senhora — murmuro, mesmo que ela não possa me
ouvir, voltando para o quarto no andar de cima. Eu alcanço a
porta para entrar quando ela se abre sozinha, Kennedy
aparecendo. Ela parece frenética, o cabelo bagunçado, as
roupas pela metade, e ela perde o equilíbrio enquanto tenta
calçar os sapatos. — Oh, uau... uau... cuidado.
Eu agarro seu braço para firmá-la, mas ela se afasta, as
bochechas corando como se estivesse envergonhada. Ela me dá
um breve olhar antes de desviar os olhos, recusando-se a
encontrar o meu olhar.
— Desculpe, eu, hum... argh.
— Está tudo bem — digo. — Não há razão para se
desculpar.
Mas há. Isso é o que sua expressão diz, e eu posso adivinhar
o porquê. Ela estava tentando escapar durante a minha
ausência, para evitar me ver, mas eu a peguei.
Meu peito aperta com isso. Porra. O arrependimento está
escrito nela, como se tivesse se banhado de vergonha e não
conseguisse tirar o fedor esta manhã. Ela endireita suas roupas,
e meu estômago revira quando percebo que uma garrafa de
uísque está debaixo de seu braço.
— Eu tenho que ir — diz ela, passando por mim, saindo do
quarto.
— Eu não bebi nada disso — digo imediatamente. — Sei
que parece ruim, porra, mas eu não...
— E você não vai — ela diz —, porque eu vou pegar.
— Ok.
— Vou jogar fora — diz ela. — Você nem deveria tê-la. É
estupido. Você é estupido.
— Eu e minha cara estúpida, hein?
Suas bochechas ficam vermelhas enquanto ela gagueja:
— Eu não deveria ter... argh, eu deveria estar em casa horas
atrás.
— Entendo — digo, cruzando os braços sobre o peito
enquanto me inclino contra o batente da porta, observando-a
lutando. — Você não planejou ficar aqui ontem à noite.
— Ou mesmo vir — ela murmura.
Vir.
— Trocadilho intencional4?
Ela não ri. Não acha isso engraçado. Ela apenas começa a
descer os degraus para sair, cansada de estar aqui. Eu assisto em
silêncio enquanto ela hesita no meio do caminho.
— Você, hum... pode levá-la — diz ela, sua expressão
cautelosa. — Quero dizer, se estava falando sério sobre isso, se
você queria levá-la, pode.
Essas palavras me atordoam.
— Sim?
Ela acena.
— Nós vamos ter que falar sobre, você sabe, coisas, mas se
falou ser...
— Falei.
— Bem, então, tudo bem.
Ela se vai então. Eu ouço a porta da frente quando ela sai
correndo, provavelmente correndo para fugir daqui.
Suspirando, pego meu telefone, usando o pouco de bateria
que resta para enviar outra mensagem a Cliff. Vou precisar
desses ingressos.
Como de costume, sua resposta é instantânea. Você está
bêbado? Porque eu juro, Johnny, você e esses ingressos...
4
No original, “coming”. Expressão usada no inglês para indicar orgasmo.
“Despreparados para dizer Adeus”
Kennedy Garfield
◈◈◈
Knightmare.
O arqui-inimigo de Breezeo.
Onde Breezeo é leve, uma lufada de ar fresco, a brisa
agradável em um dia quente de verão, Knightmare é a
tempestade que chega e leva tudo embora. Escuridão, densa e
sufocante, as sombras das quais você não pode escapar à noite
em becos.
Couro preto emoldurado com armadura escura, da cabeça
aos pés, desde as botas de combate até o capuz preto de grandes
dimensões com uma máscara de metal cobrindo parte do rosto,
tornando-o irreconhecível.
Sempre tive inveja do traje.
Supera o maldito elastano falso, com certeza.
— Eu, uau. — Kennedy está na porta do seu apartamento
com um olhar de admiração enquanto seus olhos examinam a
fantasia. — Isso é apenas... uau.
— Uau, hein? — Eu olho para baixo. — Bom ou mal?
— É só que, hum, você sabe...
— Uau? — Eu acho.
Ela acena com a cabeça, lutando contra um sorriso.
— Uau.
Sorrio.
— É o original.
— Sério?
— Direto do segundo filme — eu digo, tocando uma placa
de peito blindada com uma mão sem dedos enluvada. — Bem,
exceto por essas luvas. As reais não serviriam por causa do
elenco, então tive que improvisar.
— É, hum...
— Uau.
— Legal — ela diz, tocando a fantasia, as pontas dos dedos
roçando a armadura. — É meio estranho ver você assim, mas
ainda assim, é legal.
— Obrigado — digo enquanto ela se afasta para eu entrar
no apartamento. — Eu os convenci a me emprestar. Posso não
devolvê-la, no entanto. Eu meio que estou gostando.
— Você deveria ficar com ela — ela diz, seus olhos ainda me
examinando enquanto fecha a porta. — É, hum...
— Agradável?
— Uau. — Ela sorri brincalhona enquanto se afasta. —
Preciso terminar de me arrumar para o trabalho. Maddie, você
tem visita!
Um momento depois que Kennedy desaparece, Madison
corre. Ela derrapa até parar quando me vê, olhos arregalados,
boca aberta.
— Uau.
Eu empurro o capuz para fora, empurrando a máscara para
cima, sua expressão mudando quando ela vê que sou eu, o rosto
se iluminando. Ela corre direto para mim, batendo em mim
com tanta força que eu tropeço.
Sorrio enquanto ela me abraça.
— Ei, menina bonita.
Ela olha para mim.
— Você me acha bonita?
— O que? É claro. — Eu me ajoelho ao lado dela, sorrindo
enquanto pressiono um dedo na ponta de seu nariz. — Você
parece com sua mãe.
— Você também acha a mamãe bonita?
— Eu acho que ela é a mulher mais bonita do mundo.
Sua expressão muda rapidamente quando digo isso antes
que seus olhos se arregalem.
— Ainda mais bonita que Maryanne?
Eu me inclino mais perto, sussurrando, repetindo suas
palavras.
— Ainda mais bonita que Maryanne.
— Uau.
Sorrindo, estendo uma bolsa para ela.
— Eu trouxe algo para você. Pensei que talvez gostaria de
usá-lo hoje.
Ela a agarra, sem hesitar enquanto puxa tudo para fora,
ofegante. Descarta a bolsa vazia enquanto corre para o quarto,
quase esbarrando em Kennedy no corredor.
— Cuidado — diz Kennedy. — Para onde está fugindo?
— Não dá tempo, mamãe! Tenho que me preparar!
— Bem então. — Kennedy a encara até que ela desapareça,
antes de se virar para mim enquanto passa os dedos pelos
cabelos, puxando-os para cima. — Tem certeza que pode lidar
com isso?
— Eu lido com abutres do Hollywood Chronicles — digo. —
Eu posso lidar com o que ela jogar em mim.
Kennedy não parece convencida.
— Ouvi dizer que você pegou uma acusação de agressão há
dois anos por socar um deles.
— Onde você ouviu isso?
— A capa do Hollywood Chronicles.
Eu balanço minha cabeça.
— Essas acusações foram retiradas.
— Porque você era inocente?
— Mais como se eles fossem tão culpados quanto.
Kennedy revira os olhos, mas não tem chance de dizer nada.
Passos correm em nossa direção, uma voz animada gritando:
— Ta-da!
Madison está lá, sorrindo descontroladamente, vestida com
o pequeno traje branco e azul – uma fantasia Breezeo. Eles vão
lançar para o Halloween, mas consegui pegar uma mais cedo.
— Uau, olhe para você! — Kennedy diz, alisando o cabelo
de Madison. — A Breezeo mais bonita que já vi.
— Jonathan também me acha bonita! — ela diz, sorrindo
para a mãe. — Ele me disse isso!
— Ele disse? — Kennedy pergunta. — Homem inteligente.
— E você também — diz ela. — Ele disse que você é a
mulher mais bonita do mundo.
Droga. Ela me delatou.
Kennedy parece surpresa.
— Bem, isso foi legal da parte dele — diz Kennedy. — Eu
tenho que ir. Divirta-se, ok? E seja boazinha.
— Eu vou.
Ela beija o topo da cabeça de Madison.
— Te amo mais que as manhãs de sábado.
— Também te amo — diz Madison —, mais do que
fantasias e outras coisas.
Madison agarra minha mão.
— Vou trazê-la de volta hoje à noite — eu digo —, dedos das
mãos e pés ainda presos.
Kennedy não olha para mim. Percebo que ela está ansiosa,
então não demoro, levando Madison para fora. O carro está
parado no estacionamento, o motorista encostado nele
enquanto espera. Ele sorri quando nos aproximamos e abre a
porta dos fundos, mas Madison arrasta os pés.
— Ele é seu amigo? — ela pergunta, olhando para mim.
— Por quê?
— Vovô diz para não entrar em carros com estranhos.
— Oh, sim, eu o conheço — digo. — Ele é de confiança.
Ela sobe no carro e eu a coloco em um assento elevatório
enquanto me sento ao lado dela. Enquanto o carro se afasta,
vejo Kennedy nos observando da porta da frente do
apartamento.
Madison tagarela durante todo o caminho até o centro de
convenções, contando histórias, e eu escuto obedientemente.
Ela está explodindo de empolgação quando chegamos, mas
estou em algum lugar no limite. Embora me tenham prometido
discrição, acordos de confidencialidade jogados como doces em
um desfile, sei que as coisas nem sempre saem conforme o
planejado.
O carro nos leva direto para a entrada dos fundos, passando
pela multidão que aguardava. Uma mulher nos encontra em
uma garagem anexa, uma das coordenadoras do evento, junto
com um pequeno destacamento de segurança. Ela sorri quando
saímos do carro.
— Sr. Cunning! E senhorita, hum…
Madison sorri.
— Maddie!
— Senhorita Maddie — diz a mulher. — Estou tão honrada
que você pôde se juntar a nós. Meu nome é…
Blá. Blá. Blá.
Ela se lança no discurso. É esperado. Sempre acontece. Eu
vagamente escuto enquanto ela tagarela sobre a história da
empresa, seus recordes de comparecimento, preparando o
terreno para que eu assine algo no futuro. Madison fica
impaciente e começa a se mexer, então eu apresso a mulher,
pegando nossas pulseiras para admissão como todo mundo,
para que possamos nos misturar na multidão.
— A segurança será postada por toda parte — diz ela. — Eles
ficarão de vigia, é claro, mas se precisar de ajuda, não tenha
medo de pedir.
A mulher sai e o segurança nos leva por um elevador
privativo, direto para o andar principal, deixando-nos sair pelo
corredor. A multidão está fluindo, correndo para chegar aonde
quer que estejam indo.
Estandes. Curiosidades. Compras. Autógrafos. A sala está
cheia de estandes, de quadrinhos, de artistas, de escritores,
atores e cosplayers... a coisa toda. Esta não é minha primeira
convenção, sabe, mas geralmente é para mim que as pessoas
fazem fila.
— Então, o que você quer fazer? — Eu pergunto a Madison.
— Você decide.
Ela se agarra à minha mão, olhando para tudo com os olhos
arregalados.
— Tudo.
Tudo. Sorrio.
— Nós podemos fazer isso.
Começamos por pouco, apenas andando por aí, absorvendo
o que podemos ver. Maddie está maravilhada, olhando para
todos fantasiados, e achei que ela poderia se sentir intimidada
pela multidão, mas não demora muito para se acostumar com
as coisas. Eu a afasto de autógrafos, já que muitas dessas pessoas
realmente me conhecem. Ela me arrasta de estande em estande,
de mesa em mesa, anunciando com entusiasmo tudo o que vê,
sem se demorar em nenhum lugar por tempo suficiente para eu
comprar qualquer coisa.
— Uau — ela diz, parando na frente de um daqueles totens,
um recorte de papelão em tamanho real. — Olha, papai! É
você!
Papai. Uma merda louca desce no meu peito quando ela me
chama assim. É a primeira vez que a ouço dizer isso. Eu pisco
para ela, tão surpreso, tão apaixonado, que só quando ela se
repete e as pessoas olham em sua direção é que percebo o que
ela está dizendo.
— Papai, é você!
Merda. Eu a puxo para longe e me ajoelho na frente dela
quando ela olha para mim confusa, como se não entendesse.
— Não sou eu hoje — digo. — Sou Knightmare, lembra?
Sua testa franze.
— Mas ainda é você de verdade?
— Claro, mas hoje temos fantasias para brincarmos de faz
de conta — digo. — Então, tecnicamente, é você hoje.
Sua expressão se ilumina quando ela se vira, olhando para a
cabine.
— Posso me ter?
— Você pode ter... você?
Ela acena com a cabeça, apontando para um dos totens.
— Oh, você realmente quer um desses.
— Aham.
— É meio grande para carregar por aí.
— Eu posso carregá-lo!
Eu sorrio com a imagem mental dela arrastando uma
daquelas malditas coisas a tarde toda.
— Tem três vezes o seu tamanho.
— Eu posso fazer isso.
— Não duvido — digo a ela. — Que tal esperarmos até o
final do dia, depois de fazermos todo o resto, e se ainda houver
um aqui, levaremos conosco.
— Tudo bem.
Isso foi muito mais fácil do que eu esperava. Pego a mão dela
novamente enquanto olho para o totem. Por favor, deixe-os
vender essas malditas coisas.
