J.M. Darhower - Ghosted (Rev)

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Sinopse

Ele é um jovem ator problemático, o mais novo galã de


Hollywood, lutando contra a fama como a estrela da mais
recente franquia de super-heróis. Através de escândalo após
escândalo, vício em cima de vício, uma enxurrada de paparazzi
o persegue enquanto ele luta para dominar seus demônios.
Ela é uma mãe solteira, gerente assistente em uma mercearia,
vivendo na monotonia com sua filha de cinco anos. Todos os
dias, quando ela vai para o trabalho, tabloides escabrosos a
cercam, o rosto de um notório bad boy assombrando-a de suas
capas.
Um homem e uma mulher, vivendo vidas muito diferentes,
mas nem sempre foi assim. Uma vez, eles eram apenas um
menino e uma menina que se uniram por histórias em
quadrinhos e se apaixonaram inesperadamente.
Quando Kennedy Garfield conheceu Jonathan Cunningham
no colégio, ela sabia que ele tinha tudo para ser um herói
trágico. Com estrelas nos olhos dele e o coração dela na manga,
os dois fugiram juntos para seguirem seus sonhos.
Mas os sonhos, às vezes, se transformam em pesadelos.
Agora, anos depois, a única coisa que eles compartilham é uma
filha – uma que não tem ideia de que seu pai interpreta seu
super-herói favorito. Mas Jonathan está desesperado para fazer
as pazes, e no topo de sua lista está a mulher que desistiu de tudo
por ele e a garotinha que ele ainda não conheceu.
Dedicatória

Este livro é dedicado a todos que já amaram tanto uma


história que poderiam citá-la.

Não há nada no mundo como fazer parte de um fandom.


Nunca deixe ninguém te envergonhar por isso. Leia esses livros.
Assista esses filmes. Maratone esses programas de TV. Ame esses
personagens. Admire essas celebridades. Escreva essa fanfic.
Desenhe essa fanart. Vá a essas convenções. Cante aquela boy
band (em hiato, totalmente não desfeita) alto em seus pulmões.
Faça o que te faz feliz.
Tabela de Conteúdos

Sinopse
Dedicatória
Tabela de Conteúdos
Aviso
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
“Herói Trágico em Formação”
Capítulo 3
Capítulo 4
“Reunião do Clube ‘Fodam-se os Clubes’”
Capítulo 5
Capítulo 6
“A Viagem de Campo para o Problema”
Capítulo 7
Capítulo 8
“Se Dando Bem no Parque”
Capítulo 9
Capítulo 10
“Presentes de Aniversário”
Capítulo 11
Capítulo 12
“Encontro Ilegal”
Capítulo 13
Capítulo 14
“Despreparados para dizer Adeus”
Capítulo 15
Capítulo 16
“O Começo de uma Nova Vida”
Capítulo 17
Capítulo 18
“Presente de Aniversonho”
Capítulo 19
Capítulo 20
“Dores de Cabeça em Hollywood
Capítulo 21
Capítulo 22
“Vozes Perdidas & Tempo Roubado”
Capítulo 23
Capítulo 24
“Vício Fatal do Herói Trágico”
Capítulo 25
Capítulo 26
“Promessas Quebradas”
Capítulo 27
Capítulo 28
“Hora de Dizer Adeus”
Capítulo 29
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Aviso

A presente tradução não deve ser vendida ou divulgada em


redes sociais abertas. Cuidado ao falar de traduções e
distribuições ilegais, pirataria ainda é crime.
Apoie a autora comprando as obras.
Prólogo
UM ANO Atras

Ping. Ping. Ping.


A chuva caía do céu nublado em rajadas esporádicas, rápidas
chuvas maníacas seguidas de momentos de nada. O
meteorologista no canal seis previra um dia calmo, mas a
mulher sabia mais. Uma tempestade tumultuada se
aproximava. Não havia como evitá-la.
Tum. Tum. Tum.
Seu coração batia freneticamente, o sangue correndo por
suas veias, misturando-se com adrenalina suficiente para fazer
seu estômago revirar. Ela poderia estar preocupada em ficar
doente se houvesse algo dentro dela para dar, mas não... ela
estava vazia. Enterrar sua mãe tinha tirado tudo dela. Isso, além
de tudo, era demais para ela suportar.
Bum. Bum. Bum.
Kennedy Garfield estava na varanda da frente da casa branca
de dois andares, olhando para o quintal enquanto trovões
estalavam ao longe. O relâmpago iluminou o céu escuro da
tarde, dando-lhe uma visão melhor dele. Seu visitante não
convidado estava a meros três metros de distância, vestido com
um terno de grife que custava mais do que ela ganhava em um
ano, mas ainda assim ele de alguma forma conseguia parecer
desleixado. A gravata preta pendurada frouxamente em volta
do pescoço, o botão encharcado e grudado em sua pele pálida.
— Por que você está aqui? — ela perguntou, incapaz de lidar
com seu silêncio ou sua presença. Tão rápido quanto esta
tempestade chegou, ela precisava que parasse.
— Você sabe porquê estou aqui — ele disse baixinho, sua voz
tremendo. Mesmo à distância, ela poderia dizer que ele estava
bebendo, seus olhos injetados de sangue e vidrados.
— Você não deveria estar aqui — disse ela. — Agora não.
Assim não.
Ele não disse nada por um longo momento, passando os
dedos pelo cabelo loiro escuro espesso, as pontas enroladas por
estarem molhadas. Ele estava encharcado, embora a chuva
tivesse diminuído para um fio constante. Ela se perguntou
quanto tempo ele ficou do lado de fora antes que ela o notasse.
Antes que ela o sentisse.
Ela imaginou que tinha sido um bom tempo com a condição
em que ele estava.
Bip. Bip. Bip.
O táxi amarelo estacionado ao longo do meio-fio tocou a
buzina, o motorista de meia-idade ficando impaciente.
Kennedy quase riu ao vê-lo. Ela imaginou que pegar um táxi
estaria abaixo dele naqueles dias. Limusines e carros urbanos,
com motoristas e seguranças, eram mais do seu nível.
Isso que ela tinha ouvido, de qualquer maneira.
Ele olhou de volta para ele, seu rosto piscando com uma
agressão oculta, antes de se virar para encará-la novamente. Sua
expressão suavizou quando seus olhos se encontraram.
— Sinto muito — disse ele. — Eu ouvi sobre sua mãe e eu
só... queria estar aqui.
Crack. Crack. Crack.
Era o som de seu coração sendo dilacerado mais uma vez.
— Você não deveria ter vindo — disse ela. Um ataque de
lágrimas ardeu em seus olhos, mas ela se recusou a derramar
uma única. Não enquanto ele estava lá. Não enquanto ele
estava olhando para ela. Tantos anos depois e ele ainda a
afetava. — Você sabe disso. Está apenas tornando tudo muito
mais difícil.
— Eu sei, mas… — Ele fez uma pausa, seus olhos azuis
implorando. — Eu estava esperando que eu pudesse... quero
dizer, eu me perguntei se estaria tudo bem se...
— Não — disse ela, sabendo imediatamente o que ele estava
perguntando, mas não havia como isso acontecer – não
naquela época, e certamente não com a condição em que ele
estava. Ele sabia que não devia perguntar.
— Mas…
— Eu disse não.
Ele suspirou quando o motorista buzinou pela segunda vez.
Olhando para ela com cautela, ele deu um passo para trás, e
depois outro, antes de se virar para sair sem dizer “adeus”.
Eles já se despediram o suficiente para durar uma vida inteira.
Splash. Splash. Splash.
Kennedy enrijeceu quando passos pisaram pela casa atrás
dela, em uma missão enquanto eles se apressavam em sua
direção. A porta da frente se abriu, um minúsculo tornado
humano aparecendo ao seu lado, usando um vestido preto fofo
com seu cabelo escuro em tranças. Apesar de toda a escuridão
que cercava a garotinha, ela era toda arco-íris e raios de sol,
inocência e felicidade, e Kennedy faria tudo ao seu alcance para
mantê-la assim. Ela não precisava conhecer mais devastação. Ela
era muito jovem para suportar esse tipo de dor.
Muito jovem para ter seu coração partido por Jonathan
Cunningham.
— Quem era, mamãe? — a garotinha perguntou, observando
o táxi desaparecer na tempestade. — Eles vieram atrás do vovô?
Eram amigos de Nana?
— Não era ninguém com quem você precise se preocupar,
querida — Kennedy disse, olhando para um par de olhos azuis
cintilantes – algo que sua doce filhinha herdou dele. — O
homem estava um pouco perdido, mas eu o mandei de volta.
Capítulo 1
Kennedy

O bipe do scanner de caixa é monótono, um zumbido


repetitivo que mal ouço mais, pois se mistura com Hold On de
Wilson Philips tocando no alto-falante do rádio. As mesmas
músicas, dia após dia. Mesmo bipe constante. Igual a tudo.
Mesmos clientes entrando e saindo da loja, comprando as
mesmas coisas que compraram antes.
Minha vida se tornou um ciclo previsível, uma versão real
do Dia da Marmota que não tenho intenção de mudar. Eu sou
a personificação de um final alternativo onde Phil aceita que ele
está preso ouvindo Sonny & Cher todas as manhãs até o fim
dos tempos.
Se você tivesse me perguntado anos atrás se esse seria o meu
futuro, eu teria rido na sua cara. Eu? Kennedy Reagan
Garfield? Eu estava destinada à grandeza.
Recebi o nome de dois presidentes icônicos. Minha mãe, a
liberal idealista, e meu pai, um conservador estrito, nunca
concordaram muito... exceto sobre mim. Eles nunca
concordaram com saúde ou impostos, mas ambos estavam
convencidos de que seu bebê seria alguém.
E aqui estou eu – alguém, tudo bem. Subgerente Alguém da
Mercearia Piggly Q em uma cidade do tipo “pisque e perca” no
norte do estado de Nova York. Treze dólares por hora, mais de
quarenta horas por semana, com um pacote completo de
benefícios, incluindo dias de férias (não remunerados).
Não que eu seja ingrata. Estou indo melhor do que muita
gente. Meu aluguel é pago todo mês. Minha eletricidade não foi
cortada. Eu até tenho uma televisão muito cara! Mas no fundo,
sei que esse não é o tipo de grandeza que meus pais imaginavam
para mim.
— Assistência necessária no três!
A voz aguda grita no alto-falante, abafando a música. Meu
olhar varre a área de registro, esperando que alguém responda,
mas ninguém o faz. Sempre cai em mim. Balançando a cabeça,
vou até o caixa três, até a jovem loira que administra o caixa
antigo, pegando as compras de uma mulher mais velha.
A caixa, Bethany, olha para mim, fazendo beicinho
dramático enquanto mexe uma lata de canja de galinha na
minha cara.
— Está subindo um dólar e um quarto, mas a Sra. McKleski
diz que há um sinal de noventa e nove centavos lá atrás.
É $ 1,25. Eu sei que é. Até a Sra. McKleski provavelmente
sabe e só quer fazer um estardalhaço sobre alguma coisa. Sorrio,
porém, e anulo o registro, dando-o à mulher com desconto.
Eu me afasto para deixar Bethany terminar de fazer as
compras enquanto a Sra. McKleski pergunta:
— Como está seu pai?
Não preciso olhar para saber que ela está falando comigo.
Começo a arrumar a prateleira de doces perto da caixa
registradora.
— Ainda está se aguentando.
— Pensei em fazer uma torta para ele — diz ela. — Ele tem
uma favorita? Maçã? Cereja? Achei que poderia ser abóbora,
ou talvez noz-pecã.
— Tenho certeza que ele vai gostar do que você fizer — eu
digo —, mas ele é mais um cara de torta de creme de chocolate.
— Chocolate — ela murmura. — Deveria saber.
O rádio passa para Stay, de Lisa Loeb, e é quando decido
que terminei com este dia. Vou até o canto da frente da loja,
onde Marcus, o gerente, fica em um escritório escondido atrás
do Atendimento ao Cliente. Marcus é alto e magro, com pele
morena e cabelo preto que está começando a mostrar sinais de
cinza iminente.
— Vou para casa — digo a ele.
— Agora? — Ele olha para o relógio. — É um pouco cedo.
— Vou compensar isso — eu digo, marcando o ponto.
Marcus não discute. Ele sabe que eu sou boa para isso, e é
por isso que ele me dá clemência.
— Na verdade, sei como você pode compensar isso — diz
ele. — Eu preciso de um turno extra trabalhado, se você estiver
disposta a dobrar na sexta-feira. Bethany pediu o dia de folga,
mas não há ninguém para cobrir.
Eu quero dizer não, porque odeio caixas registradoras, mas
sou muito legal para isso. Nós dois sabemos disso. Nem preciso
dizer uma palavra.
— Faça-me um favor — diz ele. — Passe aqui quando estiver
saindo e diga a Bethany que aprovei o pedido dela.
— Farei isso — eu digo, saindo antes que ele possa me pedir
qualquer outra coisa. Eu ando pelo corredor de cereais no meu
caminho, pegando uma caixa de Lucky Charms da prateleira.
Bethany está em sua caixa registradora, folheando uma revista
que ela pegou na prateleira ao lado dela.
Eu olho para ela, revirando os olhos.
Hollywood Chronicles.
O epítome dos tabloides besteirol.
Coloco meu cereal na esteira e tiro alguns dólares. Bethany
fecha a revista e a joga na área de ensacamento antes de me
atender.
— Marcus aprovou seu dia de folga — digo a ela.
Ela grita.
— Sério?
— Ele me disse para contar a você.
— Ah, meu Deus! — Ela enfia meu cereal em um saco
plástico branco. — Achei que não havia ninguém para cobrir
meu turno.
— Sim, bem, eu sempre posso usar as horas extras.
Bethany grita novamente, atravessando o caixa para me
agarrar, me apertando em um abraço.
— Você é a melhor, Kennedy!
— Dia especial? — Eu adivinho quando me afasto,
segurando o dinheiro para ela antes que possa me dizer o meu
total, esperando que ela pegue em vez de me abraçar
novamente. Ironic de Alanis Morissette está chegando, e se eu
não sair daqui logo, vou perder minha sanidade.
— Sim... quero dizer... mais ou menos. — Ela cora
enquanto me lança um olhar. — É meio estúpido, realmente.
Há um filme que deveria ser gravado na cidade. Meus amigos e
eu esperamos sair e talvez, você sabe... ver o que podemos ver.
Eu sorrio suavemente.
— Não há nada de estúpido nisso.
— Você não acha?
— Claro que não — eu digo. — Eu fui a um set de filmagem
uma vez.
Seus olhos se arregalam.
— Sério? Você?
A maneira como ela diz isso me faz rir, embora eu
provavelmente devesse me ofender com seu tom incrédulo.
Não é como se eu fosse uma velhinha tensa. Eu não sou a Sra.
McKleski. Sou apenas alguns anos mais velha que ela.
— Sim, realmente.
— Que filme?
— Era apenas uma daquelas comédias adolescentes. Todos
os títulos soam iguais.
— Quem estava nele? Alguém que eu possa conhecer?
Ela quer ouvir tudo sobre isso. Posso dizer pelo brilho
curioso em seus olhos, mas não tenho vontade de entrar nessa
história.
— Foi há tanto tempo que eu realmente não posso nem
dizer.
Bethany conta meu troco, e meus olhos vão para a revista
que ela está lendo enquanto pego minha bolsa. De repente,
minhas entranhas congelam, gelo correndo pelas minhas veias,
o frio me atingindo direto até os ossos. Está estampado na capa
um rosto que conheço. Mesmo usando um chapéu preto e
óculos escuros, abaixando a cabeça, ele é facilmente
reconhecível.
Meu estômago queima, torcendo e enrolando e ugh ugh
ugh…
Ele está de pé ao lado de uma mulher com cabelo loiro
platinado. Enquanto ele se afasta da câmera, ela está bem
aberta, olhando diretamente para ela, seus olhos verdes vívidos
na foto. Couro preto cobre seu corpo de supermodelo,
enquanto batom vermelho acentua um conjunto de lábios
carnudos. Sua pele é de um bronzeado profundo, como se a
mulher vivesse em uma praia em algum lugar.
Ui, isso me deixa doente.
Até eu tenho que admitir que ela é linda.
Abaixo da fotografia do par está uma legenda enorme,
escrita em negrito:
O CASAMENTO SECRETO DE JOHNNY E SERENA

Meus olhos se demoram nessas palavras.


Acho que vou vomitar.
— Você acredita nisso? — Bethany pergunta.
Meu olhar levanta para encontrar o dela.
— No que?
— Que Johnny Cunning e Serena Markson casaram.
Eu não sei o que dizer. Não sei em que acreditar. Não sei por
que isso importa para mim. Não sei por que meu peito fica
apertado com a mera insinuação de que um casamento pode ter
acontecido em algum lugar, em algum momento, um
casamento em que ele era o noivo, mas eu não estava presente.
Eu me sinto como uma fangirl obcecada e apaixonada,
convencida de que o galã deveria ser meu, mas ele não era.
— Acho que, no que diz respeito a Johnny Cunning, tudo
é possível.
— Sim, você está certa — diz Bethany, pegando o tabloide
de volta enquanto me dirijo para a saída. — Realmente espero
encontrá-los neste fim de semana.
Meus passos vacilam.
— Eles?
— Sim, o filme que está sendo filmado? É o novo Breezeo.
Algo acontece dentro de mim quando Bethany diz isso, algo
que me desestabiliza. Uau. É uma sensação esmagadora e
sugadora de almas que começa no fundo do meu peito,
exatamente onde eu costumava manter meu coração. Ele se foi
agora, trancado em um cofre reforçado de aço com cadeado e
escondido onde ninguém pode alcançá-lo sem minha bênção,
o local onde costumava bater agora nada mais é do que um
buraco negro que puxa desesperadamente o resto de mim,
tentando me engolir ao som dessa palavra.
Breezeo.
— Eles ainda estão fazendo isso? — Eu pergunto, tentando
manter minha voz firme, mas até eu posso ouvir a mudança na
minha voz. Patético.
— É claro! — Bethany ri. — Como é que você não sabe?
Achei que todos soubessem.
— Eu realmente não tenho prestado atenção.
Na verdade eu ativamente evitei, mas essa é outra longa
história.
— Mas você os viu, certo? — Bethany estreita os olhos. —
Por favor, me diga que você pelo menos assistiu os outros.
— Eu peguei pedaços e pedaços — eu admito.
Ela levanta as mãos dramaticamente, como se minha
resposta fosse absurda.
— Isso é simplesmente... insano. Ah, meu Deus, você
precisa assisti-los! As histórias são incríveis… tão engraçadas e
simplesmente… nem tenho palavras! E Johnny Cunning, esse
homem é um colírio para os olhos. Você está perdendo
totalmente. Estou falando sério, você precisa assisti-los!
— Vou manter isso em mente.
— Bom — diz ela, sorrindo como se tivesse ganhado alguma
coisa. — O primeiro é chamado Transparent e o segundo é
Shadow Dancer.
— E o que eles estão filmando agora?
— Ghosted.
Eu olho para longe dela quando ela diz isso.
— Bem, boa sorte neste fim de semana — murmuro. —
Espero que funcione para você.
Bethany diz outra coisa, mas eu não fico por perto para
ouvir, carregando meu Lucky Charms enquanto vou para o
estacionamento. Poças cobrem o asfalto, já que choveu a maior
parte da manhã. Sempre parece chover em momentos como
esse. Eu me esquivo da água, indo para o meu carro.
São apenas alguns quarteirões da mercearia até a casa do
meu pai. Nesta pequena cidade, são apenas alguns quarteirões
para chegar a qualquer lugar. Eu posiciono meu velho Toyota
em sua garagem e estaciono quando freios guincham na rua,
um grande ônibus escolar amarelo para em frente à casa. No
momento ideal. As luzes piscam e a porta se abre, um feixe de
energia explodindo do ônibus e correndo em minha direção.
— Mamãe!
Eu sorrio enquanto olho para ela, seu cabelo selvagem,
embora eu o tenha colocado em uma trança apertada esta
manhã.
— Ei, pequena.
Um metro e meio de altura, pouco menos de dezoito quilos
– na média, para uma criança de cinco anos, mas essa é a única
coisa média sobre Maddie. Inteligente, compassiva, criativa.
Ela insiste em se vestir, o que significa que nada combina, mas
a garota de alguma forma faz com que funcione.
Tudo o que faço é por ela – qualquer coisa para manter o
sorriso em seu rosto, porque esse sorriso é o que me faz
continuar. É a razão pela qual eu saio da cama de manhã. Esse
sorriso me diz que estou bem.
Em um mundo cheio de coisas erradas, é bom saber que
estou fazendo algo certo.
Ela envolve seus braços em volta da minha cintura em um
abraço enquanto o ônibus se afasta. Ouço a porta bater e vejo
meu pai sair para a varanda.
— Vovô! — Maddie diz animadamente, correndo para ele.
— Eu fiz uma coisa para você!
Ela arranca sua mochila, deixando-a cair na madeira velha, e
vasculha em busca de um pedaço de papel – um desenho. Ela
empurra para ele, e ele pega, um olhar sério em seu rosto.
Esfregando a barba desalinhada no queixo, ele aperta os olhos
enquanto o estuda.
— Humm…
Maddie está na frente dele na varanda, com os olhos
arregalados. Eu sufoco uma risada. Quantas vezes eu vi isso
acontecer? A casa dele é forrada de papel de parede com a arte
dela. Mesma rotina, todas as vezes. Ela espera ansiosamente pela
avaliação dele, nervosa, e ele sempre diz que é o melhor desenho
que ele já viu.
— Este — ele diz, balançando a cabeça —, é o melhor
filhotinho que eu já vi.
Maddie ri.
— Não é um filhotinho!
— Não é?
— É uma foca — diz ela, puxando a parte superior do papel
para baixo para olhar para ele. — Vê? É tudo cinza e tem uma
bola!
— Ah, foi isso que eu quis dizer! Uma foca bebê também é
chamada de filhotinho.
— Nananinanão.
— Sim.
Maddie me vê como árbitro.
— Mamãe?
— Eles são chamados de filhotes — digo a ela.
Ela vira de volta para ele, sorrindo.
— É um bom filhotinho?
— O melhor — ele confirma.
Ela o abraça antes de pegar o desenho e correr para dentro
da casa para pendurá-lo.
Eu me junto ao meu pai na varanda.
— Bela saída.
— Nem me fale — diz ele, os olhos me estudando por um
momento. — Você saiu do trabalho mais cedo hoje.
— Sim, bem... foi um daqueles dias — eu digo – um
daqueles dias em que o passado volta correndo. — Além disso,
eu tenho que trabalhar em dobro amanhã, então eu mereci.
— Em dobro. — Ele parece confuso. — Você não tem
planos para amanhã à noite?
— Sim. — Faço uma pausa antes de me corrigir. — Bem,
quero dizer, eu fiz.
Raramente tenho tempo para uma vida social, então nem
considerei isso.
— Mas eu poderia usar o dinheiro, e já tenho uma babá de
plantão — eu digo, dando um tapinha nas costas do meu pai.
— Não posso dizer não a isso.
Balançando a cabeça, ele se senta em uma velha cadeira de
balanço na varanda. Está começando a chuviscar de novo, o céu
escurecendo. Eu me inclino contra a grade, olhando para ela
enquanto Maddie volta para fora, pulando da varanda.
A menina adora tempestades.
Não me lembro da última vez que brinquei na chuva.
É o que penso enquanto a vejo correndo pelo pequeno
jardim da frente, chapinhando nas poças e pisando na lama.
Eu já me diverti tanto assim?
Minha vida já foi tão despreocupada?
Não consigo me lembrar.
Eu queria poder.
— Algo está incomodando você — diz meu pai. — É ele,
não é?
Virando-me, eu me inclino contra o corrimão de madeira,
cruzando os braços sobre o peito enquanto olho para ele. Ele
balança para a frente e para trás, uma cadeira idêntica ao lado
dele claramente vazia. Minha mãe costumava se sentar lá com
ele todas as manhãs, tomando café antes dele sair para o
trabalho.
Nós a enterramos há um ano.
Doze longos meses se passaram, mas a ferida ainda parece
aberta, as lembranças daquele dia me corroendo. Foi a última
vez que o vi também, enquanto eu estava bem aqui nesta
varanda. Se a manchete que peguei anteriormente é alguma
indicação, ele teve um ano bastante interessante.
— O que faz você pensar que tem alguma coisa a ver com
ele? — Eu pergunto, me forçando a não reagir, como se isso não
importasse, mas eu não sou atriz.
— Você está com aquele olhar de novo — meu pai diz. —
Aquele olhar vago e perdido. Eu já vi isso algumas vezes, e é
sempre ele.
— Isso é ridículo.
— É?
— É claro. Estou bem.
— Eu não disse que você não estava bem. Eu disse que você
parecia perdida, não que você não saberia lidar com isso.
Ele está me olhando com cautela. Não tenho certeza se há
sentido em mentir sobre isso quando a verdade está escrita em
todo o meu rosto.
E a verdade é que me sinto perdida.
— Peguei uma história em um tabloide — eu digo. —
Afirmava que ele havia se casado.
— E você acredita?
Dou de ombros.
— Não sei. Isso realmente não importa, não é? É a vida dele.
Ele faz o que quiser.
— Mas?
— Mas eles estão filmando na cidade novamente.
— E você está preocupada que ele apareça? Preocupada que
ele tente vê-la novamente?
Meu pai passa por mim, onde Maddie ainda está correndo
na chuva. Eu sorrio suavemente, enquanto ela gira,
inconsciente de que ela é o tema da conversa.
— Ou você está preocupada que ele não vá? — ele continua.
— Preocupada que ele tenha desistido e seguido em frente?
Talvez, eu acho, mas não digo isso. Não sei qual
possibilidade me preocupa mais. Estou apavorada que ele vá
forçar seu caminho em sua vida e quebre seu frágil coração
como ele uma vez quebrou o meu. Mas, ao mesmo tempo, o
pensamento de que ele pode ter desistido me assusta tanto,
porque isso vai machucá-la algum dia também.
A chuva começa a cair mais forte enquanto eu afasto esses
pensamentos. Maddie está correndo em círculos ao redor das
poças, encharcada. A água risca seu rosto como lágrimas
caindo, mas ela está sorrindo, tão feliz, ignorante aos meus
medos.
— Eu deveria ir — eu digo. — Antes que a tempestade
piore.
— Vá em frente, então — meu pai diz —, mas não pense
que eu não notei que você não respondeu minha pergunta.
— Sim, bem, você sabe como é — murmuro, inclinando-me
para beijar a bochecha do meu pai antes de pegar a mochila da
varanda. — Maddie, hora de ir para casa, querida!
Maddie corre para o carro, gritando:
— Tchau, vovô!
— Tchau, garota — ele grita. — Vejo você amanhã.
Dando tchau para meu pai, eu a sigo. Ela já está com o cinto
de segurança quando entro no carro.
Meus olhos a procuram no espelho retrovisor. Mechas de
seu cabelo escuro caem em seu rosto. Ela tenta afastá-las, seus
olhos azuis me observando. Ela tem um jeito de olhar para você
como se estivesse olhando através de você, como se ela pudesse
ver como você está se sentindo por dentro, aquelas coisas que
você tenta não deixar transparecer. É enervante às vezes. Por ser
tão jovem, ela é bastante intuitiva.
É por isso que coloco um sorriso no rosto, mas posso dizer
que ela não acredita.
Meu lar é um pequeno apartamento de dois quartos a
poucos quarteirões de distância. Não é muito, mas é o
suficiente para nós, e é o que eu posso pagar, então você não
ouvirá reclamações de mim. Assim que abro a porta da frente,
Maddie sai pelo apartamento.
— Direto para a banheira! — Eu grito, parando. Acendo a
luz do corredor enquanto caminho para o banheiro, passando
pelo quarto de Maddie enquanto vou, vendo que ela está
vasculhando sua cômoda, procurando o par perfeito de pijama.
Ela é ferozmente independente.
Algo que ela herdou de seu pai.
— Estou pronta, estou pronta, estou pronta! — ela diz
enquanto corre para o banheiro quando eu ligo a água.
Empurrando entre a banheira e eu, ela pega a garrafa rosa de
bolhas e espreme algumas sob a torneira, rindo, como sempre,
quando elas começam a se formar. — Eu comprei isso, mamãe.
Eu dou um passo para trás.
— Você comprou isso?
— Aham — diz ela, sem olhar para mim, focada na banheira
cheia. Ela coloca a garrafa de bolhas no chão perto de seus pés
antes de girar os botões, fechando a água. — Eu comprei isso.
Como eu disse... independente.
— Bem, então continue. Faça a sua parte.
Eu não fecho a porta, mas dou a ela alguma margem de
manobra, mantendo um olho nela do lado de fora do banheiro.
Eu posso ouvi-la espirrando, brincando ainda mais com água,
como se a chuva não tivesse sido suficiente. Aproveito o tempo
para pegar a roupa suja, tentando me distrair, mas é inútil.
Minha mente continua voltando para ele.
Separo duas semanas de roupas sujas em pilhas no chão do
meu quarto. Toda vez que faço uma pausa, meus olhos piscam
para o meu armário, atraídos para a velha caixa esfarrapada na
prateleira de cima. Não consigo ver daqui, mas sei que está lá.
Faz tempo que não penso nisso. Não tive motivo. A vida
tem um jeito de enterrar memórias.
No meu caso, elas estão enterradas sob uma montanha de
outras tralhas no armário.
Eu luto contra isso, por um momento, mas a atração é
demais. Abandonando a roupa, vou direto para o armário,
desenterrando a caixa.
O papelão rasga quando eu o puxo para baixo, caindo aos
pedaços em minhas mãos. As coisas se espalham pelo chão.
Uma foto cai aos meus pés.
Eu cuidadosamente a pego.
É ele.
Ele está vestindo seu uniforme escolar... ou tanto quanto ele
já usou. Sem suéter, sem jaqueta e sem sapatos sociais, é claro.
Sua camiseta branca está desabotoada, a gravata em volta do
pescoço. Abaixo dela, ele está vestindo uma camisa preta lisa.
Suas mãos estão nos bolsos, sua cabeça inclinada para o lado.
Ele quase parece um modelo, como se a foto pertencesse a uma
revista.
Um nó se forma no meu peito. É sufocante. Eu posso sentir
a raiva e a tristeza amargamente fermentando dentro de mim,
ficando mais fortes com o passar dos anos. Meus olhos ardem
com lágrimas, e eu não quero chorar, mas a visão dele me leva
ao passado.
— Tudo feito!
Meu olhar dispara para a porta enquanto a pequena voz
alegre ecoa pelo quarto. Agarro a foto com força, segurando-a
atrás das costas. Ela está vestida com um pijama vermelho, o
cabelo encharcado nas pontas, algumas bolhas ao redor das
orelhas. A lama ainda mancha sua bochecha direita.
— Tudo feito? — Eu pergunto, levantando minhas
sobrancelhas. — Você sequer lavou o cabelo?
— Não.
Claro que não. Ela não consegue.
— E o seu rosto? — Eu pergunto. — Estou começando a
pensar que você só brincou com as bolhas.
— O que tem? Vou ficar mais suja depois!
— O que tem? — Eu suspiro, agindo horrorizada. — Você
não pode ficar suja. Você tem escola amanhã!
Ela parece tão entusiasmada com a escola quanto eu quando
criança. Revirando os olhos, ela encolhe os ombros, como se
dissesse: “por que isso importa?”
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, sua atenção se
volta para a bagunça espalhada pelo chão, seus olhos se
arregalando enquanto ela engasga.
— Breezeo!
Ela se esquiva para frente, pegando o velho gibi envolto em
uma capa protetora de plástico. Eu congelo. Eu não chamaria
isso de vintage, nem vale mais do que alguns dólares, mas nunca
consegui me separar desse quadrinho.
Para mim, significava demais.
— Mamãe, é Breezeo — diz ela, com o rosto iluminado de
emoção. — Olha!
— Estou vendo — eu digo quando ela o segura para me
mostrar.
— Podemos ler? Por favor?
— Ah, claro — eu digo, movendo uma mão atrás das
minhas costas para pegar a revista em quadrinhos dela. — Mas
primeiro, de volta para a banheira.
Ela geme, fazendo uma careta.
— Prossiga. — Eu aceno com a cabeça em direção à porta.
— Estarei lá em um minuto para lavar seu cabelo.
Virando-se, ela se arrasta de volta ao banheiro. Espero até
que ela saia para colocar o gibi e puxar a foto das minhas costas.
Eu a encaro por um segundo, deixando-me sentir aquelas coisas
mais uma vez, antes de desintegrá-la em uma bola e descartá-la
no chão com todas as outras memórias.
Pegando meu celular, percorro-o, discando um número
enquanto ando pelo corredor, ouvindo-o tocar algumas vezes
antes que o correio de voz seja ativado.
“É Andrew. Não posso falar agora. Deixe uma mensagem e
eu ligo para você.”
Bip.
— Ei, Drew. É... Kennedy. Olha, eu vou ter que adiar
amanhã à noite. Algo surgiu, e bem, você sabe como é.
Capítulo 2
Jonathan

A limusine diminui à medida que se aproxima da Oitava


Avenida, o tráfego intenso às sete horas da manhã, logo ao sul
do nascer do sol enquanto o mundo vai para o trabalho. Sexta-
feira. Tenho certeza de que os desvios não ajudam as pessoas a
chegarem aonde estão indo, mas é Nova York – elas deveriam
estar acostumadas. Não passa um dia sem que algo não esteja
acontecendo aqui. Eles são algumas das pessoas mais adaptáveis
do planeta – os nova-iorquinos – mas também são alguns dos
mais sensatos. Eles não têm tempo para besteiras.
E esta manhã, parece que estamos todos até os joelhos nisso.
As pessoas se alinham nas ruas enquanto nos aproximamos
das barricadas de metal. Pessoas de fora da cidade, suponho,
porque os locais geralmente não são do tipo que se importam
quando as filmagens acontecem em seu território. Somos mais
um incômodo do que qualquer coisa, bloqueando ruas e
fechando bairros, atrapalhando vidas. Não tenho nada a ver
com isso – não escolho o lugar, apenas apareço quando me
mandam – mas mais de uma vez a culpa foi jogada em mim.
Bastardo presunçoso, quem ele pensa que é, fechando parte de
Midtown no horário de pico?
— A notícia deve ter vazado — diz a voz irreverente do
assento à minha frente, imperturbável como de costume.
Clifford Caldwell, poderoso empresário de talentos. Nada
parece incomodá-lo. Acredite em mim, eu testei seus limites,
então eu sei. Nenhum RP é mau RP1. Ele está digitando em seu
amado Blackberry, atenção colada na tela, mas eu sei que ele
está falando sobre a multidão lotando as ruas.
— Você acha? — Eu murmuro, olhando pela janela
enquanto rastejamos ao ritmo de um caracol. Apesar do fato de
que o envelopamento do vidro é preto como breu, tornando
impossível para qualquer um ver dentro, eu mantenho minha
cabeça abaixada, um boné preto velho puxado para baixo, a aba
surrada protegendo meus olhos.
A produção está rodando com um nome falso para manter
as pessoas afastadas, então olhares indiscretos não vão estragar
as coisas que eles podem ver no set, mas alguém já deve ter
vazado essa informação para tantas pessoas aparecerem aqui
esta manhã.
— Vou conversar com eles sobre aumentar a segurança ao
seu redor — diz Cliff. — Veja se podemos trabalhar com o
departamento de localização para agitar sua agenda.
— Não se preocupe — eu digo. — Eles sempre estarão
alguns passos à frente.
Cliff ri baixinho.
— Seu otimismo é surpreendente.