Madison me arrasta de novo, de um lugar para outro, antes
de seguirmos para o outro lado do prédio onde os estandes
estão acontecendo. Madison adquire uma programação e
escolhe para onde estamos indo. Quadrinhos no Cinema. A
Arte das Fanarts. Metáforas e Temas. Não tenho certeza se ela
sabe o que é metade das coisas. Inferno, não tenho certeza se ela
consegue ler as palavras enquanto escolhe os painéis, mas ela se
senta ansiosamente por eles, eventualmente me arrastando para
uma sala com uma placa que diz “Disputa de Fandom”.
— Não tenho certeza sobre este — digo a ela. — Acho que
eles esperam participação.
— Oh! Isso significa que posso jogar?
— Com certeza! — uma voz se intromete, uma mulher
entrando na sala atrás de nós, vestida como Maryanne. —
Estamos jogando trivia Breezeo.
— Sou eu hoje! — Madison exclama, agarrando sua fantasia
para exibi-la.
A mulher ri.
— Aposto que isso significa que você vai saber todas as
respostas, hein?
Madison assente.
— Sim.
Os olhos da mulher piscam para mim, mas eu desvio meu
olhar e não digo nada. Encontramos assentos no fundo da sala.
Eles jogam algumas rodadas de curiosidades, escolhendo
jogadores para enfrentar, antes de abrir para todos e chamar as
pessoas na plateia.
— Nos quadrinhos, Maryanne é uma enfermeira — diz o
moderador. — O que ela faz no cinema?
— Ah, ah, ah, eu, eu! — Madison grita, agitando as mãos
descontroladamente, tentando ser vista, mas o cara na frente
dela é muito alto, então ela sobe na cadeira, ficando de pé nela.
— Eu! Eu! Eu sei!
Risos abafados fluem ao nosso redor quando as pessoas a
notam.
— A garotinha Breezeo lá atrás — diz o moderador,
chamando-a. — O que Maryanne faz no cinema?
Madison sorri, gritando:
— Nada!
Mais risadas.
— Aceito isso — diz o moderador. — Ela ainda está na
escola. Venha escolher seu prêmio, pequena Breezeo.
Madison pula, caminhando orgulhosamente para a frente.
Pessoas fazem ohh e ahh perto dela, e ela aceita bem. Acontece
que um pirulito é o que ela ganha. Voltando, ela o empurra
para mim.
Abro para ela e tento devolver, mas ela faz uma careta para
mim, como se eu tivesse estragado tudo.
— O que há de errado?
— Você tem que provar primeiro — diz ela.
— Sério?
— É isso que a mamãe faz — diz ela —, no caso de ser
veneno, porque veio de um estranho.
— Oh. — Eu lambo antes de entregá-lo a ela. — Gostou
disso?
Ela balança a cabeça, colocando-o bem na boca.
Pisco algumas vezes, observando-a. Essa é uma das coisas
mais estranhas que já fiz na minha vida, testar o sabor de doces
potencialmente venenosos.
As perguntas acabaram depois de alguns minutos. Conduzo
Madison no meio da multidão, para fora da sala, recebendo
alguns elogios das pessoas sobre como ela é adorável.
Eu provavelmente pareço um idiota, apenas balançando a
cabeça em concordância.
— Está com fome? — Eu pergunto a ela uma vez que
estamos longe da multidão. — Tenho certeza de que há algo
por aqui que você vai comer.
— Cachorros-quentes!
Cachorros-quentes. Acho-os facilmente, mas a fila é
loucamente longa. Esperamos quase vinte minutos para
comprar alguns cachorros-quentes e batatas fritas, e caramba,
ela quer refrigerante, então eu compro, mas não há lugar para
sentar lá dentro, então saímos para um pequeno anfiteatro.
Uma multidão está reunida no cosplay de Knightmare. Eles
estão dando um show, tendo algum tipo de competição de
espadas.
— O que esses caras estão fazendo? — Madison pergunta
antes de dar uma mordida em seu cachorro-quente.
— Parece LARPing — murmuro.
Ela olha para mim como se eu fosse louco.
— Parece o quê?
— LARPing — eu digo. — RPG de ação ao vivo.
— Ah, eu quero jogar! Posso?
— Acho que não.
— Por que não?
— Eu não sei — admito. Porque você é apenas uma criança
soa como uma desculpa esfarrapada para negar a ela um pouco
de diversão de faz de conta.
Ela almoça enquanto os cavaleiros lutam, entretendo-se
como se estivesse assistindo a um filme, até mesmo escolhendo
um lado – aquele cuja armadura é azul, ao contrário de seu
oponente, que se veste todo de preto.
Pegando o cronograma, eu o folheio.
— Então, parece que temos uma escolha – The Consequence
of Alternate Universes ou Exploring Headcanon.
— O que isso significa?
— Acho que ambos são fan-fiction.
— O que é isso?
— Quando os fãs inventam suas próprias histórias — digo,
balançando a cabeça. Assistimos a um painel que explicou isso
a ela, mas tenho certeza de que passou por cima de sua cabeça.
— Podemos fazer isso? Uma fanfic?
— Pensei que você já tivesse feito — digo. — Você disse que
iria consertar o fim de Ghosted.
— Eu consertei.
— Bem, aí está. Então, qual painel você indicaria?
— The consequences of the cannons — diz ela, misturando-
os. Começo a corrigi-la, mas ela não está prestando atenção em
mim, está de pé e torcendo. — Vai cara azul!
O cara azul, de fato, perde – se é que existe algo como perder
no que eles estão fazendo. O cara de preto faz uma reverência,
comemorando, enquanto Madison vaia ruidosamente,
chamando a atenção.
— Você, jovem Breezeo — ele diz, ainda fazendo o papel
enquanto aponta sua espada para ela. — Você tem a ousadia de
me vaiar? Eu, o vilão Knightmare?
— Você não é o verdadeiro Knightmare — diz ela, com as
mãos nos quadris. — Meu papai é!
Ela faz um gesto para mim, então não há dúvidas de quem
ela está falando. Merda.
O homem me olha com um olhar de desgosto.
— Ele? Ha! Ele não é o verdadeiro! Ele nem tem as luvas!
Madison olha para minhas mãos.
— E? Ele nem sempre precisa usá-las.
— Justo — diz o homem. — Mas se seu pai é o verdadeiro
Knightmare, talvez ele queira descer e reivindicar seu direito.
Ele aponta para mim com sua espada.
Eu balanço minha cabeça. Não vai acontecer.
— Ele vai — diz Madison, me contradizendo.
— Parece que seu pai discorda — diz o homem. — Acho
que ele tem medo de ser exposto como uma fraude.
— Nananinanão! Ele não é!
O homem ri.
Madison está esquentando e, sério, foda-se esse cara. Eu
nunca invejaria o ato de alguém, não exigiria que eles
quebrassem o personagem, mas serei amaldiçoado se vou deixar
alguém me antagonizar na frente da minha filha. Pulso
quebrado ou não, vou defender a honra dela.
— Foda-se. — Eu me levanto, marchando direto para ele
enquanto digo: — Alguém me dê uma espada.
Imediatamente, meia dúzia de caras oferecem as suas. Pego
a mais próxima de mim, tentando segurá-la bem com o gesso.
O Senhor Antagonista tem a coragem de parecer preocupado,
sussurrando:
— Você sabe que estamos apenas brincando por aqui,
certo?
— Nós estamos? — pergunto. — Eu não tinha certeza.
Olha, vou ser sincero. Filmar a maior parte do segundo filme
foi um borrão, mas a preparação para isso, as horas
intermináveis de treinamento para as cenas de luta, está
arraigada em mim a ponto de eu poder fazer isso de olhos
fechados. Então, embora eu provavelmente morreria
horrivelmente se vivesse nos dias da corte do Rei Arthur, a
porra de um Knightmare LARPing não é nada.
— Sinta-se à vontade para se ajoelhar a qualquer momento
— digo a ele. — Eu vou aceitar a sua rendição.
Ele zomba, essas palavras o deixando fora de si. Ele dá o
primeiro golpe. É fraco, fácil de bloquear. Deixo que ele tente
mais algumas vezes, pegando seu padrão, antes de colocá-lo na
defesa, algo que ele claramente não está acostumado.
BAM. BAM. BAM. Golpe após golpe, vou atrás dele,
seguindo a mesma rotina de luta do filme. É como uma dança
coreografada, uma que o cara conhece, mas não é rápido o
suficiente para me impedir. Cinco minutos talvez, eu batalho
com ele... ele começa a suar, os olhos arregalados como se
estivesse começando a pensar que eu poderia realmente
esfaqueá-lo. Ele oferece uma luta decente, o suficiente para que
alguns golpes quase me façam perder o controle, meu pulso
ardendo, a dor subindo pelo meu braço, mas não paro até que
ele se ajoelhe.
Ele deixa cair a espada, caindo de joelhos, e eu ouço Madison
torcendo, gritando enquanto ela corre para mim. Ela envolve
seus braços em volta da minha cintura, me abraçando, e sorrio
enquanto entrego a espada para quem me emprestou.
— Cara, você é bom — diz o cara com uma risada enquanto
se levanta, estendendo a mão. — Meu nome é Brad. Tu és…?
— Jonathan — Madison entra na conversa, respondendo
por mim. — Oh, espere, ele é Knightmare hoje!
— Bem, Knightmare, se você decidir se juntar a uma liga de
LARPing…
— Eu aprecio isso, mas não é minha praia — murmuro,
levando Madison para longe.
— Poderia ter me enganado — diz o cara.
Eu ignoro isso, levando Madison de volta para dentro do
centro de convenções.
— Então, decidimos o que vamos fazer agora?
— Mais luta de espadas!
— Ah, temo que isso tenha que esperar para outra hora —
eu digo —, mas ainda há outra diversão para se ter.
Mais estandes. Algumas compras. Ainda outro jogo de
perguntas e respostas. Ela come sorvete, caindo em cima dela.
Eu compro para ela a boneca Maryanne, então ela não tem que
ficar substituindo pela Barbie. Está quase anoitecendo quando
as coisas começam a chegar ao fim. Posso dizer que Madison
está ficando sem energia. Ela está quieta agora, agarrada à
minha mão.
— Você está pronta para ir para casa? — Eu pergunto. —
Tenho certeza que sua mãe deve estar sentindo sua falta.
Ela acena com a cabeça.
Começamos a ir em direção à saída, mas Madison hesita no
meio do caminho, puxando minha mão.
— Espere! Nós esquecemos!
— Esquecemos o quê?
Ela não responde, em vez disso me arrasta direto para a
cabine com todos os convidados.
— Eu quero um Breezeo — ela declara, dizendo ao
trabalhador, apontando para o que está de pé.
— Eles custam US$ 30 — diz a senhora.
Suspirando, conto o dinheiro e o entrego antes de pegar o
suporte e carregá-lo conosco.
Abrimos caminho através da multidão persistente e saímos
pela saída. Conduzo Madison até a esquina do prédio,
permanecendo lá enquanto envio uma mensagem para o carro
nos buscar. É um minuto ou mais, então esperamos enquanto
as pessoas passam.
Tiro a máscara do rosto quando vejo o carro chegando e dou
um passo em direção a ele quando uma voz chama:
— Johnny Cunning?
Eu me viro, tenso, e vejo uma mulher com seu filho
pequeno, os dois me olhando boquiabertos.
— Ah, meu Deus, é você mesmo! — a mulher diz,
segurando o garoto pelos ombros. — Meu filho me disse que
era, sabe, ele ficava falando que era você, mas não acreditava.
São sempre as crianças.
Elas são intuitivas.
Não importa o quanto você se disfarce, as crianças podem
sentir isso.
— Posso ter um autógrafo? — ela pergunta, segurando uma
revista em quadrinhos enquanto procura algo para escrever. —
Por favor?
— Ah, claro — murmuro, pegando o marcador dela e
rabiscando meu nome, meus olhos no garoto. Ele parece ter a
idade de Madison, o mesmo olhar de reverência em seu rosto
que ela tinha esta manhã. Ele também está usando uma fantasia
de Breezeo, mas a dele é feita em casa... muito tempo gasto
nisso. É estranho, depois de tudo que fiz, ter crianças olhando
para mim como se eu fosse um herói. — Você quer uma foto,
homenzinho?
Ele acena com entusiasmo, como se estivesse sem fala, então
me ajoelho ao lado dele, posando, deixando sua mãe tirar uma
foto rápida.
— Cuide-se — digo a ele. — Certifique-se de sempre cuidar
de sua mãe.
Eu me levanto, pego a mão de Madison e a levo para o carro
antes que alguém me veja.
A viagem de volta para casa parece durar uma eternidade.
Está escuro quando chegamos e Madison está dormindo
profundamente. Tento acordá-la, mas ela não se mexe, então a
puxo para fora do assento elevatório e a carrego. Ela resmunga,
não acordando, os braços em volta do meu pescoço. Eu arrasto
o totem debaixo do braço enquanto me dirijo para a porta da
frente, preparado para bater, mas ela se abre antes que eu possa.
Kennedy está parada na porta, parecendo aliviada em nos
ver, ainda vestindo seu uniforme de trabalho. Ela sai do
caminho para eu entrar.
Eu largo o totem dentro do apartamento. Kennedy olha
para ele antes de me lançar um olhar peculiar.
— Eu sei — murmuro. — É provavelmente a última coisa
que você quer ver, mas ela não viria embora sem ele.
Kennedy balança a cabeça, fechando a porta da frente
enquanto diz:
— Você pode colocá-la na cama, se quiser.
“O Começo de uma Nova Vida”
Kennedy Garfield
◈◈◈
— Mamãe?
Isso é tudo o que preciso para me tirar de um sono
profundo, aquela palavra solitária dita por perto, a voz calma
me chamando. Maddie. Meus olhos se abrem, e eu pisco
algumas vezes, começando a recobrar meu juízo. O quarto está
começando a clarear, o sol nascendo lá fora, um brilho suave
entrando pela janela e brilhando ao longo do piso de madeira
ao redor da cama.
Acho que talvez esteja ouvindo coisas, porque ela não está
na minha frente, e começo a fechar os olhos novamente
quando ouço risadinhas suaves. Isso me atinge então, pedaços
se juntando enquanto o pânico inunda meu sistema.
Agarrando o cobertor no meu peito nu, sento-me
abruptamente e viro para o outro lado, com os olhos
arregalados.
Ela está ali, bem ao lado de onde seu pai está dormindo na
cama. Na minha cama. Merda, ele está dormindo na minha
cama, sem roupa, o cobertor sobre ele. Graças a Deus ele está
coberto – não que isso torne tudo isso melhor. Ela é muito
jovem para saber o que é isso, mas ela tem uma imaginação e
tanto, aquela criança, que pode ser perigosa.
Não quero que ela tenha ideias na cabeça e pense que isso é
mais do que é... o que quer que seja.
Ela cutuca sua bochecha antes de enfiar o dedo em seu
ouvido, rindo novamente quando ele resmunga em seu sono e
se move, agitando a mão, tentando afastar a intrusão.
— Madison — eu assobio, avisando-a. Ela puxa a mão e olha
para mim com aquela expressão de “ah, merda”, sabendo que
ela está presa. — O que você está fazendo?
— Nada.
— Não parece nada.
Um sorriso racha seu rosto.
Ela faz isso de novo, enfiando o dedo na orelha dele. Seu
rosto se contorce de aborrecimento quando ele muda de
posição, gemendo:
— Estou tentando dormir, Ser.
Maddie engasga, puxando a mão para trás, olhando para ele
com choque. Eu sinto isso, essa mesma sensação mexendo na
boca do meu estômago, mas por razões muito diferentes. Ser.
Serena. Ele acha que é ela.
— Papai diz palavrões!
No momento em que ela diz isso, os olhos de Jonathan se
abrem. Ele se senta tão rápido que puxa o cobertor de cima de
mim. Ofegante, eu o agarro, lutando para ficar coberta,
puxando-o de volta para mim e quase expondo-o no processo.
Ele olha para mim, com os olhos arregalados, em pânico,
sussurrando:
— Ah, porra.
— Ei! — Maddie diz, estendendo a mão e cutucando-o na
orelha. — Eu ouvi!
Ele ri e afasta a mão dela enquanto se vira para ela.
— Desculpe, não sabia que havia orelhas pequenas no
quarto.
Agarrando o lóbulo de sua orelha, ele a puxa de brincadeira.
— Maddie, querida, por que você não vai para a cozinha? —
Eu sugiro. — Estarei lá em um segundo para fazer um café da
manhã para você.
Ela sai do quarto, e eu tento sair da cama, mas bem, posso
sentir os olhos de Jonathan, e minhas roupas estão longe demais
para serem alcançadas. Ele tenta me tocar, sua mão nas minhas
costas, as pontas dos dedos roçando minha espinha. Eu me
afasto dele, levando o cobertor comigo, envolvendo-o em volta
do meu corpo nu enquanto pego algumas roupas.
— Kenney? O que há de errado?
— Maddie está esperando o café da manhã — murmuro,
indo direto para o banheiro. Fecho a porta atrás de mim,
deixando escapar um longo suspiro enquanto visto minhas
roupas, resmungando para mim mesma. — Estúpida, estúpida,
estúpida... você poderia ser mais estúpida? Dormir com aquele
homem estúpido depois de todas as merdas estúpidas que ele
fez... o que há de errado com você?
Abrindo a porta de novo, quase bato em um corpo que
bloqueia a porta, demorando-me no corredor. Ele teve o bom
senso de colocar a calça e ainda está lutando para abotoá-la.
— Com licença — murmuro, evitando seu olhar, mas ele
não está saindo do meu caminho.
Ele agarra meu braço antes que eu possa passar por ele, com
a testa franzida.
— Eu fiz alguma coisa?
— Eu não sei — eu murmuro. — Você fez?
Eu tento me afastar dele, mas ele avança no meu caminho.
— Vamos, não seja assim. Me diga o que está errado.
Eu hesito. Eu quero fazer algum comentário sarcástico e ir
embora, fazer birra como uma criança petulante porque me
sinto tão estúpida, mas não sou eu. Nunca fui. Então, seja o que
for, é o que é, então eu digo, não importa o quão estúpido
pareça.
— Você a chamou de Ser.
— O que?
— Ela acordou você, e você pensou que ela era Serena.
Ele solta meu braço enquanto sua expressão muda para algo
que parece pena, e eu não gosto disso.
Eu o deixo lá e vou para a cozinha, suspirando quando vejo
uma cadeira empurrada para o balcão, Maddie de pé sobre ela,
vasculhando os armários.
— O que você pensa que está fazendo, garotinha?
— Procurando Lucky Charms — diz ela enquanto eu a
puxo para baixo e a coloco de pé.
— Receio que todos acabaram. — Pego uma caixa de
Cheerios. — Que tal estes?
Ela faz uma cara de desgosto.
— Farelo de passas?
Outra careta.
— Que tal um pouco de queijo cottage?
Ela finge engasgar.
— Hum, bem, que tal…?
— Que tal eu te levar para o café da manhã? — Jonathan
sugere, entrando na cozinha. — Panquecas, salsichas, ovos…
— Bacon! — Maddie declara.
— Eu não sei — digo. — Não tenho certeza se isso é uma
boa ideia, sabe, com toda a sua coisa de você sendo você.
— Eu sendo eu — diz ele.
— Sim, é provável que você seja reconhecido e depois tenha
que explicar tudo isso e bem, sabe, não tenho certeza se vale a
pena tomar um café da manhã.
— Mas pode ser bacon — lamenta Maddie.
Jonathan hesita, pensando sobre isso, olhando entre nós
antes de dizer:
— Eu sei de um lugar que podemos ir.
◈◈◈
◈◈◈
— Tia Meghan!
Maddie sai correndo para o apartamento no segundo em
que estaciono o carro e a deixo sair, indo direto para Meghan,
que se esconde na porta da frente.
— Ei, biscoito de açúcar, redemoinho de noz-pecã! —
Meghan diz, pegando Maddie e girando-a. — Como está
minha doce sobrinha, ainda de pijama, embora seja meio-dia?
O olhar de Meghan muda para mim, desconfiada. Sim, é
praticamente a caminhada da vergonha, estilo familiar. Eu nem
escovei meu cabelo. Ah, eu não tomei banho. O DNA do irmão
dela está em cima de mim, todo em mim, e Meghan é o
equivalente humano de um cão de caça.
No segundo que eu chego perto dela, ela sabe.
— Meu papai me levou para a convenção! — Maddie diz
quando Meghan a coloca de pé. — E então tivemos uma festa
do pijama, mas ele dormiu com a mamãe, e depois fomos comer
bacon!
— Uau — diz Meghan, me lançando um olhar aguçado
enquanto ela repete. — Uau.
Abro a porta da frente. Maddie corre para dentro, indo
direto para seu quarto, mas eu demoro lá, sabendo que Meghan
está prestes a me bombardear com perguntas.
— Você deve estar brincando comigo — diz Meghan,
parando e olhando para o recorte de papelão de Breezeo ainda
na minha sala. Ela olha para mim com descrença. — Sério?
— Não tive nada a ver com isso.
— Está no seu apartamento.
— Sim, bem...
Eu não tenho defesa.
— Inacreditável — diz Meghan, balançando a cabeça. —
Uma festa do pijama? Você está... uau, você está realmente
fazendo isso com ele de novo?
— Não, não estamos. Quero dizer, nós somos apenas... eu
não sei. — suspiro, passando minhas mãos pelo meu rosto. —
Eu não sei o que estou fazendo.
— Claramente — diz ela, olhando para o recorte com o
rosto de seu irmão.
— Eu preciso tomar banho — digo —, já volto.
— Sim, vá fazer isso. Veja se você pode limpá-lo de você.
Tarde demais para isso, eu acho, mas não ouso dizer. Ele está
todo dentro de mim agora – literal e figurativamente.
Tomo banho e me visto, e assim que me sinto humana
novamente, pego algumas roupas para levá-las do outro lado da
rua até a lavanderia, já que minha lavadora ainda está quebrada.
Meghan vem às vezes aos domingos e passa um tempo com
Maddie para me dar um tempo, algumas horas para que eu
possa colocar as tarefas domésticas em dia sem interrupção.
Depois de lavar a roupa, vou ao supermercado e abasteço de
comida, certificando-me de comprar Lucky Charms para o café
da manhã. Depois, estou arrumando meu quarto e guardando
as roupas quando minha atenção se volta para a caixa de
papelão rasgada que foi empurrada às pressas de volta ao
armário semanas atrás. Eu a pego de novo, mexendo nas
lembranças empoeiradas, e pego o velho caderno de cinco
matérias. A capa preta barata está desbotada depois de todos
esses anos. Só consigo distinguir vagamente meus rabiscos
ásperos.
Eu folheio. Duzentas páginas, governadas pela faculdade, a
maioria cheia de meus rabiscos bagunçados. O caderno parece
mais pesado do que deveria, mas sei que não é o papel que o
pesa, mas a memória de todas aquelas palavras. O caderno
guarda um pedaço do meu coração, um pedaço da minha alma,
o pedaço que dei a ele há muito tempo.
— Você está sendo uma idiota — diz Meghan, aparecendo
na porta atrás de mim.
Sorrio para mim mesma.
— Eu sei.
Capítulo 18
Jonathan
◈◈◈
A porta do apartamento se abre antes que eu possa bater nela,
Madison parada ali, segurando um pedaço de papel e um lápis
grosso.
— Eu preciso de um T — diz ela imediatamente, olhando
para seu papel. — Tenho uma tartaruga, um triângulo e um
caminhão, mas preciso de mais.
— Um taco? — Eu sugiro.
Seus olhos se iluminam e ela grita:
— Tacos! — enquanto ela pula para a cozinha. Hesito antes
de seguir, fechando a porta.
Madison se acomoda à mesa e começa a desenhar um taco.
— Touca — digo a ela. — Essa é outra.
— Touca — ela repete.
— E tigre e tiara e…
— E tenho certeza de que disse a uma certa garotinha que
ela poderia fazer sua lição de casa sozinha esta noite e não
precisava que ninguém lhe desse as respostas.
Minha atenção muda para Kennedy quando ela entra na
cozinha, me interrompendo no meio da resposta, dando a
Madison um olhar aguçado. Imediatamente, olhando para ela,
eu sei que algo está errado. Algo a deixou de mau humor.
Madison faz uma careta e continua desenhando.
— Desculpe — digo. — Eu não sabia.
— Está tudo bem — ela murmura. — Olha, eu sei que você
esperava passar um tempo com ela esta noite, mas as coisas estão
loucas hoje, o trabalho está uma bagunça – as pessoas estão
doentes e há estoque para fazer, então eu tenho que voltar por
algumas horas, o que significa ela vai ter que ir para a casa do
meu pai.
Meu estômago revira.
— Ele pode vir — diz Madison.
— Acho que não — diz Kennedy. — Seu avô não gosta de
visitas.
— Mas ele gosta de nós — diz ela.
— Somos uma família — Kennedy diz a ela.
— E ele é meu papai — diz Madison —, então essa é a nossa
família também, certo?
Kennedy hesita.
— Certo.
Ela está presa entre a cruz e a espada aqui.
— Está bem — eu digo. — Entendo.
— Sinto muito, de verdade — diz Kennedy, pegando seu
telefone e discando um número, suspirando dramaticamente
enquanto murmura para si mesma: — Atenda a porra do
telefone, pai…
Ele não responde.
Ela tenta novamente.
Ele também não responde dessa vez.
Gemendo, ela desliga antes de discar pela terceira vez.
— Eu poderia ficar com ela — sugiro quando ela desliga
novamente, sem obter resposta.
— Você não precisa.
— Eu quero — digo. — Além disso, ela é minha filha. Eu
sou igualmente responsável por ela.
— Nunca fez diferença antes — ela murmura quando seu
telefone começa a tocar. Ai. Suspirando, ela olha para ele,
respondendo: — Ei, papai.
Ela sai para falar com ele, enquanto eu me sento na mesa da
cozinha em frente a Madison, resignado. Ela está ocupada
desenhando uma touca, seu taco, a palavra escrita acima dele
escrita incorretamente.
— É um C, não um K — eu digo, apontando. — T-a-c-o,
não t-a-k-o.
— Obrigada — diz ela, apagando toda a maldita palavra
apenas para reescrevê-la corretamente.
— A qualquer hora, garota.
Kennedy volta um minuto depois, enfiando o telefone no
bolso de trás de sua calça cáqui de trabalho. Ela nem olha para
mim enquanto começa a divagar sobre dever de casa, jantar e
hora de dormir, recitando regras que Madison imita
silenciosamente ao mesmo tempo em que sua mãe as diz.