1
No original, PR = Public Relations (relações públicas). É o responsável pelo
gerenciamento de mídia.
— Nem me fale — uma voz ágil soa do assento ao meu lado.
— Algo sobre este filme o transforma em um idiota
temperamental.
Eu desvio meus olhos para Serena enquanto ela bagunça seu
cabelo recém-tingido – castanho escuro agora, em vez de seu
loiro usual. Tem que entrar no personagem. Eu posso sentir seu
olhar, mesmo que ela esteja usando óculos escuros. É um
maldito brilho duro. Ela não está feliz comigo esta manhã. Ou
qualquer manhã.
Não é uma pessoa matinal.
Em frente a ela está sentada sua assistente de longa data,
Amanda, ignorando todos nós enquanto se ocupa filtrando o
e-mail de Serena, como todas as manhãs, eliminando qualquer
coisa que possa desencadear um acesso de raiva.
— Isso é verdade, Johnny? — Cliff pergunta. — Porque
como seu empresário, eu quero que você seja feliz, e como seu
empresário, é meu trabalho garantir que seus colegas de elenco
não sejam idiotas mal-humorados.
— Estou bem — digo. — Foi apenas uma longa semana.
A barreira de metal é retirada do caminho quando a
limusine se aproxima dela, e nós dirigimos para a área afastada,
passando por um muro de segurança. Há uma leve comoção do
lado de fora, alguns fãs gritando, enquanto a limusine passa por
um pequeno beco e para fora de vista. Cliff ajuda Serena a sair,
pegando sua mão, enquanto eu solto Amanda antes de sair da
limusine.
Serena não hesita, valsando para fora do beco e direto para a
multidão, um sorriso de repente estampado em seu rosto. Há
mais alguns gritos, alguns guinchos enquanto os fãs
enlouquecem.
Sem esconder agora.
Eu a deixo com isso. Ela adora essa parte e aproveita bem. O
centro das atenções faz suas maravilhas – os fãs adoráveis, a
câmera. Serena sempre foi destinada a ser uma estrela.
Eu? Eu queria ser ator.
Vou direto para a fileira de trailers montados na parte de trás
do beco, espalhando-se pelo estacionamento de um enorme
armazém. Teremos principalmente fotos de interiores hoje,
com algumas filmagens na rua enquanto eles coordenavam
uma explosão simulada, de acordo com a folha de chamada que
Cliff me empurra antes de desaparecer... em algum lugar.
Sets de filmagem são sempre um caos.
Sou recebido com um sorriso genuíno assim que entro no
primeiro trailer. Cabelo e Maquiagem. Jazz, com sua pele
morena quente e lábios vermelhos brilhantes, é uma visão
acolhedora. Nem sempre é fácil encontrar um rosto amigável a
essa hora, todos tão focados nos negócios. Esse trailer é o mais
movimentado, um dos maiores, meia dúzia de maquiadores
espalhados em estações bem iluminadas, mas vou direto a Jazz.
— Ei, superstar — ela diz, dando um tapinha no assento de
uma cadeira na frente de um grande espelho, gesticulando para
eu me sentar. — Parece que meu trabalho já foi feito para mim.
— Você sempre faz — eu digo, caindo na cadeira e tirando
meu chapéu, deixando-o de lado antes de passar as mãos pelo
meu cabelo grosso. É o trabalho da Jazz me fazer parecer bem,
e isso nem sempre é fácil, especialmente quando eu durmo mal
pra caralho há mais de uma semana, com bolsas escuras debaixo
dos meus olhos.
Ela começa a trabalhar, fazendo o que faz de melhor,
tagarelando sobre alguma coisa. Estou escutando vagamente,
minha mente vagando para alguns pensamentos perigosos que
continuo tendo. Pensamentos de uma vida que eu poderia ter
tido, mas joguei fora como um idiota. Sempre acontece quando
estou de volta a Nova York, há uma atração magnética difícil
de ignorar, mas faço o que posso para resistir.
É ainda mais difícil desta vez, no entanto.
Sou arrastado de volta à realidade quando Jazz diz:
— Então, li algo escandaloso outro dia.
— Um daqueles livros bizarros sobre chicotes e correntes?
Ela ri.
— Não dessa vez. Não, eu peguei uma cópia de Hollywood
Chronicles…
Eu gemo, fechando meus olhos e inclinando minha cabeça
para trás, cobrindo meu rosto com as mãos quando ela diz isso.
Estou fodendo qualquer progresso que ela tenha feito em me
fazer parecer humano novamente, mas prefiro arrancar minhas
próprias bolas e fazer malabarismos com elas como um macaco
treinado do que reconhecer que esse pedaço de tabloide de
merda existe. Eles têm sido a maldição da minha existência por
muito tempo, insistindo em colocar meu rosto na capa o tempo
todo.
— Por que você me odeia, Jazz? — eu murmuro. — Por
favor, me diga que você não deu seu dinheiro a esses idiotas.
— O que? Pfft, claro que não — ela diz com uma risada,
tirando minhas mãos do meu rosto para voltar ao trabalho. —
Eu disse que peguei, não que eu comprei. Eu estava na fila do
caixa na loja.
— Sim, bem, o que quer que dissesse, eu não quero saber...
— Disse que você e a senhorita Markson se casaram.
Eu gemo novamente.
— Eu só disse que não queria saber.
— Bem, eu te disse de qualquer maneira — diz ela. — Então,
o que você acha disso?
— Acho que você não deveria desperdiçar suas células
cerebrais em tabloides inúteis. É melhor você ficar com os livros
bizarros.
Ela me lança um olhar, mas abandona o assunto. Eu sei o
que ela está perguntando. Ela está dando dicas, tentando me
fazer contar o que está acontecendo na minha vida desde que
filmamos o último filme. Ela quer saber se há alguma verdade
nessa história, mas não estou com vontade de entrar nela.
Uma vez que a maquiagem está pronta, eu mudo para o
cabelo, antes de me despedir de Jazz e ir para o trailer do guarda-
roupa para colocar meu figurino. Meu dublê está lá, já usando
o traje azul claro e branco.
Eu coloco o meu – ou bem, eu sou empurrado nele como se
eles estivessem enfiando a porra da salsicha em sua embalagem,
o material mostrando cada maldita ondulação, então eles
cutucam e cutucam e prendem e dobram. Malha, cromo e
camadas de espuma, cobertas de material flexível ajustado, feito
para parecer um simples elastano sem, você sabe, ser elastano.
É tão desconfortável quanto você está imaginando.
— Parabéns, amigo — meu dublê diz, me dando um tapa
nas costas. — Ouvi dizer que você se casou! Homem de sorte.
Eu tremo.
— Quem te disse isso?
— Jasmine.
Jazz.
Eu vou estrangular aquela mulher.
Demora quase trinta minutos para me colocar no traje, para
ter meu bumbum com a aparência certa e meus músculos
acolchoados, já que não estou nem perto de ser um super-herói
forte. Eu saio quando termino, correndo direto para Serena
com sua assistente em seus calcanhares.
— Bem, bem, bem — diz Serena, sorrindo, enquanto ela me
olha. — É bom ver você de volta nesse traje.
Eu olho para mim mesmo, me esticando para tentar soltar o
material.
— Eu pareço ridículo.
Ela ri.
— Não parece. Você deve usá-lo o tempo todo. Estou
falando o dia todo, todos os dias, mesmo à noite.
— Continue sonhando, Ser.
— Oh, eu vou.
Ela passa por mim, mordendo o lábio inferior enquanto me
olha por trás. É vergonhoso. Eu quase coro, por mais ridículo
que seja, observando enquanto sua assistente a leva para o
guarda-roupa para que não demoremos para começar hoje.
— Ei — eu chamo. — Você deveria saber que Jazz está
contando para todo mundo…
— Que somos casados? Eu sei. — Serena revira os olhos e ri.
— Aparentemente, fizemos a capa do Chronicles novamente.
— Sim, aparentemente — eu digo enquanto ela entra no
trailer, indo para o set assim que ela sai.
É um longo dia. Tomada após tomada após tomada. Estou
suado de tanto correr e cansado de ficar de pé, minha cabeça
latejando com os estrondos e explosões, a pirotecnia
balançando a vizinhança. Há uma brecha de segurança no meio
da tarde, uma mulher passando pela barreira depois que as
cenas se movem para o exterior, mas eles a pegam.
Eu tento não pensar nisso. Tente não pensar em nenhum
deles. Eu tento não pensar nela quando sinto olhos me
observando, mas é difícil tirá-la da minha mente. Estamos
filmando uma sequência em que Maryanne, o amor da vida de
Breezeo, foi sequestrada. Serena está presa com uma bomba
prestes a explodir, e é meu trabalho salvá-la da morte iminente.
Eu faço isso, e faço isso bem, derramando minha alma em
cada momento. Está chegando ao fim da história, embora ainda
estejamos no início das filmagens. Isso tira tudo de mim,
porque finais são difíceis. Finais são difíceis pra caralho...
especialmente finais que me lembram de uma garota que estou
tentando muito não pensar.
Dou um suspiro de alívio quando terminamos o dia, meus
ombros caindo enquanto passo a mão pelo meu cabelo. Eu
tento ir embora quando Serena se joga em mim. O sol está se
pondo, escuridão se aproximando, mas o flash das câmeras
ilumina a área enquanto ela pula em meus braços.
— Isso foi incrível! — ela diz. — Tipo... uau. Você atuou
pra caramba, Johnny! Você me fez acreditar em cada palavra!
Ela me beija antes que eu possa responder, mais flashes de
câmera disparando. É só um beijinho, mas imagino que algum
paparazzi vai ganhar muito dinheiro com essas fotos hoje à
noite. Eu posso ver agora. Legenda: Johnny fode Serena na
frente de todos!
Ela se afasta quando Cliff se aproxima.
— Ótimo trabalho, vocês dois — diz ele, sua voz desprovida
de emoção, seu olhar fixo em seu Blackberry, como de costume.
— Eles vão manter a programação atual, então você estará de
volta aqui de manhã, Johnny.
— Você também, Serena — diz sua assistente.
— Parece ótimo para mim. — Serena sorri enquanto se
afasta, seu olhar permanece em mim. — Troque-se, Johnny.
Vamos comemorar!
— Não fique fora até tarde — Cliff grita. — O carro vai
pegar vocês dois amanhã às seis em ponto!
Serena faz uma careta para ele, mas não discute, indo em
direção à multidão para cumprimentar todos novamente.
— Você fez bem, idiota mal-humorado — brinca Cliff, me
dando um tapa nas costas. — Vá tirar o traje. Eu sei que deve
ser desconfortável.
Eu faço exatamente isso, vestindo meu jeans e camiseta
branca simples, colocando meu boné. Com as filmagens feitas
para a noite, a segurança afrouxou, a multidão está se
aproximando do set... perto o suficiente para que alguns deles
me cerquem quando eu saio do trailer. Merda.
Câmeras piscam, uma enxurrada de perguntas me
bombardeando.
“Johnny, posso tirar uma foto?”
“Um autógrafo, Johnny?”
“Posso ganhar um abraço?”
Esses eu não me importo, e eu faria isso o dia todo se não
fosse pelos outros. Os abutres.
“Há quanto tempo você e Serena estão juntos?”
“É verdade que vocês dois se casaram?”
“O que seu pai tem feito ultimamente?”
“Você o perdoou?”
“Você o viu?”
“Quando foi a última vez que você foi para casa para
visitar?”
Odeio as perguntas pessoais e nunca as respondo. Eu odeio
a intromissão. Eu odeio os rumores. Eu odeio tudo isso e por
um bom motivo – há muitos esqueletos no meu armário,
muitos segredos que tenho escondidos. Muitas coisas que não
posso deixar manchar um mundo tão puro que não sou mais
bem-vindo nele.
Serena aparece ao meu lado, pronta para partir. Ela sorri,
jogando para as câmeras, encantando a todos enquanto
responde o que pode, respondendo o que eu não vou.

◈◈◈

Jantamos em algum clube privado exclusivo no Upper


Eastside. Serena, tendo começado sua carreira de modelo aqui
em Manhattan, sempre parece conhecer todo mundo onde
quer que vá. Alguns de seus amigos estão saindo, rindo e
conversando, socialites e babacas de fundos fiduciários,
compartilhando garrafas de vinho vintage e fazendo algumas
linhas.
Cocaína.
Assim que o pó branco vem à tona, estou dando minha
desculpa para ir. Essas pessoas costumavam ser meu pessoal,
também. Amigos. Mas Serena é a única que parece estar
preocupada com minha saída precipitada. Ela agarra minha
mão, tentando me parar quando me levanto, seus olhos verdes
assustadoramente escuros.
— Por favor? Fique! Comemore! Nós nunca mais sairemos
assim.
— Eu faria... você sabe que eu faria... se eu pudesse — digo,
cutucando seu queixo enquanto ela olha para mim. — Não
festeje muito, ok?
Eu saio antes que ela possa tentar me parar novamente,
mantendo minha cabeça baixa, evitando contato visual. Em vez
de pegar a limusine esperando e voltar direto para o hotel, ando
alguns quarteirões, entrando em um pequeno bar. É tranquilo,
não muito ocupado, apesar de ser sexta à noite. Encontro um
banquinho vazio na beirada do bar enquanto o barman se
aproxima.
Não demora muito, apenas alguns segundos, antes que o
reconhecimento aconteça, seus olhos se arregalando, mas ele
não anuncia minha presença.
— O que eu posso fazer por você? — ele pergunta, não me
chamando pelo nome.
— O que estiver ao alcance.
Ele me serve uma cerveja. Eu não pergunto o que é. Sento-
me em silêncio depois que ele desliza na minha frente,
envolvendo minhas mãos em torno do vidro frio. Eu posso
sentir o cheiro. É barato. Não é a merda mais barata, mas
ainda... barata. Minha boca enche de água, e eu posso quase
sentir o gosto do líquido dourado, minha língua formigando
de antecipação enquanto eu olho para ele.
— Algo errado? — o barman pergunta depois de alguns
minutos, apontando para a cerveja que não estou bebendo. —
Você gostaria de algo diferente em vez disso?
— Não, está bom. Eu só... eu não bebo há um tempo.
— Quanto tempo?
— Doze meses.
Tem sido um longo ano – mais tempo ainda desde que
toquei em algo mais forte. Estou preso entre os passos oito e
nove do AA, entre admitir que prejudiquei as pessoas e
compensar o que fiz. Veja, há uma pegadinha nesses passos,
uma que ninguém menciona até você chegar lá. Não é tão curto
e grosso. Há um pouco de letras miúdas sobre fazer as pazes que
dizem “exceto quando isso causaria mais danos”.
— Então, eu sei que não é da minha conta — diz o barman
—, mas doze meses é um inferno. Tem certeza que quer
estragar isso?
— Não — eu admito. — Não tenho certeza de muita coisa
hoje em dia.
Ele não espera que eu diga mais nada. A cerveja na minha
mão é arrancada e substituída por Coca.
O refrigerante. Não a droga.
— Faz um tempo desde que eu tive um desses também —
digo a ele, mas não hesito em saborear esta bebida. É o paraíso
em um copo de plástico. O refrigerante faz mal ao corpo,
porém, com as calorias vazias, o inchaço. Ou bem, pelo menos
é o que diz a nutricionista que o estúdio contratou para me
manter em forma.
— Você quer falar sobre isso? — o barman pergunta.
— Sobre o que?
— Sobre o que quer que faça você quase quebrar uma série
de doze meses de sobriedade esta noite.
Eu balanço minha cabeça. Eu faria se pudesse. Está me
comendo por dentro. Mas o que está me incomodando não é
algo que eu possa falar, porque ao contrário da maioria do que
Hollywood Chronicles vende, isso é um verdadeiro escândalo.
— Aprecio isso — eu digo, tomando outro gole do
refrigerante antes de me levantar. Jogo alguns dólares para
baixo por gratidão e me viro para sair antes que fique tentado a
derramar minhas entranhas e contar ao cara uma história que
poderia lhe render dinheiro no nível da aposentadoria.
Usando meu telefone, peço um carro e saio do bar enquanto
ele me conecta com um motorista. Três minutos de distância.
No segundo em que o ar quente da noite me cumprimenta,
outra coisa também – uma pequena multidão. Algumas
garotas, apenas adolescentes. Ninguém nunca dá crédito
suficiente às adolescentes. Elas são inteligentes. Elas
provavelmente não têm idade suficiente para ir a um bar, mas
sabiam como me rastrear. Ainda não há paparazzi, mas eles não
estão longe. Eles nunca estão.
Os pedidos voam para mim. Autógrafos. Fotos. Abraços.
Desta vez eu paro para eles. Tenho três minutos de sobra. O
mínimo que posso fazer é retribuir a alguns dos fãs que
provavelmente estiveram procurando por mim o dia todo.
Inferno, eu não seria nada sem eles. Eu rabisco meu nome com
caneta em qualquer coisa que eles enfiem no meu caminho –
fotos, camisetas, até mesmo um braço – e tiro algumas fotos,
colocando um sorriso que deixaria Cliff orgulhoso.
— Você pode assinar isso? Por favor? — uma garota loira
pergunta, empurrando um DVD do primeiro filme de Breezeo
para mim. — E fazer isso para Bethany?
— Bethany — murmuro, anotando o nome dela, ganhando
um grito quando digo isso em voz alta. — Como você está esta
noite?
— Incrível — diz ela, soando como se estivesse falando sério.
— Meus amigos e eu dirigimos até aqui para ver você quando
descobrimos que estava filmando.
— Sim? Como você descobriu?
— Estava em todos os blogs de fofocas — diz ela. — Tinha
até um vídeo de Serena falando sobre isso.
Serena. Não importa quantas vezes ela seja avisada, sempre
escorrega e diz merda que não deveria.
— Então você dirigiu até aqui? De onde?
— Bennett Landing — diz ela.
Meu estômago revira.
— Você é de Bennett Landing?
— Sim.
— Lugar legal — minto – ou talvez não esteja mentindo,
mas como tudo fica confuso, com certeza parece assim. — Já
passei por lá algumas vezes.
— Eu sei! — ela diz. — Ou bem, quero dizer, eu ouvi
histórias.
— Histórias, hein? Que tipo de histórias?
— Ouvi dizer que você foi preso uma vez por andar nu em
Landing Park.
Ela cora enquanto cospe essas palavras, enquanto eu sorrio
– genuinamente rindo, faz tempo que não faço isso.
— Droga, não achei que alguém soubesse disso.
— Eles sabem. Eles falam sobre isso o tempo todo. Dizem
que você ficou bêbado e correu nu.
— Não exatamente — digo. — Eu não estava correndo nu.
Eu estava com uma garota.
Seus olhos se iluminam.
— Sério?
— Sério — digo. — Ela estava escondida quando a polícia
apareceu. As acusações foram retiradas na manhã seguinte, mas
é bom saber que meu momento de exposição indecente vive na
infâmia.
Ela ri. Eu rio. É um momento legal. Quase me esqueço por
causa disso, deixando meus pensamentos voltarem para aquele
tempo, deixando-me pensar naquele mundo novamente. A
culpa me consome por dentro. Tiro uma foto com Bethany e
dou mais alguns autógrafos antes que meu carro apareça para
me levar embora. Seis horas chegarão cedo, sem dúvida, e tenho
a sensação de que não vou dormir muito esta noite.
“Herói Trágico em Formação”

Kennedy Garfield

A poucos minutos fora dos limites da cidade de Albany fica


uma escola particular de elite.
Fulton Edge Academy.
Fulton Edge tem a distinção de ter ensinado mais
funcionários do governo do que qualquer outra escola do país,
uma honra que eles carregam com orgulho, evidente no fato de
ser exibido em todos os lugares. Sério. Em toda parte. Há até
uma faixa feia pendurada no corredor principal. Preparatório
para a faculdade, com ênfase em ciência política, é o lugar
perfeito para um congressista de alto nível enviar seu filho
adolescente rebelde – um fato que você conhece bem,
considerando que foi assim que você acabou aqui, afogado em
uma fossa de uniformes azuis e brancos pelo quarto ano
consecutivo.
As aulas já começaram, primeiro dia do seu último ano, mas
você está vagando por aí, sem pressa para chegar aonde está
indo – Política Americana. Não deve ser confundido com
Política Comparativa, é claro, que você terá no final da tarde,
reservando as disciplinas tão emocionantes de Literatura
(Literatura Política entre as Guerras Mundiais) e Matemática
(Métodos Matemáticos em Ciência Política). A única coisa ilesa
em sua agenda é a educação física, provavelmente porque eles
não descobriram como incorporar o governo.
Quinze minutos atrasado, você abre a porta da sala de aula e
entra, atrapalhando o professor já investido em uma palestra.
Seus passos param por uma fração de segundo, como se seus
pés não suportassem continuar, antes de você fechar a porta e
se comprometer a estar aqui. Você é uma violação do código de
vestimenta ambulante e falante, com sua gravata solta, sua
camisa branca de botão não dobrada, um pouco de caos no
meio da perfeição fabricada, jogando fora toda a estética da
escola preparatória política.
— Senhor Cunningham — diz o professor, lançando-lhe
um olhar estreito. — Que bom que você nos agraciou com sua
presença esta manhã.
— O prazer é todo meu — você diz, sua voz pingando
sarcasmo enquanto se dirige para o fundo da sala de aula, para
a mesa vazia e solitária. — Teria aparecido mais cedo, mas
bem... eu realmente não me importava de estar aqui.
Há uma agitação estranha, um pigarro, uma longa pausa
sem ninguém falando, enquanto você se acomoda em seu
assento. Você não apenas joga fora a estética – você altera toda
a imagem deles. Isso os deixa desconfortáveis.
— Como eu estava dizendo — diz o professor. — Os Pais
Fundadores…
O homem fala. Ele fala muito. Você balança sua cadeira nas
pernas traseiras. Seu olhar varre a sala de aula, examinando seus
colegas, rostos que você conhece bem, mas não aqueles que
gosta de olhar, até você olhar para a direita, para a mesa ao seu
lado, e vê-la.
Um rosto que você nunca viu antes.
Ela é apenas uma garota, nada de especial nela. O cabelo
castanho cai até a metade de suas costas, solto. Sua pele não é
bronzeada como as outras garotas aqui. Há apenas três delas em
toda a décima segunda série — três em uma turma de trinta.
Apenas um décimo da turma sênior é do sexo feminino.
Talvez seja por isso que você olhe, porque você não
consegue desviar os olhos. As meninas são como unicórnios
neste lugar, mesmo as mais comuns. Nem todos podem ser da
realeza.
Ou talvez haja outro motivo.
Talvez seja outra coisa que a diferencia.
Seu olhar não é fácil de ignorar, embora a garota tente. Sua
pele arrepia como se você a estivesse tocando. Um arrepio
percorre sua espinha. Ela está inquieta, brincando com uma
caneta de tinta preta barata em cima de um caderno que ainda
não escreveu.
Nervosa, ela solta a caneta e fecha as mãos em punhos
enquanto as empurra para debaixo da mesa. Seu olhar se ergue,
olhos azuis encontram os dela por um momento antes dela
desviar o olhar, agindo como se estivesse prestando muita
atenção na aula, mas ninguém se importa tanto com a formação
do primeiro gabinete.
A aula se arrasta para sempre e um dia. O professor começa
a fazer perguntas e quase todos levantam a mão. Ela mantém a
dela escondida debaixo da mesa, enquanto você continua a
balançar sua cadeira sem se importar.
Apesar de não ser voluntário, o professor te chama. De novo
e de novo. Cunningham. Você recita respostas, bastante
entediado com tudo isso. Os outros tropeçam, mas você nem
precisa parar. Você conhece suas coisas. Parece um pouco
como um ato de circo, como um leão pulando em aros.
Se eles te cutucam demais, fazendo-o se apresentar, você
pode começar a arrancar cabeças? Hum…
Quando a aula acaba, todos arrumam suas coisas. Você
deixa sua cadeira cair, fazendo um guincho alto enquanto se
levanta. Você não trouxe nada consigo. Sem livros. Não há
papel. Nem mesmo um lápis. Você fica parado entre as mesas,
inclinando-se para mais perto da novata.
— Eu gosto do seu esmalte — diz, sua voz brincalhona,
enquanto ela pega seu caderno ainda intocado.
Ela olha para cima, encontrando seus olhos. Você se diverte,
o primeiro indício de algo além do tédio. Seu olhar muda para
as unhas, então, para o esmalte azul brilhante e lascado que as
cobre.
Você vai embora.
— Chegue na hora amanhã, Cunningham — o professor
chama.
Você nem olha para ele quando diz:
— Sem promessas.
O dia se arrasta, continua e continua. Você dorme durante
a maior parte de Literatura e não faz um único problema de
matemática. A Política Comparativa é repetitiva à medida que
você novamente lança respostas às perguntas. A garota se senta
perto de você em todas as aulas, perto o suficiente para que sua
atenção se volte para ela sempre que há uma pausa. Você a
observa enquanto ela se agita. Você a observa enquanto ela luta.
Você a vê se atrapalhar com as respostas erradas. Outros
também assistem, sussurrando uns para os outros, como se
estivessem tentando descobrir como uma plebeia conseguiu
entrar na quadra deles, mas você a observa como se ela fosse a
coisa menos chata que já encontrou.
Quando Educação Física chega no final do dia, fica mais
interessado. É irracional, correr volta após volta, e você é rápido
– tão rápido que incomoda os outros. Eles não gostam que você
seja melhor do que eles. Além de arruinar a imagem deles, está
prejudicando a autoconfiança deles.
Quando a aula acaba, todos vão para os vestiários. Você está
encharcado de suor, mas não se preocupa em se trocar, fica do
lado de fora quando a garota sai, mas ela mal dá um passo antes
que a voz de um monitor chame.
— Garfield.
Ela para, virando-se para olhar para o homem enquanto ele
espreita no corredor.
— Senhor?
— Eu sei que você é nova na escola — diz ele. — Já teve a
oportunidade de ler o manual?
— Sim, senhor — ela diz.
— Então sabe que está violando a política da escola — diz
ele. — As unhas devem ser naturais, o que significa sem
esmalte. Corrija isso até amanhã.
Ele se afasta.
Ela olha para as unhas.
Você ri.
Você, que violou essa política o dia todo sem que ninguém
dissesse uma palavra sobre isso.
Há um pequeno estacionamento ao lado da escola para os
alunos que dirigem, mas você segue para a frente, para uma
entrada circular para retirada. Ela vai nessa direção também,
ficando atrás da multidão, sentada no chão e encostada no
prédio, pegando seu caderno.
Abrindo-o, ela começa a escrever.
Sedã preto após sedã preto passa, a multidão se encolhendo.
Depois de meia hora, apenas um punhado de crianças
permanecem.
Depois de quarenta e cinco minutos, é só você e ela.
Você está andando de um lado para o outro, seu olhar
piscando para ela.
— Acho que não sou o único preso.
— Meu pai trabalha até as quatro — diz ela, pausando a
escrita para olhar para cima. — Ele deve estar aqui em breve.
— Sim, bem, meu pai é um idiota — você diz. — Ele gosta
de me fazer sofrer.
— Por que você não dirige?
— Eu poderia te perguntar a mesma coisa.
— Não tenho carro.
— Sim — diz —, mas meu pai é um idiota. Ele acha que se
eu tiver meu carro, vou matar minhas aulas.
— Você iria?
— Sim.
Ela ri, e você lhe dá um sorriso, enquanto um carro preto se
aproxima da escola – uma limusine.
— Então, Garfield, hein? — diz. — Como o gato?
— Mais como o ex-presidente.
— Você tem um primeiro nome para combinar com isso?
— Kennedy.
Você dá a ela o olhar mais estranho.
— Está brincando.
— Meu nome do meio é Reagan, você sabe, para completar
o círculo.
— Ah, cara, isso é foda. Aqui eu pensei que era ruim ser um
Cunningham.
— Como o atual presidente da Câmara?
— Também conhecido como o idiota que pegou as chaves
do meu carro — você diz. — Pode me chamar de Jonathan.
— Jonathan.
Você sorri quando ela diz seu nome.
A limusine para, e você olha para ela, hesitante, como se uma
parte de você não quisesse deixá-la sozinha ali.
Ou talvez sua relutância tenha mais a ver com quem espera
por você.
Presidente Grant Cunningham.
A janela traseira baixa e lá está o homem, sua atenção em
algo em suas mãos enquanto diz:
— Entre no carro, John. Eu tenho coisas para fazer.
Sua voz não carrega um pingo de calor. Ele nem olha para
você.
Você olha de volta para a garota antes de entrar na limusine,
enquanto ela volta para seu caderno.
E você não sabe disso, mas aquela garota? A que ficou do
lado de fora daquela escola sozinha? Ela está sentada lá
escrevendo sobre você. Você tem todos os ingredientes de um
herói trágico moderno, e ela nunca se sentiu tão compelida a
explorar a história de alguém antes… mesmo que isso seja meio
assustador, argh.
Capítulo 3
Kennedy

— Kennedy, ah meu Deus, você não vai acreditar na noite que


eu tive!
Essas são as primeiras palavras que Bethany diz quando
entra na loja a vinte minutos do final da manhã de sábado,
enquanto eu escaneio as compras de alguém em sua caixa
registradora, fazendo o trabalho dela em vez do meu. Eu parei
no meu dia de folga para terminar alguns papéis para Marcus e
não quero nada mais do que dar o fora, mas não tive essa sorte.
— O que aconteceu? — Eu pergunto. — Você se esgueirou
no set?
— Não — ela diz. — Cheguei perto disso, no entanto. Bem
perto. Eu até consegui vê-lo com o traje!
— Isso é bom — eu murmuro, embora não seja bom para
mim. Não, está fazendo meu estômago embrulhar, minhas
entranhas apertando e fazendo coisas horríveis.
— Foi... uau. — Bethany solta um gritinho quando termino
de pegar as compras da Sra. McKleski e pegar o dinheiro dela.
A mulher faz compras aqui todos os dias. Compra de hoje?
Ingredientes da torta de creme de chocolate. — Ficamos
parados o dia todo, mas valeu muito a pena! Serena veio nos
ver. Ela foi tão legal, meu Deus… eu esperava que ela fosse super
vadia, sabe, porque as pessoas falam, mas ela tirou fotos e ficou
brincando!
— Isso é bom — digo novamente – e mais uma vez, não
parece assim. Estou me sentindo um pouco mal do estômago
com tudo isso, por mais absurdo que isso seja. — Estou feliz
que ela tenha feito sua viagem valer a pena.
— Ah, não foi ela, foi totalmente ele — diz ela. —
Encontramos Johnny Cunning saindo de algum bar mais
tarde. Ele realmente conversou conosco. Ah, meu Deus, ele foi
mais legal do que eu esperava que fosse, e fale sobre encantador!
Bethany enfia o telefone na minha cara, me forçando a olhar
para a tela, para uma foto que ela tirou dos dois, um bar simples
visível no fundo. Eu posso dizer que ele estava tentando passar
despercebido, mas ele sorri para a câmera. Não parece que ele
está bêbado, mas... bem, ele está em um bar.
— Ele perguntou de onde eu era — ela diz —, e ele riu
quando eu disse que contam histórias sobre ele aqui. Ele queria
saber o que as pessoas dizem, então eu contei a ele sobre o nu,
sabe, no parque? Você conhece essa história, certo?
— Vagamente — murmuro.
— Bem, ouça isso! Não só é verdade, ele realmente foi preso,
mas ele disse que esteve lá com uma garota! Você pode acreditar
nisso?
Dou o troco à Sra. McKleski e lhe ofereço um sorriso
quando vejo o olhar conhecedor em seus olhos. Ela não diz
nada – graças a Deus – enquanto sai. Há algumas pessoas na
cidade para as quais não são apenas histórias... são memórias.
Foi apenas alguns anos atrás, mas a vida segue em frente.
Bethany era apenas uma criança quando essas coisas
aconteceram, não tinha idade suficiente para saber sobre o
problemático filho de um político. Ela só conhece o ator que
ele veio a ser, aquele que não tem nada a ver com sua família.
— Isso é bom — digo pela terceira vez, e desta vez eu sei, sem
dúvida, que não estou falando sério. Não há nada de bom em
como estou me sentindo. — Você já está trinta minutos
atrasada, então eu preciso que você marque o ponto.
Perturbada, ela divaga um pedido de desculpas, mas eu saio
voando sem ouvir. Eu encontro um lugar tranquilo para me
esconder no almoxarifado nos fundos, sentando em uma caixa
e abaixando minha cabeça, respirando fundo para aliviar o
tumulto que se forma dentro de mim.
Perto demais para o conforto.
Faço algumas coisas, não muitas, antes de dizer a Marcus
que estou indo embora. Ele ri, acenando para mim.
— Bom, você nem deveria estar aqui.
Eu vou para a frente da loja, onde Bethany está finalmente
trabalhando em seu caixa.
— Estou feliz que você tenha feito uma boa viagem — digo
a ela, realmente querendo dizer isso. — Estou feliz que ele não
tenha desapontado você.
Com isso, vou embora.
Eu dirijo para a casa do meu pai, estacionando meu carro na
garagem dele. Ele está no sofá em frente à televisão,
aconchegando-se com minha filha meio adormecida, e eu gemo
quando percebo o que eles estão assistindo.
Breezeo: Transparent
— Sério? O que aconteceu com os desenhos animados de
sábado de manhã?
— Isso não foi planejado — diz meu pai. — Mas estava no
ar, e ela queria assistir.
É o primeiro filme. Já vi antes. É impossível não tê-lo visto,
já que a TV a cabo o reproduz em rotação regular nos dias de
hoje. É onde ele aprende a se adaptar, uma doença que
desencadeia algo em seu DNA que o faz desaparecer.
Invisibilidade. Ele se torna o vento. Ele ganha seu nome
porque é como uma brisa suave. Você sabe que ele está por
perto, pode senti-lo em sua pele, mas a menos que ele se mostre,
não pode vê-lo, você olha através dele como se nem estivesse lá.
Eu sei, parece um absurdo de ficção científica, mas é mais uma
história de amadurecimento, mais uma história de amor. É
sobre altruísmo, sobre sacrificar sua própria felicidade pelos
outros, sobre estar lá para eles mesmo quando não sabem que
você está por perto.
— Você tem correspondência na mesa da cozinha — meu
pai diz antes de eu começar a me mover. — Não se esqueça de
pegá-la.
Caminhando até a cozinha, pego a pequena pilha de
correspondência, na maior parte lixo, nunca mudei meu
endereço depois que me mudei há muito tempo. Eu o
vasculho, jogando o lixo fora, e paro quando chego ao último
envelope. Não é incomum. Já vi dezenas assim. Mas toda vez
que um aparece, me faz hesitar, meu olhar piscando ao longo
do endereço do remetente, para o nome.
Cunningham a/c Caldwell Talents
Não abro o envelope, embora costumasse abrir por
curiosidade. Cada vez que um cheque estava lá dentro, os
valores aumentavam constantemente.
— Você vai descontar esse? — meu pai pergunta, entrando
na cozinha atrás de mim.
Eu viro meus olhos para ele, jogando-o direto na lata de lixo.
— Não preciso do dinheiro dele.
— Eu sei, mas o que você deve fazer é guardar os cheques e
descontá-los todos de uma vez. Limpe a conta dele. Então vá
cavalgar para o pôr do sol em sua Ferrari novinha em folha.
— Eu não quero uma Ferrari.
— Eu quero — diz ele. — Você poderia me comprar uma.
— Boa tentativa, mas não. Embora, eu possa espremer o
suficiente do meu próximo cheque para comprar a versão Hot
Wheels. Ei, eu tenho horas extras suficientes esta semana, você
pode conseguir duas.
— Bem, sabe, se você não jogasse fora aquele cheque, não
precisaria trabalhar horas extras.
— Não estou interessada em receber uma recompensa.
— Isso não é recompensa.
— Certamente ele pensa que é. — digo. — Ele não pode
nem se dar ao trabalho de enviar os cheques sozinho, sabe. Seu
empresário faz tudo. É dinheiro secreto.
— Ah, dê uma folga para ele.
— Dê uma folga para ele? — Olho para meu pai com
incredulidade. — Você nunca gostou dele.
— Mas ele é o pai de Madison.
Eu reviro os olhos. Provavelmente é infantil, mas se há um
motivo para revirar os olhos, este é o momento.
— Sim, bem, alguém deveria dizer isso a ele.
— Ele sabe. Inferno, você tem o cheque ali para provar isso.
E eu sei, eu sei, antes que você diga, mas o empresário dele envia
isso, vou apontar que ele apareceu aqui algumas vezes para vê-
la.
— Bêbado — eu digo. — Ele estava bêbado todas as vezes.
Metade do tempo ele estava tão chapado que duvido que se
lembre de ter vindo. Sinto muito, mas não dou troféus de
participação para alcoólicos que não se esforçam para ficar
limpos. Vou dar-lhe uma folga quando ele me der uma razão.
Ele solta um suspiro longo e dramático e não diz nada por
um momento, como se estivesse descobrindo como reformular
seu argumento.
— Você pode descontar, se quiser — digo, puxando o
cheque de volta da lixeira e colocando-o sobre a mesa. — Quero
dizer, ainda devemos a você daquela vez.
— Não é pelo dinheiro. Nem mesmo sobre ele.
— Então, o que é?
— Madison está crescendo, e você...
— O que tem eu?
— Você está desistindo — diz ele. — E se está perdendo a
esperança, bem, estamos ferrados, porque não podemos odiar o
cara. Alguém precisa cuidar dela.
— Eu não o odeio — digo, meu estômago embrulhando,
torcendo e girando novamente. — Eu só estou cansada. Ela vai
fazer seis em breve. E eu tenho que me perguntar, em que
ponto estou apenas piorando? Porque seis anos é muito tempo
para ela não saber sobre ele.
— É por isso que ainda precisamos de sua mãe por perto —
diz ele. — Ela sempre foi otimista.
— Sim, bem, o que mamãe diria?
Ele aponta para a sala de estar, onde o filme ainda passa na
televisão.
— Ela diria que se essa é a única maneira de Madison ter a
chance de conhecer o cara, que assim seja.
Não discuto com isso. Eu nunca tive certeza de como lidar
com tudo isso. Maddie não fez muitas perguntas, então até
agora foi varrido para debaixo do tapete, mas sei que isso não
vai acontecer quando ela ficar mais velha. Eu simplesmente não
tenho ideia de como explicar nada disso.
— Devemos ir — digo, deixando de lado o assunto. — Eu
prometi que a levaria para a biblioteca hoje.
Voltamos para a sala de estar, onde Maddie está agora bem
acordada, cativada pelo filme enquanto Breezeo faz sua grande
jogada e salva o dia. Sento-me no braço do sofá ao lado dela,
observando. Ainda é tão estranho, depois de todos esses anos,
ver aquele rosto familiar na tela.
Jonathan Cunningham.
Johnny Cunning.