Claramente, ela já ouviu tudo isso antes…
— Espere, você quer dizer que eu vou cuidar dela? — Eu
pergunto, surpreso.
Kennedy vira na minha direção.
— Você queria, não queria? Se não, posso ligar de volta para
meu pai.
— Não, não, eu queria... eu quero. Estou apenas surpreso.
— Você não deveria estar. Como você disse, ela é sua filha.
Ela beija o topo da cabeça de Madison e diz algo sobre voltar
assim que puder, e então ela sai pela porta, indo para o trabalho,
me deixando sentado aqui, sem ter absorvido nenhuma de suas
instruções.
Sim, eu vou foder com isso.
Madison termina de desenhar sua touca e adiciona um tigre
e uma tiara à mistura antes de declarar que terminou o dever de
casa. Ela enfia o papel em sua mochila antes de tirar um caderno
surrado e uma bolsinha de lápis cheia de marcadores. Ela os
espalha ao longo da mesa e abre o caderno, folheando página
após página de rabiscos.
— O que você tem aí? — Eu pergunto, me inclinando,
tentando olhar as páginas, quando ela inala profundamente e
se joga em cima dela, me impedindo de ver qualquer coisa.
— Não, não olhe! — ela diz, empurrando meu rosto para
longe. — Não está pronto!
— Ok, ok — eu digo com uma risada. — Eu não vou olhar.
— Melhor não, porque ainda não está pronto para você
olhar.
— Eu não vou olhar até que você me diga que posso.
Só depois que eu digo isso ela se recosta em sua cadeira,
convencida de que seu trabalho está seguro. Há tanto de
Kennedy naquela garota que é quase como um déjà vu vê-la.
Balançando a cabeça, eu me levanto e olho ao redor da
cozinha.
— Alguma ideia do que devemos fazer sobre o jantar? Eu sei
que sua mãe disse algo sobre isso.
— Ela disse sem comida pesada, tem que comer comida de
verdade.
Eu olho nos armários.
— Defina comida de verdade.
— Pizza — diz ela.
— Ah, pizza eu posso fazer — eu digo, vendo um panfleto
na porta da geladeira para entrega.
— E as asinhas e os pães também! — Madison declara,
continuando a desenhar em seu caderno.
— Você entendeu.
Ligo para o número, peço uma grande de pepperoni com
asas de frango e baguetes, e até adiciono uma pizza de presunto
e abacaxi ao pedido de Kennedy, caso ela esteja com fome
quando chegar em casa – pedindo comida demais para apenas
nós.
Há uma batida na porta depois de cerca de quarenta e cinco
minutos e vou em direção a ela, tirando algum dinheiro da
minha carteira, mas paro. Eu nem pensei no fato de que alguém
poderia me reconhecer e questionar por que estou aqui.
Olhando para Madison, considero que ela os pague, mas bem,
isso vai contra tudo que sua mãe está tentando ensinar a ela
sobre não abrir a porta para estranhos.
Eles batem novamente, e eu respiro fundo antes de abrir a
porta. É um cara, vinte e poucos anos, não mais velho que eu.
Ele parece chapado, olhos vermelhos em chamas, o odor úmido
e amadeirado grudado em seu uniforme, como se o cara
estivesse fumando a caminho da porta. Ele divaga sobre o preço
e eu empurro algum dinheiro para ele, pegando a pizza. Antes
que eu possa fechar a porta, porém, seus olhos injetados se
estreitam, o rosto se contorcendo em confusão enquanto ele
me olha. — Ei, você não é aquele cara? Sabe... aquele daquele
filme? O, hum...? — Ele estala os dedos, como se estivesse
tentando se lembrar, antes de apontar para mim. — Breezeo!
— Não, não eu — digo. — Ouço isso o tempo todo, no
entanto.
Fecho a porta antes que ele possa pressionar mais e observo
o olho mágico enquanto ele demora. Ele dá de ombros, porém,
e vai embora, acendendo alguma coisa antes mesmo de chegar
ao seu carro novamente.
Dando um suspiro de alívio, eu me viro para a cozinha e
quase bato direto em Madison ali parada, apenas alguns
centímetros atrás de mim.
— Você disse uma mentira — diz ela.
— Eu disse — admito —, mas foi para um bem maior.
— O que isso significa?
— Significa que às vezes é melhor não dizermos às pessoas
quem eu sou.
— Por quê?
— Porque as pessoas são intrometidas — digo. — Se eu
admitisse quem era, aquele cara voltaria e contaria a seus
amigos, que contariam a seus amigos, e a próxima coisa que
você veria é que o mundo inteiro se intrometeria e vai querer
saber o que estou fazendo aqui.
Ela está quieta, me seguindo enquanto eu levo a pizza para a
cozinha. Ela fecha o caderno e se senta lá enquanto eu coloco
um pouco de comida em um prato para ela, sentando em frente
a ela com um prato meu.
Tem alguma coisa errada.
Algo a está incomodando. Eu posso dizer.
Assim como sua mãe, lembra?
— Qual é o problema? — Eu pergunto.
Ela balança a cabeça, dizendo:
— Nada.
— Ah, veja, agora eu acho que você acabou de contar uma
mentira.
— É para um bem maior.
Sorrio enquanto ela tenta jogar minhas palavras de volta
para mim.
— Vamos, me diga o que está incomodando você.
Ela solta o suspiro mais longo e dramático, como se eu a
estivesse incomodando até a morte aqui, antes de dizer:
— Você não quer ser meu papai?
Essa pergunta é um soco no peito.
— Claro que eu quero. Porque você pensaria isso?
— Porque você não quer que as pessoas saibam disso — diz
ela. — E porque você não era meu papai até agora.
Cara, eu me sinto um idiota. Nenhum daqueles pequenos
golpes de Kennedy tem um pingo da dor que as palavras de
Madison contêm.
— Sempre fui seu papai — digo a ela. — Eu simplesmente
não era bom nisso. Estou tentando ser melhor. E eu gostaria
que as pessoas soubessem, mas é complicado, e o pizzaiolo não
é a pessoa certa para começar. Mas vamos contar a todos. Nós
vamos.
Ela sorri e come, como se minha resposta a tivesse satisfeito,
mas não me sinto menos idiota. Isso não é justo com ela – de
jeito nenhum. Estou aqui, sim, e estou tentando, mas quanto
conta se o tempo todo estou me esgueirando? Como se eu só
pudesse ser o pai dela atrás de portas fechadas.
Estou tratando ela como se fosse meu segredinho sujo.
Também não é a primeira vez que faço isso.
Fiz a mesma coisa com a mãe dela.
Cliff me diria que estou exagerando, que se trata de proteção
– protegê-la, sim, mas proteger minha imagem também. Minha
vida privada permanece privada. É assim que vai ficar. Jack me
dizia para me foder, porque viver uma vida em segredo é um
perigo para a sobriedade. Ele me diria para fazer o que é certo e
parar de ser um idiota egocêntrico. Mas não sei o que é certo.
— Então, hum, agora que já resolvemos o jantar — eu digo
—, alguma ideia do que sua mãe disse sobre a hora de dormir?
— Oito horas — diz Madison. — E eu tenho que tomar
banho às sete e meia, e então você tem que ler um livro para
mim, mas eu escolho qual.
— É justo — digo, olhando para um relógio próximo,
apenas seis e meia. — Temos cerca de uma hora. O que você
quer fazer?
Ela sorri para mim.
— Desenhar!
“Presente de Aniversonho”
Kennedy Garfield
◈◈◈
Kennedy Garfield
◈◈◈
◈◈◈
◈◈◈
Kennedy Garfield
Marcus me encara.
Ele me encara. E encara. E encara.
Um silêncio constrangedor enche o escritório, denso e
sufocante. É logo depois do amanhecer. Ninguém mais está
aqui ainda. Eu queria fazer isso antes que alguém aparecesse,
pensando que seria mais fácil, mas não... estranho.
Ele continua encarando.
— Então, sim — murmuro. — É isso.
Entreguei meu aviso de duas semanas.
Como vou durar tanto tempo, não sei. É segunda-feira de
manhã, e os rumores tiveram todo o fim de semana para se
espalhar. O vídeo se tornou viral nas primeiras vinte e quatro
horas. O cara, ao que parece, trabalha para o Hollywood
Chronicles.
Marcus limpa a garganta e diz:
— Eu gostaria que você reconsiderasse.
— Eu sei — digo —, mas não tem como isso dar certo.
Posso dizer pela expressão dele que não está feliz, mas é o
melhor, e no fundo, ele sabe disso. Já há uma viatura policial
posicionada no estacionamento, uma nova placa na porta da
loja que diz “somente clientes”.
— Essa coisa toda vai acabar, você sabe — diz ele, acenando
para a porta aberta do escritório. — Eles ficam entediados e vão
embora.
— Eu sei, mas ainda assim... está na hora.
Hora de descobrir o que diabos eu quero fazer com o resto
da minha vida, porque não é isso. Isso nunca foi o “algo
especial” que meus pais queriam para mim, nem era meu
sonho.
— É justo — diz Marcus. — Estou decepcionado, mas não
vou fingir estar surpreso. Eu sabia que perderíamos você algum
dia. Só esperava que eu estivesse aposentado quando você se
tocasse.
— Que azar.
— É — diz ele, acenando para mim, me dispensando,
simples assim. Eu saio do escritório e vou para o almoxarifado
dos fundos para começar o trabalho, pegando meu telefone
enquanto ando. Tantas notificações. Tantas chamadas
perdidas. Limpo todas elas e mando uma mensagem para
Jonathan. Tem como levar Maddie para a escola esta
manhã?
Sua resposta vem rapidamente. Claro.
Encaro sua resposta antes de acrescentar: Sem agredir
nenhum repórter?
Olha, agora vamos precisar conversar sobre essas
expectativas irreais.
Você está totalmente certo. O que eu estava pensando,
esperando que você fosse civilizado?
Realmente não sei. Mas não se preocupe. Eu vou levá-
la para a escola... por qualquer meio necessário.
Ele adiciona um demônio sorridente e um emoji de pistola
d’água à sua mensagem, então eu devolvo a ele o emoji de
revirando os olhos em resposta.
O tempo passa.
Eu trabalho no almoxarifado.
Ouço pessoas se movimentando pela loja após a abertura,
mas ninguém me incomoda. Eu sei que está chegando, no
entanto. É só uma questão de tempo.
São nove horas, mando uma mensagem para Jonathan.
Você a levou para a escola bem?
Defina “bem”.
Ninguém levou um soco e ninguém chorou.
A ajudante da professora conta?
O que…?
Você deu um soco na ajudante da professora???
Não, ela chorou. Pediu um autógrafo. Grande fã
minha.
Envio outro emoji revirando os olhos antes de embolsar o
telefone. Eu tento me concentrar no trabalho depois disso, mas
estou muito distraída.
Dez horas, eu mando uma mensagem para Jonathan
novamente. Ela tomou café da manhã?
A assistente da professora?
Maddie. Ela comeu esta manhã?
Ah sim, uma tigela de Lucky Charms.
Satisfeita, volto ao estoque, mas não dura muito.
São onze horas, envio mais uma mensagem. Ela se lembrou
de escovar os dentes, certo? Às vezes, ela esquece.
Nenhuma resposta.
Em vez disso, o telefone toca.
Ele está me chamando.
Eu respondo.
— Olá?
— Você não tem outra coisa que deveria fazer em vez de me
perguntar vinte coisas esta manhã?
Suspirando, eu me empoleiro em uma das caixas.
— Ao contrário de você, eu posso fazer várias tarefas.
— Ela escovou os dentes — diz ele. — Escovei o cabelo dela
também. E ela usava algum tipo de coisa de peça única. Uma
jardineira? Macacão? Azul, talvez? Pode ser preto.
— E ela se lembrou de sua mochila?
— Claro — diz ele com uma risada. — Até mesmo de
colocar sapatos antes de sairmos do apartamento.
— Desculpe, eu sei que estou fazendo muitas perguntas,
mas argh, sempre estive aí de manhã. Esta é a primeira vez que
eu não estava lá para preparar seu café da manhã ou amarrar
seus sapatos.
— Ela estava bem — diz ele. — Quando a acordei, eu disse
a ela que você tinha que chegar cedo ao trabalho, então ela
chamou o papai. E tenho certeza de que, quando a deixei, ela
ainda tinha todos os dedos das mãos e dos pés.
— Obrigada — digo. — Eu deveria trabalhar agora. Vejo
você daqui a pouco.
Desligo, voltando ao trabalho quando há uma batida na
porta. Ela se abre lentamente e Bethany aparece, hesitante do
lado de fora. Ela não diz nada a princípio. Ela olha para mim
como Marcus fez. Olhando, e olhando, e olhando...
— Precisa de algo? — Eu pergunto.
Ela balança a cabeça enquanto o silêncio sufocante do
escritório entra aqui.
— Eu estava apenas…
— Apenas o quê?
— Apenas... é verdade? Tipo, sério, ele estava no seu
apartamento?
— Sim.
Sua expressão pisca com mágoa.
— Você conhece Johnny Cunning? E não me contou?
— Eu te disse — digo. — Até disse que ele disse oi no outro
dia.
— Estávamos brincando. Ou eu pensei que você estava
brincando. Estava falando sério?
Dou de ombros enquanto a culpa se instala, porque talvez
eu esteja sendo injusta.