◈◈◈

Seis livros. É quantos Maddie pega na biblioteca para levar para


casa. Mas, assim que entramos pela porta, antes mesmo de nos
acomodarmos, ela aparece na minha frente segurando o gibi
embrulhado em plástico que ela roubou do meu quarto.
— Podemos ler Breezeo agora, mamãe? Por favor?
— Claro — digo, tirando-o dela —, mas não é toda a
história, querida. É apenas o fim.
A última edição do enredo Ghosted.
— Tudo bem — diz ela, subindo no meu colo no sofá. —
Gosto mais do final.
Suspirando, eu puxo a revista de sua capa protetora e abro.
Começo a ler, preenchendo as lacunas, narrando as imagens.
Começa com a grande explosão do armazém, quando Breezeo
salva sua amante, Maryanne, da morte.
“Quem é você?” ela pergunta depois, parada na rua
enquanto o armazém queima, incapaz de vê-lo, mas ela pode
senti-lo. Ela não sabe quem é Breezeo. Ela não sabe que é o
homem a quem ela deu seu coração há tanto tempo – Elliot
Embers. Ela acha que ele morreu em Shadow Dancer da doença
que o transformou em nada, então ele passou Ghosted em
isolamento. “Por favor, mostre-se. Diga-me. Eu preciso saber.”
Ele considera, parado bem na frente dela. Isso seria tão fácil.
Ele poderia usar a energia que lhe restava para se mostrar, mas
isso mudaria tudo. Isso mudaria sua percepção da realidade.
Mudaria suas lembranças dele. Isso alteraria sua história de
maneira irreparável, e saber a verdade poderia colocar sua vida
em perigo ainda maior. Ele não podia fazer isso com ela. Ele não
poderia destruir a vida que ela construiu por um único
momento de reconhecimento apenas para ter que desaparecer
novamente.
Seria muito cruel, aparecer apenas para deixá-la mais uma
vez, quando ela finalmente teve a coragem de dizer adeus.
Então ele se aproxima, beijando suavemente sua boca. É
apenas uma respiração contra seus lábios. Ela sente um
formigamento, seguido por uma brisa que farfalha seus cabelos
escuros, e depois nada.
Ele sai.
Ele vai embora e nunca olha para trás, dando a ela uma vida
de liberdade, uma vida onde pode viver uma existência
tranquila e ser feliz sem ele. Ele está destinado a fazer coisas
maiores, e ficar seria egoísta, então por mais que ele deseje estar
com ela para sempre, ele tem que deixá-la ir, porque é isso que
o amor significa.
É amar alguém o suficiente para libertá-lo.
Lágrimas ardem em meus olhos. Argh, essa história maldita.
Maddie olha para o quadrinho. Acho que ela esperava um final
feliz.
— Ele voltou, mamãe? — ela pergunta.
— Bem, eu acho que é possível — digo. — Realmente não
existe “o fim” nos quadrinhos. As pessoas voltam o tempo
todo.
— Ok, então — ela diz, aceitando enquanto ela pula do meu
colo para pegar um dos livros da biblioteca. — Este agora!
Capítulo 4
Jonathan

— Vamos fazer uma pausa! — o primeiro AD – assistente de


direção – grita, sua voz afiada com aborrecimento. — Todo
mundo de volta em vinte minutos. Markson, por favor,
recomponha-se!
— Estou tentando — murmura Serena, fechando os olhos
com força e segurando as laterais da cabeça. — Estou um pouco
indisposta.
Indisposta, minha bunda.
Ela teve talvez duas horas de sono, entrando no hotel perto
das quatro horas da manhã. Eu sei, porque ela insistiu em me
acordar tentando rastejar para a cama comigo, mas eu não
estava interessado. Ela provavelmente ainda está um pouco
bêbada, provavelmente tendo uma recaída infernal de cocaína.
Eu costumava aparecer no set assim todas as manhãs e mal
sobrevivi às filmagens. Eu estava me matando. No momento
em que Shadow Dancer terminou, Cliff me mandou direto
para a reabilitação, me colocando em um programa.
Não foi minha primeira passagem na reabilitação, nem de
longe, mas foi a primeira vez que fiquei os noventa dias
completos. Todas as outras vezes, eu saía dentro de um mês e
recaía antes mesmo de Cliff perceber que eu tinha desistido.
Mas a sobriedade tomou conta de mim no ano passado e eu
trabalhei no programa enquanto a realidade afundava.
E a realidade, ao que parece, é uma cadela para um viciado.
— Aqui, beba um pouco de água — digo a Serena,
entregando-lhe uma garrafa. — Vai te ajudar a se sentir melhor.
— O que vai ajudar é pegar uma — ela murmura, bebendo
um pouco de água antes de olhar para mim. — Você não tem
nada, não é?
— Você sabe que não.
Ela faz uma careta, bebendo mais água antes de se afastar. A
multidão ao redor do set parece maior agora. Se as pessoas não
sabiam que estávamos aqui ontem, hoje sabem.
— A patroa parece um pouco irritada — Jazz diz,
caminhando para enxugar o suor da minha testa. — Acabou a
lua de mel, superstar?
Eu a encaro. Ela acha que é esperta, mas não poderia ser mais
óbvio o que ela está fazendo.
— Se está se referindo a Serena, ela simplesmente não está se
sentindo bem.
— Aham — diz ela, não convencida, enquanto eu tomo um
gole de uma garrafa de água, não querendo entrar nos negócios
de Serena. — Ela não está grávida, está? Você seria um bom
papai.
Eu engasgo. Engasgo de verdade. A água escorre pela minha
traqueia e eu começo a tossir, perdendo o fôlego, mudando de
cor. As pessoas correm para intervir, batendo nas minhas costas
e forçando minhas mãos para cima, tentando colocar ar em
meus pulmões enquanto eu tusso violentamente.
Inalando bruscamente, meu peito em chamas, eu aceno para
todos se afastarem e encaro Jazz.
— Não diga isso, porra.
— O que? — ela pergunta, agindo inocentemente enquanto
pressiona as mãos no peito. — Era só uma pergunta.
— Ela não está grávida — eu digo. — Não é possível.
Jazz afasta isso com uma risada, mas agora ela me deixou
exausto. Você seria um bom papai. Meu peito está apertado,
queimando por dentro, o nó mal afrouxando quando voltamos
ao set. Serena volta muito mais animada, suas pupilas como
fodidos discos. É óbvio que ela está chapada, mas ninguém diz
uma palavra. No entanto, noto que Cliff a está observando.
Serena está no ponto agora, bem acordada e se sentindo
linda, enquanto eu continuo fodendo, take após take após take.
É uma bagunça. O filme vai ser um desastre se não
conseguirmos nos recompor.
— Cunning, seu tempo está errado — diz o AD. — O que
vocês dois fizeram, trocaram de lugar?
— Tenho tudo sob controle — digo, me espreguiçando. —
Só preciso limpar minha cabeça.
Serena se aproxima, sussurrando:
— Tenho mais se você quiser.
Eu quero isso? Porra, com certeza. Eu quero o dia todo,
todos os dias. Mas não preciso disso, e com certeza não deveria
tê-lo, então balanço a cabeça.
— Eu não posso mais fazer isso, Ser. Você sabe disso. E você
também não deveria.
— Tanto faz. — Ela revira os olhos. — Você não é o meu
chefe, sabe.
— Eu sei, mas eu sou…
— Silêncio no set! — uma voz grita, interrompendo nossa
conversa. — Vamos tentar de novo! Dê-nos um bom take desta
vez!
Nós fazemos. Nós damos-lhes um bom. Inferno, nós damos
a eles alguns. Mas depois do anoitecer, a merda começa a se
deteriorar novamente. Serena fica sem coca enquanto eu fico
sem paciência com a atitude dela.
— Argh, isso é uma merda — ela grunhe, bagunçando o
cabelo enquanto agarra a cabeça. — Eu me sinto uma merda.
— Você é mais cocaína do que mulher neste momento —
digo, frustrado por ainda não termos terminado. — Estou
surpreso que você ainda possa sentir alguma coisa.
— Você é um idiota — ela retruca, me empurrando.
— Ei, ei, ei! — Cliff fica entre nós enquanto ela cerra o
punho como se estivesse prestes a me atacar. — Isso não está
acontecendo. Você está frustrada? Muito bem. Arranjem um
quarto e estraguem os miolos uns dos outros. Mas isso? Oh,
não, não, não... não vai rolar.
— O que precisa rolar é um pouco de desintoxicação — eu
digo. — Só aconselhando.
— Enfie seu julgamento na sua bunda, Johnny — diz
Serena. — Só porque você se tornou um viciado completo não
significa que o resto de nós também. Estou bem. Então, por que
você não se preocupa com o quão fodido você é e me deixa em
paz!
Ela sai do set, chorando, e as filmagens são adiadas –
oficialmente, porque Serena Markson está indisposta.
Extraoficialmente? Acontece que sou um idiota antipático.
Eu passo minhas mãos pelo rosto.
— Esse dia pode ficar pior?
— Nunca diga isso — diz Cliff. — Porque assim que você
disser isso, vai piorar.
— Não acho que isso seja possível.
— Olha, dê um tempo para ela se acalmar — diz ele. — Dê
a ela tempo para cair em si. Voltaremos amanhã com a cabeça
limpa.
Vou para o guarda-roupa, tirando o traje, grato por estar de
volta em jeans e camiseta. Não fico esperando depois de me
trocar, porque tenho certeza de que não vou na limusine de
volta ao hotel com Serena, então peço um carro e passo pela
multidão para encontrá-lo na esquina, não querendo esperar
que ele passe pela segurança. Algumas pessoas me alcançam.
Assino alguns autógrafos, mas recuso pedidos de fotos, câmeras
suficientes estão piscando na minha cara.
Eu odeio a porra dos paparazzi.
Estou na esquina, esperando. O carro está a um minuto de
distância. Eles estão me atirando com perguntas pessoais que
eu faço o meu melhor para ignorar – embora, queira dar um
soco em um deles quando pergunta sobre meu pai.
— Foda-se — murmuro baixinho.
— O que você disse? — o paparazzi pergunta.
— Eu disse foda-se.
Ah, isso vai ser um inferno de uma frase de efeito.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, há gritos nas
proximidades, um grupo de fãs correndo em minha direção.
Merda. As pessoas estão empurrando, empurrando, enquanto
a multidão se aproxima de mim, fãs tentando passar pelos
idiotas com câmeras que continuam abafando-os com suas
perguntas imprudentes. Ninguém está vendo o que estão
fazendo, e estou perdendo a calma. Rápido. Eu não posso nem
encontrar meu maldito carro na rua sem esse caos. Assino mais
algumas coisas que são enfiadas na minha cara e tento me
acalmar, mas esses idiotas fazem de tudo para me antagonizar.
As filmagens valem mais quando perco a calma.
O mesmo cara que perguntou sobre meu pai tenta se
aproximar, para obter um ângulo melhor, empurrando uma
garotinha. Ela tropeça e eu a pego, agarrando-a pelo braço. Ela
não pode ter mais de treze ou quatorze anos. Isso me irrita.
— Cai fora antes que você machuque alguém — digo,
empurrando o cara para longe, só para conseguir algum
maldito espaço, mas parece desencadear pânico na multidão.
Alguns tentam se dispersar, e aquela jovem se esquiva para a
rua, porque não há outro lugar para onde ela possa ir. Merda.
Ela nem olha. Os faróis a engolem. Uma buzina soa. Eu posso
ver o horror em seus olhos.
A garota congela.
Não.
É instintivo. eu nem penso. Ela congela e meus pés se
movem. Eu saio correndo para a rua e agarro a garota
novamente, empurrando-a de volta para a calçada. Ela bate na
multidão, perdendo o equilíbrio, mas não tenho chance de
garantir que ela não seja pisoteada. Eu me viro e o carro está
bem ali, pneus cantando, freios cantando...
BAM.
Tudo parece estar em câmera lenta. Meu cérebro não
registra o que acontece imediatamente. Flashes me cercam
enquanto eu voo para trás e então – puta merda – dor. É como
um choque, cada terminação nervosa do meu corpo gritando
enquanto eu bato no asfalto.
Escuridão. Estou piscando, mas não consigo distinguir
muito. As pessoas estão gritando ao meu redor. Minha cabeça
está latejando. Suas palavras estão vibrando dentro do meu
crânio e eu quero que todos calem a boca. Luzes e sirenes da
polícia, câmeras de paparazzi piscando, gritos de pânico de
alguém. Tento me sentar, mas algo quente escorre pelo meu
rosto, encharcando minha camisa branca.
Eu olho para baixo. Sangue.
A vista me deixa tonto. Uau. Minha visão fica preta e então
Cliff está lá. Eu o ouço antes de vê-lo, ouço sua voz gorjeada
antes de seu rosto me cumprimentar.
— Calma, Johnny. Não se mova. A ajuda está chegando.
Ele parece preocupado.
Eu não estava preocupado.
Eu não estava... até que olhei para ele.
— Ela está bem? — Eu pergunto, meu peito doendo.
— Quem? — ele pergunta.
— A menina — digo. — Ela estava na rua. Havia um carro
vindo. Não sei. Ela está…?
— Todo mundo está bem — diz ele, olhando ao redor antes
de se voltar para mim. — Eles estão assustados, mas ninguém
mais está sangrando. O que você estava pensando?
— Que ela ia ser atropelada por um carro.
— Então você tomou o lugar dela? Jesus, Johnny, você está
levando esse negócio de super-herói pra um lado muito pessoal.
Sorrio disso. Isso dói.
Fecho os olhos e cerro os dentes.
Onde está a maldita ajuda?

◈◈◈

Você é sortudo.
Foi o que o médico me disse.
É o seu dia de sorte.
Mas enquanto estou deitado na cama branca do hospital no
quarto escuro privado, cercado por pessoas que não me
importo de olhar, com segurança postada em cada esquina
enquanto os telefones tocam e tocam e tocam, eu não me sinto
muito sortudo. Este dia tornou-se inimaginavelmente pior.
Concussão grave. Laceração na têmpora. Pulso direito
quebrado. Costelas machucadas. Além de uma série de cortes e
arranhões, inchaço em lugares que não estão felizes com essa
merda, isso é tudo o que parece estar errado comigo.
Então, talvez eu tenha sorte, mas as vozes ao meu redor
agora não pensam assim.
Meu empresário, um executivo de estúdio, o diretor de
cinema e um monte RP’s nesse pesadelo. Meu advogado está
aqui em algum lugar. Lembro-me de tê-lo visto antes. Eles estão
preocupados com ações judiciais e cotações de seguros e como
isso afetará a produção, mas estou mais preocupado com essa
sensação fluindo em minhas veias no momento. Porra. É o
meio da noite, e minha cabeça está girando, meu estômago
enjoado. Estou inquieto. Minhas pernas continuam
formigando e sinto que estou começando a flutuar para fora do
meu corpo.
Qualquer droga que eles estejam injetando no meu soro é
forte.
Muito forte. Estou ficando dormente.
Faz muito tempo que não sinto nada.
Eu pressiono o botão de chamada, repetidamente, até que a
enfermeira irrompe, empurrando a multidão de ternos para
chegar à cama. Cliff se afasta dos outros, aproximando-se.
— Seja lá o que for isso — eu digo, apontando para as bolsas
de soro —, preciso parar.
— A morfina? — a enfermeira pergunta confusa, colocando
a mão no meu ombro. — Querido, você vai querer isso. Vai
sentir dor sem ela.
— Eu posso lidar com a dor — eu digo. — Não tenho tanta
certeza sobre as drogas.
Ela parece ainda mais confusa agora, então Cliff entra na
conversa.
— Sr. Cunning está em recuperação, então qualquer coisa
boa é problemática, se me entende.
— Ah, bem, vou falar com o médico — diz ela. — Vamos
ver o que podemos fazer.
Eu fecho meus olhos enquanto ela corre para longe.
Arrependimento me atinge, segurando firme, uma voz em
minha mente dizendo você cometeu um erro, mas isso é o viciado
em mim gritando, o patético filho da puta que se excita com a
dormência. Isso começa no esquecimento. Mas caramba, a
sensação é boa.
Talvez eu aprecie por um tempo.
Abro os olhos novamente quando Cliff me cutuca,
segurando seu Blackberry, e olho para a tela, lendo a manchete
de uma notícia.
Quando a Ficção Encontra a Realidade
Ator super-herói salva garota

Não leio mais.


— Você vai ficar fora por um tempo — diz Cliff. — Eles vão
reorganizar as filmagens, fazer o que puderem sem você lá. A
produção espera voltar com você em algum momento antes do
verão.
Verão. É quase primavera agora.
— O que devo fazer até lá?
— Vá com calma com essa bobagem de super-herói, para
começar. Tire férias. Vá sentar em uma praia em algum lugar
cercado por mulheres bonitas. O importante é descansar.
Relaxar. Se recuperar. Quando foi a última vez que você se
divertiu?
— Diversão. — Eu considero isso. — Pular na frente de um
carro conta?
“Reunião do Clube ‘Fodam-se os Clubes’”

Kennedy Garfield

Não há muita diversão na Fulton Edge – a menos que sua ideia


de diversão seja política. Mas uma vez por semana, nas tardes de
sexta-feira, eles têm reuniões do clube, que são um pouco
menos chatas do que ficar sentado nas aulas.
Clube de Teatro. É onde você sempre vai. Eles se reúnem no
auditório da escola, apenas duas dúzias de pessoas em uma sala
destinada a centenas.
A reunião já começou quando você entra. Não que isso
importe, já que eles não estão fazendo nada além de discutir.
Você fica parado no corredor, olhando para eles espalhados
pelo palco. O debate é qual produção apresentar este ano –
Macbeth ou Júlio César.
Você se afasta deles, prestes a sair, quando avista alguém
espreitando no fundo do auditório. É ela. A garota nova. Ela
não está prestando atenção na reunião. Em vez disso, está
lendo.
Já passaram algumas semanas no ano letivo, mas esta é a
primeira vez que ela aparece no auditório. Curioso, você se
aproxima, deslizando para um assento próximo, deixando o
que está entre vocês vazio. Ela está lendo uma história em
quadrinhos. Isso te pega de surpresa. Em Fulton Edge, você
meio que espera ver cópias de Atlas Shrugged.
— Não vi você aqui antes — você diz. — Hastings recrutou
você para que ele tenha pessoas suficientes para sua punheta
anual de Shakespeare?
Ela ri, olhando para você. Provavelmente pode contar nos
dedos o número de vezes que viu a garota sorrir. O riso tem sido
ainda mais raro. Ela aparece todos os dias, fica de cabeça baixa
e faz o que for preciso, sempre a primeira que chega e a última
que se vai. Mas você pode dizer que ela não está feliz, talvez até
mais infeliz do que você, quando odeia tanto estar aqui que se
há uma chance de não estar aqui, você pega e corre.
Você já perdeu seis dias de aula em pouco mais de um mês.
Eles multam seu pai por sua evasão escolar, mas por outro lado,
deixam você escorregar.
— Já experimentei todos os outros — diz ela. — Eu sou
péssima no xadrez. A equipe de debate foi um desastre, o clube
do livro estava lendo algo escrito por um fascista, e acontece
que o “clube de escrita” está escrevendo cartas para o
Congresso, então…
— Então aqui está você.
— Aqui estou — diz ela, segurando seu quadrinho. —
Fazendo meu próprio clube.
— Ah, o bom e velho clube “fodam-se os clubes” — você diz.
— Estou tentado a começar isso todo ano quando esses idiotas
começam a brigar.
— Você é bem-vindo para se juntar a mim — diz ela. —
Pode não ser muito divertido, mas não pode ser pior, pode?
— Não, não pode — você diz, apontando para o palco. —
Se toda essa coisa de atuar não der certo, eu posso aceitar isso.
Um plano alternativo é sempre bom.
O Clube de Teatro escolhe Júlio César… pelo quarto ano
consecutivo… e a discussão muda para quem fica com qual
papel. Hastings, o líder autonomeado do clube, insiste em ser
César. Ele é um típico garoto rico, o neto de cabelos escuros e
olhos azuis de um advogado de Watergate. Ele quer ser o herói.
Ele faz uma careta quando alguns dos outros discordam,
sugerindo que você faça isso.
— Você é muito popular com o público do teatro — diz ela,
parando quando Hastings o chama de “na melhor das
hipóteses, um amador”. — Bem, com a maioria deles.
— Eu interpretei César três anos seguidos — você diz. —
Além disso, sou o único aqui com uma página no IMDb.
Seus olhos estão colados em seu rosto.
— Você é um ator de verdade?
— Na melhor das hipóteses, um amador — você brinca. —
Eu tive alguns papéis menores. Interpretei um garoto morto
uma vez em Law & Order.
— Uau — ela diz. — Lembre-me de pegar seu autógrafo
mais tarde.
Você ri dela, inexpressivo.
— Principalmente, fiz teatro local. Comecei a ter aulas de
teatro assim que eu tinha idade suficiente. Não fiz nada
ultimamente, porém, a menos que isso conte.
As palavras parecem estar saltando de seus lábios, como se
falar com ela fosse natural.
— Isso conta — diz ela.
— Será? — você pergunta, e está falando sério sobre isso. —
Eu ainda sou um ator se não tiver uma audiência?
— Um escritor ainda é um escritor se ninguém lê o que
escreveu?
Você considera isso. A discussão no palco está cada vez mais
alta, quase ao ponto de chegar às vias de fato. Isso te diverte, por
um lado, mas principalmente te enche de uma sensação de
tristeza por ser isso que você espera. Sua arte é reduzida a uma
briga sobre quem será o herói em uma produção do ensino
médio. Seus sonhos sempre foram muito maiores do que isso.
— Eu deveria intervir — você diz, se levantando —, antes
que alguém faça algo estúpido e nos prendam.
— Bem, se isso acontecer, o clube “fodam-se os clubes” está
aqui.
— Certifique-se de segurar meu lugar — você diz a ela antes
de subir no palco para dizer: — Sabe, eu prefiro ser Brutus este
ano.
— Tem certeza? — Hastings pergunta.
— Absolutamente. — Você o cutuca bem no meio do peito
com o dedo indicador, com força suficiente para que ele dê um
passo para trás. — Seria um prazer ser aquele que te derruba.
Os outros dividem o resto das partes. Eles levaram tanto
tempo para tomar decisões que não há tempo para obter os
roteiros hoje. Você tem a coisa toda memorizada, no entanto.
Assim como Hastings. Vocês dois cospem falas para frente e
para trás um pouco, as coisas esquentando.
A garota continua sentada no fundo do auditório, não
lendo mais sua história em quadrinhos. Ela observa cada
movimento seu, absorvendo cada sílaba. Você tem uma
audiência hoje, enquanto atua com todo o seu coração, e ela
está cativada.
Quando o dia termina, as pessoas vão embora, mas você não
tem pressa. Caminha pelo corredor até onde a garota ainda está
sentada. Ela observa você se aproximar e diz:
— Se o que acabei de testemunhar é alguma indicação, você
pode ter sido o melhor garoto morto que Law & Order já viu.
Você se senta com ela, rindo. Não há espaço entre os dois
agora.
— Era uma história de “pais são monstros atrás de portas
fechadas”. Eu tinha um punhado de falas. Eu tinha cinco anos.
— Uau — ela diz. — Quando eu tinha cinco anos, não
conseguia nem lembrar como soletrar meu próprio nome, e
você já estava memorizando diálogos.
— Ah, bem, tenho uma boa memória — você diz. — Além
disso, é mais fácil quando as coisas são relacionáveis.
Você não detalha.
Ela não pergunta o que você quer dizer com isso.
Ela está mexendo em sua revista em quadrinhos, folheando
as páginas. O silêncio os cerca, mas não é estranho. Ela está
nervosa, porém – nervosa sentada tão perto de você.
— Então, gosta de histórias em quadrinhos? — Você
arranca a revista da mão dela. — Breezeo.

Breezeo: Ghosted
Edição nº 4 de 5

— Você leu isso? — ela pergunta.


— Nunca ouvi falar — você diz, folheando a coisa. —
Parece uma merda.
Ela pega o quadrinho de volta.
— Como você ousa! Blasfemo.
— Ok, tudo bem, retiro o que disse. — Rindo, você pega a
revista em quadrinhos novamente. Ela relutantemente a solta.
— Então, o que, ele é algum tipo de super-herói?
— Algo assim — diz ela. — Ele era um cara normal, mas
pegou um vírus experimental que o está fazendo desaparecer.
— Como um fantasma — você diz, olhando para as fotos.
— Sim, então ele está apenas fazendo o que pode para salvar
a garota que ama enquanto tem chance.
— Hum, deixe-me adivinhar, eles encontram uma cura e
vivem felizes para sempre?
— Ainda não acabou. Ainda resta mais uma edição.
— Mas você tem as outras?
— Sim.
— Traga-as para mim — você diz. — Deixe-me lê-las.
Ela lhe dá um olhar horrorizado.
— Por que diabos eu faria isso?
— Porque estamos no clube “fodam-se os clubes” juntos.
— Você não se juntou.
— Eu ainda posso.
Ela revira os olhos enquanto se levanta para sair. Você a
acompanha até a frente da escola. Quase todos se foram,
restando apenas um punhado de alunos. Um Honda marrom
está estacionado ao lado direito da entrada circular, um homem
se aproxima do prédio.
Ela fica tensa, os pés parando, quando ela o nota.
— Pai! Você está adiantado.
— Achei que você gostaria de não ter que sair aqui na sexta-
feira — diz o homem, sorrindo até que seu olhar se desloca para
você, de pé terrivelmente perto de sua filha. Seus olhos se
estreitam enquanto ele estende a mão para se apresentar. —
Michael Garfield.
— Jonathan — você diz, apertando a mão dele, deixando
por isso mesmo, mas é uma omissão inútil.
— Cunningham — seu pai diz. — Sei quem você é. Eu
trabalho para o seu pai. Não sabia que você conhecia minha
filha, no entanto. Ela não mencionou isso.
A desaprovação é evidente em cada sílaba dessas palavras.
Você tem uma reputação com as pessoas que trabalham para
seu pai, e não é boa.
— Você sabia que ele estava aqui, pai — ela resmunga, o
rosto ficando vermelho de vergonha por ele estar fazendo isso
acontecer. — É uma escola pequena.
Você não diz nada enquanto ela arrasta o pai para longe. Ela
está prestes a subir no banco do passageiro do carro dele
quando você dá um passo à frente, chamando por ela.
— Ei, Garfield...
Ela para, virando-se para você.
Seu pai olha por trás do volante.
— Você esqueceu isso — você diz, segurando sua revista em
quadrinhos.
Ela a pega, mas você não solta imediatamente, hesitando
quando ela diz:
— Por favor, não me chame assim. Me chame de qualquer
coisa, menos isso.
Você solta seu aperto, e ela lhe dá um sorriso antes de entrar
no carro e sair, levando sua revista em quadrinhos.
Você não sabe disso, mas aquela garota? Ela recolhe seus
quadrinhos Breezeo assim que chega em casa. Todas as
quatorze edições em todas as três histórias – Transparent,
Shadow Dancer e Ghosted. Ela passa o fim de semana relendo-
os, só para que ainda estejam frescos em sua memória, então
quando os leva para a escola para você pegar emprestado, ela se
lembra de cada linha.
Capítulo 5
Kennedy

“No noticiário do entretenimento, a estrela de Breezeo, Johnny


Cunning, se envolveu em um acidente ontem à noite em
Manhattan…”
Estou a meio caminho da cozinha quando essas palavras me
atingem, meus passos parando. Eu me viro, olhando para a
televisão do outro lado da sala, pensando que devo ter ouvido
errado, mas não... lá está ele, com a filmagem de algum tapete
vermelho, seu rosto sorridente na tela, olhos injetados olhando
através de mim.
“O ator de 28 anos foi atropelado por um carro perto do set de
seu último filme. Testemunhas oculares dizem que Cunning
entrou no trânsito durante uma briga com os paparazzi.”
Eu me aproximo da TV enquanto a imagem na tela muda,
um vídeo das consequências passando. A primeira coisa que
vejo é sangue escorrendo pelo rosto. Ele está alerta, no entanto.
Ele está vivo. O alívio que inunda meu corpo quase dobra meus
joelhos.
“Um porta-voz do ator disse que ele está estável e de bom
humor. As filmagens do filme foram temporariamente
suspensas enquanto Cunning se recupera de seus ferimentos.”
— Mamãe?
No segundo em que ouço a voz de Maddie, pressiono o
botão para desligar a TV, esperando que ela não tenha visto. Eu
me viro para ela, minhas esperanças desfeitas imediatamente.
Ah, droga. Ela parece chocada.
— Sim, querida?
— Breezeo está bem?
— Claro — eu digo, dando-lhe um sorriso. — Ele sofreu um
pequeno acidente, mas vai ficar bem.
— Você quer dizer como se ele estivesse doente?
— Algo assim — digo.
Sua expressão muda quando ela pensa sobre isso, seu rosto
se iluminando.
— Eu posso fazer um cartão para ele!
— Hum, sim, você pode — eu digo, não deixando meu
sorriso vacilar. — Tenho certeza de que podemos encontrar
um endereço para enviá-lo.
Sua agência aceita cartas de fãs para ele. Tenho certeza de
que ele não abre pessoalmente, então não há mal nenhum em
enviar algo, se isso a fizer se sentir melhor.
Maddie corre para o quarto dela para trabalhar em alguma
arte enquanto eu me ocupo fazendo o jantar, ligando meu
velho laptop de merda enquanto uma pizza congelada assa. Pela
primeira vez em mais de um ano, digito seu pseudônimo na
barra de pesquisa.
Respiro fundo quando os resultados aparecem. Fotos e
fotos – uau, tantas fotos – junto com um vídeo do acidente.
Meu coração aperta enquanto olho para ele. Aperto o play e
assisto. Trinta segundos. Prendo a respiração, esperando o pior
dele – bêbado cambaleando no trânsito sem se importar com
sua vida, talvez. Mas em vez disso, eu o vejo empurrar um
homem, dizendo-lhe para recuar quando uma garota é pega
entre eles. A garota vai para a estrada, e seus reflexos são rápidos,
tão rápidos, quando ele a agarra e a empurra de volta para a
calçada antes...
Encolhendo-me, eu fecho o laptop no segundo em que o
carro o atinge. Ele salvou aquela garota de ser atingida.
Eu sento em silêncio, atordoada. Meu nariz começa a se
contorcer, o cheiro de algo queimando faz cócegas em minhas
narinas. Leva um momento – um momento muito longo –
antes que meus olhos comecem a arder e eu finalmente
entenda. Jantar.
Corro para o forno, desligando-o, e abro a porta. O detector
de fumaça começa a tocar e eu faço uma careta, afastando a
fumaça. A pizza está carbonizada.
— Mamãe, o que está fedendo? — Maddie pergunta,
entrando na cozinha com uma pilha de papel e sua caixa de giz
de cera, o nariz franzido.
— Tive um pequeno contratempo — digo, olhando para a
pizza queimada. — Talvez a gente peça uma pizza para entrega.
— E asinhas de frango! — ela declara, subindo em uma
cadeira na mesa. — E pães também!
— Pizza, asas e pão de alho – entendi.
Pego o telefone e ligo para a pizzaria mais próxima, pedindo
a exigência inteira. Não posso me dar ao luxo de ostentar, mas
porquê não, certo?
Depois de desligar, sento com ela, olhando para o papel
enquanto ela desenha Breezeo. Ela é boa. Talentosa. Ela
poderia ser uma artista. Poderia ser qualquer coisa que ela
quisesse.
Eu sei, porque ela não é apenas minha filha.
O sangue dele flui em suas veias também.
Ele era o sonhador. O feitor. O crente.
Quando ele não estava chapado, quando não estava bêbado,
quando não estava tão ferrado, eu via algo nele, algo que vejo
quando olho para Maddie. Os dois têm a mesma alma, vivem
com o mesmo coração.
E isso me assusta muito.
— Mamãe, que tipo de doença o Breezeo tem? Aonde dói?
— Hum, eu não tenho certeza — digo. — Em várias partes,
talvez. Johnny – você sabe, o cara de verdade que interpreta
Breezeo – foi ferido por um carro quando estava ajudando uma
garota.
— Mas ele vai melhorar?
Ela olha para mim, seus olhos cautelosos.
Ela está preocupada com seu herói.
Eu tentei explicar a diferença entre a realidade e os filmes,
para prepará-la, apenas no caso, mas não tenho certeza se ela
entendeu.
— Ele vai melhorar — digo a ela. — Não se preocupe,
querida.