— Ele realmente disse oi. Ele se lembrou de você.
Seus olhos se arregalam, o rosto empalidece.
— Ah, meu Deus, sério?
— Sério — digo. — E sinto muito por ter deixado você
pensar que era uma piada, mas honestamente, você acreditaria
que eu realmente o conhecia? Eu não acho.
— Mas você poderia, eu não sei, ter trazido ele? Ah, meu
Deus, Kennedy, eu teria acreditado assim!
— Eu não podia.
— Por que não?
— Olha, é complicado. Eu o conheço há muito tempo,
desde que eu era mais jovem que você. Eu o conhecia antes
mesmo de haver um Johnny Cunning. O que temos... é
complicado.
— Temos…? Ah meu Deus, você e Johnny, você sabe?
Juntos?
— Fizemos o quê?
— Você sabe... vocês fizeram aquilo?
Dou a ela um olhar incrédulo.
— Você sabe de onde vêm os bebês, certo?
— Eu sei, mas tipo... ah meu Deus. É verdade? Ela é filha
dele?
— Sim.
— Ah meu Deus.
— Bethany, eu juro, se você disser ah meu Deus mais uma
vez.
— Desculpe! Simplesmente não consigo entender o fato de
que você tem um bebê com o maldito Johnny Cunning! Como
é essa vida real?
— Bem, ela não é mais realmente um bebê. E como eu disse,
foi há muito tempo.
— Então vocês não tem, sabe, desde que ele está por aí?
Vocês dois não... juntos?
Eu não digo nada, porque realmente não quero responder
isso, mas meu silêncio é suficiente para dar a ela o que ela quer.
Ela engasga, os olhos de alguma forma ainda mais
arregalados quando solta um grito e diz:
— Você fizeram!
Eu tremo.
Ela grita novamente, entrando no almoxarifado.
— De jeito nenhum! Você tem que me contar tudo. Preciso
de detalhes!
Eu posso sentir meu rosto esquentando.
— Eu não gosto de beijar e contar.
— O que? Não! Você tem que contar! Você não pode me
dizer que está dormindo com Johnny Cunning e não me dar
mais. Tipo, como foi? Quão grande é? Como é? Descreva-o!
Sorrio.
— Não vou descrever. E ele é, bem... eu não sei. Ele não é
pequeno, se é isso que você está perguntando.
— Ah meu Deus!
Eu deixo esse de lado.
— Apenas... uau — ela diz. — Isso está explodindo minha
mente. Eu não estou sendo enganada, estou? Isso é real, certo?
— Certo.
Pego meu telefone, hesito antes de abrir o FaceTime e discar
o número de Jonathan. Eu nunca fiz FaceTime com ele, então
não tenho certeza se ele vai mesmo responder, mas depois de
um momento ele atende, seu rosto piscando na tela na minha
frente.
Tudo o que vejo é pele – ele não está vestindo uma camisa.
Seu cabelo está desgrenhado. Ele ainda não se barbeou. Leva
apenas um segundo antes de eu perceber que ele está na minha
cama.
— Você está brincando comigo? — digo imediatamente. —
Estava realmente dormindo?
— Estava tentando — diz ele. — Mas alguém continua
interrompendo minha soneca.
— Inacreditável. — Eu balanço minha cabeça, me afastando
do caixote para caminhar até uma chocada Bethany. Eu sei que
ela ouviu a voz dele. Sei que ela o reconhece. Eu empurro meu
telefone para ela, forçando-o em sua mão enquanto digo: —
Divirta-se com isso. Talvez ele descreva para você.
Eu saio do depósito, ouvindo-a gritar.
— Ah meu Deus!
A loja está ocupada por ser uma tarde de segunda-feira. Eu
preciso andar pelos corredores para poder colocar o estoque,
mas as pessoas estão por toda parte, fazendo compras.
Ou, bem, fingindo fazer compras.
Eu posso sentir olhos me seguindo.
A voz de Marcus vem pelo alto-falante, chamando:
— Gerente assistente de atendimento ao cliente.
Eu gemo. Sou a única gerente assistente ao redor. Quando
chego à frente da loja, meus passos param, os olhos vão para um
homem parado no balcão de atendimento ao cliente.
Clifford Caldwell.
Seu rosto é um que eu não vejo há algum tempo, um rosto
que eu ficaria bem se nunca mais visse na minha vida.
Cinquenta anos, meio bonito no estilo Mad Men. Ele sempre
me lembrou de um executivo de publicidade vintage.
Confiança escorre de seus poros, e provavelmente é merecido.
Ele é bom no que faz. A indústria o trata como se fosse um
deus, mas há muito tempo percebi que ele era o diabo
disfarçado.
Clifford se inclina contra o balcão, esperando por algo.
Eu, percebo.
— Senhor Caldwell — digo quando me aproximo. — Posso
te ajudar com alguma coisa?
Ele sorri enquanto me olha. Faz minha pele arrepiar.
— Eu esperava que pudéssemos conversar.
— Conversar — digo. — Não tenho certeza se este é o lugar
certo para isso.
— Você pode usar meu escritório — Marcus oferece.
Eu nunca quis tanto estrangular alguém quanto quero
estrangular meu futuro ex-chefe. Uma conversa com Clifford
não será uma conversa sobre o clima. Eu estava temendo que
ele aparecesse, embora soubesse que era inevitável. Fazer parte
da vida de Jonathan significa que esse homem está disputando
o controle, e isso é algo que eu evito pensar, porque não tenho
certeza se é algo que posso aceitar. Não mais. Eu tolerei isso
muito anos atrás, vendo como um mal necessário de
Hollywood, mas as coisas são diferentes agora.
— Depois de você — diz Clifford, apontando para o
escritório vazio.
Suspiro tão alto que todos na loja provavelmente ouvem,
cruzando os braços enquanto entro no escritório, sentando-me
na cadeira atrás da mesa.
Clifford fecha a porta.
Ele não senta.
Em vez disso, ele se eleva sobre mim, observando, como se
estivesse me avaliando, antes de colocar um papel na mesa na
minha frente.
— Assine.
Acordo de confidencialidade.
— Eu já assinei um.
— Esta é uma versão atualizada. Ele era um “ninguém”
quando você assinou. As expectativas são diferentes ao lidar
com uma celebridade.
— Isso significa que o que eu assinei não é mais válido?
Ele sorri concisamente.
Eu tomo isso como um “sim” descontente.
— Eu deveria ter atualizado o seu anos atrás, mas
honestamente não vi necessidade. Eu não esperava que você se
tornasse um problema novamente.
— Um problema... é isso que eu sou?
— Talvez complicação seja uma palavra melhor para você,
porque sim, você complica as coisas. Você complicava naquela
época, e complica ainda mais agora. Então assine, Srta.
Garfield. Acabe com isso.
Eu leio o acordo, para ver o que é tão diferente. Não se trata
mais de proteger sua privacidade e preservar sua reputação.
Agora, trata-se de proteger seu direito de monetizar as
informações.
Seu nome tem valor. Sua história vale dinheiro. Os tabloides
pagariam um pouco por isso. Deixou de ser uma pessoa,
tornou-se uma marca, trocando sua privacidade por
notoriedade ao vender sua alma ao diabo.
E este pequeno papel diz que não posso sussurrar uma
palavra do que sei, porque fazer isso é como roubar sua
propriedade e penhorar como minha.
— Ele sabe sobre isso? — Eu pergunto, curiosa, porque não
consigo imaginar que Jonathan esteja bem com sua existência
sendo equiparada a uma coisa, como se ele fosse um fantoche
para ganhar dinheiro e não um humano.
— Ele está ciente — diz Clifford. — Seu advogado aplicou
algumas em seu nome.
Arbitragem, diz ele, o que significa que não há tribunal,
apenas um julgamento rápido, o acordo mantido em sigilo.
— Ok, mas ele já leu?
Clifford não responde a isso, dizendo:
— Espero que você saiba que isso não é pessoal.
— Claro que é — eu digo. — Sempre foi pessoal. Caso
contrário, você teria feito Serena Markson assinar um desses.
— Eu faço todo mundo assiná-los.
— Bem, muito bem isso fez, hein? Você vai levá-la à
arbitragem por enviar os tabloides para a porta da frente do
meu pai?
Ele me encara.
Eu posso sentir seu olhar.
Estou cansada de pessoas olhando.
— Por que você tem tanta certeza de que é Serena? — ele
pergunta. — Poderia ser porque você foi treinada para culpar a
outra mulher?
— Não há outra mulher — eu digo, a maneira como ele disse
isso eriçou minhas penas, por assim dizer. Ele está tentando
ficar sob minha pele, e argh, está funcionando. — Ele me disse
que são apenas amigos.
— E o que você e ele são?
Abro a boca para responder, mas não tenho a menor ideia
do que dizer. Ele é o pai da minha filha. Ele é o homem que
dorme ao meu lado, que faz amor comigo, que jura que ainda
me ama, mas não tenho certeza do que isso significa.
— Johnny é talentoso — diz Cliff, meu silêncio seduzindo-
o a continuar sua pequena palestra. — Mas esse negócio é
implacável e é preciso mais do que talento para progredir. Eu
trabalho duro para mantê-lo no topo. Ele não vai desaparecer
na obscuridade no meu relógio. Então, novamente, isso não é
nada pessoal. Estou fazendo o que é necessário para garantir
que ele nunca mais se torne um ninguém.
Há tanta coisa que eu quero dizer agora. Ele pega uma
caneta, estendendo-a para mim, mas eu a ignoro. Em vez disso,
amasso o papel e empurro a cadeira para trás, dizendo:
— A questão é, Sr. Caldwell, Jonathan nunca foi um
ninguém. Mantenho o que te disse anos atrás. Ele é bom demais
para você.
Saio do escritório, dando alguns passos para dentro da loja
antes de ouvir vozes altas. Olhando para os registros, vejo
Bethany.
Ao lado dela está Serena Markson.
— Incrível — eu murmuro.
Exatamente o que eu preciso.
A dupla tira selfies como se fossem amigas há muito tempo
perdidas, e Bethany se emociona enquanto ela dá autógrafos.
Clifford sai do escritório atrás de mim, limpando a garganta,
chamando a atenção de Serena.
— Cliff, onde você estava? — Serena pergunta,
aproximando-se do balcão de atendimento ao cliente.
— Cuidando de um problema — diz ele. — Nós podemos
ir agora.
Eu tento passar por eles, tento contorná-los, querendo nada
mais do que sair do palco antes que isso fique feio, mas Serena
percebe minha presença.
— Kennedy — diz ela, lendo meu crachá. — A Kennedy?
Você parece diferente.
— Diferente — eu digo, me perguntando o que ela quer
dizer com isso, porque não está soando como um elogio.
— Da outra noite — diz ela. — Com Johnny, você estava
toda arrumada, usando um vestido? Quase não percebi que era
você. Sempre parece tão diferente em seu uniforme de trabalho.
Sim, definitivamente não é um elogio.
Mesmo em uma mercearia, ela parece estar preparada para
uma sessão de fotos, nem um fio de cabelo fora do lugar.
— Sim, bem, você sabe como é — murmuro. — Mundo real
e tudo isso.
Seus olhos se estreitam.
— Um prazer como sempre, senhorita Garfield — diz
Clifford antes de pressionar a mão nas costas de Serena e dar-
lhe uma cotovelada. — Tenho certeza de que nos veremos em
breve.
— Estou ansiosa por isso.
Cara, vou ter que ajudar um monte de velhinhas a atravessar
a rua para recuperar um bom carma por aquela grande e gorda
mentira.
Serena lança um olhar por cima do ombro para mim
enquanto os dois saem da loja. No segundo em que estão do
lado de fora, ela joga as mãos para cima e começa a reclamar. Eu
observo pelas portas de vidro enquanto Clifford a força a entrar
em um carro esperando antes que ela possa fazer uma cena.
Suspirando, me aproximo de Bethany, que está tão animada
que está pulando. Assim que estou ao alcance do braço, ela me
abraça.
— Ah meu Deus! Você é a melhor!
— Acho que vocês tiveram uma boa conversa?
— A melhor! — Ela devolve meu telefone. — Por sua causa,
eu falei com meus dois ídolos!
— Ah, bem, não tenho certeza se a coisa da Serena foi
minha.
— Mas quando ela apareceu no outro dia, ela estava
perguntando sobre você, então vou te dar o crédito.
— O outro dia? — Ocorre-me quando pergunto – na noite
em que ela apareceu no meu apartamento. — Espere, ela estava
perguntando sobre mim?
— Sim, ela perguntou se alguém conhecia uma senhora
chamada Kennedy. É meio engraçado, porque ela nem sabia
que você trabalhava aqui! Ela só sabia que você era de Bennett
Landing, e a loja era realmente a única coisa aberta. Ela queria
saber onde poderia encontrá-la, então eu a mandei para os
apartamentos. — Os olhos de Bethany se arregalam. — Espere,
eu não deveria ter feito isso? Eu não sabia... não tinha certeza...
estava tão animada, e ela nem mencionou Johnny, então eu não
percebi... ah meu Deus, você está tendo algum caso com o
marido dela?
Eu balanço minha cabeça, meu punho apertando em torno
do acordo de confidencialidade destruído. Eu nem sei o que
dizer sobre isso, então simplesmente vou embora.
Antes que eu possa colocar o telefone no bolso, ele vibra
com uma mensagem.
Olho para a tela.
É de Jonathan.
Essa menina é louca. Ela me pediu para descrever meu
pau.
Sorrio disso, apesar de tudo o mais acontecendo. O que
você disse a ela?
Sério? O que você acha que eu disse a ela?
Começo a digitar “que ela enlouqueceu” quando outra
mensagem chega.
Eu disse a ela que era o mais bonito de 22cm do mundo,
baby. ;)
◈◈◈
◈◈◈
◈◈◈
Kennedy Garfield
◈◈◈
◈◈◈
◈◈◈
Noite de domingo.
O sol está se pondo lá fora.
Cada segundo que passa faz meu peito parecer mais
apertado, meus ombros mais pesados enquanto o peso do
mundo exterior cai sobre mim. Jonathan tem que ir logo.
Ele não contou a ela.
Maddie não tem ideia.
Ela está sentada à mesa da cozinha, cercada de giz de cera,
fazendo um cartão para sua tia Meghan – é seu aniversário
amanhã. Balançando as pernas, ela cantarola para si mesma,
alheia no momento.
— Mamãe, quantos anos a tia Meghan vai fazer? — ela
pergunta, enquanto estou na pia lavando pratos... esfregando o
mesmo copo nos últimos dez minutos.
— Trinta — digo.
— Uau — Maddie diz antes de murmurar: — Isso é muito.
Eu me viro, olhando para ela por isso. Não estou longe dos
trinta. Eu não digo nada, porém, porque meus olhos avistam
Jonathan enquanto entra na cozinha, carregando sua bolsa.
Maddie olha para cima, ouvindo seus passos. Suas pernas
param de balançar. Ela pisca para ele com confusão antes de
perguntar:
— Vamos embora?
Ele não responde de imediato. Ele congela, então ela olha
para mim, como se confiasse que eu vou dizer a ela, já que ele
não vai.
— Não, querida, nós não vamos embora — digo, querendo
colocar algum juízo nele, porque o silêncio não vai ajudar. —
Mas seu pai vai.
— Papai vai o que? — ela pergunta, e eu sei que ela já sabe a
resposta, porque agarra o lápis com tanta força que se parte.
— Vou para o trabalho — ele diz, finalmente entrando na
conversa. — Eu tenho que terminar de fazer o filme, então
tenho que me ausentar por um tempinho.
— Quanto é um tempinho? — ela pergunta. — Até
amanhã?
— Mais do que isso. — diz ele.
— O dia depois de amanhã? — ela pergunta. — Você vai
voltar nesse dia?
— Hum, não — diz ele. — Vai demorar cerca de um mês?
— Um mês? — Ela engasga, olhando para mim novamente
quando pergunta: — Quantos dias são isso?
— Cerca de trinta — digo a ela.
Eu vejo isso, o pânico que flui através dela. São muitos dias
para uma menina tão pequena. Ela balança a cabeça
freneticamente, jogando o giz de cera para baixo.
— Não, isso é demais! Não quero que você faça isso!
— Desculpe — diz Jonathan, mas “desculpe” não é o que
ela quer ouvir, então não faz nada além de aborrecê-la ainda
mais.
Empurrando-se para fora de sua cadeira, ficando de pé, ela
balança a cabeça novamente enquanto corre em direção a ele,
pegando sua bolsa. Ela a puxa com força, tentando arrancá-la
da mão dele.
— Não, não vá! Eu quero que você fique!
— Sei que você quer — diz ele —, eu quero ficar também,
mas tenho que ser Breezeo, lembra?
— Eu não me importo! — ela diz, cavando em seus
calcanhares, puxando a bolsa com tanta força que ele afrouxa
seu aperto, se rendendo. Ela quase cai, mas ele a segura. A bolsa
cai no chão, e ela tenta chutá-la para longe. Ele não se move,
então ela o empurra, querendo colocar distância entre ele e
aquela bolsa. — Você não precisa ser Breezeo! Você pode ser
apenas papai, e vai ficar tudo bem! Vai ser o aniversário da tia
Meghan, e pode me acompanhar até a escola, nós temos que
fazer as falas juntos para que eu possa praticar, porque eu vou
ser um floco de neve! E como posso ser um floco de neve se você
não ficar?
Sua voz falha enquanto as lágrimas enchem seus olhos. Ela
ainda está empurrando contra ele, tentando fazê-lo se mover,
mas ele não se mexe.
Ela está ficando furiosa.
Suspirando, ele se abaixa ao nível dela, gentilmente
agarrando seus braços quando ela furiosamente tenta empurrar
seu rosto para longe do dela.
Quero muito intervir. Eu quero agarrá-la, abraçá-la e fazer
tudo ir embora, mas não posso. Então apenas fico contra o
balcão, tentando me manter sob controle, porque eu
desmoronar não vai ajudar ninguém agora.
— Você ainda pode ser um floco de neve — diz ele. — Você
vai ser o melhor floco de neve de todos os tempos.
— Mas como vai saber? — ela pergunta, as primeiras
lágrimas começando a cair. — Você ainda virá ver?
— Claro — diz ele. — Não perderia por nada.
— Promete?
Eu inalo bruscamente, mas ele não perde o ritmo.
— Prometo — ele sussurra, enxugando suas bochechas. —
Eu voltarei para isso. É só que, agora, o filme precisa que eu seja
Breezeo.
— Mas preciso que você seja meu pai — diz ela.
— Ainda serei seu pai, mesmo quando eu for Breezeo.
— Não, você não vai! — ela grita. — Você vai embora, e
então não estará mais aqui, e será como antes!
— Não será como antes — ele diz a ela.
— Será! Você não queria ser meu papai na época, e agora
você não quer de novo! Quer ir embora e não vai mais morar
aqui, porque você tem todas as suas coisas e elas vão embora e
você não estará aqui para dizer à mamãe que ela é bonita, então
agora ela não pode nunca mais te amar!
Uau. Ela deixa escapar tudo isso em uma respiração
frenética antes de passar por ele e sair correndo, a porta do
quarto batendo.
Um silêncio estrangulado varre a sala com sua ausência,
antes de Jonathan se levantar lentamente e dizer:
— Eu provavelmente mereço isso.
Franzindo a testa, afasto-me do balcão, parando-o antes que
ele possa ir atrás dela.
— Deixe-me falar com ela.
Vou para o quarto dela, parando do lado de fora para bater
na porta.
— Quem é? — ela grita.
Agora ela quer saber quem está batendo antes de responder.
— É a mamãe.
— Mamãe quem? — ela murmura.
Sorrio para mim mesma, endireitando minha expressão
antes de abrir a porta, dizendo:
— A única mamãe que você tem.
— Só uma mamãe — ela murmura —, e nenhum papai
agora.
Andando, eu me sento ao lado dela na beirada de sua cama.
— É isso que você realmente pensa?
Ela encolhe os ombros.
— Olha, sei que você não quer que ele vá embora, porque
vai sentir falta dele, mas você sabe como Breezeo é especial. E
eu sei que não é justo com você, e é realmente uma merda,
porque você finalmente conseguiu tê-lo como seu pai e agora
ele tem que ir, mas você pode escrever para ele, ligar para ele e
desenhar todas as imagens que quiser.
Ela balança as pernas, os olhos nos pés.
— Não é o mesmo.
— Eu sei, mas ele prometeu que voltará — digo, me
levantando. — Você quer vir se despedir dele? Talvez desejar
sorte a ele?
Ela balança a cabeça.
Eu a deixo lá, em seu quarto, deixando a porta aberta
quando saio. Jonathan permanece na sala de estar, segurando
sua bolsa. Ele franze a testa quando me vê. Eu não levo isso para
o lado pessoal.
— Ela está bem? — ele pergunta.
— Ela vai ficar bem — digo a ele. — Não se preocupe.
Ele olha para o relógio, suspirando.
— Eu tenho que ir. O carro está aqui para me pegar.
— Ok — sussurro enquanto ele se inclina, me beijando. —
Fique seguro. Seja inteligente. Não beba. Sem drogas. Chega de
pular na frente de carros em movimento.
— Você com certeza sabe como tirar a diversão das coisas —
ele brinca. — Vejo você quando puder.
Ele abre a porta da frente para sair, dando apenas um passo
sobre a soleira quando a voz de Maddie guincha pelo
apartamento, alta e frenética.
— Espere, papai! Espere! Não vá ainda!
Ele faz uma pausa, e ela corre direto para mim, quase me
atropelando enquanto corre em direção a ele, segurando o
caderno que ela desenha.
Ela o empurra para ele, acertando-o no peito.
— Você esqueceu de pegar isso.
Ele pega.
— O que é isso?
— As fan-fics que fiz para você — diz ela. — Lembra? Eu
consertei. Se você vai ser Breezeo agora, deveria tê-lo, porque é
melhor.
Ele sorri.
— Obrigado.
Ela acena com a cabeça e hesita, os dois se encarando sem
jeito, antes que ela se jogue nele, abraçando-o.
— Amo você, papai. Mais do que todos os filmes de Breezeo
de todos os tempos.
— Eu também te amo — diz ele, abraçando-a de volta. —
Mais do que tudo no mundo.
Capítulo 26
Jonathan
◈◈◈
◈◈◈
— Ei, papai!
O rosto sorridente de Madison ocupa toda a tela do meu
telefone. Acho que a estratégia auto-imposta de “faça-o
esperar” foi abandonada, considerando que ela está falando
comigo no FaceTime às sete e meia da manhã.
— Bom dia, linda — eu digo. — Você está se preparando
para a escola?
Ela balança a cabeça, balançando o telefone enquanto faz
isso.
— Já vesti minhas roupas e mamãe disse que tínhamos
alguns minutos, porque preparei minha mochila mais cedo.
— Então você decidiu ligar?
— Aham, para lembrá-lo para que você não esqueça.
— Esquecer o que?
— Eu, dã.
— Você não precisa se preocupar com isso, mas estou feliz
que você ligou. Eu sinto sua falta.
— Também sinto sua falta — diz ela. — Adivinha! Ontem
foi aniversário da tia Meghan e a mamãe ganhou os cupcakes
dela, mas a tia Meghan não comeu nenhum, porque ela diz que
bolo não gosta das coxas dela, não sei por quê. Então ficamos
com todos eles, e eu guardei um para você, mas mamãe disse
que não vai ficar bom em trinta dias, então eu comi.
— Você comeu.
Ela acena.
— Para o café da manhã.
Sorrio, porque não tenho ideia do que dizer sobre isso. Seus
olhos se estreitam, como se ela não soubesse o que eu acho tão
engraçado.
Ao fundo, ouço Kennedy gritando, algo sobre ser terça-
feira.
— Oh-oh — diz Madison, seu rosto piscando com pânico
segundos antes dela largar o telefone no chão e fugir.
Eu olho para uma vista do teto.
— Madison? Madison! Pegue o telefone de volta!
Há uma batida na porta do meu trailer atrás de mim. Ela
abre sem convite. Cliff entra, olhando para mim incrédulo.
Estou sentado aqui com os pés apoiados, relaxando.
— O guarda-roupa está esperando — diz ele. — Você
deveria estar fantasiado.
— Diga a eles que estarei lá em um minuto.
— Sabe, talvez se você contratasse um assistente pessoal...
Ele termina a frase, dizendo alguma coisa, mas não presto
atenção, porque Madison volta.
— Desculpe, papai. Esqueci que era terça-feira e eu tinha
que pegar algo para Mostre e Conte.
— Está tudo bem — digo a ela. — O que você escolheu?
— Adivinhe!
— Breezeo?
— Não! — Ela puxa sua boneca Maryanne para me mostrar.
— Ta-da!
— Uau, algo novo, hein?
— Sim — ela diz.
— O que fez você mudar?
— Eu não queria que mamãe ficasse triste porque você se
foi, então ela ficou com meu Breezeo por enquanto. Ele está na
cama dela, tirando uma soneca!
— Uau — eu digo, tentando não rir do fato de que ela está
dormindo com uma pequena versão de boneco minha na
minha ausência. — Muito gentil da sua parte.
Kennedy grita novamente ao fundo, perguntando a
Madison se ela viu seu telefone.
— Oh-oh. Tenho que ir!
Ela desliga.
Eu balanço minha cabeça, percebendo que Kennedy
provavelmente nem sabe que ela me ligou.
Levantando-me para ir ao guarda-roupa, vejo Cliff ainda à
espreita.
Ele olha para o relógio.
— Você deve estar no set em quinze minutos.
Merda. Vou me atrasar.
“Promessas Quebradas”
Kennedy Garfield
Está chovendo.
Aqui não chove muito, não mais do que a média, mas parece
sempre querer chover nos piores momentos. É como se o céu
tivesse uma linha direta com minhas emoções. Quando as
coisas se contorcem dentro de mim, o mundo começa a rachar
e o céu se desfaz.
Estava uma tempestade quando acordei esta manhã, mas
agora, no início da noite, mal cai um fio. A chuva diminuiu o
suficiente para Maddie chapinhar nas poças de lama no jardim
da frente do meu pai, enquanto eu me sento em uma cadeira na
varanda. Meu pai está ao meu lado, balançando
constantemente.
— Você parece perdida de novo — diz ele. — Como se não
soubesse se está indo ou vindo.
Eu olho em sua direção.
— Estou tendo uma vibe de déjà vu aqui, pai
— Você e eu, garota — diz ele. — Parece que a cada poucos
meses passamos por isso. Ele aparece e depois vai embora, e você
fica para trás para lamentar.