◈◈◈

— Eu só... não posso acreditar nisso — diz Bethany, de pé ao


meu lado no corredor enquanto reabasteço os produtos
enlatados. Ela está encostada na prateleira, o nariz enterrado na
última edição do Hollywood Chronicles. A coisa toda é dedicada
a Jonathan.
História após história, especulações e teorias. Drogas.
Álcool. Talvez ele estivesse se sentindo suicida. Não tenho
interesse em ler essas bobagens, mas Bethany insiste em contar
cada detalhe minucioso durante o intervalo para o almoço.
— Sabe, você deveria pagar por isso antes de ler — digo a ela.
— Isto não é uma biblioteca.
Ela revira os olhos, virando a página.
— Você parece minha mãe quando diz isso.
Eu faço uma cara.
— Não sou tão velha.
— Você soa como se fosse.
— Tanto faz — murmuro. — Estou apenas dizendo…
— Você está dizendo para guardar ou calar a boca. — Ela
fecha a revista enquanto finge refletir. — Eu já li o máximo que
posso aguentar, de qualquer maneira. Quem compra essa
porcaria?
Ela gosta, eu acho. Eu a vi comprando cópias.
Ela fica quieta por um momento enquanto eu trabalho
antes de perguntar:
— Você não acredita em nada disso, acredita?
— Acreditar no que?
— Qualquer coisa — diz ela, acenando com o papel.
— Acho que minha opinião não importa muito.
— Mas no que diz respeito a Johnny Cunning, tudo é
possível, certo?
Eu viro meus olhos para ela quando ela joga minhas próprias
palavras para mim.
— Certo.
Ela franze a testa, derrotada, e volta ao seu caixa.
Termino o que estou fazendo, tentando tirar tudo da minha
mente. Quando chega três horas, eu saio, pegando alguns
mantimentos e indo para o caixa. Eu tenho que estar de volta
aqui em uma hora para o inventário, dando-me tempo
suficiente para ver Maddie depois da escola e acomodá-la na
casa do meu pai. Eu pago e estou prestes a sair quando noto a
revista Hollywood Chronicles dobrada ao lado do caixa de
Bethany, significando que ela comprou.
— Olha, você conheceu Johnny Cunning, certo? — Eu
pergunto. — E ele foi legal com você?
— Sim.
— Então isso é tudo o que importa, não é? O que quer que
esse lixo diga sobre ele ser horrível, você se sentiu diferente. Não
deixe um cara sentado atrás de um computador escrevendo
histórias sensacionalistas mudar o que você acredita.
Ela sorri.
Eu não demoro.
Eu tremo, honestamente.
Como que para piorar o momento para mim, Believe da
Cher começa a tocar no rádio do supermercado, e acho que é
minha deixa para ir embora. A trilha sonora da minha vida
precisa de uma atualização séria. Entrando no meu carro, eu
dirijo para a casa do meu pai, parando em sua garagem quando
o ônibus escolar chega. Meu pai está sentado na varanda da
frente em sua cadeira de balanço enquanto olha para a
vizinhança.
— Ah, aí está minha garota! — ele diz, ficando de pé,
mantendo os braços abertos. Maddie corre para ele para um
abraço, arrastando sua mochila pelo chão.
— Adivinha só, vovô! — ela diz, não dando a ele tempo para
adivinhar antes de continuar. — Eu vi que Breezeo ficou
doente em um acidente, então mamãe me disse que eu poderia
fazer um desenho para ele!
Os olhos do meu pai se arregalam quando me lança um
olhar.
— Eu disse a ela que encontraríamos um endereço e
enviaríamos para ele — explico. — Você sabe, como cartas de
fãs.
— Faz sentido.
— Você quer desenhar um, vovô? — Maddie pergunta. —
Aposto que o meu seria melhor, mas você pode tentar também.
Ele faz uma careta para ela.
— O que faz você pensar que o seu seria melhor?
— Porque eu sou melhor em desenho — diz ela. — Você
também é bom, mas mamãe não sabe desenhar.
— Ei — digo defensivamente. — Eu posso desenhar
algumas estrelas muito legais.
Maddie revira os olhos dramaticamente, certificando-se de
me mostrar, anunciando:
— Isso não conta! — antes de caminhar para dentro.
— Você ouviu a garota — meu pai diz, sorrindo e me
cutucando quando me junto a ele na varanda. — Suas estrelas
não contam, garota.
Depois que eu acomodo Maddie, sanduíches feitos para ela
e meu pai enquanto eles se agacham na mesa da cozinha com
papel e giz de cera, uma torta de creme de chocolate fresca sobre
o balcão (não pense que eu não notei), pressiono um beijo no
topo de sua cabeça.
— Eu tenho que voltar ao trabalho, querida. Vou vê-la hoje
a noite.
Está começando a chuviscar quando saio. Argh, o que é isso
com toda essa chuva ultimamente? Puxando minhas chaves,
saio da varanda quando sinto movimento. Eu me viro na
direção do meu carro, meus passos parando abruptamente.
Meu coração cai na ponta dos pés, meu estômago dá um nó.
Perco o fôlego naquele instante, pega de surpresa quando vejo
o rosto familiar. Oh Deus. Tudo em mim diz corra... corra...
corra... fuja enquanto tem chance... mas não consigo nem me
mexer.
Ele está vestindo jeans e uma camiseta preta, um chapéu na
cabeça. Uma jaqueta de couro preta está pendurada sobre seus
ombros, seu braço direito enfiado em uma tipoia. Sua pele está
machucada e ferida, mas é ele.
Jonathan Cunningham.
Ele está usando óculos escuros, então não posso ver seus
olhos, mas posso sentir seu olhar arranhando minha pele. Ele
não fala, parecendo tão tenso no momento quanto eu me sinto.
Minhas entranhas estão se contorcendo. Meu peito dói quando
inalo bruscamente.
— Ei — ele diz depois de um momento de silêncio tenso,
essa simples palavra é o suficiente para me deixar tonta.
— O que você quer? — Eu pergunto, poupando uma
saudação, minha voz mais áspera do que eu queria que fosse.
— Eu só pensei… — Ele olha para trás de mim, para a casa.
— pensei que talvez…
— Não — digo, essa palavra voando dos meus lábios.
Ele suspira, seu peito subindo e descendo enquanto ele
abaixa a cabeça.
— Podemos pelo menos conversar?
— Você quer conversar.
— Apenas uma conversa — diz ele. — É tudo o que estou
pedindo. Apenas um minuto do seu tempo.
— Conversar.
— Sim.
Grande parte de mim quer dizer não novamente. A
amargura que se enraizou profundamente em mim anseia por
dispensá-lo. Mas não posso, por mais que ache que queira... não
posso dizer não sem ao menos ouvi-lo. Porque isso não é sobre
mim, independentemente de quão pessoal tudo pareça. É sobre
aquela garotinha dentro de casa, derramando sua alma em um
desenho para um homem que ela ainda acha que é um herói.
— Por favor? — ele pergunta, encorajado pelo meu silêncio,
pelo fato de eu não ter dito a ele para sair ainda. — Tenha pena
de um cara machucado?
— Você quer minha pena?
— Eu quero qualquer coisa que você esteja disposta a me
oferecer.
— Olha, não posso fazer isso agora — digo, saindo da
varanda e indo para a passarela. — Vou me atrasar.
— Então depois — diz ele. — Ou amanhã. Ou no dia
seguinte. Quando você decidir. Quando for bom para você. Eu
estarei lá.
Eu estarei lá. Quantas vezes desejei ouvir essas palavras? Eu
nem sei se ele quis dizê-las.
Eu me aproximo lentamente, parando ao lado do meu carro,
apenas alguns metros separando nós dois.
— Eu saio do trabalho esta noite às nove. Se você tem algo a
me dizer, pode dizer então, mas por enquanto…
Ele dá um passo para trás, assentindo.
— Você precisa que eu vá embora.
— Por favor.
Eu passo por ele, sentando no banco do motorista do meu
carro, observando pelo espelho retrovisor enquanto ele hesita
antes de ir embora. Ele sai a pé, seus passos lentos. Eu não sei de
onde ele veio. Não sei para onde ele está indo. Não sei o que ele
espera de mim.
Não sei por que meu coração está acelerado.
Não sei por que sinto vontade de chorar.
Eu dirijo para o trabalho depois que ele sai e chego alguns
minutos atrasada, mas ninguém diz nada sobre isso. Estou
perdida em minha cabeça, distraída, imaginando o que ele está
fazendo e o que ele poderia estar planejando dizer. Não tenho
certeza se existem palavras que podem melhorar isso, mas há
algumas que podem piorar as coisas.
— Kenney!
Estremeço e me viro para o som da voz de Bethany na porta
do almoxarifado.
— O que?
— Estou aqui falando com você há cinco minutos e você
nem estava ouvindo. — Ela ri. — De qualquer forma, só queria
dizer boa noite.
— Saindo cedo esta noite?
— Mais tarde.
— Eu pensei que você sairia às nove?
— Eu saí — diz ela, olhando para o telefone que começa a
tocar. — Bem, minha carona está aqui, então estou fora!
Confusa, olho para o relógio. São quase nove e meia. Perdi
a noção do tempo. Empurrando tudo de lado, eu saio, evitando
conversar com Marcus. Preciso voltar para a casa do meu pai
antes que Jonathan apareça.
A meio caminho do meu carro, meus passos vacilam
quando o vejo. Ele está aqui. Jonathan está empoleirado no
capô do meu carro no estacionamento escuro, a cabeça baixa, o
boné protegendo o rosto da vista.
Ele ainda não me viu. Eu me aproximo, estudando-o
enquanto o faço. Se você quiser ver as verdadeiras cores de
alguém, dê uma olhada em quem eles são quando pensam que
estão sozinhos.
Ele está inquieto, não consegue ficar parado. Nervoso, eu
acho. Ansioso. Ou talvez ele esteja apenas bêbado. Estou quase
bem na frente dele quando ele finalmente percebe. Ele fica
tenso enquanto se levanta.
Sem óculos de sol desta vez, mas ele não está encontrando
meu olhar.
— Como você sabe onde eu trabalho?
Seus olhos baixam, como se ele estivesse cobiçando meu
peito, então olho para baixo e reviro os olhos para mim mesma.
Uniforme de trabalho. Dã. Eu sou um anúncio ambulante do
Piggly Q2.
— Eu provavelmente não deveria ter aparecido aqui, mas
estava preocupado que você tentasse me evitar — ele admite.
— Que iria me dar um fora.
— Então você não ia me dar a chance?
Ele ri sem jeito.
— Acho que você pode dizer isso.
— Sim, bem, não sou eu. Eu disse que poderíamos
conversar, então aqui estou.
— Aprecio isso — diz ele, ainda inquieto, sua atenção no
estacionamento. — Eu, hum… eu realmente não achei que
chegaria tão longe. Achei que você me dispensaria
imediatamente, me expulsaria da cidade com o rabo enfiado
entre as pernas, como todas as outras vezes.
— Não faça isso — digo enquanto cruzo os braços sobre o
peito. — Não aja como se eu fosse o cara mau aqui.
— Não, você está certa, eu não quis dizer… — Ele suspira
enquanto para, esfregando a parte de trás do pescoço com a
mão esquerda. O silêncio apodrece entre nós por um
momento. Está tão quieto que posso ouvir grilos cantando ao
longe. — Você acha que podemos ir a algum lugar? Nos sentar
um pouco em algum lugar mais privado?

2
Cadeia de supermercados americana.
— Olhe para mim — digo, ignorando sua pergunta, porque
ele ainda não fez contato visual comigo. — Eu preciso que você
olhe para mim, Jonathan.
Ele não olha.
Em vez disso, senta-se no capô do meu carro, murmurando:
— Jonathan. Faz muito tempo que ninguém me chama
assim.
— Ah, certo — eu digo, destrancando a porta do lado do
motorista, porque não tenho coragem de ficar aqui e brincar
com ele. — Johnny Cunning. Quase esqueci que é quem você
é agora.
— Ainda sou a mesma pessoa — diz ele calmamente.
— E quem exatamente é esse? — Eu pergunto. — Estamos
falando sobre o filho do presidente Cunningham? O sonhador,
o crente, aquele que nunca deixou que nada o detivesse? Ou
talvez estejamos falando sobre o alcoólatra. Sabe, o viciado em
cocaína.
— Eu não faço mais isso.
— Por que eu deveria acreditar em você?
— Porque é a verdade. — Sua mão esquerda desliza em seu
bolso para tirar algo. Ela reflete as luzes do estacionamento
enquanto ele a segura – uma moeda de bronze brilhante, não
muito maior que uma moeda de 25 centavos.
Uma ficha de sobriedade.
Eu não sei o que dizer. Tudo fica quieto novamente. Meus
dedos roçam os dele quando a pego. É de metal sólido, um
triângulo gravado na face dela, o numeral romano I no centro
com “recuperação” escrito na parte inferior.
Um ano sóbrio.
— As pessoas viram você saindo de um bar na semana
passada.
— Isso não significa que bebi. Eu queria, mas não fiz. Eu
não vou. — Ele faz uma pausa, sua voz mais calma quando diz:
— Eu não posso.
Eu quero acreditar nele.
Eu queria poder.
Era uma vez, acreditei em tudo o que saía dos lábios desse
homem, mas é difícil dar algum peso às suas palavras depois do
que passamos.
— Então por que você não olha para mim? — Eu pergunto.
— Você diz isso, quer que eu acredite, mas nem me olha nos
olhos.
— Porque eu fodi as coisas com você — diz ele. — Sabe
como é difícil enfrentá-la agora? Sei que nada pode apagar o
que fiz, mas preciso que você saiba o quanto estou arrependido.
Desculpas.
Não é a primeira vez que ele se desculpa. Ele fez isso todas as
vezes. Mas ele estava confuso na época, sempre, e não tenho
certeza se ele está agora, porque a ficha de sobriedade pesa na
minha mão, mas seus olhos ainda não encontram os meus.
— Sinto muito pela maneira como te machuquei — diz ele.
— Desculpe por tudo o que fiz que nos levou a este ponto. E
eu entendo, sabe, se você me odeia. Não te culparia de forma
alguma. Mas eu só preciso te dizer... preciso que você saiba...
que mesmo quando eu estava completamente fodido, nunca
deixei de te amar.
Essas palavras arrancam o ar dos meus pulmões. Eu fecho
minhas mãos em punhos, a moeda de bronze cavando em
minha palma.
— Não espero que você acredite nisso. — Ele se levanta do
meu carro, seus olhos finalmente encontram os meus, e eles são
azuis brilhantes e tão claros, mas dura apenas alguns segundos
antes de seu olhar voltar para o chão. — Mas esse não é o ponto.
A questão é que não sou perfeito, mas estou fazendo o melhor
que posso. Eu não sei nada sobre ser pai, mas espero que você
me dê a chance de tentar. Amanhã... no dia seguinte... algum
dia... quando for, estarei lá.
Ele começa a se afastar com isso, como se tivesse dito tudo o
que podia e não tivesse mais nada a oferecer.
— Jonathan — eu chamo. — Sua ficha.
— Fique com ela.
— O que?
— Sei como estou. Eu não preciso de uma moeda para me
dizer, mas talvez você precise, então fique com ela.
Eu olho para a moeda no brilho da luz da rua, não sei o que
pensar. Eu não sei o que dizer. Eu não sei para onde ele está indo
ou quanto tempo ele realmente planeja ficar.
No momento, não sei de muita coisa, exceto que ele está
aqui, na minha frente, me contando tudo o que eu ansiava
ouvir há muito, muito tempo, e estou deixando ele ir embora
com se tudo isso não significa nada.
— Jonathan — eu chamo novamente.
Ele faz uma pausa e olha por cima do ombro para mim.
— Eu, ah... estou feliz que você esteja bem — digo. — Eu vi
sobre o acidente, sobre o que você fez, ajudando aquela garota,
e eu só... estou feliz que você esteja bem.
Ele sorri levemente, um sorriso familiar, cheio de tanta
tristeza.
— Vou ficar por aqui por um tempo, quieto na cidade. Vou
ficar no Landing Inn.
— O lugar da Sra. McKleski? — Eu pergunto. — Ela alugou
para você?
Uma risada leve escapa dele.
— Ela não ficou empolgada com isso, mas eu precisava de
um lugar privado. Foi preciso um pouco de convencimento e
um baita depósito de segurança para fazer com que ela
concordasse com isso.
— Imagino — eu digo, imaginando como a mulher deve ter
parecido quando ele apareceu, procurando um santuário.
— Então, é onde eu estarei — diz ele. — Se você procurar
por mim.
Ele não espera por uma resposta, mancando. É um pouco
mais de um quilômetro de onde eu trabalho para onde ele está
indo. Memórias da voz da minha mãe me incomodam, o anjo
no meu ombro, me dizendo que eu deveria ter lhe oferecido
uma carona, mas em vez disso, eu escuto o diabo, parecendo
muito com meu pai quando ele diz: “Nunca entre em um carro
com um estranho.”
Ainda não tenho certeza de quem ele é agora.

◈◈◈

Maddie está dormindo quando chego à casa do meu pai,


esparramada de costas no sofá. Meu pai está sentado à mesa da
cozinha, tomando uma xícara de café – descafeinado. Ele olha
para cima quando eu entro, os olhos me seguindo até eu cair
em uma cadeira em frente a ele.
Gizes de cera e papéis estão espalhados pelo tampo da mesa,
um envelope bem no centro de tudo, endereçado a “Breezeo”
em vermelho brilhante. O endereço do remetente diz Maddie
na casa do vovô. Não está lacrado, mas posso dizer que ela
tentou, um selo torto no canto, de cabeça para baixo.
Pego o envelope e puxo o papel mal dobrado, olhando para
ele. É um cartão de melhoras, as palavras escritas em maiúsculas
no topo, um desenho de rosto carrancudo de Breezeo abaixo
dele. Ela se desenhou ao lado dele, sorrindo, entregando-lhe o
que parece ser um buquê de flores amarelas, uma pequena
mensagem escrita abaixo.
Eu vi que você ficou doente em um acidente. Você deveria
melhorar! E deveria voltar porque mamãe diz que ninguém se
vai para sempre. Vai fazer você feliz e eu também. Amor,
Maddie
Suspirando, eu dobro o papel de volta, empurrando-o para
longe, colocando o envelope sobre a mesa. Meu pai está me
observando, ainda tomando seu café. Esperando por mim, eu
posso dizer. Ele provavelmente passou a noite inteira ajudando-
a a fazer isso, dizendo-lhe como soletrar todas as palavras.
— Jonathan apareceu esta noite — eu digo. — Queria
conversar.
— E você?
Enfio a mão no bolso para pegar a moeda que ele me deu,
deslizando-a sobre a mesa para meu pai. Ele a pega, soltando um
assobio baixo, um olhar peculiar piscando em seu rosto
enquanto se levanta. Orgulho. Isso provavelmente não deveria
me surpreender. Eu não deveria estar surpresa com nada disso,
mas estou.
Passeando pela cozinha, ele coloca sua xícara de café na pia
antes de se recostar no balcão, olhando para a moeda. Não
muito longe de onde ele está, um molho de chaves pendurado
em um gancho, uma moeda semelhante está afixada nele,
convertida em chaveiro. Vinte anos sóbrio.
Meu pai passou os primeiros anos da minha vida lutando
contra o álcool. Só tenho vagas lembranças daquela época. Ele
ficou limpo antes que fosse tarde demais para ser pai, ele sempre
dizia, e eu sei que é nisso que ele está pensando agora.
— Você está parecendo perdida de novo, garota — ele diz
enquanto eu começo a limpar a bagunça na mesa, empurrando
os gizes de cera de volta para a caixa.
— Estou me sentindo assim — admito.
Ele não me dá nenhum conselho. Eu nunca fui boa em ouvi-
los. Se eu tivesse seguido seu conselho anos atrás, nunca teria
acabado nessa situação. Mas não me arrependo, apesar de tudo,
e ele sabe disso. Independentemente do que aconteceu, Maddie
saiu disso, e ela vale cada momento de mágoa.
— Todos nós fazemos o que temos que fazer — meu pai diz,
colocando a moeda na mesa na minha frente. — Estou indo
para a cama.
— Obrigada — eu digo —, por ajudar Maddie.
— A qualquer hora — diz ele. — Minhas meninas são meu
tudo. Não teria outra maneira.
Capítulo 6
Jonathan

Há essa coisa sobre paparazzi – eles estão em toda parte.


Aeroportos, lojas, sentados do lado de fora das casas,
espreitando pelos corredores do hotel e observando os cenários.
Eu os peguei subindo em árvores para olhar nas janelas e
vasculhando sacos de lixo. Para que? Quem sabe? Mas é um fato
da vida para alguém como eu – eles estão sempre por perto,
sempre observando, e nove em cada dez vezes, eles são
malvados.
Estou em Bennett Landing há vinte e quatro horas. É a
primeira vez em muito tempo que passo um dia inteiro sem ser
emboscado. Mas quando passo pela porta de Landing Inn
depois das dez da noite, tenho a sensação intuitiva de que olhos
estão observando.
Olhando pelo saguão, vejo McKleski saindo da cozinha. Sua
expressão severa aponta na minha direção.
— Senhor Cunningham.
Eu aceno em saudação, evitando um estremecimento
quando ela me chama assim.
— Senhora.
— Está tarde — diz ela. — Você jantou?
Eu balanço minha cabeça.
— Bem, não espere que eu cozinhe para você — diz ela. —
Se quiser comer, apareça em uma hora decente.
— Sim, senhora — eu digo baixinho enquanto ela sai para
fazer o que quer que faça quando não está atendendo os
convidados, já que eu sou seu único. Convencê-la a me deixar
ficar aqui já foi difícil o suficiente. Quando ela percebeu que eu
estava alugando a pousada inteira, indefinidamente, o que
significava que ela não teria mais ninguém, ela quase me jogou
fora.
A única razão pela qual ela não fez foi porque eu pareço
patético.
— E mantenha o barulho baixo — ela grita. — Estou indo
para a cama.
— Sim, senhora — eu digo novamente, caminhando para a
cozinha. Eu não acendo a luz. Há brilho suficiente de algumas
luzes noturnas para eu ver para onde estou indo. Não comi
muito desde o acidente. Inferno, para ser honesto, não tenho
apetite há anos.
Abrindo a porta da geladeira, vejo um pequeno prato na
prateleira de cima, contendo alguns sanduíches, cobertos com
filme plástico. Um pedaço de papel está em cima, as palavras
“de nada” rabiscadas nele.
Agarrando um sanduíche, subo as escadas, dando uma
mordida no caminho, ouvindo McKleski gritar do quarto dela:
— Se tiver migalhas no tapete, você vai aspirar!
— Sim, senhora — murmuro enquanto balanço a cabeça,
ainda mastigando. Eu nunca fui de me preocupar com coisas
como carma, mas tenho uma sensação muito engraçada de que
estou sendo atingido por uma boa dose aqui.

◈◈◈

É manhã.
O sol está brilhando.
A luz brilhante se derrama pelas persianas abertas que
cobrem as janelas, fluindo pelas finas cortinas brancas,
aquecendo o quarto. Não durmo mais do que alguns minutos
aqui ou ali, cochilos curtos que pareceram meros segundos
enquanto meus olhos se fechavam, antes que a realidade me
despertasse de volta – a realidade de estar de volta a esta cidade,
a realidade de tê-la visto novamente.
Há uma batida na porta do quarto, mas eu ignoro. São
quase oito da manhã, muito cedo para eu lidar com qualquer
besteira que esteja na agenda de hoje. Outra batida, e então a
porta se abre. Eu coloco meu braço esquerdo sobre meus olhos
e solto um gemido quando McKleski entra.
— Você tem uma visita — diz ela.
— Ninguém sabe que estou aqui.
— Alguém sabe ou não estaria aqui para vê-lo, hein?
Ela sai, deixando a porta aberta. Fico em silêncio por um
momento antes de mover meu braço. Visita. Apenas uma
pessoa sabe que estou na cidade.
Kennedy.
Me colocando de pé, eu cambaleio para fora do quarto e
desço as escadas. Ela está de pé no saguão, vestida com um
uniforme de trabalho, parecendo nervosa. Ela olha para mim
quando percebe que estou aqui, um olhar em seu rosto que faz
meu peito parecer tão pesado. A desconfiança brilha em seus
olhos, sempre cautelosos agora, como se ela estivesse apenas
esperando.
Esperando que eu foda tudo.
Esperando que eu a machuque.
— Ei — eu digo, parando no vestíbulo na frente dela. — Eu
não esperava ver você de novo tão cedo.
— Sim, bem, você sabe — ela murmura, não terminando
seu pensamento, desviando o olhar e olhando ao meu redor,
como se estivesse procurando por algum tipo de saída.
— Você quer se sentar? — Eu ofereço, apontando para a
área de dentro, tenho certeza de que McKleski não se
importaria.
— Não, não posso ficar. Eu só tenho algo para lhe dar.
— Ok.
Ela fica ali, quieta por um momento, mordendo a parte de
dentro da bochecha como costumava fazer quando éramos
crianças. Crianças. Eu ainda penso em nós assim às vezes. Ou
bem, eu, de qualquer maneira. Ela cresceu rápido demais, mas
eu? Nunca parei de ser aquele garoto estúpido de dezoito anos
com pouca moral e grandes sonhos.
Enfiando a mão no bolso de trás, ela tira um envelope, com
giz de cera vermelho rabiscado do lado de fora.
Meu estômago revira.
— Isso é…?
Ela acena. Eu nem preciso terminar a pergunta.
Cuidadosamente, ela estende o envelope, sua voz suave quando
diz:
— Eu disse a ela que enviaríamos, mas já que você está aqui...
— Obrigado — eu digo, olhando para ele. É endereçado a
Breezeo. — Ela sabe…?
— Não — ela diz, entendendo o que eu não consigo
terminar. — Ela não sabe que você é o pai dela. Ela, hum... ela
acha que heróis são reais, não importa quantas vezes eu
explique que são apenas pessoas, e ela olha para você como se
fosse um deles. Ela é muito jovem para vê-lo de outra maneira.
E é por isso…
Ela se desfaz. Eu sei onde está indo. É por isso que é tão
difícil para ela me dar essa chance, porque se eu for qualquer
coisa menos que esse herói, isso vai esmagá-la. E eu sei que ela
não quer dizer isso no sentido teatral. Ninguém espera que eu
use o traje e fique invisível. Mas eu tenho um histórico incrível
quando se trata de decepcionar as pessoas.
— Eu entendo — digo. — E eu sei que é muito, pedir sua
confiança…
— Mas você não vai embora desta vez.
— Não.
Acho que isso pode irritá-la, eu empurrando esse tema, mas
ela solta uma respiração profunda, sua postura relaxando.
— Bem, eu deveria começar a trabalhar. Só queria resolver
isso.
— Ah, sim, tudo bem.
Depois que ela se foi, abro o envelope e tiro o pedaço de
papel, olhando para ele. Ela me desenhou uma foto. Eu leio
suas palavras e posso sentir meu peito apertando, meus olhos
queimando, mas caramba, estou sorrindo como um tolo. Não
consigo evitar.
— Você parece o gato que pegou o canário — diz McKleski,
aparecendo no vestíbulo, espionando.
— Sim, ela deixou isso — eu digo, acenando com o papel
para ela. — É de Madison.
— Ah, pequena Maddie — ela diz. — É um pouco difícil,
aquela garota, mas o que se poderia esperar? Olhe para os pais
dela.
“A Viagem de Campo para o Problema”

Kennedy Garfield

Ela lhe dá os quadrinhos em uma tarde de quarta-feira.


É depois da escola, e você está na frente, esperando que te
busquem, quando ela puxa a pilha grossa de quadrinhos de sua
bolsa. Ela os carrega consigo há três dias, reunindo coragem
para se aproximar de você.
Você está diferente esta semana. Ela sente isso. Você está
mais quieto, retraído – mas, de alguma forma, sua presença
parece maior do que nunca. Há raiva em seus olhos e tensão em
sua mandíbula. Você mal olhou para ela. Você mal olha para
ninguém.
Ela empurra os quadrinhos para você, e você os encara,
confuso. Um momento se passa antes que haja
reconhecimento. Você murmura:
— Obrigado.
É isso.
Você se foi um minuto depois.
Você não vem para a escola no dia seguinte.
Sexta à tarde, você aparece na hora do almoço. Entra pela
porta da frente da escola, sem se preocupar em fazer o check-in
no escritório. Passeia pelos corredores, contornando o
refeitório, em vez disso indo para a biblioteca, onde ela está. Ela
sempre passa a hora do almoço entre as pilhas altas de livros,
nunca comendo ou estando com outras pessoas.
Ela está sentada sozinha em uma longa mesa de madeira, o
nariz enterrado em seu caderno. Você se aproxima dela,
perguntando:
— O que você está escrevendo?
Imediatamente, ela fecha o caderno, deixando cair a caneta
em cima dele. Ela olha para você, sem responder a essa
pergunta.
Você deixa cair a pilha de gibis sobre a mesa. Sua atenção se
volta para eles quando ela pergunta:
— Você leu algum deles?
— Li todos eles — você diz, puxando a cadeira ao lado dela,
mas você não se senta nela. Não, em vez disso, você desliza para
cima da mesa, sentado lá com os pés de tênis plantados na
cadeira. Você não está usando os sapatos pretos que combinam
com seu uniforme. — Eles eram melhores do que eu esperava.
Estou meio chateado, tenho que esperar para ver como isso
termina.
— Agora você sabe como me sinto — diz ela, mexendo nos
quadrinhos, colocando-os em ordem. — Estou surpresa que
você os tenha lido.
— Eu disse que queria.
— Achei que você estava apenas brincando comigo.
— Por que eu faria isso?
— Porque é isso que todo mundo faz — diz ela. — Não sei
se você percebeu, mas não me encaixo aqui. As pessoas não são
más, mas também não são legais. Eles apenas toleram minha
presença.
— Bem, eu não sei se você percebeu — você responde —, mas
também não sou a pessoa favorita deles. Alguns deles me
odeiam. A maioria me ignora. Costumavam me agradar, mas
agora? Inferno, olhe para mim. Eu poderia sentar aqui assim o
dia todo e ninguém diria uma palavra, como se eu fosse
invisível.
— Como Breezeo — diz ela. — Você desapareceu.
Você concorda.
— É assim que me sinto.
Ela sorri.
— Não sei se isso faz alguma diferença, mas eu vejo você.
O silêncio cai entre vocês dois. Não é estranho. Quase
confortável. Ela começa a mexer com a caneta em cima de seu
caderno. Você a encara por um momento.
— Não vai me dizer o que você estava escrevendo?
Ela balança a cabeça.
— Você escreve naquele caderno o tempo todo.
Não é uma pergunta, mas ela responde, de qualquer
maneira.
— Quase todos os dias.
— O que, é um registro? Como um diário ou algo assim? —
você pergunta, e suas bochechas ficam rosadas quando ela
abaixa a cabeça. — Ah! É, não é? Você escreveu alguma coisa
sobre mim?
Você pega o caderno, mas ela o pega. O rosa em suas
bochechas está totalmente vermelho agora.
— Não é um diário. É uma história.
— Uma história — você diz. — Que tipo de história?
— Do tipo que você escreve — ela diz. — Ou, bem, do tipo
que eu escrevo. Porque eu escrevo. Estou escrevendo uma
história.
Ela se atrapalha com essa explicação.
Você ri.
— Sim, mas que tipo? Drama? Ação? Mistério?
— Tudo isso — diz ela. — É um pouco de tudo.
— Isso inclui romance?
Ela não responde, lançando uma pergunta de volta.
— Por que você está tão interessado?
— Porque eu estou — você diz. — Prefere que eu apenas
faça graça com você?
— Não.
Ela é rápida com essa resposta.
Ela está corando novamente.
Há barulho do lado de fora da biblioteca. Os alunos
circulam pelos corredores. A hora do almoço está chegando ao
fim.
Você sai da mesa, ficando de pé. Olhando em volta, suspira
profundamente antes de seus olhos encontrarem os dela.
— Quer sair daqui?
Sua testa franze.
— Sair da biblioteca?
— Não, quero dizer, sair desse inferno — você diz. — Meu
carro está estacionado lá fora, se quiser ir.
Ela lhe dá um olhar, um que diz que acha que você está
brincando, mas assim que você tira um molho de chaves do
bolso, ela percebe que está falando sério.
— As reuniões do clube estão começando — você diz. —
Não é como se você estivesse perdendo alguma coisa. Além
disso, o que é a vida sem um pouco de aventura? Pode lhe dar
alguma inspiração para sua história. Vamos chamá-la de uma
viagem de campo “fodam-se os clubes”.
Você vai embora.
Ela hesita, apenas um momento, antes de pegar suas coisas e
seguir, caminhando ao seu lado. Seus olhos percorrem o
estacionamento.
— Nós não vamos ter problemas, vamos?
— Sem promessas — você diz.
Apesar de sua resposta, ela não vacila.
Você dirige um Porsche azul. Não é tão chamativo quanto
alguns dos outros carros, mas é o suficiente para fazê-la parar.
— Uau.
Ela está inquieta ao entrar no carro.
Você não perde tempo dirigindo.
Segue para Albany, passando por um drive-thru para
almoçar. Você compra para ela um sanduíche e um milk-shake
de chocolate, embora ela insista que não precisa – ela não tem
dinheiro. Comida na mão, você vai para um teatro na cidade.
Leva-a para dentro, deslizando por uma porta dos fundos.
As pessoas estão em todos os lugares.
Um ensaio geral está em andamento. Olhares são lançados
em sua direção, algumas pessoas o cumprimentam enquanto
passam correndo. Esta não é a primeira vez que vem aqui. Eles
ficam confusos, porém, quando olham para ela, como se a
presença dela fosse algo que eles não conseguissem entender.
Ela hesita, então você pega a mão dela e a puxa, soltando assim
que sai da multidão.
Ela olha para sua mão enquanto vocês dois se sentam no
teatro vazio. Você come, conversa e assiste ao ensaio. Um
musical do Dr. Seuss. Ela bebe seu milkshake, rindo do Cat in
the Hat causando caos no palco, e você fica tão perdido no
momento que o tempo passa.
— Precisamos ir — diz a ela. — São três horas.
Mesmo correndo, você mal consegue voltar para a escola
antes que o dia acabe. Estaciona seu carro, mas não vai muito
longe. Um diretor está à espreita. Hastings viu vocês saindo
juntos e fofocou.
— Cunningham. Garfield. — O homem olha entre vocês.
— Meu escritório. Agora.
Vinte minutos depois, os dois estão sentados naquele
escritório quando os dois pais aparecem. Eles entram juntos,
nenhum dos dois sorrindo enquanto o diretor explica a
situação.
Seu pai não diz nada. Ele apenas fica ali, ouvindo.
O pai dela, por outro lado, está fumegando. Suas narinas se
dilatam quando ele grita:
— O que diabos você estava pensando? Fugindo? Você sabe
o que me custa manter você aqui? E quantas vezes eu tenho que
te dizer para nunca entrar em um carro com um estranho? Você
está louca?
Ela olha para as mãos, mordendo a bochecha, sem responder
às perguntas dele.
Três dias de detenção. Esse é o castigo.
Todos saem juntos.
É repentino, do nada, quando a máscara calma do seu pai
cai. Bem na frente da escola, ele não diz uma palavra, mas
avança, acertando você no peito com o punho fechado. É forte
o suficiente para que a garota ouça a alguns metros à sua frente.
Forte o suficiente para que seu pai também ouça.
Ambos se voltam para olhar.
O golpe tira o ar de seus pulmões. Você luta para recuperar
o fôlego, agarrando o peito, mas não se surpreende nem um
pouco. Isso não é um acaso.
— Vá direto para casa — seu pai diz, sua voz calma, mesmo
quando ele fica bem na sua frente. — Espero que saiba que isso
não acabou. Nós vamos lidar com isso mais tarde.
Com isso, ele se afasta.
Você demora um momento, seu olhar deriva para ela, antes
de sair.
Você não sabe disso, mas aquela garota? Ela chora todo o
caminho da escola para casa. Ela não está chorando porque se
meteu em apuros. Não é por culpa ou vergonha. Suas lágrimas
não têm nada a ver com ela. Ela chora por você, por causa do
olhar que ela viu em seu rosto quando foi embora. Há raiva em
seus olhos novamente e tensão em sua mandíbula, e agora ela
sabe o que isso significa.
Capítulo 7
Kennedy

— Surpresa!
Eu sou pega desprevenida quando essa palavra soa atrás de
mim, surpreendentemente perto no corredor. Girando ao
redor, os olhos arregalados, eu quase bato direto em um corpo
à espreita, com um metro e oitenta e três vestindo um terno
preto liso, parecendo o epítome de alto, moreno e bonito.
— Uau.
— Não assustei você, assustei? — ele pergunta. — Você
parecia estar em seu próprio mundinho. Quase não quis
interromper.
— Ah, não, estou apenas... surpresa em ver você — admito,
olhando para ele. Drew. — O que está fazendo aqui?
— Vim ver você — diz ele. — Não tenho notícias suas desde
que cancelou nosso último encontro. Tentei ligar, mas percebi
que estava ocupada com o trabalho, então pensei em passar por
aqui, talvez comprar um almoço para você.
Eu franzo a testa.
— Acabei de fazer uma pausa.
— Pena — diz ele. — Talvez jantar?
— Talvez — eu digo. — Vou ver se consigo alguém para
ficar com Maddie.
— Ou você poderia trazê-la — ele sugere, levantando as
mãos defensivamente quando eu viro meus olhos para ele. —
Ou não.
— Tenho certeza que meu pai não vai se importar — digo.
— Se ele estiver ocupado, sei que Meghan ficará feliz em fazer
isso.
— Meghan — diz ele, fazendo uma careta com a menção
dela.
— Ah, não seja assim. — Eu o cutuco, rindo. — Ela tem sido
uma salva-vidas. Não sei o que faria sem ela.
— Eu sei — diz ele. — Eu sei o que faria sem ela.
— Seja legal.
Ele finge me cumprimentar.
Drew é, bem... o que posso dizer sobre ele? Ele não é a pessoa
mais fácil de se acostumar, mas uma vez que você o conhece, ele
pode ser meio charmoso. Sarcástico, um pouco precipitado,
mas inabalavelmente determinado. Nós nos conhecemos há
anos, mas não foi até recentemente, quando o encontrei em
algum lugar com Meghan, que me abri para a possibilidade de
algo acontecer entre nós.
Faz sentido, sabe. Sou ocupada. Ele é ocupado. Ele é uma
das poucas pessoas de quem não me sinto obrigada a esconder
meus segredos.
Ele odeia minha melhor amiga, no entanto, então isso é um
grande golpe contra ele, e o sentimento é mútuo, mas isso pode
ter algo a ver com o fato de Meghan ser tão protetora quanto
uma armadura à prova de balas.
— Ligo para você — digo a ele —, assim que souber.
— Bom. — Estendendo a mão, ele cutuca meu queixo. —
Vejo você depois.
Espero até que ele vá embora antes de pegar meu telefone,
enviando uma mensagem para Meghan rapidamente, já que
estou na correria. Alguma chance de você estar livre para
ficar com Maddie hoje à noite para que eu possa ter algum
tempo adulto?
A bolha aparece, sua resposta chegando. Posso estar lá às
6. Quem é o sortudo?
Rindo, eu digito “Quem você acha?” antes de enfiar meu
telefone de volta no bolso, sem me preocupar em olhar para ele
quando vibra com uma mensagem, sabendo que será um fluxo
de emojis descontentes com alguns palavrões escolhidos – sabe,
para dar ênfase.