— Desta vez é diferente.
— Tem certeza?
— Ele está voltando.
— Ele não volta sempre?
— Sim, mas…
— Mas é diferente — diz ele. — Ainda assim, não é.
Eu suspiro, exasperada, o que só serve para fazê-lo rir.
— Ele queria que fôssemos com ele.
Meu pai parece surpreso.
— Então por que você está sentada aqui?
Eu pisco para ele.
— Você não é o mesmo homem que enlouqueceu da última
vez que saí com ele?
— E você não é a mesma garota que não se importava com
o que os outros pensavam se você estava indo?
— Eu tinha apenas dezessete anos. Não sabia o que estava
fazendo.
— Por isso que fiquei enlouquecido.
Eu me afasto, olhando para Maddie. Ela está coberta de lama
e sorrindo. Não parece nada perdida. Ela parece saber
exatamente onde pertence.
Eu gostaria de ter a resiliência dela.
Eu gostaria que as palavras de Jonathan fossem suficientes
para acalmar meus medos.
Ele se foi por duas semanas.
Já estamos na metade do mês. Mais duas semanas e ele deve
estar pronto. Eles estão na Europa agora, e a diferença de fuso
horário torna isso difícil. As ligações são esporádicas,
mensagens de voz de trinta segundos dizendo boa noite para
Maddie ou dizendo “eu te amo”. Acordo com mensagens de
texto e, quando respondo, ele está ocupado demais para lê-las.
— Não posso viver minha vida nos termos dele — digo.
— E ele não pode viver a vida dele nos seus — diz meu pai.
— É por isso que existe um compromisso. Sua mãe e eu
raramente concordávamos em alguma coisa. Era uma questão
de dar e receber. Você ganha alguns, perde alguns e continua
jogando.
Maddie corre até nós, tirando o cabelo do rosto. Ela salta
para a varanda, deixando um rastro de lama atrás dela, e
instantaneamente, sem pensar duas vezes, ela se joga em mim.
Eu suspiro. Ela está encharcada, o abraço me deixando
enlameada.
Rindo, ela corre novamente, gritando:
— Peguei você!
— Sua pequena… — Eu pulo, e ela grita enquanto eu a
afasto da varanda. Ela espera que eu pare por aí, mas corro para
o quintal. O chão está escorregadio, e eu escorrego, e... — Ah!
Meus pés saem de debaixo de mim, e eu caio, mas não antes
de colocar minhas mãos em Maddie, levando-a junto. Nós duas
pousamos na grama, atordoadas, cobertas de lama.
Meu pai ri da varanda.
— Peguei você — digo, sentando, cutucando Maddie no
lado quando ela fica de pé. Ela pula em mim, tentando me
agarrar, enquanto meu bolso vibra. Fico confusa até ouvir o
toque abafado. — Oh, espere, trégua!
Eu levanto uma mão para parar Maddie enquanto pego
meu telefone. Ela me dá apenas cinco segundos para olhar para
a tela antes de tentar me derrubar, tempo suficiente para ver o
nome dele no FaceTime. Jonathan.
— Espere! É o seu pai! — Digo, mas é tarde demais, porque
a garota bate em mim com tanta força que o telefone sai
voando, caindo na grama molhada.
Maddie pega o telefone enquanto ele fica mudo. Com os
olhos arregalados, ela o empurra para mim.
— Arrume isso, mamãe.
— Está quebrado? — Eu pergunto, apertando botões, grata
por ainda funcionar. Abrindo o FaceTime, ligo de volta. Ele
toca e toca e toca e meu coração canta quando ele atende.
Ele está em uma cama em um quarto escuro, parecendo que
está meio adormecido. Sua testa franze.
— O que vocês estão fazendo? Luta na lama?
— Eu, hum... sim.
Ele ri, um tipo de riso sonolento.
O som faz coisas ao meu interior.
— Ei, papai! — Maddie diz, pulando nas minhas costas, me
sufocando enquanto envolve os braços em volta do meu
pescoço. — Você está cochilando?
— Algo assim — diz ele. — Estou meio triste, estou
perdendo toda a diversão.
— Breezeo não está sendo divertido? — Maddie pergunta,
pegando o telefone da minha mão para assumir.
— É muito trabalho — diz. — Não é tão divertido quanto
você parece estar se divertindo.
— Não se preocupe, podemos nos divertir quando você
voltar para casa — diz Maddie. — Nós podemos brincar na
chuva, e você e a mamãe podem lutar!
— Promete?
— Sim.
— Bom — diz ele. — Você pode colocar sua mãe de volta?
Não posso falar muito.
— Ok — diz ela, entregando o telefone para mim, gritando:
— Tchau!
Ela está fora, correndo para a varanda, enquanto olho para
Jonathan.
— Eu perguntaria como você está — diz ele —, mas acho
que a visão de você agora provavelmente resume tudo.
— O que, estou uma bagunça?
Ele ri.
— Sem comentários.
— Sim, bem, você parece...
— Com merda? Estou me sentindo assim. Longos dias e
ainda estamos atrasados. Eu vou terminar isso perto de voltar a
tempo.
A tempo.
Meu olhar pisca para Maddie antes de voltar para Jonathan,
que parece incrivelmente nervoso.
— Quão perto?
— Depende — diz ele. — Quando é a peça exatamente?
— Três horas do dia dois de junho.
Ele hesita.
— Nós encerramos nessa manhã em Nova Jersey.
Meu coração cai até os dedos dos pés.
— Estarei lá — diz ele. — Não se preocupe.
— É difícil não me preocupar.
— Eu vou fazer isso. Prometi a ela que faria. Eu só queria
que você soubesse, caso…
— Caso você não consiga?
— No caso de eu ter que quebrar algumas leis.
Sorrio disso.
— Eu vou te perdoar.
Ele olha para mim, como se quisesse dizer mais, mas não tem
certeza das palavras.
— Você está bem? — Eu pergunto. — Parece exausto.
— Só estou cansado — diz ele. — Os dias parecem meses
sem você.
Essas palavras ressoam com uma parte profunda de mim,
uma parte que parece muito mais velha e muito mais fria do
que deveria ser.
— Eu conheço o sentimento.
— Estou em Paris agora — diz ele. — Três dias atrás, estava
em Amsterdã. Eu estive em todo o mundo, mas o único lugar
que realmente quero estar é Bennett Landing.
— Você odeia Bennett Landing.
— É onde você está. Onde está Madison.
— Nós estaremos aqui — eu digo. — E nos veremos às três
horas do dia 2 de junho.
— Nós vamos. — Ele sorri. — Eu preciso tentar dormir um
pouco. Devo estar no set em algumas horas.
— Ok — digo. — Durma bem.
— Eu te amo — diz ele, pressionando o botão para encerrar
a chamada, a tela fica preta enquanto as palavras ficam na ponta
da minha língua em resposta. Eu te amo.
Hoje faz dez anos desde a noite em que fugimos. Nosso
décimo Aniversonho. Ele não mencionou isso. Não sei se ele se
lembra, mas nunca vou esquecer. Ao escolhê-lo, mudei todo o
meu mundo e, olhando para minha garotinha coberta de lama,
sei que nunca me arrependerei de um único momento.
◈◈◈
Dez anos atrás, você fugiu comigo para que eu pudesse seguir
meu sonho. É hora de você seguir o seu. Onde quer que você o
leve, eu estarei lá.
Feliz Aniversonho.
Jonathan
— Amor no exterior.
Eu puxo meu braço sobre os olhos cansados para olhar para
a porta do meu trailer, onde Jazz está, segurando o que eu
garanto ser a última edição do Hollywood Chronicles, lendo.
— Eu não quero ouvir isso — murmuro, cobrindo meus
olhos novamente, tentando bloquear o mundo e roubar um
pouco de paz, mas isso é pedir um milagre. Tenho uma pausa
de duas horas no meio das filmagens, nosso primeiro dia de
volta em solo americano, e tenho o pior caso de jet lag. Eu me
sinto de ressaca, aquela sensação grogue de “dia depois de uma
farra de cocaína” onde eu odeio a porra do mundo e todos nele
– inclusive eu.
— Não há nada como a Cidade do Amor para reacender o
fogo entre ex-amantes — diz Jazz, me ignorando enquanto
continua a ler. — Fontes no set de Breezeo: Ghosted em Paris
nos dizem que as coisas estão esquentando novamente entre
Johnny Cunning e Serena Markson.
Se por “esquentando” eles querem dizer que ela me deixa
com tanta raiva que eu poderia cuspir fogo, estariam certos
sobre isso. Estar perto dela tem sido intolerável.
— Os dois foram vistos juntos algumas vezes recentemente
— diz Jazz. — Há rumores de que Serena decidiu perdoar
Johnny por suas indiscrições depois que ele implorou por outra
chance.
Rindo secamente, eu me sento. Eu nem vou entreter essa
besteira com uma resposta.
— Jazz, sem ressentimentos, mas você pode apenas... se
foder?
— Como quiser, rabugento. — Ela folheia o artigo
enquanto diz: — Eu me pergunto quem poderia ser a fonte
deles no set.
— Você sabe que eles fazem merda, certo? — Fico de pé,
cambaleando até a pequena geladeira para encontrar algo com
cafeína. — Ou outra pessoa inventa merda e dá para eles.
— Sim, mas alguém tira as fotos — diz ela. — Elas com
certeza não são inventadas.
Água engarrafada. Água vitaminada. Algum tipo de suco
chique. Sem cafeína. Suspirando, eu pego um pouco de romã
antioxidante antes de virar para Jazz.
— Há fotos?
— Claro — diz ela, segurando-a para me mostrar – um
conjunto completo de fotos do set. — Tanta coisa para um set
fechado. As fotos estão vindo de dentro.
Ela ri de sua própria piada, mas eu não acho nada
engraçado... provavelmente porque é a minha vida que eles
estão tentando destruir. Pode ser qualquer número de pessoas,
mas aquelas que trabalham na produção tendem a valorizar
demais seus empregos para arriscá-los.
Além disso, há muita sujeira legítima com a qual eles
poderiam me vender, não essa merda de relacionamento
fabricado.
Abrindo o suco, tomo um gole e engasgo, cuspindo de volta.
— Isso é nojento. Onde está toda a porra da cafeína?
— Senhor Caldwell a removeu — diz ela, fechando o
tabloide. — Algo sobre você arrumar sua vida.
Suspiro, jogando o suco no lixo antes de passar as mãos pelo
rosto.
— Preciso de um novo empresário.
Jazz ri, mas é interrompida quando a porta do trailer se abre
e Cliff entra. Jazz se desculpa, saindo rapidamente.
Cliff a observa sair correndo pela porta e pergunta:
— Alguma coisa está acontecendo entre vocês dois?
Eu caio no sofá.
— Eu tenho uma namorada.
— Você? Oficializou?
— Não falei sobre isso. Não tenho certeza se isso importa.
O amor não conhece títulos.
Ele pisca para mim.
— Você acabou de citar Breezeo?
Dou de ombros.
— De qualquer forma — diz ele, sacando um pedaço de
papel. — Preciso passar por algumas coisas com você, já que
tem tempo. A produção termina em dois dias e queremos
manter o ritmo.
Examino o papel quando ele o entrega para mim. Uma
agenda provisória que ele coordenou com meu agente.
Encontros. Audições. Publicidade. Sem mencionar semanas
inteiras bloqueadas pelo RP para promoção. Olho para trás e
balanço a cabeça quando vejo a data.
— Não posso fazer isso.
2 de junho às 16h
— Perdão? — Cliff diz.
— Eu não posso fazer a primeira reunião.
— Por que não?
— Minha filha está em uma peça.
— Uma peça.
— Sim — digo. — Eu prometi a ela que estaria lá, então vou
sair no segundo em que terminarmos.
Cliff me encara.
— Algum outro conflito que devemos saber? Talvez
algumas reuniões de descanso remunerado que precisamos
resolver? Acompanhando viagens de campo? Disney on Ice,
talvez?
Sua voz soa tão condescendente que eu quero jogá-lo para
fora da porra do meu trailer, mas visto que eu tenho um trailer
graças ao seu trabalho duro, isso provavelmente não é uma boa
ideia.
— Vou mantê-lo informado — digo, colocando o papel
para baixo.
— Eu apreciaria — diz ele antes de sair, fechando a porta
com mais força do que o habitual.
Suspirando, abaixo minha cabeça e fecho os olhos, exausto.
Exasperado. Eu mal consigo um minuto de paz antes de Jazz vir
espiar.
— Sim — murmuro. — Ele se foi.
Ela entra no trailer, segurando uma lata de Red Bull.
— Trouxe um presente para você.
— Eu poderia te beijar por isso — digo, pegando, abrindo a
tampa e tomando um gole.
— Eu preferiria que você não o fizesse — ela diz. — Eu li
tudo sobre os lugares onde esses lábios estiveram.
◈◈◈
◈◈◈
Kennedy Garfield
Olho para o relógio pela décima vez nos últimos cinco minutos,
deixando escapar um suspiro profundo enquanto me mexo na
cadeira. Em três minutos curtos, serão três horas.
— Ele não veio — diz Meghan.
Ela está sentada à minha direita, um assento vazio entre nós,
reservado para um Jonathan notavelmente ausente. Liguei para
ele uma dúzia de vezes na última meia hora, mas tudo que
recebo é sua mensagem de voz genérica. A pessoa para quem você
está ligando não está disponível.
Deixei algumas mensagens, dizendo que era melhor ele se
apressar, mas não ouvi nada.
— Ele estará aqui — eu digo. — Ele prometeu.
— É melhor ele vir — meu pai diz de seu assento à minha
esquerda. — Se o menino sabe o que é bom para ele.
Há uma zombaria atrás de mim, uma voz familiar
murmurando:
— Se estamos contando com Cunningham usando seu
cérebro, provavelmente ficaremos desapontados.
Eu me viro, vendo a Sra. McKleski sentada ali, tricotando...
sim, ela está tricotando. Eu nem tenho certeza de por que ela
está aqui. É uma apresentação pós-escola do jardim de infância.
Meu olhar varre o pequeno auditório, surpresa com quantas
pessoas vieram para ver um punhado de crianças fazendo uma
peça sobre o clima.
Olhando de volta para a Sra. McKleski, pergunto:
— O que você está fazendo aqui?
— Seu pai me convidou — diz ela.
Olho para meu pai, que dá de ombros.
— É o grande dia da minha neta. Eu queria que as pessoas
soubessem disso.
— Quantas pessoas você convidou?
— Metade da cidade — a Sra. McKleski responde por ele.
Balançando a cabeça, olho para a hora. 2:59.
Chamo Jonathan novamente. Correio de voz.
A professora sai pela beirada do palco, em frente à grande
cortina, no momento em que a hora muda, marcando três
horas.
Suspirando, eu desligo sem deixar uma mensagem,
guardando meu telefone. Não há mais nada que eu possa fazer.
Eu ouço as crianças se movendo atrás da cortina, entrando em
seus lugares, e tudo o que consigo pensar é em como Maddie
estará arrasada quando perceber que ele ainda não apareceu.
A cortina se abre, a peça começa.
Maddie está na parte de trás do palco, vestindo sua fantasia
– branca da cabeça aos pés, com um tutu fofo e flocos de neve
de papelão recortados amarrados às costas como asas.
Ela sorri animadamente, acenando para nós, mas não
demora muito para que ela perceba o assento vago. Meu pai
está gravando, e eu deveria dizer a ele para parar, porque não
tenho certeza se o primeiro coração partido dela é algo que
qualquer um de nós vai querer reviver, mas não consigo formar
essas palavras. Eu não posso me forçar a dizer isso.
Não consigo acreditar.
Apesar de tudo, ainda acredito nele.
Maddie está lá, não mais sorrindo, seu olhar examinando
cada rosto no auditório. Ela está ansiosa, e toda vez que ela olha
na minha direção, eu a vejo ficar um pouco mais triste. Uma
por uma, as crianças avançam para dizer suas falas. Quando é a
vez de Maddie, ela não se move.
Há um silêncio constrangedor.
A professora cutuca Maddie, sussurrando algo para ela.
Maddie dá alguns passos à frente, franzindo a testa. Outra longa
pausa.
Ela olha para mim.
Eu quero arrancá-la do palco e abraçá-la, fazer tudo isso ir
embora, mas em vez disso, eu dou um sorriso, esperando que
talvez isso a ajude.
Ela sorri de volta.
Assim que ela está prestes a falar, sua boca se abrindo, há um
barulho alto na parte de trás do auditório, a porta se abrindo.
Maddie olha, seus olhos se arregalando enquanto ela grita:
— Papai!
Murmúrios fluem pelo auditório. As pessoas se mexem em
seus assentos. Maddie corre para fora do palco, descendo o
corredor central o mais rápido que suas pernas podem levá-la.
Eu me viro, mais do que um pouco alarmada por ela estar
fugindo, e congelo quando o vejo. Ah meu Deus.
Jonathan está lá, da cabeça aos pés em traje completo de
Breezeo. Ele dá alguns passos à frente, pegando Maddie. Ela o
abraça, enquanto ele a carrega de volta pelo corredor,
ignorando os olhares que todos estão lançando para ele.
Confusão. Choque. Descrença. Há algumas risadas, alguma
empolgação, até mesmo um pouco de irritação com a
interrupção. Eu? Estou tentando não chorar no momento.
Jonathan deposita Maddie de volta no palco antes que seu
olhar encontre o meu. Ele se senta na cadeira ao meu lado,
sussurrando:
— Desculpe o atraso
— Ei pessoal! — Maddie anuncia, pulando direto em sua
fala. — O que tem seis braços e não tem nada igual no mundo
todo?
Um coro de crianças atrás dela diz:
— Um floco de neve!
— Este sou eu! — Maddie diz. — Estou caindo e caindo e
caindo. Para onde vou?
— Para o chão — dizem as crianças.
Ela se afasta, tomando seu lugar na parte de trás, a peça
continua como se a interrupção não tivesse acontecido.
Maddie não presta mais atenção na peça, olhando para o pai,
remexendo-se, sorrindo, como se estivesse apenas esperando
que acabe.
A professora a cutuca. Ela tem que dar a última fala da peça.
Maddie dá um passo à frente, e eu vejo quando ela fica em
branco. Ela esqueceu sua fala. Um segundo se passa, e depois
outro, antes que ela dê de ombros.
— Eu tenho uma fala aqui, mas não sei — diz ela. — Então,
vou improvisar como meu papai diz.
As pessoas ao nosso redor riem.
Jonathan balança a cabeça.
As crianças devem fazer fila e se curvar enquanto a multidão
aplaude, mas eles têm que fazer isso sem Maddie, porque ela
está fugindo do palco novamente. Jonathan se levanta,
pegando-a enquanto ela pula para o lado, nem mesmo se
preocupando em usar os degraus desta vez.
Meu pai para de gravar então, balançando a cabeça.
— Nunca há um momento de tédio com aquela garota.
— Eu sabia que você viria, papai! — Maddie diz quando ele
a coloca de pé. — Eu fiz uma boa atuação?
— A melhor — diz ele. — Me desculpe, eu perdi o começo.
— Está bem. — Ela encolhe os ombros. — Você não
precisava ver as outras pessoas, de qualquer maneira.
A peça chega ao fim oficialmente quando as crianças saem
do palco, encontrando suas famílias na plateia. É um caos
então, sem surpresa, enquanto as pessoas cercam Jonathan.
Meu pai pega a mão de Maddie, puxando-a para longe do
centro.
— Você foi muito bem, garota. Estou orgulhoso de você.
— Você gravou? — ela pergunta.
— É claro!
— Posso assistir? — ela pergunta, pulando. — Eu quero ver!
Ele entrega o telefone para ela, para que possa ver o vídeo,
enquanto a conduz em direção à saída. Meghan e eu estamos
logo atrás. Jonathan demora um pouco mais antes de seguir,
dando alguns autógrafos ao longo do caminho, antes de sair da
multidão quando estamos do lado de fora.
— Cunningham — meu pai diz. — Estou feliz em te ver.
— Você também, senhor — diz ele. — Estou feliz por estar
aqui.
É tudo tão cordial. Não parece muito com eles.
Mas tenho que me perguntar, enquanto eles apertam as
mãos e meu pai nos dá adeus antes de sair, se talvez eu esteja
errada sobre isso. Talvez sejam eles agora, o avô amoroso e o pai
que estão tentando ser melhores, não mais adversários em um
pesadelo político que se tornou pessoal.
Suas histórias também mudaram.
Seguimos para o estacionamento. Estacionado na frente do
Porsche azul, nem mesmo em um local adequado, está uma
caminhonete velha e esfarrapada, um cara familiar sentado no
capô. Jack.
— Conseguiu? — Jack pergunta, mastigando um pequeno
saco de batatas fritas.
— Bem a tempo — diz Jonathan, alisando o cabelo de
Maddie. — Ela estava prestes a dizer suas falas quando eu
entrei.
— Bom negócio — Jack diz, olhando para Maddie. —
Então você é a garota, hein? Ouvi muito sobre você.
— Quem é você? — ela pergunta, olhando para ele de volta.
— Meu nome é Jack — diz ele, estendendo seu saco de
batatas fritas para ela, oferecendo uma. — Fritas?
Ela olha para o pacote por um segundo antes de olhar para
Jonathan, sussurrando alto:
— Ele é um estranho? Porque então você tem que comer
um caso seja veneno.
— Eles são seguros — diz Jonathan. — Jack é um amigo.
Maddie pega uma frita, sorrindo para ele.
— Vocês são melhores amigos?
Jack faz uma careta em protesto.
— Eu não iria tão longe.
— Com licença, me desculpe — Meghan interrompe,
apontando para o irmão. — Eu odeio terminar o que quer que
seja, mas por que diabos você está vestindo isso? Está me
assustando. Tipo... é estranho.
Jack olha para ela com admiração, como se estivesse
percebendo sua presença agora. Ele estende seu pacote para ela.
— Fritas?
Meghan olha para ele, carrancuda, acho que ela pode estar
prestes a ferir os sentimentos dele, mas em vez disso ela estende
a mão, arrancando uma única frita e colocando-a na boca.
— Nós terminamos tarde — explica Jonathan. — Não tive
tempo de ir ao guarda-roupa. Inferno, eu nem peguei meu
telefone no trailer.
— Então é por isso que você não respondeu quando eu
liguei — digo. — Achei que você estava me evitando.
Jonathan coloca o braço em volta de mim, me puxando para
ele. Ele dá um beijo no topo da minha cabeça, sussurrando:
— Nunca.
— Ele literalmente fugiu do set — Jack diz com uma risada.
— A merda mais estranha que eu já vi, cara vestindo elastano
apertado sendo perseguido por um homem irritado de terno.
Foi tão ridículo, como uma cena arrancada diretamente de um
dos filmes estúpidos do Breezeo.
— Ei! — Maddie diz, estreitando os olhos para ele. — Não
diga isso! Breezeo não é estúpido!
— Diga a ele — diz Jonathan, cutucando-a.
— Foi mal — Jack diz, estendendo a bolsa novamente,
como uma oferta de paz. — Mais batatas fritas?
Maddie não hesita, pegando um punhado inteiro, tantos
que algumas caem no chão. Jack olha para ela chocado antes de
olhar dentro do pacote, segurando-o de cabeça para baixo.
Vazio.
— Você não merece nenhum — ela diz a ele. — Só se gostar
de Breezeo você pode ter um pouco.
— Ah, isso é injusto — diz ele. — Conta que eu amo os
quadrinhos?
Ela considera isso antes de entregar a ele uma única batata
quebrada.
Ele come, enquanto Meghan o encara com um olhar
peculiar no rosto.
— Então, Jack, como é que você conhece meu irmão? Você
não era, tipo, o traficante de cocaína dele, era?
Os olhos de Jack se arregalam quando olha para ela.
— Seu irmão?
— Essa é minha tia Meghan — Maddie diz a ele, terminando
o resto das batatas fritas.
— Meghan Cunningham — diz Meghan, estendendo a mão
enquanto se apresenta. — Meu irmão não reivindica nossa
família, então não estou surpresa que ele não tenha me
mencionado.
Jack pega a mão dela.
— Ah, ele mencionou você. Ele simplesmente falhou em me
dizer que você era tão linda.
Meghan pisca para ele, surpresa, suas bochechas ficando
rosadas quando ele beija as costas da mão dela. Ah meu Deus,
ela está corando.
— Bem, hum, obrigada — diz ela, afastando a mão.
— E eu não era o traficante dele — diz Jack. — Embora,
quem quer que seja, provavelmente seja podre de rico agora,
então eu meio que gostaria de ser. Mas não, eu ajudo a manter
o idiota sóbrio, o que realmente é um trabalho ingrato.
— Agradeço o tempo todo — diz Jonathan.
Jack acena para ele.
— Tanto faz cara.
— Então, você é um padrinho sóbrio — diz Meghan.
— Mais como um estagiário — ele diz a ela. — Não sou pago
por isso. Deveria, porém. Quero dizer, você já teve que lidar
com o cara?
Jonathan ri.
— Você sabe que estou aqui, certo?
— Impossível não te ver — Jack diz. — O que, com você
vestido como se fosse Comic-Con.
Meghan ri, como se ela achasse isso hilário.
— Bem, isso foi uma explosão, mas eu deveria ir. Maddie,
meu pão de banana com strudel e canela, você foi brilhante.
Obrigada por me convidar. Vejo vocês mais tarde. — Ela se vira,
olhando para Jack. — Foi um prazer. Espero que eu veja você
por aí.
— Pode contar com isso — Jack diz quando ela começa a se
afastar. Ele a observa por um momento antes de se virar para
Jonathan, levantando uma sobrancelha enquanto acena para
Meghan. — Ela pode ser minha recompensa?
— Nem pense nisso — diz Jonathan.
— Não vou pensar nisso — Jack diz, pulando do capô do
carro. — Eu só vou atrás.
— Boa sorte — digo, enquanto Jonathan resmunga,
olhando para Jack enquanto ele corre para alcançar Meghan.
— O que ele está fazendo? — Maddie pergunta, olhando
para mim.
— Acho que ele vai convidar sua tia Meghan para sair.
Seus olhos se arregalam.
— Como em um encontro?
— Sim — digo.
— Ah, diga a ela que ela é bonita! — Maddie grita, pulando.
— E traga flores! Certo, papai?
— Certo — diz Jonathan, embora ele não pareça tão
animado com a ideia quanto Maddie.
— Por que não os deixamos e voltamos para casa? — Eu
sugiro.
— Casa — diz Jonathan. — Parece bom.
◈◈◈