◈◈◈

Há uma batida na porta do apartamento, mas antes que eu


possa atender, a porta se abre e Meghan entra. Ela tem quase
um metro e oitenta de altura em seus saltos altos vermelhos
brilhantes, em desacordo com o terno cinza monótono que ela
usa, como se não tivesse certeza se vai trabalhar ou sair para uma
festa. Essa é a Meghan para você. Lábios vermelhos brilhantes e
cabelos loiros perfeitamente bagunçados, do tipo que parece
que ela não se importa, mas eu sei que ela passou uma hora no
banheiro fazendo isso.
Seus olhos azuis estreitos, apontam diretamente para mim.
Ela está se esforçando para parecer brava, mas não consegue,
perdendo a pose imediatamente quando faz uma careta.
— Sério? Andrew?
— Poderia ser pior — eu digo.
— Também poderia ser melhor — ela rebate. — Não seria
difícil, sabe. Poucas pessoas são piores do que Andrew.
Antes que eu possa argumentar, Maddie sai correndo de seu
quarto.
— Tia Meghan!
— Ei, pãozinho doce de abóbora — diz ela, pegando
Maddie e balançando-a em círculos enquanto ela espalha beijos
por todo o rosto. — Como está meu munchkin favorito hoje?
Maddie ri, tentando afastar os beijos.
— Adivinha só, tia Meghan?
— O que? — ela pergunta enquanto para de girar, agora
balançando. Zonza.
— Breezeo sofreu um acidente, então fiz um cartão para ele
e a mamãe disse que deu para ele!
— É mesmo? — Meghan pergunta, levantando as
sobrancelhas enquanto me observa, colocando Maddie de volta
no chão. — Mamãe deu para Breezeo, não é?
— Sim. — Maddie se vira para mim. — Certo, mamãe?
— Certo — eu digo, dando-lhe um sorriso, sabendo que
estou prestes a ter que explicar em alguns segundos, então é
melhor ela sair daqui. — Por que você não faz um desenho para
Meghan? Tenho certeza que ela adoraria um. Não gostaria que
ela ficasse com ciúmes.
Depois que Maddie foge, vou para a cozinha, Meghan
andando atrás de mim.
— Você vai contar ou eu tenho que te interrogar?
— Acho que ela resumiu bem — eu digo, vasculhando a
geladeira e os armários, pegando coisas para preparar um jantar
rápido. — Ela desenhou para ele. Eu entreguei.
— Como?
Eu desvio meus olhos dela e continuo o que estou fazendo.
— Filho da puta — ela grunhe, caindo em uma cadeira na
mesa da cozinha. — Ele apareceu de novo, não foi? Ele
realmente teve a coragem de mostrar a cara.
— Ele disse que queria conversar.
— Então você falou com ele?
— Sim.
Meghan cobre o rosto com as mãos.
— Você tem razão. Poderia ser pior. Poderia ser muito pior,
então vá e aproveite sua noite. Porque comparado a isso,
Andrew é perfeito.
— Eu não diria tudo isso — murmuro.
Ela balança a cabeça, me olhando com cautela enquanto eu
pré-aqueço o forno.
— O que você está fazendo?
— Cozinhando algo para o jantar.
— Por quê? Você não tem um encontro?
— Sim, mas Maddie ainda não comeu, e Drew não estará
aqui por uma hora, então...
— Então, isso dá a você tempo suficiente para se preparar —
diz ela. — Eu posso lidar com o jantar, não é grande coisa.
— Tem certeza?
— Positivo — diz ela. — Vá colocar algo que vai fazer ele
querer te macetar, sabe, se você gosta desse tipo de coisa.
Mordaça.
Rindo, vou para o meu quarto para me trocar, colocando
uma calça jeans e uma blusa rosa antes de tirá-la imediatamente.
Eca. Eu me troco três vezes antes de escolher um par de leggings
pretas e uma túnica roxa, voltando para a cozinha para
Meghan.
— Como está esse visual?
Ela lança um olhar em minha direção antes de dizer:
— A menos que ele esteja levando você ao Planet Fitness
para um pouco de Pilates, é um não para mim.
Revirando os olhos, volto para o quarto para tentar de novo,
colocando uma calça cáqui larga e um top florido esvoaçante.
No segundo que Meghan me vê, ela faz uma careta.
— Viajando no tempo para Woodstock?
— Engraçado — murmuro, voltando para o meu quarto
mais uma vez, colocando jeans skinny e um top preto.
— Agora você nem está tentando. — Meghan me encara. —
Você ainda tem aquele vestido? Sabe, aquele preto com a
renda?
— Isso não é grande coisa, Meghan. Ele está me levando para
jantar.
— Sim, bem, se você usar o vestido preto, pode acabar sendo
a sobremesa.
Eu a encaro por um momento antes de dar de ombros. Por
que não? Indo para o quarto, eu puxo o vestido da parte de trás
do meu armário, sem pensar muito antes de colocá-lo. Eu passo
meus dedos pelo meu cabelo, deixando-o fazer o que quiser, e
estou no banheiro colocando um pouco de maquiagem
quando Maddie aparece na porta.
— Você está linda, mamãe.
— Obrigada, querida — eu digo, olhando para ela no
reflexo do espelho enquanto me observa, sua expressão curiosa.
Dou um tapinha no balcão ao lado da pia, convidando-a para
se juntar a mim, e ela sobe para se sentar enquanto eu pego um
tubo de brilho labial com sabor de morango. Ela faz biquinho,
e eu coloco um pouco nela, sorrindo enquanto faço isso. —
Você sabe que eu te amo, certo, linda? Eu te amo mais do que
tudo. Mais do que as árvores e os pássaros e o céu. Mais do que
pizza de calabresa e romances Harlequin.
— O que é um romance Harley-Quinn?
— Nada que você vai precisar saber por muito, muito
tempo — eu digo, guardando o brilho labial. — Apenas saiba
que eu não os amo tanto quanto amo você.
Ela balança os pés, sorrindo.
— Eu também te amo.
— Mais do que sorvete de chocolate e manhãs de sábado?
— Aham — diz ela. — Mais do que cores e dinheiro!
— De jeito nenhum.
— E as bebidas Yoo-Hoo e os brinquedos do McLanche
Feliz.
— Uau.
— E ainda mais do que Breezeo!
Olhos arregalados, eu olho para ela. Isso é um compromisso
sério vindo da minha garota amante de super-heróis.
— Sabe, você pode nos amar do mesmo jeito.
— Nananinanão — diz ela, balançando a cabeça. — Você é
minha mãe, então eu te amo mais.
Eu pressiono meu dedo indicador na ponta de seu nariz.
— Bem, eu com certeza aprecio isso, mas lembre-se de que
está tudo bem se você fizer isso.
Puxando-a para fora do balcão, eu a coloco de pé e olho para
a hora – cinco minutos para as seis.
— Eu tenho que ir logo, querida.
— Eu posso ir?
— Não esta noite — digo a ela —, mas talvez da próxima
vez. Você pode sair com a tia Meghan em vez disso.
Ela faz beicinho, a visão de sua expressão me faz querer ligar
para Drew e cancelar, porque foda-se fazer qualquer coisa que
a faça parecer tão desapontada. Mas ela se recupera, envolvendo
seus braços em volta de mim em um abraço antes de sair
correndo.
Eu saio para a cozinha assim que há uma batida na porta.
Sete horas em ponto. Ainda estou descalça.
— Aqui — diz Meghan, chutando os sapatos na minha
direção. — Nada diz me foda tanto quanto saltos agulha
vermelhos.
Eu os coloco, quase tropeçando enquanto corro para a
porta. Eu abro quando ele começa a bater novamente, ficando
cara a cara com Drew, ainda com aquele terno preto de antes.
— Ei — eu digo —, você chegou bem na hora.
— Sempre chego — diz ele, oferecendo-me um leve sorriso
antes de olhar por cima do meu ombro para o apartamento. —
Olá, Meghan. É bom te ver.
Sua voz é curta quando ela responde:
— Andrew.
— Esta pronta? — ele pergunta, olhando para mim. —
Achei que poderíamos experimentar aquele novo restaurante
mexicano em Poughkeepsie.
— Chipotle3? — Meghan chama. — Aquele lugar não é
novo, mas eu não me importaria se você me trouxesse uma
tigela de burrito.
Seu rosto pisca com aborrecimento.
— Estou me referindo ao restaurante na Principal.
— Ah, aquele com todas as margaritas — ela diz com uma
risada. — Você sabe o que dizem sobre tequila…
Eu empurro Drew mais para fora, juntando-me a ele,
gritando adeus para Meghan antes que ela possa dizer qualquer
coisa sobre ficar nua. Drew começa a se afastar, olhando por
cima do ombro para ter certeza de que estou seguindo.
— Você quer que eu dirija? — Eu ofereço.
Ele ri disso. Sim, ele ri.
— Acho que posso lidar com isso.
Drew dirige um Audi novinho em folha, preto brilhante
com couro imaculado. O tranquilo indie rock toca nos alto-
falantes enquanto ele preenche o silêncio, falando sobre o
trabalho. Ele terminou um estágio em algum lugar e foi
contratado para... fazer alguma coisa.
Não sei. Eu realmente não estou ouvindo.
Algo a ver com política e direito.
Não é uma viagem tão longa pelo rio. O restaurante está
cheio, mas conseguimos uma mesa sem ter que esperar. Drew

3
Um tipo de pimenta seca. Pode se referir a comida apimentada.
puxa minha cadeira, empurrando-a de volta quando me sento,
sendo um cavalheiro. Sorrio quando penso nisso.
— O que é tão engraçado? — ele pergunta, sentando-se na
minha frente.
— Só lembrando o quanto você era um idiota quando nos
conhecemos.
— Eu não era tão ruim assim, era?
— Você nunca falou comigo.
O garçom se aproxima e peço água, enquanto Drew pede
uma cerveja.
Assim que o garçom se afasta, Drew diz:
— Tenho certeza de que você também não falou comigo.
— Porque você era um idiota.
Ele ri.
Então começa a falar novamente.
Eu faço o meu melhor para prestar atenção, entrando em
todos os lugares certos. Conheço a conversa como a palma da
minha mão. Política.
Isso torna as coisas fáceis, porém, mas Drew já é fácil. As
coisas parecem simples ao seu redor. Familiares. Ele é fácil, e
ele é gentil, e eu continuo pensando que ele é bonito, mas além
disso, nada.
Sem arrepios. Sem borboletas. Nada de sorrisos bobos.
Ele não me faz sentir como se estivesse em parafuso.
Nós comemos.
Drew bebe.
Eu fico na água.
— Vamos, vamos sair daqui — diz ele depois de pagar a
conta, recusando meu dinheiro quando me ofereço para pagar
minha parte. Graças a Deus, porque eu não podia pagar.
Ele pega minha mão, e eu deixo. Ele me leva para o
estacionamento, e eu não luto. Mas no momento em que ele
tenta me colocar no carro, hesito. Eu não diria que ele está
bêbado, mas está bebendo, e isso nunca será algo que vou
arriscar.
— Está tarde — minto – são apenas nove horas. — Posso
pegar um táxi para casa e poupar a viagem.
Ele parece confuso, sem saber como reagir. Eu sei que ele
esperava mais desta noite, e eu poderia concordar com isso,
mas...
— Vá para casa — digo a ele —, mas dirija com segurança.
Eu nunca vou te perdoar se você bater seu carro em uma árvore.
— Tem certeza? — ele pergunta, parecendo em conflito. —
Eu posso te levar para casa.
— Positivo. — Inclinando-me, eu o beijo, um pequeno
beijo. — Não se preocupe comigo. Vou ficar bem.
Capítulo 8
Jonathan

— Como isso faz você se sentir?


A pergunta de um milhão de dólares, que ouvi inúmeras
vezes no ano passado. Me perguntam algumas merdas
irritantes, dia após dia, noite após noite, mas nada fica sob
minha pele como essa.
— Como você acha que isso me faz sentir?
— A deflexão não ajuda ninguém, sabe — diz ele. — É um
mecanismo de defesa que nos impede de reconhecer nossos
problemas.
— Não me analise, Jack — eu digo. — Se eu quisesse ser
psicanalisado, estaria falando com a porra do meu psiquiatra
agora mesmo.
— Sim, tudo bem, então você se sente uma merda — diz ele.
— Menos que merda. Você é cocô de cachorro na sola de um
sapato que está sendo raspado no meio-fio porque ninguém
quer nada com cocô no sapato.
— Exatamente.
— Isso é péssimo.
Sorrio do jeito casual que ele diz isso.
— Lembre-me novamente porquê eu liguei para você?
— Porque você daria sua bola esquerda para uma bebida
agora e precisa de alguém para te tirar dessa besteira.
Suspirando, eu passo minha mão esquerda pelo meu rosto.
Como ele está certo...
É uma noite tranquila em Bennett Landing. A maioria das
noites parece ser. O sol se põe e a cidade fica escura, e eu fico
com nada além de meus pensamentos, que é um lugar muito
perigoso para se estar. A última vez que me senti tão isolado foi
na reabilitação quando estava lutando para ficar limpo. Gosto
de pensar que fiz grandes progressos desde então, mas algumas
noites me testam.
Passei a última hora vagando do lado de fora, caminhando
em direção à orla, pelo Landing Park ao lado da pousada,
contando meus segredos pelo telefone para um idiota que os
resume como “sugadores”.
— Todos nós temos noites ruins, cara. Você sabe disso —
Jack diz. — Tente se lembrar por que você está aí. Beber com
certeza não vai te ajudar a fazer as pazes.
Ele tem razão. Claro que tem.
Mas Jesus Cristo, eu daria minha bola esquerda para me
afogar em uma garrafa de uísque agora.
— Estou tentando — digo, caminhando, olhando para cima
quando chego à pequena área de piquenique. Meus passos
param quando vejo um movimento, alguém sentado em cima
de uma das mesas de piquenique, olhando para a água.
Eu pisco, tendo um vislumbre de seu rosto ao luar enquanto
Jack começa a divagar, me dizendo para ir encontrar uma
reunião.
Eu não esperava que alguém estivesse aqui a esta hora, mas
com certeza não ela.
— Kenney?
Ela vira em minha direção.
Ela não parece tão surpresa quanto eu esperava, seus olhos
cautelosos enquanto me observam, mas sua postura está
relaxada, então acho que é algo.
— Você está me ouvindo, Cunning? — Jack pergunta. —
Ou estou perdendo meu fôlego?
— Estou te ouvindo — eu digo a ele. — Verei o que posso
fazer.
— Bom — diz ele. — Eu sei que não é fácil confiar nas
pessoas, mas acho que vai te ajudar.
— Sim — murmuro. — Olha, eu tenho que ir.
— Tem certeza? Você está bem?
— Sim, estou bem.
— Me ligue de volta se precisar de alguma coisa.
— Eu vou.
Eu termino a chamada. Kennedy está me observando, mas
ela ainda não disse nada, então não tenho certeza se devo ficar
por aqui. Não sei por que ela está aqui ou o que está fazendo,
se está sozinha. Não vejo mais ninguém, mas isso não significa
que ela não esteja esperando que alguém apareça.
— Deixe-me adivinhar — diz ela depois de um momento.
— Seu empresário?
— Não. — Enfio o telefone no bolso. — Meu padrinho.
— Isso é bom... eu acho. — Ela faz uma pausa antes de
acrescentar: — Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
— É o que é. — Dou alguns passos mais perto, avaliando
sua reação. — Ele é um cara bom. Não me trata como se eu
fosse uma estrela, o que aprecio. Ele realmente acha que meus
filmes são uma merda.
Ela ri disso – ri genuinamente.
— Desculpe, não quero rir de você, mas bem, isso é meio
engraçado — diz ela. — Quero dizer, você tem que admitir que
eles podem ser um pouco piegas às vezes.
— Piegas.
— Eu só assisti o primeiro Breezeo, mas vamos lá, alguns dos
diálogos que adicionaram? Acho que há algo errado com meus
olhos porque não consigo tirá-los de você. Que tipo de porcaria
brega?
— Sim, isso foi muito ruim.
— E o que Maryanne disse a ele no hospital, quando ele
ficou doente e eles estavam procurando a cura?
— Nosso amor vai te fazer melhor.
— É isso! — Ela revira os olhos. — Porque é a coisa mais
poderosa do mundo.
— Eu gostei dessa — admito, arriscando e subindo na mesa
de piquenique, sentando ao lado dela. Há algum espaço entre
nós, então não estamos nos tocando, mas ela está tão perto que
posso sentir seu calor e o cheiro de seu perfume. — O amor
deles não o salvou, mas fez dele uma pessoa melhor.
— Não importa — diz ela. — Ele estava deitado em uma
cama de hospital, pensou que estava morrendo, e é isso que ela
diz?
Sorrio com o tom cínico em sua voz, deixando-a ganhar essa.
Ela tem um ponto. Fica silenciosa. Ela está olhando para a água,
os braços em volta do peito como se estivesse se segurando. Ela
está tremendo, então talvez esteja com frio, ou pode estar
tremendo porque eu estou aqui. Não sei.
— Você quer que eu saia? — Pergunto.
Ela não responde, os olhos piscando para o chão à nossa
frente. Não é um “não”, mas também não é um “sim”. Eu sei
que provavelmente deveria deixá-la em paz, não arriscar
empurrá-la muito longe, muito rápido, mas eu senti muita falta
dela nos últimos anos. Eu não mereço o tempo dela, nem um
pouco, mas estou tão desesperado por alguma parte dessa
mulher de volta que vou roubar cada segundo que puder.
— O que você está fazendo aqui, afinal? — ela pergunta
baixinho. — Você realmente não tem um bom histórico de
estar neste parque depois de escurecer.
— Com você, nada menos.
Ela sorri com isso.
— Só precisava de um pouco de ar — eu digo. — Não podia
ficar sentado naquela casa, olhando para aquelas paredes, com
aquela mulher sempre ali. Precisava fazer uma pausa. É tarde,
então achei que ficaria sozinho aqui fora.
— Me desculpe por isso…
— Não se desculpe comigo — eu digo, balançando a cabeça.
— Então, você ainda sai por aqui?
— Às vezes — ela diz. — Normalmente não depois de
escurecer, no entanto. Maddie gosta daqui, gosta de brincar nos
balanços, ficar na beira do rio.
Maddie.
Isso faz com que duas vezes em um dia ela tenha falado
comigo sobre ela, duas vezes ela tenha citado nossa filha. Estou
tentando não ter muitas esperanças, mas depois de anos
batendo de cara em uma parede de tijolos, sinto que finalmente
estou indo na direção certa.
— Então ela gosta da água? Parece que me lembro que você
odiava.
— Nunca odiei — diz ela. — Só não sou fã de insetos.
— E patos.
— E patos — ela concorda com um estremecimento. — O
que é engraçado, porque Maddie os ama. Ela adora vir aqui e
alimentar os patos sempre que pode. Ela sempre se preocupa
que eles não estejam comendo o suficiente. Ela é, hum...
— Ela parece perfeita.
— Sim — ela sussurra —, ela é.
Eu não sei o que dizer, com medo de empurrá-la, então
apenas me sento aqui, meus olhos a examinando na escuridão.
Ela está usando um vestidinho preto, um par de saltos
vermelhos jogados no chão ao lado da mesa de piquenique.
— Você está bonita — digo a ela.
Ela olha para si mesma, fazendo uma careta.
— Eu tinha um encontro.
— Um encontro.
Essa palavra é uma pancada no peito.
Eu não sou um tolo. Eu sei que ela provavelmente seguiu em
frente, e eu seria o pior hipócrita ao ficar chateado com isso
depois de algumas das merdas que eu fiz nos últimos anos na
tentativa de entorpecer meus sentimentos por ela. Ela tem uma
vida inteira sem mim, um mundo que ela construiu para si
mesma onde eu nem existo, e não a culpo por isso. Nem um
pouco. Não é como se eu pudesse esperar que ela se sentasse e
esperasse. Eu nunca pedi isso a ela. Nunca lhe dei uma razão.
Não fui apenas um pai de merda; eu também fui um péssimo
namorado.
Mas ainda assim, há uma chama de ciúme queimando em
minhas entranhas, minha vergonha encharcando-a como
gasolina no fogo.
— Você faz muito disso agora? — Eu pergunto. —
Namorar?
Ela me olha de soslaio.
— Não tanto quanto você parece fazer.
Touché.
— Você teve, o que... seis, sete namoradas? Inferno, dizem
que você até tem uma esposa agora.
— Eles dizem, não é?
— Sim.
— Diga-me que você não lê essa merda, Kennedy. Diga-me
que você realmente não acredita…
— Não sei em que acreditar — diz ela. — Não que isso
importe. Sua vida é sua. Você faz o que quiser. Deixou isso claro
há muito tempo. Mas Maddie? Ela é o que importa. E eu não
posso ter você perto dela se…
— Eu não vou machucá-la — digo quando ela para. — Sei
que é disso que você tem medo.
— Sim, bem, também não achei que você me machucaria,
mas no momento em que me tornei um inconveniente...
Eu quero dizer a ela que é diferente agora. Quero dizer a ela
que aprendi minha lição, que cresci. Eu quero dizer a ela que eu
nunca vou cometer os mesmos erros novamente. Eu quero
dizer a ela que nunca foi um inconveniente. Eu quero dizer a ela
um monte de merda, mas nada disso vai fazer a diferença. São
apenas palavras, e eu disse muitas palavras ao longo dos anos,
incluindo algumas que a machucaram.
— Estou aqui — eu digo. — Estou sóbrio. E para constar,
não sou casado. Não tenho certeza de onde eles conseguiram
essa história, mas não houve casamento. A maior parte do que
imprimem é besteira.
— Não importa.
— Importa — eu argumento. — Você nunca vai me deixar
ver Madison se esse é o tipo de homem que você acha que eu me
tornei, se você acredita que a merda que eles dizem sobre mim
é real. Quer dizer, eu nem sei como ela está agora. Eu poderia
passar pela minha filha na rua e nem a reconheceria. E isso é
minha culpa. Mas a merda que eles imprimem, se é isso que eu
estou enfrentando? Estou fodido.
Fechando meus olhos, eu passo a mão pelo cabelo,
agarrando as mechas enquanto solto um longo suspiro. Ela não
diz nada, e depois de um momento eu reabro meus olhos,
vendo o brilho de seu celular iluminando seu rosto.
Começo a dizer alguma coisa, dizer a ela que vou parar de
incomodá-la esta noite, quando seus olhos encontram os meus.
Ela estende o telefone para mim. Meu olhar pisca para a tela.
Meu coração quase para.
É a foto de uma garotinha com grandes olhos azuis, cabelos
escuros e bochechas gordinhas, exibindo o sorriso mais
brilhante que eu já vi. Ela está posando, mãos nos quadris,
cabeça inclinada para o lado. Ela é a cara da mãe, porra, mas
esses olhos são todos meus.
— Ela se parece com você — eu digo.
— Sim, bem, ela age como você.
Eu sorrio para isso, pegando seu telefone.
— Há mais algumas fotos aí — diz ela —, se você quiser dar
uma olhada nelas.
— Tem certeza?
Ela acena.
Mais algumas acaba por ser um inferno de um eufemismo.
Parecem centenas enquanto eu as perscruto. Estou tendo um
breve vislumbre do tempo que perdi – aniversários, feriados, o
primeiro dia de aula. Um álbum de memórias que nunca terei,
o que poderia ter sido, o que deveria ter sido, o tempo que eu
teria se não estivesse tão fodido. Ela parece feliz. Elas parecem
felizes, as duas.
Passo para outra foto e paro, tropeçando em outro rosto
familiar.
Meghan.
— Você vê Meghan? — Eu pergunto, surpreso – embora eu
não devesse estar. Se alguém estaria lá ao longo dos anos,
lealmente inabalável, seria Meghan.
— O tempo todo — diz ela. — Ela está tomando conta dela
agora.
— Meghan como babá? Tem certeza de que a garota ainda
está viva?
Ela ri e pega o telefone de volta, apertando um botão para
que a tela fique escura.
— Quero que você saiba, sua irmã é ótima com crianças.
— Minha irmã — eu murmuro. — Não a deixe ouvir você
chamá-la assim.
Minha irmã. Outras pazes que tenho que fazer.
Ela não vai facilitar.
— Em uma escala de um a dez — eu digo —, o quão
chateada comigo você diria que ela ainda está?
— Um a dez? Eu diria setenta e três.
Estremeço.
— Imaginei.
— De qualquer forma, eu deveria ir — diz ela, levantando-
se da mesa de piquenique. — Preciso chegar em casa antes que
seja tarde.
— Você dirigiu? — Eu pergunto, percebendo que não vi
um carro em nenhum lugar aqui.
— Fui deixada. Pensei em andar. — Ela hesita, olhando para
mim, como se não tivesse certeza se quer continuar. — Eu
tenho um apartamento.
— Ah.
Ah. Isso é tudo que eu digo, como um idiota, enquanto ela
pega os sapatos do chão, sem se preocupar em calçá-los. Ela dá
alguns passos para longe, descalça, os olhos ainda cautelosos.
— Posso andar com você? — Eu pergunto.
— Eu posso chegar lá sozinha.
— Não duvido disso, mas… — eu hesito. — Você se
importa? Eu gostaria de caminhar com você. Não quero ser um
idiota misógino, mas eu só…
— Está bem — diz ela. — Mas não precisa.
— Eu sei.
Estamos dançando em torno do fato de que eu quero, que
ela está me fazendo o favor aqui e não o contrário, mas ela acena
com a cabeça para eu ir junto, então eu me levanto e caio no
lugar ao lado dela.
— Então, esse seu padrinho — ela diz quando começamos a
andar.
— Jack.
— Jack — ela repete. — Deve ser um sujeito e tanto se ele te
manteve limpo.
— Eu não diria que ele me manteve limpo. Ele ajuda, mas
não é por isso que estou sóbrio. É por você.
— Por mim?
— E Madison — eu digo. — Isso. Foi isso que me manteve
limpo.
Ela está quieta, seu rosto contorcido em concentração,
como se estivesse considerando minhas palavras, mas ela não
parece estar comprando isso. Depois de um momento, seus
passos param. Ainda nem saímos do parque e ela já está
parando.
— O que fez? — ela pergunta.
— O que você quer dizer?
— O que torna essa vez diferente?
— Eu, hum...
— A maioria das histórias que eles publicam sobre você
podem ser mentiras, mas eu sei que você já esteve em
reabilitação algumas vezes, eu sei que eles fizeram intervenções
e desintoxicaram você, mas você voltou para isso. E nós
estávamos aqui. Nós estivemos aqui. Isso não mudou, então o
que mudou?
— Eu não sei — admito. — A última vez que vim aqui... ano
passado... quando sua mãe morreu, eu queria estar lá para você,
mas apareci bêbado e sabia que você estava de luto, e você me
olhou como...
— Como o quê?
— Como se nada tivesse te machucado tanto quanto eu
estar lá — digo. — Até então, só via sua raiva, mas naquele dia
eu vi seu medo, como se estivesse com medo de quanta dor eu
ia te causar, quando não queria nada além de melhorar tudo.
Ela começa a andar de novo, sua voz calma quando diz:
— Eu gostaria de poder acreditar em você.
— Sim — murmuro. — Eu também.
— Estou feliz, no entanto — diz ela. — O que quer que
tenha feito, estou feliz que você esteja sóbrio, e espero que
continue assim. Pelo bem de Maddie, sim, porque ela merece
conhecer o pai, mas por você também. Sei que nunca fui o
suficiente para você, Jonathan, mas espero que encontre
alguém que seja.
“Se Dando Bem no Parque”

Kennedy Garfield

Você está de volta ao Clube de Teatro.


Voltou a ele por um mês.
Esta é a quarta semana consecutiva que você aparece e
participa. Júlio César te aborrece, mas é melhor que nada. Um
viciado fica com o que conseguir. Além disso, acha terapêutico
tornar-se outra pessoa por um tempo.
Talvez seja por isso que você ama tanto atuar. Talvez esteja
cansado de ser você mesmo.
A garota ainda senta no auditório toda semana. Às vezes, ela
escreve. Principalmente, ela observa. Quando não está olhando
para você, você se vê olhando para ela. Seus olhos se encontram
de vez em quando no meio, e ela sempre sorri. Sempre.
Em algum lugar, no mês passado, as coisas mudaram. Vocês
dois se aproximaram. Ela te beijou pela primeira vez na semana
passada. Na biblioteca, durante o almoço, ela apenas se
inclinou e fez isso, dando o primeiro passo. Foi inesperado.
Você roubou beijos dela todos os dias desde então.
Bem, exceto hoje.
Você está tendo um dia ruim.
Estraga algumas falas. Está distraído. Você ficou com esse
olhar a tarde toda, como se ainda não estivesse lá.
— Cristo, Cunningham, recomponha-se — diz Hastings,
passando as mãos pelo rosto. — Se você não aguenta ser
Brutus...
— Vá se foder. — Você o corta. — Não aja como se fosse
perfeito.
— Eu não cometo erros de novato — diz Hastings. —
Talvez se você não estivesse tão preocupado em tentar foder a
nova garota, você poderia…
BAM.
Você o cala no meio da frase com um soco no rosto, seu
punho acertando com força, quase o derrubando. Ele tropeça,
atordoado, enquanto você vai até ele novamente, agarrando a
gola de sua camisa do uniforme e puxando-o para você.
— Cala a porra da boca.
As pessoas se interpõem entre vocês dois, forçando-os a se
separarem. Hastings sai furioso, gritando:
— Não consigo lidar com ele!
O Clube de Teatro chega a um impasse.
Você fica lá por um momento, punhos cerrados ao seu lado,
se acalmando. Flexiona as mãos, afrouxando-as enquanto se
aproxima da garota. Ela está te observando em silêncio,
expressão cautelosa.
Você se senta perto dela. Há um lugar vazio entre vocês hoje.
É a primeira vez que você não se senta ao lado dela em semanas.
Está dando espaço a ela.
Não demora muito para que Hastings retorne, mas ele não
está sozinho. O diretor valsa atrás dele. O homem se dirige para
você, expressão severa.
— Cunningham, dê-me uma boa razão para não expulsá-lo.
— Porque meu pai lhe dá muito dinheiro.
— É isso que você tem a dizer?
— Esse não é um bom motivo?
— Você deu um soco em um colega!
— Nós estávamos apenas atuando — você diz. — Eu sou
Brutus. Ele é César. É de se esperar.
— Brutus o apunhala. Ele não dá socos.
— Estava improvisando.
A garota ri quando você diz isso. Ela tenta se conter, mas o
som sai, e o diretor ouve, sua atenção mudando para ela.
— Olha, isso não vai acontecer de novo — diz, chamando o
foco de volta para você. — Da próxima vez, vou esfaqueá-lo e
acabar com isso.
— É melhor você se cuidar — diz o diretor, apontando o
dedo para seu rosto. — Mais um incidente e você irá para
sempre. Entendeu?
— Sim senhor.
— E tenha certeza, seu pai vai ouvir sobre isso. — A atenção
do diretor volta para a garota. — Garfield, um conselho? Se
você quer ter sucesso aqui, encontre um novo amigo, alguém
com suas prioridades sob controle... alguém mais como
Hastings.
Hastings está no corredor, esfregando o queixo. Apesar do
fato de que vai doer, ele está sorrindo. Exultante.
— Porque Cunningham não lhe causará nada além de
problemas — continua o diretor. — E você pode fazer melhor.
O homem vai embora. Hastings segue o exemplo. Ele tem
medo de estar perto de você sem apoio. Vocês dois têm uma
rivalidade de longa data, como Batman e o Coringa… ou
Breezeo e Knightmare.
Qual deles você é, no entanto?
O herói?
A garota balança a cabeça, rabiscando na frente de seu
caderno.
— Isso foi terrivelmente rude da parte dele.
— Sim, bem, é verdade — você diz.
— É?
— Eu já te coloquei em apuros uma vez — você a lembra.
— Posso garantir que não será a última vez que isso acontecerá.
— Ah, e a outra parte? — ela pergunta. — Isso também é
verdade?
— Qual parte?
— A parte em que você pode estar tentando deixar a novata
nua.
Você apenas olha para ela. Ela ainda está rabiscando.
— Porque se for — ela diz —, você está fazendo um trabalho
bem ruim. Quero dizer, você nem tentou ainda, então…
Ela está evitando olhar para você, suas bochechas rosadas.
Seus rabiscos são mais como formas sem sentido, qualquer
coisa para se distrair. Ela está mordendo a bochecha.
Estendendo a mão, você cobre a mão dela com a sua,
parando-a antes que a caneta abra um buraco no caderno. Ela
ansiosamente te encara.
Você não diz nada imediatamente, segurando o olhar dela,
antes de se inclinar, diminuindo a distância, e você a beija. É
suave e doce, e é bem ali, na frente de todo o Clube de Teatro,
mas você não se importa com quem assiste.
— Você quer sair? — pergunta, sua voz calma. — Passar
algum tempo juntos fora deste inferno?
Ela acena.
— Que tal este fim de semana?
Rasgando um pedaço de papel da parte de trás de seu
caderno, ela rabisca seu número de telefone para que você ligue
para ela depois da escola.
Você não liga, no entanto, não imediatamente. Sua vida vai
ao caos naquela tarde. Você nem tem chance. Seu pai o
confronta sobre o incidente na escola, e quando finalmente se
afasta dele, você tem algo importante a fazer.
Mas mais tarde naquela noite, muito depois do pôr do sol,
você envia uma mensagem para ela, perguntando se há alguma
maneira de vê-la agora. Você diz a ela que é importante. É tão
tarde que há uma chance dela já estar na cama, mas você recebe
uma mensagem de volta alguns minutos depois com a
localização de um parque perto da casa dela. Posso te
encontrar em trinta minutos.
Você leva esse tempo para dirigir até lá. Ela está sentada em
cima de uma mesa de piquenique quando você chega, olhando
para a água, o parque às margens do rio Hudson. É a primeira
vez que você a vê sem o uniforme escolar, tão acostumado com
as saias na altura do joelho com as meias grossas.
Ela está vestindo calça de pijama esta noite.
Está escuro onde ela está sentada, o brilho do luar a
cercando. Você se aproxima, suas mãos escondidas atrás das
costas.
— Eu tenho uma surpresa.
— São as respostas para o teste de matemática de segunda-
feira? Porque se for, você vai pelo menos chegar à terceira base
por isso.
Você ri, ficando na frente dela.
— Qual base é a terceira base?
— Tenho certeza de que é uma encoxada.
— Uma pena — você diz. — Poderia fazer bom uso de uma
encoxada, mas não, não é isso. Embora você sempre possa
copiar minhas respostas. Apenas marque algumas erradas de
propósito, pois eles podem suspeitar se obtiver uma pontuação
perfeita.
— Certo, já que você nunca erra nenhuma. — Ela revira os
olhos de brincadeira. — Então, se não são as respostas, o que é?
Você tira as mãos de trás das costas. É uma história em
quadrinhos, enfiada em uma capa de plástico. Sua expressão
muda quando ela o pega.

Breezeo: Ghosted
Edição nº 5 de 5

— Isto é…? Ah, meu Deus, é o que diz que é?


— A última edição de Breezeo.
— Mas como? — Os olhos dela encontram os seus. — Ainda
nem saiu!
— Ah, bem, eu conhecia uma pessoa que conhecia uma
pessoa que conhecia uma pessoa — você diz. — Você sabe
como é. Pague dinheiro suficiente e pode obter qualquer coisa.
— Você deve ter realmente odiado esperar — diz ela. — Ah,
meu Deus, Jonathan. Eu seriamente não posso acreditar nisso.
É bom? Você leu?
— Não, eu não li. Peguei para você. Achei que poderia me
emprestar mais tarde, se estiver tudo bem.
— Isto é para mim? — ela pergunta, segurando-o contra o
peito. — Tipo, de verdade, é meu?
— Sim — você diz. — É seu.
Assim que você confirma isso, ela se joga em você, um salto
voador direto da mesa de piquenique, em seus braços. Você não
espera, e ela quase o derruba no chão. Você consegue ficar de
pé enquanto ela se enrola em você, pernas em volta da sua
cintura, braços em volta do seu pescoço.
Ela te beija.
Você a beija de volta enquanto dá alguns passos para colocá-
la na beirada da mesa de piquenique, mas ela não o solta. Se
alguma coisa, ela é mais encorajada. Ela deixa cair o quadrinho
sobre a mesa e passa os dedos pelo seu cabelo enquanto se
esfrega em você.
Você geme, pressionando-a. Você está tão duro que ela pode
sentir isso.
— Acho que cheguei na terceira, afinal.
— Esta? Você derrubou aquela direto do parque.
Você ri contra os lábios dela, ainda a beijando.
— Sim? Você já está me dando um home run?
— Vale a pena — ela sussurra. — Você pode ter um home
run quando quiser. É todo seu.
As metáforas do beisebol, sim, são estúpidas, mas o
significado por trás delas deixa você excitado. Ela está lhe dando
luz verde para ir até o fim, e bem, que adolescente movido a
hormônios vai dizer não a esse convite?
Sua mão desliza pela frente de sua calça, e ela engasga,
jogando a cabeça para trás. Sua boca vai para o pescoço dela
enquanto você a deixa selvagem com as pontas dos dedos,
perguntando:
— Como você gosta?
Ela gagueja.
— Eu, hum... eu não sei…
— Você quer assim? — pergunta, sussurrando em seu
ouvido enquanto ela se esfrega em você, fazendo sua própria
fricção, quase gozando. Você a ajuda, esfregando mais forte
onde ela precisa. — Eu poderia dobrar você sobre a mesa, meter
por trás. Ou podemos ir para o meu carro, se você quiser, talvez
me pegue no banco do passageiro. Diga-me como fazer você se
sentir bem.
Você diz obscenidades. Isso a faz corar.
— Eu não sei — ela diz novamente. — Eu, hum... eu
nunca...
— Quer dizer que você nunca...?
Ela balança a cabeça.
— De verdade? Esta é a sua primeira vez?
Isso te pega desprevenido. Você pausa o que está fazendo.
Não sabia que ela era virgem.
Ela geme, movendo seus quadris.
— Ah, Deus, não pare... por favor…
Você começa a esfregar novamente. Ela está perto, tão perto
que seria cruel parar. Apenas mais alguns segundos antes que
ela engasgue, um orgasmo varrendo-a. Você não para até que
ela relaxe novamente, mas uma vez que você tenta se afastar, ela
não o deixa.
— Eu quero — diz ela. — Sei que você já fez isso antes, e eu
não, mas eu quero... com você.
— Sua primeira vez não pode ser aqui — você diz. — Não
pode ser dobrada sobre uma maldita mesa de piquenique.
— O carro, então.
— Também não vai ser isso — você diz. — Não comigo.
Precisa ser em uma cama. A primeira vez de ninguém deveria
ser uma rapidinha de dez minutos em um parque.
— Como foi a sua primeira vez?
— Foi uma porra de rapidinha em um parque — você diz, e
ela ri. — Então eu sei do que estou falando. Durou uns dois
minutos no meu caso, mas ainda assim.
— Parece rude — diz ela, ainda rindo, mas sua diversão
desaparece quando ela pressiona as palmas das mãos em suas
bochechas. Ela olha para o seu rosto ao luar. O início fraco de
uma contusão pinta sua mandíbula com tons descoloridos. Ela
passa os dedos levemente ao longo dela. — Você está bem?
— Estou bem — você diz, afastando as mãos dela. — Nada
para se preocupar.
— Isso acontece muito?
— O que?
— Você sabe o que — diz ela. — Seu pai bater em você.
Você ri, mas não é um som feliz.
— Eu posso cuidar de mim mesmo. Não sou uma criança.
— Mas você ainda é filho dele — diz ela. — E você tem
apenas dezessete anos. Além disso, acho que isso não é algo que
acabou de começar.
Você não diz nada de imediato. Não quer falar sobre isso.
Ela não vai deixá-lo fugir da conversa, no entanto. Então você
se senta ao lado dela na mesa de piquenique e diz:
— Eu faço dezoito anos amanhã.
— Sério?
— Sim, e você está certa — você diz. — Não é novo.
Então você diz a ela. Você diz a ela como ele sempre foi duro
com você, porque era um filhinho da mamãe. Sua mãe era uma
aspirante a atriz, e foi assim que você se envolveu nisso tão
jovem, mas seu pai nunca gostou. Você deveria seguir os passos
dele. Era uma fonte de discórdia entre seus pais, e quando seu
pai subiu na hierarquia política, sua mãe se afastou de seu
sonho.
A primeira vez que ele bateu em você, tinha doze anos, mas
não se tornou uma coisa normal até um ano depois, quando
sua mãe engoliu um frasco de pílulas e nunca mais acordou de
uma soneca. Seu pai culpou a carreira dela por matá-la, mas
você o culpou.
É por isso que você pode responder a qualquer pergunta
feita em sala de aula. Ele perfura você a cada chance que tem.
Ele parece pensar que pode tirar sua mãe de você e preencher o
vazio deixado para trás com mais dele.
Ela se senta ao seu lado enquanto você fala, com a cabeça em
seu ombro. Depois, os dois ficam quietos, antes que ela diga
que precisa ir para casa.
Seus pais não sabem que ela saiu.
— Amanhã à noite — ela diz enquanto pega a revista em
quadrinhos. — Se você não tiver nada melhor para fazer, venha
sair comigo.
— Que horas?
— Oito horas — diz ela. — Minha casa.
— Sua casa, hein? Estou começando a pensar que você pode
gostar de problemas.
Ela sorri enquanto te beija, apenas um beijo suave, antes de
dizer:
— Vejo você amanhã, Jonathan.
— Estarei lá — você diz enquanto ela se afasta.
Você não sabe disso, mas aquela garota? Ela sempre foi uma
conspiradora e, no momento, está elaborando um plano. Sabe,
os pais dela vão sair da cidade amanhã à noite. Ela deveria ir
junto, mas está começando a sentir que pode estar sofrendo
com alguma coisa. *cof cof*
Capítulo 9
Kennedy

Antes que eu possa dar mais um passo, sou puxada para parar,
uma mão segurando meu pulso.
Virando, pega de surpresa, eu olho para ele. Jonathan. Ainda
estamos no parque, não muito longe de onde começamos. Há
uma expressão em seu rosto machucado. Não tenho certeza de
como ler, não tenho certeza do que ele está pensando ou como
está se sentindo.
Essa é a coisa com ele, no entanto.
Ele é um ator. Seu talento vem naturalmente. Ele nunca teve
que trabalhar muito duro para isso. Ele pode mudar de humor
em um momento, mudar cenas em um instante, virar o roteiro
sem que ninguém perceba o que está acontecendo. É difícil
dizer se ele está apenas interpretando um personagem ou se
você pode confiar no significado do que ele diz.
— Não — diz ele, sua voz baixa, mas determinada. — Não
faça isso.
— Não fazer o quê?
— Não aja como se você não fosse o suficiente para mim.
— Eu não era.
Ele balança a cabeça, sua expressão piscando com outra
coisa. Raiva? Dor? Frustração?
— Eu não sei como você pode dizer isso, como pode sequer
pensar isso.
— Porque é verdade — eu sussurro, olhando para onde sua
mão está em volta do meu pulso. Ele não solta. — Não estou
dizendo isso para ser rancorosa, mas é óbvio que eu não era o
suficiente para você.
— Como é óbvio?
Eu não posso acreditar que ele está perguntando isso, que
está fingindo não entender o que quero dizer. Ele está fingindo?
Não sei. Ou isso ou ele passou muito tempo ignorando a
realidade.
— Você queria muito mais do que já teve comigo — eu
digo. — Não consegui acompanhar. Tentei, mas não consegui.
As madrugadas, as festas, todos aqueles lugares e rostos
diferentes... Eu me perdi em algum lugar no meio disso tudo,
mas você nunca parou para olhar para ter certeza de que eu
ainda estava com você. E depois com a bebida, as drogas… as
mulheres.
Ele se encolhe quando digo isso.
— Eu nunca te traí.
Ele me disse isso antes, mas não é o ponto. Bom para ele por
manter suas calças, por manter suas mãos para si mesmo, mas
ainda assim, uma e outra vez, ele os escolheu. Ele me deixou para
trás, sozinha, em uma cidade onde eu só tinha ele, para que
pudesse estar com eles.
Atores. Modelos. Socialites.
Lutei tanto por ele e seu sonho. Eu desisti de tudo. Mas até
o final, ele não me deu nem um minuto.
Um minuto foi tudo que eu pedi.
— Não importa — digo. — Agora acabou, de qualquer
maneira.
Ele solta meu pulso, e eu começo a andar novamente. Ele
caminha ao meu lado. Eu posso dizer que ele quer argumentar
seu ponto de vista, e de vez em quando seus lábios se abrem,
como se tivesse encontrado as palavras que precisa para me
convencer, mas ele se detém.
Quando chegamos ao meu prédio, paro no estacionamento
não muito longe da minha porta.
— Obrigada — murmuro, sem jeito, sem saber o que dizer
neste momento.
— Você está errada — diz ele quando eu me viro, sua voz
alta o suficiente para eu ouvir. Deveria saber que ele não iria
deixar isso quieto.
Eu balanço minha cabeça.
— Não estou.
— Você está — diz ele novamente. — E eu odeio ter feito
você pensar o contrário, Kennedy.
Ele se afasta. Eu o observo ir, ignorando o pequeno pedaço
de mim que não quer que ele vá embora.
Maddie já está na cama quando entro, mas Meghan está no
sofá, passando pelos canais tão rápido que não tenho certeza de
como ela pode dizer o que está passando. Ela olha para mim,
parando enquanto se senta.
— Uau, você parece… — ela começa, acenando para mim.
— Eu pareço o quê?
— Eu não sei — ela diz —, mas você parece alguma coisa.
— Eu sinto alguma coisa — murmuro, sentando no sofá ao
lado dela, deixando cair seus sapatos em seu colo enquanto
coloco meus pés em cima da mesa de café. Meu vestido está
puxado para cima quase até a minha cintura. Provavelmente
estou mostrando minha calcinha para ela, mas não me importo.
Que noite.
— Oh Deus, foi tão ruim assim? — ela pergunta, sua voz
ficando baixa enquanto ela aperta o peito. — É pequeno? Ele
tem um instrumento de ponta fina? Ah, Deus, isso é ouro... por
favor, me diga que Andrew tem um dedo mindinho nas calças.
— Não — eu digo com uma risada, fazendo uma pausa
antes de acrescentar: — Bem, eu não sei. Nunca vi, mas duvido
que seja o caso.
— O que você quer dizer com nunca vi?
— Quero dizer, eu nunca vi. Nós nunca... você sabe.
— O que? — Ela me olha chocada. — Vocês já saíram
algumas vezes e nem brincou com aquilo? Por que não? Quero
dizer, eu não culpo você, porque é nojento, mas por que
continua se ele não está ligando para você? Qual é o ponto?
— Talvez porque ele seja legal.
— Legal? Você sabe quem mais é legal?
— Nem comece.
— Senhor Rogers — diz ela. — Ele quer que você seja sua
vizinha. Bob Ross, ele também é legal. Ele vai pintar para você
uma pequena nuvem feliz. Inferno, que tal um dos Cleavers?
Por que não sair com um deles?
— Tenho certeza de que estão todos mortos.
— Sim, bem, sua vagina também está nesse ritmo.
Rindo, eu a cutuco, quase a empurrando para fora do sofá.
— Não está.
— Tudo bem, tanto faz, então Andrew é legal. — Ela finge
engasgar. — Se você não ficou nua, o que fez hoje à noite?
— Fui jantar.
— Jantar — diz ela, olhando para mim. — Você se foi há
quatro horas. Quanto você comeu?
— Por que está fazendo tantas perguntas?
— Apenas me certificando de que você não fugiu e fez algo
estúpido, como ficar nua com outra pessoa.
— Claro que não — eu digo. — Meu vestido ficou no lugar
a noite toda.
— Mas você fugiu, não foi?
— Eu não fiz nada.
Ela acena com o dedo no meu rosto.
— Você viu ele.
Culpada.
Não preciso dizer nada. Ela sabe.
— Jesus Cristo, Kennedy…
— Eu sei, eu sei. Você nem precisa dizer.
— Ah, mas eu vou — diz ela. — Eu não vou te dizer o que
fazer. Quero dizer, eu quero. Quero dizer-lhe para obter uma
ordem de restrição, mas não vou. Eu sei que ele é o pai dela…
— Ele também é seu irmão.
Ela enfia a mão no meu rosto, afastando minha cabeça.
— Argh, não me lembre.
De pé, ela coloca os sapatos, alisando os vincos de suas
roupas.
— Você pode ficar, sabe — digo a ela. — Não precisa se
apressar.
— Eu sei — ela diz, brincando com meu cabelo até que eu
dou um tapa em sua mão. — Mas o universo exige equilíbrio.
Você não se rendeu esta noite, o que significa que depende de
mim, então vou sair para cumprir meu dever cívico.
— Ah, para ser jovem novamente.
Ela me deixa louca.
A verdade é que Meghan me venceu por alguns anos. Ela
está prestes a completar trinta anos e não está nem perto de se
estabelecer. Ela é tão despreocupada que me faz sentir como
uma velha nebulosa.
— Te amo — diz ela.
— Também te amo, Meghan.
— Te amo, bolinho de maçã com açúcar e canela! — ela
grita enquanto abre a porta da frente, sua voz ecoando pelo
apartamento.
Não espero que ela receba uma resposta, mas uma voz
sonolenta chama do quarto:
— Te amo!
Meghan olha para mim, tentando parecer séria, apontando
para os olhos antes de apontar para mim, avisando que ela
estará assistindo.
Antes que eu possa responder, ela se foi.
Eu realmente não conhecia Meghan até que Maddie veio ao
mundo. Nós conversamos algumas vezes, nos vimos de
passagem, mas ela tinha uma vida bem distante de seu irmão.
Ela queria conhecer sua sobrinha, porém, e nos aproximamos
depois disso.
Suspirando, desligo a televisão, trancando a porta antes de ir
para a cama. Eu paro do lado de fora do quarto de Maddie,
espreitando na porta, aqueles olhos azuis brilhando para mim.
— Ei, querida. Você se divertiu esta noite com a tia
Meghan?
Ela acena.
— Você se divertiu com seu encontro?
— Claro — eu digo. — Foi agradável.
— Ele disse que você estava bonita em seu vestido?
— Oh, não. — Eu olho para mim mesma. — Acho que ele
não percebeu.
— Por que não?
— Às vezes as pessoas simplesmente não percebem coisas
assim.
— Eu percebi — diz ela. — Eu não acho que você deve
gostar do encontro se não notarem vestidos bonitos. Porque
você pode ver, mas se eles não veem, então não olharam. E
deveriam olhar para você em encontros quando está bonita.
— Você está certa — eu digo – ela é muito inteligente para
seu próprio bem. — Esse é um ótimo conselho.
Ela sorri enquanto eu ando até lá, me inclinando para beijar
sua testa.
— Durma um pouco — digo a ela. — Talvez possamos fazer
algo especial amanhã.

◈◈◈

— Patos! Patos! Patos! Patos!


Eu balanço minha cabeça enquanto Maddie pega os sacos
pré-embalados de couve da plataforma ao lado da caixa
registradora, cantando animadamente essa palavra,
dificilmente dando a Bethany a chance de escaneá-los, muito
menos jogá-los em sacos com o resto de nossas coisas.
— Você vai ver os patos hoje? — Bethany pergunta com
uma risada, pegando meu dinheiro quando eu pago.
— Sim! — Maddie diz. — Piquenique com os patos! Certo,
mamãe?
— Certo — eu digo – se Lunchables com caixas de suco
contam como um piquenique, o que eu gosto de pensar que
sim.
Bethany franze a testa dramaticamente na direção de
Maddie.
— Menina de sorte. Estou presa trabalhando o dia todo, ao
contrário de sua mãe, então nada de alimentar patos para mim.
— Os patos comem o tempo todo — Maddie diz a ela. —
Todos os dias também, para que você possa alimentá-los
quando não estiver trabalhando!
— Sabe, você está totalmente certa — diz Bethany. — Vou
ter que me lembrar disso.
Maddie sorri, satisfeita, enquanto começa a dançar como se
estivesse brincando de amarelinha, pulando de quadrado em
quadrado no chão xadrez.
Bethany conta o meu troco enquanto muda de assunto,
divagando sobre horários e dias de folga e blá, blá, blá...
precisamente tudo sobre o que não quero falar, mas eu a
acalmo antes de fugir. Olho em volta procurando Maddie,
vendo-a no final da fila do caixa, olhando exatamente para a
coisa que ela não deveria estar vendo.
Hollywood Chronicles.
— Isso é o suficiente — eu digo, pressionando minha mão
nas costas dela, afastando-a. Ela não briga comigo, e fico
instantaneamente grata por ela estar aprendendo a ler agora,
porque isso significa que ela não entendeu metade do que eu vi
naquela capa.
A REABILITAÇÃO CATASTRÓFICA DE JOHNNY
CUNNING!
Álcool, Drogas E Vício Em Sexo Acabando Com A Vida Da
Estrela De Breezeo!
Amigos estão preocupados que ele esteja batendo na porta da
morte!

Eu a levo para fora da loja, carregando nossas coisas de


piquenique enquanto ela arrasta os sacos de couve. Estou
tirando as chaves do carro do bolso, tentando ficar de olho nela,
quando ela finca os saltos, deixando cair uma das sacolas.
Eu quase piso nela, ouvindo-a sussurrar:
— Breezeo.
— Eu sei, querida — murmuro, pegando o saco de couve,
prestes a devolvê-lo a ela quando ela se afasta de mim.
— Breezeo — ela diz novamente, um pouco mais alto desta
vez, saindo do meu lado em um piscar de olhos. Correndo.
— Madison! — Eu chamo, correndo atrás dela. — Pare!
Maddie não para, mas tenho certeza que sim. Ela está a
apenas três metros de distância, indo na direção de alguém que
se aproxima do supermercado. Ela corre para cima,
bloqueando o caminho enquanto diz isso novamente.
— Breezeo!
Oh Deus.
Oh não.
Não não não…
Breezeo.
Jonathan fica ali, piscando para ela, a confusão nublando
seu rosto. Não tenho certeza de como ela o reconheceu, com a
barba cobrindo o queixo, ainda todo machucado. Ele parece
uma versão maltratada do ator, não do personagem.
Meu peito aperta enquanto prendo a respiração. Ele não a
reconhece imediatamente, mas posso dizer no momento em
que começa. Há um lampejo de choque que ele não consegue
esconder antes de sua expressão se endireitar. Ele pode estar em
pânico, mas não está demonstrando, não que eu possa ver.
No entanto, ele não diz nada.
Ele a encara em silêncio.
Eu imaginei esse momento tantas vezes, de tantas maneiras
diferentes, nenhuma das quais estou nem remotamente
preparada, mas nunca foi assim. Eu não tenho ideia de como
ele vai reagir, não tenho ideia do que ele vai fazer. Está tão fora
do meu controle que eu quero apenas agarrá-la e correr.
Os olhos de Jonathan encontram os meus, arregalados,
suplicantes. Aí está o pânico. Com cuidado, dou um passo em
direção a eles.
— Breezeo? — Maddie diz novamente, de pé bem na frente
dele, chamando sua atenção de volta para ela. Ela parece
hesitante agora, em conflito com a forma como ele está agindo,
um fato que parece estimulá-lo a agir.
— Ei — ele diz enquanto se ajoelha, no nível dos olhos dela.
— Não diga isso muito alto. As pessoas podem ouvir.
— Mamãe disse que ela levou meu desenho para você — diz
ela animadamente, sussurrando e gritando. — Você viu?
Ele sorri levemente.
— Eu vi.
Eu mal posso ouvir a voz dele. Ele a encara como se estivesse
guardando o rosto dela na memória, como se temesse que esta
fosse a única vez que o veria.
— Você gostou? — ela pergunta. — Isso te fez sentir
melhor?
— Adorei — diz. — E isso me fez sentir muito melhor.
Obrigado.
— De nada, Breezeo!
Seu olhar encontra o meu. Ele ergue uma sobrancelha. Ele
está esperando que eu faça alguma coisa, mas o quê?
— Maddie, querida, já conversamos sobre isso — eu digo.
— Ele não é realmente Breezeo, lembra?
— Eu sei. — Ela revira os olhos dramaticamente, como se eu
estivesse louca. — Ele é Johnny, como na TV e nos jornais e
outras coisas, mas ele ainda é Breezeo também, certo?
— Certo... eu acho.
— Parece certo para mim — diz ele, estendendo a mão
esquerda para ela. — Meu nome é Jonathan, no entanto. É um
prazer conhecer você.
Ela pega a mão dele, sacudindo-a loucamente.
— Mamãe me chama de Maddie. Você pode me chamar de
Maddie também!
— Maddie — ele repete.
É um momento doce – ou bem, deveria ser doce. Lágrimas
ardem meus olhos, que eu pisco para longe, um nó na garganta
que eu forço para baixo, não querendo confundir Maddie com
minha reação.
— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto baixinho
quando Jonathan se levanta.
— McKleski me mandou buscar leite — diz ele. — Ela me
disse para ser útil.
— Sim, hum… — Olho para a loja. — Você não vai querer
fazer isso. A caixa que está trabalhando, bem, ela é um pouco
fangirl de Breezeo.
— Eu também! — Maddie diz.
Agarro o ombro de Maddie, puxando-a de volta para mim.
— Sim, mas você, pequena, sabe guardar um segredo.
— Eu sei — diz ela, sorrindo amplamente enquanto olha
para mim. — Como aquela vez em que me contou aquele
segredo que você não gostou…
Eu nem sei onde ela quer chegar com isso, mas não a deixo
terminar, apertando minha mão ao redor de sua boca para
abafar suas palavras, assobiando:
— Segredo, lembra?
Jonathan ri.
— Bem, então. Acho que não há leite para McKleski hoje.
Maddie puxa minha mão para longe de sua boca, muito
animada para ficar quieta.
— Eu posso pegar o leite dela!
— Não, eu, hum… — Merda. — Eu posso fazer isso. Levará
apenas um segundo. Apenas… — Merda. — Hum… — Como
eu me meti nisso? — Apenas espere aqui. Você acha que pode…?
— Merda. Merda. Merda. Eu aceno entre ele e Maddie. — Por
apenas um segundo?
Seus olhos se arregalam quando percebe o que estou
perguntando, como se ele não pudesse acreditar em seus
ouvidos, o que é engraçado, porque não posso acreditar que
veio dos meus próprios lábios. Será que eu pedi a ele para cuidar
dela para mim?
— Claro — diz ele hesitante, como se esperasse que eu
mudasse de ideia, e eu quero, mas não posso, não quando já
disse isso. — Se você tem certeza.
Concordo.
— Eu volto já.
Eu tento ficar calma sobre isso, para não dar nenhum
alarme, meus passos determinados enquanto volto para a loja.
Eu caminho para a parte de trás, pegando um galão de leite,
antes de ir para o caixa com ele, meu coração acelerado o tempo
todo. Não posso acreditar que estou fazendo isso. Não posso
acreditar que acabei de fazer isso. Eu a deixei com ele,
simplesmente a deixei lá – com ele – assim. Ele poderia levá-la.
Poderia correr. Pelo que sei, esse era o plano dele o tempo todo.
Talvez ele nem precise de leite.
— Esqueceu alguma coisa? — Bethany pergunta quando
coloco o leite na frente dela.
— Sim — murmuro. — Estúpida, eu.
Ela passa no caixa e eu pago, pegando o galão de leite antes
que ela possa conversar.
Saindo da loja, expiro trêmula, vendo-os ainda ali juntos.
Maddie está falando sem parar, enquanto ele está sorrindo para
ela como se estivesse hipnotizado.
Seu sorriso escurece um pouco quando me aproximo. Ele
quase parece desapontado por eu estar de volta. Eu tento deixar
isso de lado enquanto empurro o leite para ele, mas meu
estômago dá um nó.
— Obrigado — diz ele. — Maddie estava me contando tudo
sobre os patos.
— É mesmo? — Eu olho para ela. — Nós provavelmente
deveríamos ir até lá.
— Eu disse a ele que temos couve! — ela diz, apertando as
sacolas. — Ele diz que isso é maluquice, porque eles comem
pão! Mas ele é o maluco, porque o pão faz mal aos patos, mas
ele não acredita que eles comem a couve!
— Bem, então — digo quando ela faz uma pausa para
respirar. — Acho que ele não sabe muito sobre patos.
— Acho que não — ele concorda, demorando-se como se
não quisesse sair.
— Ele deveria vir! — Maddie declara, olhando para ele com
os olhos arregalados. — Você pode alimentar os patos!
— Eu não tenho certeza sobre isso, querida — digo.
— Por que não? — ela pergunta.
Por que não? É uma boa pergunta, para a qual não tenho
resposta – pelo menos, nenhuma resposta que ela entenda.
— Tenho certeza de que ele está ocupado.
— Muito ocupado para patos? — ela pergunta incrédula,
olhando para ele com descrença. — Você não quer alimentá-
los comigo?
Estou ferrada. É isso. Eu sei disso instantaneamente. A
maneira como ela perguntou isso, a maneira como ela se
expressou? Não tem como ele dizer não.
Ele murmura alguma coisa, sem responder à pergunta dela,
e olha para mim pedindo ajuda. É estranho vê-lo tão vulnerável.
Ele está se afogando agora.
— Estaremos no parque — digo a ele. — Se quiser vir depois
de deixar o leite.
— Tem certeza?
Ele está me perguntando, mas Maddie responde.
— Dã.
Ele ri.
— Bem, então, acho que vou te ver.
Depois de um momento de hesitação, um momento de
olhar para Maddie novamente, ele finalmente sai. Maddie
observa até ele sumir de vista. Virando-se para mim, ela sorri.
— Mamãe, é Breezeo. Ele está aqui!
Ela tem estrelas nos olhos, minha garota sonhadora, e eu
retribuo seu sorriso, embora tenho medo de que tudo isso vá
inevitavelmente esmagá-la. Ele está aqui e está tentando, mas
quanto tempo isso pode durar? Quanto tempo até ele sair da
cidade novamente e voltar para sua vida, deixando tudo para
trás? Quanto tempo até que minha garotinha apaixonada se
torne um inconveniente para ele também?
Capítulo 10
Jonathan

O parque está quieto no início da tarde, algumas famílias


saindo, cuidando de seus próprios negócios. Ninguém presta
atenção em mim enquanto caminho em direção às mesas de
piquenique, boné abaixado, óculos escuros para evitar contato
visual.
Já fiz coletivas de imprensa ao vivo e andei em tapetes
vermelhos, prestei depoimentos com advogados poderosos que
nunca hesitaram em me destruir. Eu fui para a reabilitação uma
vez... duas... ok, mais umas cinco vezes, participei de inúmeras
reuniões do AA e derramei minha alma para o melhor
psiquiatra da costa oeste. Audição após audição, reuniões e
negociações, entrevistas em coletivas de imprensa onde os
repórteres pareciam não entender o que significava “sem
perguntas pessoais”. Eu estive perto de algumas pessoas
importantes na minha vida. Até conheci o presidente uma vez.
Mas nunca, apesar de tudo isso, fiquei tão nervoso quanto
estou neste momento.
Minhas palmas estão suadas. Meu braço está coçando. Meu
pulso dói como um filho da puta, posso senti-lo pulsando
junto com a batida do meu coração.
Acho que vou vomitar, mas resisto enquanto vou em
direção à água, onde Kennedy fica com nossa filha.
Eu me sinto uma merda, sim, mas nada vai atrapalhar isso...
seja lá o que for. Eu vou pegar qualquer coisa que conseguir.
— Você está aqui!
A voz de Madison é alta, animada, enquanto ela corre até
mim, ainda carregando sacos de couve. Seu cabelo escuro cai
em seu rosto, sua trança se desfazendo. Ela sopra para longe,
empurrando-o para fora de seus olhos, sorrindo para mim.
— Claro — eu digo. — Não poderia deixar de ver esses
patos.
Ela empurra um dos sacos para mim, malditamente perto de
me socar com ele. Eu estremeço quando ela atinge uma costela
machucada. Dói como o inferno, mas não faço nenhum som
quando ela diz:
— Você pode alimentá-los com esse, porque eu tenho esse.
Pego o saco, hesitando, antes de puxar a tipoia do meu
braço. Eu deveria continuar usando por mais alguns dias, mas
foda-se. Não dá para fazer isso com uma mão. Eu a jogo na
grama, observando Madison rasgar seu saco, dividindo-o ao
lado e quase perdendo toda a sua couve. Começa a derramar, e
o instinto me impulsiona. Minha mão se estende, e eu a agarro,
estremecendo novamente quando a dor apunhala meu
antebraço.
— Cuidado.
— Eu entendi — diz ela, com naturalidade, embora não
entenda, deixando um rastro de couve ao nosso redor como
João e Maria com migalhas de pão. Nenhuma chegará aos patos
no ritmo que estamos indo.
— Aqui — eu digo, lutando enquanto abro o segundo saco.
— Vamos negociar.
Ela dá de ombros, como se não visse qual é o problema, mas
troca os pacotes comigo antes de ir em direção à água.
— Vamos, vou te mostrar!
Conheci ela há menos de uma hora e já está mandando em
mim. Eu a sigo até a margem do rio, onde uma família de patos
nada na água.
— E a sua mãe? — Eu pergunto, me sentindo culpado,
como se estivesse roubando a manhã de Kennedy.
— Mamãe não gosta de patos. Ela diz que posso alimentá-
los, mas tenho que mantê-los aqui porque eles podem comê-la.
Sorrio com isso, meu olhar procurando Kennedy enquanto
ela se senta em uma mesa de piquenique, nos observando.
— Acho que algumas coisas nunca mudam.
— Como o quê?
Eu olho para Madison.
— Hum?
— Que coisas nunca mudam?
— Pessoas — eu digo. — Ou algumas pessoas, de qualquer
maneira. Sua mãe não mudou muito.
Ainda é a mulher bonita e experiente que sempre foi.
Mesmo aos dezessete anos, quando ela entrou na minha vida,
ela parecia muito mais organizada do que todos os outros, suas
peculiaridades ainda estão lá.
— Você conhece minha mãe? — Madison pergunta,
franzindo a testa.
— Sim — eu digo. — Nós nos conhecíamos bem.
Madison parece meditar sobre isso enquanto fecha o resto
da distância até o rio, pegando um punhado de couve de seu
saco e lançando-a acima, na água. Os patos não hesitam,
correndo direto para ela. Acaba em um instante, e ela joga
outro punhado enquanto eles inundam a margem do rio,
fazendo um tumulto.
— Jesus Cristo — eu digo quando os patos nos cercam,
tentando arrancar o saco da minha mão enquanto Madison ri,
jogando punhado após punhado, sem se incomodar nem um
pouco.
Em pânico, viro o saco e o jogo fora, bem no chão, dando
alguns passos para trás. Madison faz o mesmo, me observando,
polvilhando sua couve em cima deles.
— Você está certa — digo. — Eles gostam disso.
— Eu avisei — diz ela, desintegrando o saco em uma bola
enquanto procura um lugar para colocá-lo.
Eu o pego.
— Posso jogar fora.
— Obrigada, Breezeo.
Isso é tudo o que ela diz antes de sair correndo, pulando,
brincando enquanto alguns patos a seguem, mesmo que ela
não tenha a couve. Pego minha tipoia e jogo os sacos vazios em
uma lata de lixo antes de me aproximar de Kennedy. Ela não
olha para mim, não diz uma palavra, bebendo suco enquanto
observa Madison de longe.
— Louco — eu murmuro. — É como se ela fosse apenas essa
pessoa pequena.
— Ela é — diz Kennedy. — Você estava esperando algo
diferente?
— Não sei se esperava alguma coisa. Eu acabei de…
— Eu sei.
Ela me interrompe antes que eu possa terminar. Ela sabe?
Pode ser. Mas há uma nitidez em sua voz que me diz que ela
não quer falar sobre isso, então não termino a frase.
— Obrigado por me convidar — digo. — Sei que isso não é
fácil para você.
— Não importa como eu me sinto — diz ela. — Você e eu
terminamos há muito tempo, Jonathan. Tudo o que importa é
Maddie.
A maneira como ela diz isso dói.
— Bem, ainda assim, obrigado.
Ela balança a cabeça, sussurrando:
— Não faça eu me arrepender.
Espero como o inferno que não.
Madison corre, respirando pesadamente, agitando as mãos
ao redor enquanto gagueja algumas meias frases. Kennedy pega
uma caixa de suco, enfiando um canudo nela antes de entregá-
la a ela. A garota suga tudo em um gole.
— Você tem a sua fantasia? — ela pergunta de repente
enquanto aperta a caixa vazia, esmagando-a.
A pergunta me pega desprevenido.
— O que?
— De Breezeo. Você tem a fantasia ou não?
— Hum, não — digo. — Não comigo.
— Onde está?
— Em um trailer de guarda-roupa em algum lugar, imagino.
Por quê?
Ela dá de ombros, dando a caixa de suco para sua mãe.
— Funciona? Fica tudo invisível de verdade?
— Não, é uma fantasia normal.
— E você não fica todo invisível?
— Não — digo. — Eu também sou normal.
Ela faz uma careta. Sinto que estou dizendo à garota que o
Papai Noel não é real.
— Mas você é um herói — diz ela. — Eu vi na TV, então
talvez você não precise desaparecer, então você pode ficar e não
ter que ir embora agora.
Essas palavras são um soco no peito. Eu pisco para ela, não
tenho certeza se ela quis dizer o que pareceu, mas estou
verbalmente me encrencando esta tarde.
— Nós lemos parte de Ghosted outro dia — Kennedy entra
na conversa. — Ela não está feliz que Breezeo vá embora no
final.
A explicação não torna isso muito melhor. Suspirando, eu
me sento na beirada da mesa de piquenique.
— Sim, eu sempre achei isso uma merda. Claro, ele achou
que era o melhor, mas imaginei que dariam a ele um final feliz.
— Ele deveria voltar — diz Madison. — Então ele pode
melhorar e eles ficarão felizes.
Ela está chegando muito perto de casa com essa merda, e ela
nem sabe disso.
— Hum, talvez você devesse ter escrito a história.
Os olhos de Madison se arregalam, seu rosto se ilumina com
um sorriso. Sua expressão faz meu maldito coração saltar. Ela é
linda, essa garota – ainda mais linda do que eu jamais poderia
sonhar. Há uma faísca dentro dela, que ecoa dentro de mim, o
tipo de faísca que não sinto há muito tempo.
— Eu posso fazer isso! — ela diz. — Posso consertar isso!
Kennedy ri.
— Tenho certeza que você pode.
Madison sai novamente, correndo. Sento-me em silêncio,
observando-a brincar. Alguns minutos se passam antes que
meu telefone toque no bolso. Eu acendo a tela. Cliff.
— Sim? — respondo levianamente.
— Ei! — Cliff diz, parecendo muito entusiasmado. —
Como nosso herói está se sentindo esta tarde?
— Depende.
— De que?
— Do que você quer.
— Apenas verificando para ver como você está se saindo.
— Nesse caso, estou bem.
— Bom — diz ele. — Um pouco menos idiota mal-
humorado?
— Talvez um pouco.
— Bem, cada pedacinho conta.
Ele ri.
Cliff não ri.
— De qualquer forma, não tive a chance de checar com você
depois que recebeu alta — diz ele. — Voltou para casa em LA?
— Não, eu decidi, você sabe... ficar por aqui.
— Fique por perto — diz ele. — Você ainda está aqui na
cidade?
— Hum, perto disso.
Não demora muito para ele perceber o que quero dizer.
— Você não fez isso. Sério, me diga que não está onde eu
acho que você está agora.
— Eu estou.
Ele bufa.
— Passamos por isso toda vez que você vai aí. Todas as vezes.
Nós passamos. Normalmente, entro em espiral depois de
aparecer em Bennett Landing. Eu me embebedava e abria meu
coração e não parava até que eu estivesse tão entorpecido que
alguém poderia atirar em mim e eu não sentiria. E depois que
eu me recompunha, a palestra viria – estou brincando com
fogo, sou um pesadelo de relações públicas, imagine o que
acontecerá se a notícia se espalhar...
Imagine se os paparazzi aparecerem por lá. Imagine se eles
invadirem a vida dela do jeito que fazem na sua. Imagine-os
perseguindo sua filha na escola. Imagine as histórias que vão
publicar sobre a criança que você abandonou. Imagine o que vai
fazer com você quando o chamarem de pai caloteiro.
— Está bem — eu digo. — Ninguém sabe que estou aqui.
— Você deveria estar indo com calma.
— Pare de se preocupar. Não vou fazer nada estúpido.
— É melhor mesmo — diz ele. — Serena está causando
problemas suficientes agora.
Suspiro, abaixando a cabeça.
— E agora?
— Ela foi para a reabilitação.
Isso não é o que eu esperava que ele dissesse, mas não estou
surpreso.
— Foi voluntário?
— Claro — ele diz —, se você considerar todas as vezes que
você foi voluntariamente.
Nem mesmo perto.
— Ela estava ficando fora de controle — diz ele. — Achei
que era um bom momento para ela pedir ajuda.
— Bom — eu digo. — Espero que dê certo.
— Você e eu, ambos.
— Então é isso? Nada mais?
— Não — diz ele. — A menos que você tenha algo para
compartilhar?
Termino a ligação sem fazer graça e enfio o telefone no
bolso, olhando para Madison. Eu não vou me vangloriar. Hoje
foi um feliz acidente. Não tenho certeza do que acontece a
seguir.
— Deixe-me adivinhar — diz Kennedy. — Sua esposa?
— Eu disse que não tenho uma.
— Aposto que você diz às pessoas que também não tem
uma filha, hein?
Eu viro meus olhos para ela. A amargura escorre de cada
uma dessas palavras.
— Ninguém nunca pergunta.
— Mas você também não oferece a informação.
— Eu faria — digo. — Eu vou, se você quiser. Vou ligar para
um repórter agora mesmo e dar uma entrevista exclusiva. Mas
saiba que, amanhã de manhã, estarão batendo na sua porta.
Estarão escondidos nos arbustos, subindo em árvores, olhando
pelas janelas, escalando para tirar fotos. Hollywood Chronicles
terá você na primeira página na próxima semana. É isso que
você quer?
Ela não responde.
Claro que não é.
É inevitável. Algum dia, eles descobrirão. Só espero que
tenhamos tempo para descobrir as coisas antes que isso
aconteça, tempo para eu conhecer minha filha e ganhar a
confiança de Kennedy antes que os abutres apareçam e tentem
foder tudo.
— Maddie! — ela grita, levantando-se. — Precisamos ir,
querida!
— Não — eu digo imediatamente. — Por favor, não vá
embora.
— Tenho coisas para fazer — diz ela.
— Só mais vinte minutos — eu digo. — Dez minutos.
— Eu faria, mas...
Kennedy para quando Madison corre até nós, seu cabelo
selvagem agora.
— Nós temos que ir, mamãe?
— Nós temos que ir para a casa do vovô, lembra? Dissemos
a ele que iríamos.
— Ele pode vir também? — Madison pergunta a ela antes
de se virar para mim. — Você virá?
— Para a casa do seu avô?
— Sim! Vovô vai gostar de você, porque ele assiste Breezeo
também!
Kennedy ri baixinho enquanto ela junta suas coisas.
— Não acho que seja uma boa ideia — digo. — Talvez outra
hora.
Ela parece desapontada, fazendo beicinho. Eu quero pegá-la.
Quero dizer a ela que vou a qualquer lugar que ela quiser,
mesmo que isso signifique visitar um homem que uma vez disse
que cortaria minhas bolas se eu pisasse em sua casa novamente.
Eu apareci algumas vezes desde então, nunca corajoso o
suficiente para entrar, mas eu faria isso por ela.
Eu teria bolas grandes o suficiente para arriscar que ele as
tomasse. Corte, corte.
— Ah, nem tente esses olhos de cachorrinho com ele —
Kennedy diz, brincando, segurando o queixo de Madison, seus
dedos apertando suas bochechas gordinhas. — Ele é muito
esperto para cair nessa.
— Mas ele pode vir da próxima vez? — ela pergunta.
— Talvez — Kennedy diz. — Veremos.
Abro a boca para dizer adeus, mas Madison se lança em mim
antes que eu possa. Ela envolve os braços em volta do meu
pescoço, e meu coração dói pra caralho quando eu a abraço.
Acaba rápido, rápido demais, enquanto ela se afasta.
— Obrigada, Breezeo!
— Jonathan — Kennedy a corrige.
— Jonathan — diz Madison —, mas ainda Breezeo também.
— De nada, Maddie — eu digo. — Obrigado por me deixar
alimentar os patos.
Kennedy agarra a mão de Madison, demorando-se ali por
um momento. Eu posso dizer que ela quer dizer alguma coisa.
Seus lábios se abrem, mas tudo o que sai é um suspiro antes de
ela ir embora.
“Presentes de Aniversário”

Kennedy Garfield

Na noite de sábado, alguns minutos depois das oito horas, você


estaciona seu Porsche azul na entrada da modesta casa de dois
andares.
A garota te encontra na varanda. Ela está descalça, usando
um vestido cinza simples, do tipo que parece uma camiseta
comprida.
Você pisa na varanda na frente dela. Não tem certeza do que
esperar. Seu olhar a examina. É evidente que você está olhando
para ela, seus olhos se demorando em suas pernas lisas e nuas.
— Então, meus pais não estão em casa — diz ela. — Eu jurei
que não sairia de casa enquanto eles estivessem fora.
Ela está nervosa ao dizer isso, mexendo na bainha do vestido.
Isso te distrai. Seus olhos continuam correndo para lá à medida
que o material avança cada vez mais.
— Quanto tempo eles vão ficar fora?
— Até amanhã — ela diz. — Então sou só eu, em casa,
sozinha, a noite toda... o que devo fazer com a minha noite?
Você encontra o olhar dela. Você sorri.
Não precisa dizer uma palavra.
Ela te puxa para dentro de casa. Ela é ousada, novamente
dando o primeiro passo, beijando você assim que você entra.
Seus lábios expressam confiança, mas suas mãos estão
tremendo. Você as agarra, segurando-as, e a beija de volta.
— Feliz aniversário — ela sussurra. — Eu tenho algo para te
mostrar.
— Mal posso esperar para ver.
Ela leva você para cima.
Ela te leva para o quarto dela.
É mal iluminado por um pequeno abajur e parece o quarto
típico de uma adolescente – bagunçado, cheio de cores,
edredom florido. Há um pôster de Breezeo: Ghosted na parede
acima de sua cama. Há uma vela acesa em uma mesa próxima.
Tem cheiro de baunilha.
— Você tem certeza sobre isso? — pergunta quando ela te
beija de novo, mas não há dúvida de que ela tem certeza. —
Achei que você gostaria de assistir a um filme ou algo assim
primeiro.
— Você?
— Eu o que?
— Você quer assistir um filme? — ela pergunta, beijando ao
longo de sua mandíbula machucada. — Quero dizer, acho que
podemos, se é isso que você quer...
— Foda-se — você diz enquanto a move para a cama. — O
que eu quero é descobrir como é estar dentro de você.
Ela cora e ri, o som se transformando em gemidos enquanto
você beija seu pescoço. Você não perde tempo tirando o vestido
dela, deixando-a na sua frente em um fio-dental preto rendado
com um sutiã combinando.
— Porra, você é linda, K — você diz enquanto seu olhar a
examina. — Tão linda.
Ela revira os olhos dramaticamente.
— Estou falando sério — você diz, puxando-a para baixo na
cama. — Nunca duvide disso. Você é a rainha, baby... eu sou
apenas um plebeu.
— Você acabou de…? — Ela olha para você enquanto a
empurra de costas e paira sobre ela. — Ah, meu Deus, você
realmente acabou de citar Breezeo para mim.
— Preliminares — você diz. — Além disso, é uma boa fala.
Ela está sem palavras.
Você arranca sua camisa e chuta seus sapatos. Você só tem
uma camisinha guardada na carteira, não achava que chegaria
tão longe, e quem sabe quantos anos ela tem, mas ela está
tomando pílula, então você vai com ela. Sem parar agora.
O resto das roupas desaparecem.
Você se move lentamente, seu toque suave, dando-lhe
tempo para se ajustar. Seus dedos estão dentro dela, e sua boca
está nela, enquanto o orgasmo a atravessa. Você vai com calma,
enquanto tira a virgindade dela, empurrando com cuidado e
pausando. Ela está confiando em você, se entregando a você.
Não quer machucá-la.
Você a faz se sentir bem.
De novo e de novo.
Você fica a noite toda.
Está quase amanhecendo quando finalmente coloca suas
roupas de volta. Ela está deitada lá, o cobertor enrolado em
volta dela, observando enquanto você se senta na beira da cama
para colocar os sapatos.
Enquanto você os amarra, ela se senta, envolvendo os braços
em volta de você por trás. Ela te abraça, com a cabeça apoiada
nas suas costas. Ela fica assim por alguns minutos antes de se
afastar de você.
— Droga, quase esqueci de te mostrar aquela coisa do seu
aniversário!
— Achei que essa coisa fosse você.
— O que? Não. — Ela ri, o cobertor ainda enrolado em
volta dela. Ela quase tropeça nele enquanto arrasta você para
baixo, forçando-o a se sentar no sofá da sala. — Senta.
Ela se senta ao seu lado e liga a TV. Você acha que talvez ela
esteja tentando assistir a um filme agora, mas não, ela vai para
algo que ela gravou – Law & Order.
— De jeito nenhum — você diz quando ela aperta o play.
É o seu episódio.
— Foi há alguns dias — ela diz. — Felizmente, a televisão
passa as mesmas coisas repetidamente, e eu peguei em uma
reprise.
Você ri, colocando seu braço em volta dela.
Vocês dois sentam juntos e assistem.
Não apenas suas peças. Você assiste tudo. Quando acaba, ela
olha para você e diz:
— Eu não me importo com o que mais você fará no futuro,
mesmo quando você for a maior estrela de cinema do mundo…
o garoto morto em Law & Order sempre será meu papel
favorito que você desempenhou.
Você vai embora não muito depois disso.
São sete horas da manhã.
E você não sabe disso, mas aquela garota? Ela percebe,
enquanto seu carro acelera, que está se apaixonando
desesperadamente por você. Seu corpo está dolorido, e seu
peito dói, seu coração bate descontroladamente. Ela não teve
um momento de sono, mas isso não importa nem um pouco.
Ela está nas alturas, e nada pode derrubá-la dessa euforia – nem
mesmo quando um vizinho intrometido conta ao pai tudo
sobre o Porsche azul que passou a noite estacionado na
garagem. Nem mesmo quando ele percebe as mordidas de
amor em volta do pescoço de seus lábios frenéticos. Nem
mesmo quando ele ameaça tirar sua masculinidade e diz que ela
está de castigo pelo resto da vida. Porque a noite que aquela
garota acabou de passar com você? Valeu a pena.
Capítulo 11
Kennedy

— Vovô! Vovô! Adivinha quem eu vi!


Maddie começa a gritar assim que sai do carro, correndo
para a varanda da casa. Meu pai está sentado em sua cadeira de
balanço, parando seu movimento.
— Quem?
— Breezeo! — ela diz, parando na varanda na frente dele,
agitando os braços enquanto começa sua história. — Ele estava
na loja e não acreditou que os patos gostam de couve, então
veio ao parque para ver e alimentou os patos também! Mas
acho que ele ficou com medo, porque ele não os alimentou
bem, mas eles comeram mesmo assim.
Meu pai pisca para ela enquanto absorve essas palavras.
— Breezeo.
Ela concorda.
— Mas não o Breezeo de verdade, porque ele não é real,
então ele é Jonathan.
— Jonathan.
Outro aceno.
— Eu disse a ele que deveria vir aqui também, porque você
gosta de Breezeo, e ele disse que talvez da próxima vez.
Meu pai solta uma risada de incredulidade.
— Ah! Eu gostaria de vê-lo vir aqui.
— Pai — eu aviso.
— Eu também! — Maddie diz, sem perceber que é uma
ameaça limítrofe. Ela corre para dentro, deixando-me sozinha
com meu pai. Ele não diz nada, mas ainda assim sua expressão
diz tudo.
— Isso meio que virou uma bola de neve — eu digo,
sentando na varanda ao lado dele. — Precisamos conversar
sobre o perigo de estranhos, porque ela se apegou a ele
imediatamente.
— Tal mãe, tal filha — diz. — Eu vou supor que você não
disse a ela o que ele é dela.
— Sim, não... não sei como explicar isso.
— Você acabou de dizer a ela.
— Não acho que seja tão simples.
— Mas é — diz ele. — Ela é uma garota inteligente. Além
disso, você realmente acha que ela vai receber mal a notícia?
— Não, acho que ela vai ser a criança mais feliz do planeta,
o que é metade do problema. Por que o que acontecerá se ele a
decepcionar?
— Odeio dizer isso a você, mas isso não é algo que você pode
controlar. Será que ela vai se decepcionar? Provavelmente. Mas
ele vai amá-la, por quê, quem não amaria? E se ele está fazendo
um esforço, ela merece uma chance de amá-lo em troca.
Ele está certo, é claro, mas ele faz parecer tão simples quando
parece tudo menos isso no momento.
— Você percebe que estamos falando sobre o mesmo cara
que uma vez você chamou de a pior coisa que poderia acontecer
com a filha de alguém?
Ele ri.
— Vovô, posso ficar com isso? — Maddie pergunta, saindo
para a varanda, segurando um picolé de banana. Ela lambe, sem
esperar por permissão, uma mordida já tirada do topo.
— O que? Você quer meu picolé? — Ele torce o rosto. —
De jeito nenhum! Eu estava guardando isso para mais tarde!
Ela congela, olhos arregalados piscando entre o picolé e ele.
— Oh-oh.
— Estou brincando — diz ele, cutucando-a. — Claro que
você pode comer, pequena.
É depois do anoitecer quando chegamos em casa. Maddie
está dormindo profundamente, então eu a pego e consigo
carregá-la para o apartamento. Ela já está descalça, seus sapatos
abandonados no carro, então eu a coloco na cama como está,
cobrindo-a e beijando sua testa.
— Amo você, querida.
Ela murmura sonolentamente algo de volta que soa como
“patos loucos”.
A exaustão pesa em mim, tão densa em meus ossos que
minhas entranhas parecem quebradiças, pedaços de mim já
despedaçados. Tomo um banho quente, tentando relaxar, mas
nada pode desligar meus pensamentos. Eles são uma bagunça
confusa.
Não sei mais como devo me sentir.
Saindo da banheira, coloco meu roupão e me acomodo no
meu quarto. Alcançando minha mesa de cabeceira, pego o
velho cartão de visita e me deito na cama com meu celular.
Johnny Cunning
Abaixo de seu nome estão suas informações de contato,
junto com seu agente do outro lado. Os cartões são enfiados
nos envelopes que aparecem com os cheques grotescos. Nunca
aceitei um único centavo do dinheiro dele, mas uma vez, há
muito tempo, guardei um dos cartões. Apenas para garantir.
Abrindo minhas mensagens de texto, digito seu número,
hesitando enquanto olho para a tela em branco. O que dizer?
Ei, é Kennedy.
Clico em enviar sem me deixar pensar muito sobre isso,
sabendo que se eu me der tempo para adivinhar isso, nunca vou
seguir em frente.
Uma resposta aparece em segundos.
Oi. Tudo certo?
Tudo certo? Não. Tudo parece tão fora de controle.
Só me perguntando se você está ocupado amanhã.
Não, o que há?
O que acontece é que não sei o que diabos estou fazendo,
mas faço, seja lá o que for, enquanto ainda tenho coragem.
Achei que poderíamos nos reunir para contar a
verdade a Maddie.
Sua resposta não é tão rápida desta vez, um minuto, talvez
dois, antes que uma mensagem apareça.
A verdade?
Isso é um problema?
Mais alguns minutos se passam sem nada. Estou começando
a me perguntar se estou cometendo um erro quando meu
telefone toca, o número da Califórnia piscando na tela. Ele está
ligando. Meu estômago se revira.
— Olá?
Há um momento de hesitação antes que ele diga:
— Eu não achei que você realmente responderia.
— Sim, bem, eu respondi — murmuro, pensando que
deveria ter deixado ir para o correio de voz. — Então, há algum
problema?
— Não, só estou me perguntando o que a verdade significa
para você.
Minha testa franze enquanto olho para o meu teto.
— O que?
— Você disse que quer dizer a verdade a ela — diz ele. —
Toda a verdade?
Não tenho certeza de como responder. Quanto eu quero
dizer a ela? Quanto ele precisa se preparar? Eu me pergunto o
quanto ele já enfrentou a si mesmo.
— Eu não sei — admito.
Fica assustadoramente quieto, mas sei que ele ainda está na
linha. Eu posso senti-lo, detectando fracamente sua respiração.
Depois de um momento, ele solta um suspiro profundo.
— Que horas?

◈◈◈

Meio-dia.
O sol está brilhando lá fora, a luz entrando pelas janelas
abertas do apartamento, aquecendo o lugar com um brilho
suave. Uma brisa flui através das telas, agitando as finas cortinas
brancas enquanto alguma boy band de pop atual toca no rádio
na sala de estar. Maddie dança ao redor, vestindo sua melhor
roupa de domingo – o que significa que ela está vestida como
uma espécie de pequena super-heroína indisciplinada, com um
tutu e meia-calça listrada de arco-íris, uma camiseta preta muito
grande de Breezeo, completa com um cobertor roxo felpudo
jogado ao redor dela como um capa. Ela está em todo lugar,
uma bola de energia esta manhã, enquanto eu estou... bem...
estou uma bagunça.
Meus olhos ardem. Eu não dormi muito, olhando para o
teto na escuridão, evocando conversas hipotéticas, jogando
anos de e se. Esta manhã, minhas mãos estão tremendo
enquanto me ocupo da limpeza, tentando me distrair da
realidade, mas não está funcionando. Não importa o quanto eu
varra, esfregue e limpe, continuo pensando no tamanho do
desastre que isso pode se tornar.
A música no rádio muda... uma banda de garotas desta vez...
quando uma batida suave soa na porta do apartamento.
— Eu entendi! — Maddie grita, indo para a porta enquanto
eu fico tensa, no meio de limpar os balcões da cozinha pela
terceira vez.
— Não, espere, espere um segundo — eu digo, mas ela não
está prestando atenção. O relógio na parede marca 12:01. Eu
disse a ele para vir a qualquer hora da tarde, e já passa do meio-
dia agora, o que significa...
— Breezeo! — ela anuncia, abrindo a porta, animadamente
girando para me procurar. — Mamãe, olhe, é...
— Jonathan — eu digo, saindo da cozinha, nervosamente
esfregando minhas mãos nas coxas do meu jeans.
— Jonathan — ela repete, de pé na porta na frente dele.
Ele a encara, sorrindo.
— Maddie.
— Entre! — Maddie diz, agarrando seu braço – o ferido –
para puxá-lo para dentro do apartamento. Ele faz uma careta,
sem resistir, mas seu sorriso vacila quando seus olhos
encontram os meus.
Suspirando, eu fecho a porta atrás deles, minhas costas
pressionando contra ela. Maddie está divagando – sobre o quê,
eu não sei. Sinto como se estivesse escorregando debaixo
d’água, meu coração acelerado febrilmente, mas Jonathan
parece entender. Ele está sorrindo para ela novamente,
ouvindo, enquanto ela parece dar a ele um rápido tour pelo
apartamento.
Ele para perto do pequeno corredor que leva aos quartos,
seu olhar encontra o meu novamente. Eu sei o que ele está
pensando. Não tenho certeza de como, ou mesmo por que, mas
no momento em que nossos olhos se conectam, é como ser
empurrada de volta no tempo – para outro lugar, um
apartamento diferente, de alguma forma ainda menor, mas foi
nosso lar por um tempo.
— Podemos ir brincar no meu quarto! — Maddie diz,
tentando puxá-lo em direção a ele.
— Oh, ei, ei — eu digo, saindo do meu estupor enquanto
me afasto da porta. Ele aparece e tudo sobre estranho perigoso
some de sua cabeça. Eu sei que ele é o pai dela e tudo, mas ela
não sabe disso. Ainda não. — Espere um pouco, garotinha.
Precisamos ter uma conversa.
Seus olhos se arregalam. Eu olho entre ela e Jonathan, suas
expressões quase idênticas. Preocupadas.
— Eu não fiz nada — diz Maddie, balançando a cabeça.
— Eu sei — digo, apontando para o sofá. — Sente-se.
Ela se senta, finalmente soltando Jonathan. Ele
cuidadosamente se senta na beirada do sofá ao lado dela.
Demoro um momento antes de me empoleirar na mesa de café
na frente dela.
— Eu, hum… — não tenho ideia de como começar. —
Quero dizer, nós...
— Talvez eu devesse… — Jonathan começa, fazendo uma
pausa antes de dizer: — Você sabe.
— Está bem — digo. — Entendi.
— Entendeu o que, mamãe? — Maddie pergunta.
— Queríamos falar com você sobre algo — digo a ela. —
Sobre o porquê de Jonathan estar aqui.
— Para brincar comigo? — ela pergunta.
— Não — digo, balançando a cabeça. — Bem, quero dizer,
talvez, mas não é bem isso. Sabe, eu o conheço há muito tempo,
desde antes de você entrar na minha vida, querida.
— Oh. — Ela me encara. — Então ele vai brincar com você?
— O que? Não. — Eu zombo, fazendo uma careta. Argh,
posso sentir minhas bochechas esquentando. — Não é nada
disso. É só que… olha, você conhece sua amiga Jenny que
morava ao lado do vovô? Lembra-se quando ela foi embora, e
eu expliquei que os pais dela decidiram não morar mais juntos,
porque alguns pais não moram juntos, então ela teve que ficar
em uma casa diferente?
Seus olhos se arregalam novamente.
— Eu tenho que ir embora?
— O que? Não! Você não precisa ir a lugar nenhum.
— Promete?
— Eu prometo. Não é isso. Só estou dizendo, sabe, às vezes
os pais não moram juntos, e tudo bem, e isso não os torna
menos familiares. Todo mundo tem uma mãe e um pai.
Ela balança a cabeça.
— Nem todos.
— Sim, querida. Todos.
— Nah-ah, Noah na minha escola não tem pai. Ele tem duas
mães!
— Ah, bem... tudo bem, mas ainda assim, é isso que quero
dizer. Todo mundo tem dois pais.
— Mas Jenny não tem dois agora. Ela tem três, porque o pai
dela se casou, então ela tem outro tipo de mãe diferente, certo?
— Certo. — Cara, estou estragando tudo isso. — Mas ela
ainda tem o pai dela também, então o que estou dizendo é…
— Eu sou seu pai.
A voz de Jonathan é baixa quando ele interrompe, mas ainda
tem força suficiente para me fazer inalar bruscamente.
Maddie olha para ele.
— Você quer ser meu pai?
— Eu quero — diz ele. — Eu já sou.
Sua boca se abre em choque.
— Você se casou com a mamãe?
Ele pisca rapidamente, pego de surpresa, enquanto eu
engasgo com o ar, tossindo com essa pergunta.
— Oh, não, nós não… — Seus olhos cortam meu caminho
antes que ele continue. — Não é desse jeito. Eu sempre fui seu
pai.
— Como?
— Como? — Ele repete. — Bem, eu simplesmente sou. Sua
mãe, ela é sua mãe, e eu sou seu pai.
— Mas como? — ela pergunta novamente.
Ele olha para mim pedindo ajuda, como se não tivesse
certeza do que ela está pedindo, então eu falo de novo antes que
ele leve isso ao pé da letra e comece a falar sobre os pássaros e as
abelhas.
— Mamães e papais nem sempre estão juntos, lembra?
Então ele ainda é seu pai, mesmo que não esteja por perto.
— Mas onde ele estava?
Ela está me perguntando, não ele. Eu sei que é porque ela
confia em mim implicitamente, e por mais que ela adore o que
ela acredita que ele é, ainda não conhece Jonathan. Mas não sei
como responder a isso, ou se deveria. Não sei se deveria ser eu a
explicar sua ausência, a dar suas desculpas.
— Eu não estava onde deveria estar — ele entra na conversa.
— Eu deveria estar com você, mas estava...
— Doente — digo quando ele luta por palavras.
— Doente — diz ele.
— Você teve o problema da barriga? — ela pergunta,
olhando para ele.
— Não, foi pior do que isso — ele admite —, e sou o
culpado, ninguém mais. Eu fiz algumas escolhas muito ruins.
Eu…
— Você desapareceu? — ela pergunta.
— Eu errei — diz ele. — Sei que não estive aqui para você,
mas eu quero estar aqui agora, se você me deixar.
Ela fica em silêncio por um momento, pensando sobre isso,
antes de dar de ombros.
— Ok.
Ele parece atordoado.
— Ok?
— Ok — ela diz novamente, levantando-se do sofá
enquanto ela pega a mão dele para puxá-lo junto com ela
novamente. — Mas você tem que dormir na cama da mamãe,
porque a minha não cabe você.
— Hum… — Ele ri sem jeito enquanto a segue. — O que?
— Ele não vai morar conosco — digo. — Lembra dos pais
de Jenny?
Ela assente, olhando para mim.
— Mas ele pode brincar agora, mamãe? Por favor?
— Claro — digo, dando-lhe um sorriso. — Ele pode ficar e
brincar o quanto quiser.
Ela o arrasta para longe antes que eu diga qualquer outra
coisa.
Eu a ouço vagamente divagando sobre algo de seu quarto
enquanto tento me ocupar novamente para não me fixar em
sua presença. Eu limpo um pouco mais. Ouço música. Assisto
um pouco de televisão.
As horas passam.
Longas, longas horas, algumas das horas mais longas da
minha vida. Não sei o que eles estão fazendo, não querendo
interromper, mas posso ouvir Maddie rindo, e posso ouvi-lo
falando, os dois conversando.
Está quase anoitecendo e estou na cozinha, preparando o
jantar, quando as coisas ficam quietas. Ouço passos atrás de
mim, presos no chão de madeira, vindo em minha direção.
Jonathan faz uma pausa bem na entrada.
— Ela adormeceu.
— Não estou surpresa — eu digo. — Ela esteve animada o
dia todo.
Eu olho para a comida no fogão. Ela tomou café da manhã
e almoçou, mas agora eu sei que o jantar é um fracasso. Mesmo
quando a acordar, duvido que ela coma muito.
— Sim — diz ele, inclinando-se contra o batente da porta.
— Eu gostaria de ter metade da energia dela. Engarrafar e levar
comigo para aquelas noites no set.
— Acho que supera a coca, hein?
Sua expressão entristece quando digo isso. Imediatamente,
me sinto um lixo. Argh.
— Desculpe — digo. — Não deveria ter dito isso.
— Está bem — diz ele. — Eu mereço o que quer que você
jogue em mim.
— Talvez sim, mas eu disse a mim mesma há muito tempo
que não faria essa coisa toda de mulher desprezada.
Termino o jantar, juntando tudo, desligo o fogão enquanto
ele fica ali.
— Está com fome? — Eu pergunto. — Posso fazer um prato
para você.
— Você não precisa fazer isso.
— Eu sei, mas estou oferecendo.
— Bem, hum... tudo bem. — Ele caminha até a mesa. — Se
você não se importa.
Eu preparo dois pratos de comida. Espaguete e pão de alho
– nada extravagante, mas a gente consegue. Eu não sou uma
boa cozinheira, francamente. O macarrão ainda está meio
crocante e o molho saiu de uma jarra. Sentamos à mesa um de
frente para o outro. Ele espera até que eu dê uma mordida antes
mesmo de tocar seu garfo.
Eu belisco minha comida, sem fome, mas quando ele
começa a comer, não para até que o prato esteja vazio. Eu me
pergunto quando ele comeu pela última vez uma refeição
caseira. Gostaria de saber se ele tem um chef contratado. Eu me
pergunto se Serena cozinha para ele.
Serena. Ele me disse que eles não eram casados, mas, além
disso, ele evitou o assunto.
— Ela sabe?
A pergunta voa dos meus lábios antes mesmo de eu pensar
muito.
Sua expressão é cautelosa.
— Quem sabe o quê?
— Serena — eu digo. — Ela sabe sobre nossa filha?
Ele hesita, como se tivesse que pensar sobre isso.
— Tenho certeza que sim.
— Com certeza.
— Lembro-me vagamente de ter contado a ela — diz ele. —
Mas nós dois estávamos chapados na época, então quem sabe
se ela acreditou em mim ou se ela se importava.
— Uau — digo. — É bom saber.
— Nós não estamos… — ele começa, esfregando a mão no
rosto. — Olha, sobre isso...
— Não é da minha conta — eu digo. — Não mais. Tudo o
que você faz e com quem você faz, isso é com você. Mas se
começar a afetar Maddie...
— Não vai — diz ele. — Isso não é sério.
— Parece sério.
— As aparências enganam. Nós somos apenas amigos.
— Amigos — digo. — Então você está me dizendo que
nunca fez sexo com ela?
Ele hesita.
— Foi o que eu pensei — murmuro, girando o espaguete
não comido no meu prato.
— Não foi sério — diz ele. — Foi só uma coisa que
aconteceu.
— Há quanto tempo?
— Não sei — diz ele. — Estava ligado e desligado.
— Quando foi a primeira vez?
Sei que estou fazendo muitas perguntas para alguém cujo
negócio não é esse, mas a porta está escancarada, e não consigo
me impedir de espiar por dentro em busca de respostas.
Ele hesita novamente.
— Esqueça que eu perguntei — digo enquanto desisto de
comer, me empurrando para fora da minha cadeira. Conversa
encerrada. Eu me ocupo em guardar as sobras e começo a
limpar enquanto ele fica sentado lá.
— Posso ajudar com isso? — ele pergunta quando eu encho
a pia com água quente.
— O que, você vai lavar a louça com uma mão?
— Hum, eu acho — diz ele. — Você não tem lava-louças?
— Não — digo, olhando para a máquina de lavar louça. —
Bem, eu tenho, mas não funciona.
— O que há de errado com ela?
— Quem sabe? A manutenção deveria consertá-la, mas
bem, como meu pai sempre diz, eles são tão úteis quanto o
Congresso. Nunca consertaram minha lavadora e secadora.
— O que há de errado com sua lavadora e secadora?
— Uma vaza, o outra não aquece.
Ele fica estranhamente quieto quando começo a lavar a
louça. Quando olho para ele, vejo que está olhando em volta,
com a testa franzida.
— Por que você mora aqui?
— Por que eu não moraria?
— Não é muito.
— É o suficiente — digo —, para nós, de qualquer maneira.
Eu trabalho em uma mercearia, sabe. Isso é o que paga.
— Por quê?
— Talvez porque nunca fui para a faculdade como deveria,
então faço o que tenho que fazer.
— Mas por quê?
Virando-me, eu olho para ele novamente.
Ele está olhando para mim com confusão.
— Eu envio dinheiro — diz ele. — Deve ser suficiente.
— Eu não quero o seu dinheiro.
— Por quê?
— Por que, Jonathan? Você realmente está me perguntando
por quê?
— Olha, só estou dizendo...
— Eu sei o que você está dizendo, mas estamos bem sem o
seu dinheiro.
— Vamos, não seja assim, K.
— Assim como?
— Assim. Eu quero ajudar.
— Então seja um pai, não um salário.
Ele fica quieto, enquanto continuo lavando a louça.
Quando termino e começo a drenar a água, ele se levanta para
ir embora. Ele dá alguns passos antes de hesitar, dizendo:
— Eu nunca te traí.
Secando minhas mãos, eu me viro para ele, recostando-me
no balcão.
— Estou falando sério — diz ele. — Os últimos anos são um
borrão, então não posso dizer o que não me lembro, mas sei que
terminamos antes que algo acontecesse com ela.
Eu aceno, olhando para minhas mãos.
— Eu não estava acusando você de traição. Só queria saber
quanto tempo você levou para seguir em frente.
— Ah, bem, essa é fácil — diz ele. — Isso não aconteceu.
Capítulo 12
Jonathan

Os porões escuros da igreja não são meus lugares favoritos, nem


são minha ideia de diversão. Costumo pensar neles como males
necessários, embora Jack surtasse se me ouvisse dizer isso. Eles
são onde vamos derramar nossas almas, confessionários para os
alcoólatras do mundo.
Encontros. Eu os odeio.
Eles deveriam ser seguros, anônimos, mas nem sempre é o
caso. As pessoas tendem a reconhecer meu rosto, e bem... a
próxima coisa que você sabe, as fotos vazam e se transforma em
uma merda.
Cadeiras dobráveis de metal enchem o porão do Hatfield
Episcopal. Eu deslizo em um assento na parte de trás, grato que
eles não estão dispostos em um círculo para que eu possa ficar
sozinho. Novo lugar, novos rostos, o que significa que eles vão
querer ouvir minha história, mas não estou planejando falar. Só
preciso de um lembrete esta noite.
As pessoas se infiltram, cerca de uma dúzia delas, homens e
mulheres, ninguém que eu reconheça até ele.
Filho da puta.
Michael Garfield.
Ele vai direto para a frente. Eu desvio meu olhar, mantendo
minha cabeça baixa com o boné, mas é inútil. Ele faz uma pausa
na frente de todos, os olhos pousando em mim enquanto ele
chama a reunião para começar.
Merda.
— Saudações. Meu nome é Michael e sou alcoólatra.
— Olá, Michael.
O coro de vozes ecoa pela sala, mas eu não digo uma palavra,
sentando em silêncio e olhando para o meu colo enquanto ele
continua.
— Estou sóbrio há mais de vinte anos — diz ele antes de
entrar no discurso de sempre. Já passei por muitas dessas
reuniões e elas sempre começam da mesma maneira – uma
introdução desconexa antes que a palavra seja aberta para o
compartilhamento. Ninguém parece estar conversando, então
ele sugere: — Por que não falamos sobre perdão?
Sorrio baixinho. Eu posso sentir seu olhar.
Eles falam. Eu escuto.
A reunião dura noventa minutos.
Parece mais do que aqueles noventa dias que passei na
reabilitação.
Depois que acaba, fico no meu lugar, deixando todos os
outros filtrarem para fora do porão. Michael caminha em
direção à saída, seus passos parando ao lado da minha cadeira.
Ele me encara por um momento, sua expressão dura, antes de
se afastar sem dizer nada.
Ele se foi quando eu consegui sair da igreja. Todos se foram,
o estacionamento está vazio. Estou sozinho.
Pegando meu telefone para ligar para Jack, para avisá-lo que
cheguei àquela maldita reunião como ele pediu, percebo que
tenho uma mensagem de voz. Kennedy. Ela ligou há uma hora.
Eu pressiono o botão para ouvir enquanto eu sigo pelo
estacionamento, meus passos vacilando quando a voz é clicada.
Não, não Kennedy. Madison.
— Mamãe disse que eu poderia te ligar porque quando eu
acordei e você tinha ido embora. Ela disse que você comeu
espaguete, mas depois teve que ir. E eu vou comer um pouco
agora porque é o meu favorito, além de pizza de queijo com
apenas queijo. Talvez possamos comer amanhã quando eu não
estiver na escola! Podemos jogar de novo se minha mãe disser
que está tudo bem, mas você deve perguntar e não eu, porque
é uma noite de escola, mas ela pode dizer sim se você perguntar.
Kennedy ri ao fundo, dizendo:
— Eu posso ouvir você.
— Oh-oh — sussurra Madison. — Eu tenho que ir agora.
Sorrindo para mim mesmo depois que ela desliga, abro
minhas mensagens e envio uma para Kennedy. Desculpe ter
perdido, mas obrigado por deixá-la ligar.
A resposta dela vem imediatamente. É claro.
Eu considero isso um momento antes de digitar: Alguma
chance de fazermos isso de novo amanhã? Eu fornecerei a
pizza se você fornecer a criança.
Assim que clico em enviar, digito outra. Completamente
minha ideia, é claro.
Não há uma resposta – não imediatamente, pelo menos.
Coloco meu telefone no bolso e faço a caminhada até a
pousada, o bairro tranquilo.
Chegando ao local, subo na varanda enquanto meu telefone
vibra com uma mensagem. Eu olho para ela, meu estômago
revira.
Acho que não foi.
Antes que eu possa guardar o telefone, vejo que ela está
digitando novamente. Isso continua e continua enquanto eu
fico aqui, esperando, tentando não ter muitas esperanças.
Parece um século antes que a mensagem chegue.
Vou estar ocupada no trabalho, terça-feira é melhor.
Está tudo bem para você?
Soa bem.
Eu deslizo meu telefone enquanto a porta da frente da
pousada se abre, McKleski aparecendo na porta.
— Você está planejando entrar ou vai passar a noite aqui?
Há uma ironia em suas palavras, mas não penso nisso. Eu
passo por ela.
— Não tenho certeza de qual seria mais confortável.
— Varanda, provavelmente. Eu poderia até jogar um
travesseiro para você.
— Sempre diziam que você era hospitaleira.
— E sempre disseram que você era meio patife.
— Um patife — murmuro.
— De verdade — ela diz —, mas se você me perguntar, eu
diria que isso é o mínimo.
— Bem, ainda bem que não estamos perguntando a você,
hein?
Ela ri disso, me dando um tapinha nas costas.
— Certamente é, porque se estivéssemos me perguntando,
há muito que eu teria a dizer.
— Tipo?
Eu me arrependo no momento em que pergunto isso. Essa
mulher não hesitaria em me arrastar para o inferno e voltar com
o veneno de suas palavras.
— Ah, não, eu não vou jogar esse jogo.
— Que jogo?
— Aquele em que eu te dou mais motivos para se lamentar
por aqui com essa atitude de “coitado de mim”.
— Eu não estou deprimido.
— Ele diz com uma voz triste.
Sorrio enquanto ela zomba de mim.
— Você deve saber que eu realmente tive um bom dia.
— Bem, bom para você — diz ela. — Se você está com fome,
há comida na cozinha, mas eu vou para a cama, então
mantenha todo o tumulto baixo.
— Sim, senhora.

◈◈◈
Segunda-feira veio e foi.
Quase passei o dia inteiro na cama, mas McKleski não estava
bem com essa merda. Acordei com ela batendo na porta do
quarto em algum momento da tarde, uma lista de tarefas
jogadas em mim.
Coisas para fazer.
— Já que você vai ficar aqui — ela disse —, é melhor fazer
alguma coisa.
Eu fiz tudo – ou pelo menos, o que pude. Limpando,
pendurando quadros, consertando uma porta que range. Não
foi fácil com meu pulso fodido, e não estou acostumado com
trabalho braçal, mas consegui fazer dar certo, me mantendo
ocupado, esperando a terça-feira.
Terça-feira.
Quando chega às cinco da tarde de terça-feira, me aproximo
do apartamento, carregando duas pizzas grandes – uma pizza
de queijo só com queijo, como Madison pediu, a outra uma
monstruosidade feita com presunto e abacaxi.
Hesitante, eu bato, ouvindo uma enxurrada de passos
dentro antes que a porta se abra, a pequena bola de energia na
minha frente, sorrindo.
— Madison Jaqueline! — Kennedy grita, aparecendo na
minha linha de visão. — O que eu disse sobre atender a porta
assim?
— Oh. — Seus olhos se arregalam, e antes que eu possa dizer
uma palavra, ela fecha a porta, batendo-a na minha cara. Eu fico
aqui por um momento antes que a porta se abra novamente,
sua cabeça aparecendo enquanto ela sussurra: — Você tem que
bater.
Assim que ela fecha novamente, eu bato na porta.
— Quem está aí? — ela grita.
— Jonathan.
— Jonathan quem?
Sorrio, movendo as pizzas ao redor quando elas começam a
escorregar das minhas mãos. Antes que eu possa responder, a
porta se abre mais uma vez, Kennedy parada ali.
— Desculpe — ela murmura, gesticulando para que eu
entre enquanto ela agarra Madison pelos ombros, conduzindo-
a. — Estamos trabalhando nessa coisa de estranho perigoso. Ela
é muito confiante.
— Mas eu sei que era ele — Madison protesta.
— Você nunca pode ter certeza — diz Kennedy. — É
sempre melhor verificar novamente.
Abro a boca para dar uma opinião, mas me paro, não tenho
certeza se estou naquele lugar onde meu conselho é bem-vindo.
Eu não vou tentar ser expulso antes mesmo de comer qualquer
pizza.
— Então, hum, onde eu deveria...? — aponto as caixas de
pizza enquanto paro.
— Oh, certo. A mesa da cozinha serve.
— Eu vou te mostrar! — Madison anuncia, como se eu não
soubesse onde fica, mas deixo ela me levar até lá de qualquer
maneira. Kennedy fecha a porta e segue atrás de nós. Coloco as
caixas na mesa e Madison não hesita, abrindo a de cima. Ela faz
uma careta, parecendo horrorizada. — Credo!
— O que diabos você está…? — Kennedy ri enquanto olha
para a pizza. — Presunto e abacaxi.
— Por que essa fruta está na pizza? — Madison pergunta.
— Porque é bom — diz Kennedy, pegando a caixa de cima
antes de abrir a outra. — Pronto, essa é para você.
Madison dá de ombros, pegando uma fatia de pizza de
queijo, comendo direto da caixa. Estou percebendo que isso é
normal, já que Kennedy se senta ao lado dela para fazer o
mesmo.
— Você se lembrou — diz ela arrancando um pedaço de
abacaxi de uma fatia de pizza e colocando na boca.
— Claro — digo, pegando uma fatia de queijo da caixa que
Madison está guardando. — Tenho certeza de que tenho
cicatrizes para a vida por causa disso. Não é algo que eu possa
esquecer.
Ela ri, o som suave, enquanto ela me dá um dos sorrisos mais
genuínos que já vi em muito tempo. Desaparece quando ela
desvia o olhar, mas caramba, aconteceu.
— Você deveria ter conseguido os pães — diz Madison, de
pé em sua cadeira enquanto se aproxima, disputando minha
atenção como se estivesse com medo de que eu não a veja. — E
as asinhas!
— Ah, não sabia que você gostava disso — digo a ela —, ou
eu teria comprado.
— Da próxima vez — diz ela, assim mesmo, sem dúvida
sobre isso.
— Da próxima vez — eu digo.
— E refrigerante também — diz ela.
— Sem refrigerante — Kennedy entra na conversa.
Madison olha para sua mãe antes de se inclinar ainda mais
perto de mim, sussurrando e gritando:
— Refri.
— Não tenho certeza se sua mãe vai gostar disso — digo.
— Está tudo bem — diz Madison. — Ela diz ao vovô sem
refrigerante também, mas ele me deixa tomar.
— Isso é porque você o chantageia emocionalmente — diz
Kennedy.
— Nananinanão! — Madison diz, olhando para sua mãe. —
Eu não o chantageio!
Kennedy zomba.
— Como sabe? Você nem sabe o que isso significa.
— E? — diz Madison. — Eu não chantageio ele!
Estou tentando não rir, estou, mas Jesus Cristo, é quase
como se ela estivesse discutindo consigo mesma. Kennedy
sempre foi teimosa como o inferno, mas eu nunca fui melhor.
É por isso que, quando nós dois brigamos, as coisas ficaram
feias.
— Você dá a ele aqueles olhos tristes de cachorrinho — diz
Kennedy, agarrando Madison pelo queixo, apertando suas
bochechas rechonchudas. — E você diz a ele que vai amá-lo
“mais” se ele lhe der um pouco de Coca-Cola para beber.
— Porque eu vou — diz Madison.
— Isso é chantagem emocional.
— Oh. — Madison faz uma careta, virando-se para mim
quando sua mãe a solta. — Que tal refrigerante?
— Temo que não — digo a ela. — Desculpe.
Madison faz uma careta, pulando da mesa para pegar uma
caixa de suco da geladeira.
O silêncio envolve a mesa, mas dura apenas um momento
antes de Madison decidir sobre outra coisa que ela quer falar. A
criança pode aliviar até as situações mais embaraçosas, estou
percebendo, enquanto ela tagarela, contando alguma história
sobre algo que alguém na escola fez para o Mostre e Conte hoje.
— Vá se lavar — Kennedy diz a ela quando termina de
comer, molho de pizza por todas as mãos e rosto. — Termine
sua lição de casa e então você pode brincar.
Madison pula da mesa para fugir. Ouço água correndo ao
longe enquanto Kennedy guarda as sobras.
— Dever de casa no jardim de infância — eu digo.
— É só desenhar coisas — diz ela, sentando-se na minha
frente. — Desenhe três coisas que começam com a letra “S”.
Não é difícil, mas ela adora arte, então ela nunca para em três.
Sempre acaba como um livro de imagens inteiro.
Parece outra pessoa que conheço – sua mãe, que tamborila
os dedos na mesa, parecendo ansiosa. Ela sempre foi inquieta,
mas costumava canalizar essa energia para criar.
— Você ainda escreve? — pergunto.
— Não.
— Por que não?
Ela encolhe os ombros.
Eu quero que ela olhe para mim. Sei que isso é hipócrita. É
egoísta. Eu quero muito. Estou pedindo muito, mais do que
mereço depois de tudo o que aconteceu. Eu a machuquei, e
gostaria de poder voltar atrás, ser o homem que ela pensou que
eu era.
Eu alcanço a mesa, meus dedos mal roçando os dela antes
que ela afaste as mãos. Eles desaparecem debaixo da mesa –
cerrados em punhos, provavelmente. Não duvido. Mas faz o
truque, seu olhar encontra o meu.
— O que posso fazer? — pergunto. — Eu vou fazer.
Estou parecendo desesperado pra caralho, eu sei, mas estou.
Meu terapeuta me diria que não é saudável, que estou sendo
codependente. Jack provavelmente me diria para parar de ser
um filho da puta patético. Cliff, ele provavelmente me
lembraria que tenho o mundo inteiro na ponta dos dedos, mas
isso não parece importar, não quando a primeira pessoa a
realmente acreditar em mim olha para mim como se eu fosse o
pior dos piores.
Ela hesita por um momento, mas antes que possa dizer
qualquer coisa, Madison entra, batendo seu papel na mesa
entre nós.
— Eu preciso de mais que comece com S — diz ela, seu
papel preenchido com uma dúzia deles. Ambiciosa.
— Sapato — Kennedy diz, examinando o papel, suas mãos
de volta na mesa enquanto ela aponta para algo. — Você
escreveu “sereia” errado. Há um I depois do segundo E.
Madison faz uma careta, pegando o papel para acabar.
Assim que ela sai, tento de novo, estendendo a mão sobre a
mesa para pegar as mãos de Kennedy. Ela não se afasta desta vez
quando eu a toco, minhas mãos cobrindo as dela.
— Por que você está fazendo isso? — ela pergunta, sua voz
calma. — Já se passaram seis anos, Jonathan. Seis anos.
— Eu sei, mas eu só...
— Você apenas o que? Supõe que eu ainda te amo?
— Ainda ama?
Ela balança a cabeça, mas não é uma negação. É mais
exasperação por eu ter a coragem de fazer essa pergunta a ela.
Madison corre de volta, e eu afasto minhas mãos, deixando-
a cair.
— Como se soletra tesoura? — ela pergunta, apagando a
palavra em seu papel. Kennedy soletra, e ela escreve antes de
jogar o lápis no chão. — Feito!
— Bom trabalho — diz Kennedy. — Você pode brincar
agora.
Madison se vira para mim.
— Você quer brincar?
— Claro — digo, seguindo-a para seu quarto, imaginando
que é melhor dar a sua mãe algum espaço, para que eu não a
empurre muito longe e ela me dê um soco na cara.
Estou seguro na minha masculinidade. Não tenho
escrúpulos em brincar com bonecas. Então, quando Madison
empurra uma Barbie para mim, eu nem recuo. Vou dar a ela a
melhor performance de Barbie que já viu, se é isso que ela quer.
Eu encaro a Barbie, porém, enquanto Madison vasculha
uma caixa de brinquedos. Parece diferente daqueles com os
quais minha irmã brincava enquanto crescia. Esta Barbie
parece mais uma cientista do que uma stripper, completamente
vestida, seu cabelo ainda intacto.
— Encontrei! — Madison diz, segurando outra boneca. Eu
congelo quando olho para aquilo, vendo o familiar traje branco
e azul e a cabeça de cabelos loiros. Só pode ser brincadeira.
Eles me transformaram em uma boneca. Ou ele, melhor
dizendo. Breezeo. Não é uma figura de ação, não – uma boneca
Barbie de edição de colecionador.
— Eu serei Breezeo e Barbie pode ser Maryanne para você
— diz ela, sentando-se no chão e batendo na madeira ao lado
dela.
— Espere, eu não deveria ser Breezeo?
— Você é ele o tempo todo, então é minha vez agora.
Bem, não posso discutir com essa lógica.
— Barbie está com a cor de cabelo errada — eu digo. —
Você não tem uma boneca Maryanne?
— Não, porque custa muitos dólares, mas você pode fingir,
certo?
— Certo — digo, embora de repente ela pareça cética, como
se duvidasse das minhas habilidades. — Não se preocupe, eu
posso.
Ela começa as coisas. Não sei o que está acontecendo, e ela
não me dá nenhuma direção, então estou improvisando. Ela
muda as coisas comigo, lançando reviravoltas na história.
Estamos fugindo de alguns bandidos antes de repentinamente
estarmos na escola. Eu me formei, nós dois nos tornamos
veterinários de seus bichos de pelúcia, e quando eu sei, estou
concorrendo à presidência do mundo.
É engraçado. Ela é engraçada. A menina é rápida em seus
pés. Ela se distrai eventualmente, porém, e larga a boneca para
desenhar novamente. Ela é intensa sobre isso, em transe, e eu
me desculpo, mas não sei se ela percebe. Pegando a boneca
Breezeo, ando pelo corredor, vendo movimento em outro
cômodo.
O quarto de Kennedy.
Ela está sentada na beirada da cama, trocando o uniforme de
trabalho, vestindo moletom e regata, ocupada puxando o
cabelo para cima. Eu paro quando chego à porta, ainda à
espreita no corredor, não querendo invadir seu espaço. Ela me
olha com cautela, sua atenção mudando para a boneca que
estou segurando.
Ela ri.
Sim, ela ri.
— Ela fez você se apresentar para ela? — pergunta,
acenando para a boneca.
— Não, ela realmente me fez ser a Barbie — digo. — Não
acho que ela ficou tão impressionada com minhas habilidades,
porque desistiu e voltou a desenhar.
Outra risada.
Eu poderia ouvir aquele som para sempre.
— Não leve para o lado pessoal — diz ela, passando por mim
para fora do quarto. — Tenho certeza que você fez um trabalho
melhor do que eu. Geralmente sou rebaixada para um membro
da plateia.
Kennedy vai para a sala de estar. Eu a sigo, curioso,
enquanto ela se acomoda no sofá, ligando a televisão. Ela se
enrola, passando pelos canais em silêncio, o cômodo escuro. O
sol está se pondo lá fora, o que significa que elas logo irão para
a cama.
— Você trabalha todo dia? — pergunto.
— Todos os dias da semana.
— Então você tem fins de semana de folga?
— Geralmente — diz ela. — Eu trabalho enquanto Maddie
está na escola.
— E quando você não está trabalhando? O que faz?
Ela vira os olhos para mim como se eu fosse estúpido.
Imagino que seja isso.
— Eu provavelmente deveria ir — digo, voltando para o
quarto de Madison, encontrando-a ainda desenhando. — Ei,
Maddie.
— Hum?
— Eu vou agora.
Ela para o que está fazendo.
— Por quê?
— Porque está ficando tarde.
— Mas por que você não pode ficar?
Porque eu fodi tudo anos atrás e não sei se vou conseguir
consertar as coisas novamente.
— Simplesmente não posso — digo. — Mas vou voltar.
— Amanhã?
— Hum, não amanhã, mas em breve.
— Quando em breve?
— Na primeira chance que tiver, estarei aqui.
— Ok — diz ela, voltando-se para seu desenho. — Tchau!
— Tchau, Maddie.
Kennedy me olha com cautela quando volto para a sala.
— Eu tenho que voltar para a cidade de manhã — digo,
hesitando perto da porta da frente.
— Você já está indo — diz ela, uma nitidez em suas palavras.
É quase acusatório. — Deveria saber.
— Eu vou voltar.
— Tenho certeza que vai.
Acho que ela não acredita em mim.
Por mais que eu queira ficar e convencê-la, sei que não vai
acreditar em mim até eu provar, então saio do apartamento,
fecho a porta, e fico lá até ouvi-la trancar.

◈◈◈

— Bem, se não é meu cliente favorito...


Paro na porta da cozinha de McKleski no momento em que
essas palavras me atingem. Cliff. O sol da manhã atravessa o
andar de baixo da pousada, já aquecendo o local a níveis
desconfortáveis, porque a velha não acredita em ar
condicionado. Cliff está sentado à mesa da cozinha, comendo
o que parece ser uma omelete, os olhos grudados no Blackberry
ao lado de seu prato.
McKleski está ocupada lavando pratos do outro lado da sala,
esfregando uma panela que ela obviamente usou para cozinhar
para ele esta manhã. Que diabos?
— Você está falando comigo? — Eu pergunto, não
totalmente certo neste momento.
— Com quem mais eu estaria falando?
— Eu não sei — murmuro, sentando-me em frente a ele. —
Pode ser qualquer um.
Ele olha para mim, os olhos examinando cuidadosamente
meu rosto. Sei o que ele está procurando. Os sinais. Tenho
certeza de que pareço o inferno. Eu nem me preocupei em me
barbear. Mas ele não vai vê-los hoje, não vai ver os sinais. Eu
quero dizer foda-se ele por pensar isso, mas eu realmente não
posso culpá-lo pela suspeita, posso?
Eu fodi tudo muitas vezes.
— Como você está? — ele pergunta.
— Sóbrio — murmuro.
— Eu posso ver isso — diz ele. — O que mais?
— Meio cansado. — Olho para o prato dele. — Um pouco
faminto.
— Tenho certeza de que sua adorável anfitriã ficaria feliz em
preparar um café da manhã para você.
— Não — McKleski intervém. — Eu não ficaria.
— Ou não — diz Cliff, dando a última mordida em sua
omelete, nem mesmo perturbado.
— Está bem — eu digo. — Não preciso de ninguém para
cuidar de mim. Eu posso me defender sozinho.
Cliff deixa cair o garfo.
— Se isso fosse verdade, eu estaria desempregado.
— Que seja. O que você está fazendo aqui? Como descobriu
onde eu estava hospedado?
— É uma cidade pequena — diz. — Não havia muitas
opções. E estou aqui porque você não atendeu seu telefone,
então não tinha certeza se você se lembrava de que tinha um
compromisso. Achei que eu iria junto para que você não tivesse
que ir sozinho.
— Eu me lembrei — digo. — E obrigado.
— Mas, para constar, se você finalmente contratasse um
novo assistente, eu não teria que me preocupar com sua agenda.
Já faz mais de um ano desde que teve alguém ajudando você.
Ainda não entendo porquê demitiu o último cara.
— Ele era viciado em crack.
— E você era um viciado em cocaína.
— Ele roubou de mim.
— O que ele roubou? Suas drogas?
Não vou responder a isso.
É verdade, mas ainda assim... foda-se essa suposição.
— Podemos ir? — Eu pergunto. — Quero acabar com esse
dia.
— Hum, pensei que você estivesse menos mal-humorado
esses dias.
— Eu estou. Eu só... não sei.
— Parece com você. — Cliff pega seu Blackberry e empurra
sua cadeira para trás enquanto McKleski pega seu prato vazio.
— O café da manhã estava maravilhoso. Obrigado.
— A qualquer hora — diz McKleski, sorrindo. — Gosto de
cozinhar para aqueles que apreciam as coisas.
Eu decido ignorar.
Cliff se levanta, gesticulando para que eu o siga, esperando
até que estejamos do lado de fora antes de dizer:
— Cara, essa mulher pega no seu pé ou o quê?
— Sempre pegou — eu digo. — A primeira vez que fui
preso, foi ela quem chamou a polícia.
Cliff ri quando nos aproximamos de um elegante sedã
preto.
— Bom carro — digo.
— Eu aluguei — diz ele. — Não queria chamar um serviço
de carro e revelar sua localização.
— Obrigado.
— Apenas fazendo o meu trabalho — diz ele. — Vamos, eu
vou dirigir.
Subo no banco do passageiro.
Eu tenho um carro. Está estacionado numa garagem privada
na cidade. Eu o guardei quando as filmagens começaram, caso
precisasse, mas não devo dirigir até que o médico me libere.
Câmbio manual.
Demora mais de duas horas para chegar à cidade. Mais uma
hora no trânsito. Cliff manobra o carro quando chegamos ao
centro médico. Well Cornell. Ortopedia. Eu abaixo minha
cabeça enquanto passamos por dezenas de pessoas, indo para o
sétimo andar, indo direto para o consultório do cirurgião
ortopédico, onde estão esperando minha chegada.
Olha, eu entendo – é besteira. Não é qualquer um que pode
entrar e ser atendido imediatamente, contornando as salas de
espera. É um privilégio pelo qual sou grato, especialmente hoje.
Estou nervoso o suficiente, estando aqui, lidando com isso.
Antecipação e paranoia tornariam a espera insuportável.
— Sr. Cunning, como você está? — o médico pergunta,
levantando-se e estendendo a mão, esperando que eu a aperte
mesmo usando a tipoia.
— Ok — eu digo, ignorando sua mão estendida. — Pronto
para acabar com isso.
— Um homem em uma missão — diz ele. — Eu gosto disso.
Ele não perde mais tempo, mandando-me direto para o raio
X. Dói pra caralho quando examinam meu pulso, uma dor
ardente subindo pelo meu braço e descendo até as pontas dos
meus dedos.
— Bem, a boa notícia é que os ossos não mudaram, então
não parece que você vai precisar de cirurgia — diz o médico. —
A má notícia, é claro, é que você ficará engessado nas próximas
semanas.
— Incrível — murmuro, flexionando meus dedos.
— Quantas semanas? — Cliff pergunta, parado no canto do
escritório em seu Blackberry.
— Difícil dizer com certeza... quatro, eu estimo.
— Então, mais um mês? — Cliff pergunta.
— Sim — diz o médico. — Ele provavelmente precisará de
alguma terapia ocupacional depois.
— Mas ele ficará fora do elenco?
— Sim.
— Bom saber — diz Cliff. — Existe alguma maneira de
acelerar o processo de cura?
— Bem, não há tratamento milagroso, mas algumas coisas
podem ajudar. Vitaminas. Cálcio. Exercícios.
— Então apertar uma bola de estresse e beber leite?
— Bastante — diz o médico. — Verduras folhosas são boas.
Eles falam sobre mim como se eu nem estivesse aqui. Eu
olho para o meu pulso inchado, aborrecido enquanto mexo
meus dedos.
— De qualquer forma, vamos embrulhar você — diz o
médico —, para que você possa seguir seu caminho.
Um molde de fibra de vidro branco. Ele não se incomoda
com a besteira colorida de babados, mantendo-o simples antes
de me mandar embora.
Eu subo no banco do passageiro do alugado de Cliff, e ele
imediatamente começa a divagar.
— Se você estiver fora do elenco nas próximas semanas,
provavelmente poderá filmar novamente antes do esperado.
— Você acha? — Eu pergunto, observando-o enquanto ele
examina seu Blackberry, verificando seu calendário.
— Você tem um dublê para lidar com a ação, então tudo
que eles precisam é da sua voz… — Ele vira os olhos para mim.
— E esse seu lindo rosto, é claro.
— Claro — murmuro, tentando como o inferno não deixar
isso machucar meu ego, mas caramba. Atuar é mais do que
apenas recitar falas. — E quanto a Serena?
— O que tem ela?
— Ela está na reabilitação.
— E o que tem?
— Então, como vamos começar a filmar novamente no
próximo mês se ela estiver fora por noventa dias?
Ele me dá um olhar como se eu tivesse perdido a cabeça.
— Você realmente acha que ela vai durar tanto tempo?
— Você não?
— Você nunca durou — diz ele. — Não até chegar ao fundo
do poço.
— E você não acha que ela chegou?
— Nem mesmo perto. A única razão pela qual ela está lá
agora é porque o estúdio exigiu — diz ele. — Mas não se
preocupe com isso. Eu vou cuidar dela. Preocupe-se em
melhorar.
“Encontro Ilegal”

Kennedy Garfield

Durante a Guerra Revolucionária, Aaron Burr teve um caso


ilícito com a esposa de um oficial britânico.
Você conta essa história para a garota.
Acha que vai fazê-la se sentir melhor.
Ela pergunta a você quem é Aaron Burr.
Você ri, porque não consegue entender como ela está
sobrevivendo em Fulton Edge quando nem sabe o nome do
homem que matou Alexander Hamilton, mas ela está. Ela está
sobrevivendo, talvez até prosperando. Ela trabalha duro e está
passando. Enquanto isso, você mal presta atenção e ainda se sai
bem em todos os testes.
Mas você aparece para a aula agora. Todo dia.
Talvez faça isso porque não quer ser expulso. Você chegou
até aqui. Poderia muito bem ver isso. Ou talvez apareça para
ficar com ela.
Ambos estão a caminho de se formar em um mês. Todo o
ano letivo quase se foi em um piscar de olhos. Você passou a
maior parte do tempo se esgueirando, conversas sussurradas e
encontros secretos, encontrando-se sob o manto da escuridão
sem que o pai dela soubesse. Ele a proibiu de ver você. Ele disse
a ela que você não causaria nada além de problemas.
O problema é que ela já sabia disso.
Isso não foi suficiente para detê-la.
— Então, Vassar, hein? — você pergunta, sentado ao lado
dela na mesa de piquenique no parque perto de sua casa. Está
escuro, quase meia-noite, e você acabou de fazer um ensaio
completo para Júlio César. Durante a Guerra Revolucionária,
Aaron Burr teve um caso ilícito com a esposa de um oficial
britânico. O Clube de Teatro vai estrear em três semanas como
parte das festividades de formatura. — Artes liberais. Aposto
que seu pai adora isso.
— Sim, ele olhou para mim do mesmo jeito que fez quando
percebeu que estávamos dormindo juntos.
Cara, ele não tinha aceitado muito bem. Ficou irritado a
ponto de levar suas queixas ao chefe. Seu pai deu de ombros,
porém, dizendo que você fez coisas piores do que dormir com
uma garota. Desnecessário dizer que o pai dela não está mais
gostando muito do trabalho.
Ela está comprometida em frequentar o Vassar College no
próximo ano. Enquanto isso, você não decidiu nada. Você nem
tem certeza de que quer ir para a faculdade. Você tem sonhos,
mas eles não incluem estudar direito em Princeton. Você foi
aceito de alguma forma. Nem se candidatou. A coisa toda
cheira a seu pai.
— Parabéns — você diz. — É uma ótima escola.
O futuro não é algo sobre o qual você e ela conversaram
muito. Você nunca se importou com isso, ter um título. Sem
promessas.
Você não promete coisas. Nunca.
Mas o futuro está chegando rápido. Está prestes a ser o
presente. E o que quer que haja entre vocês será afetado.
Ela te cutuca com o ombro.
— Você vai me ver?
— Tenho certeza de que vou aparecer de vez em quando.
— É melhor aparecer — diz ela. — Vou ter saudades suas.
Ela está ficando emocionada, sua voz falhando em torno
dessas palavras.
— Ainda temos algumas semanas — você diz, levantando-
se da mesa de piquenique enquanto pega a mão dela, puxando-
a para ficar de pé. — Não vamos desperdiçar esta noite nos
preocupando com isso.
Vocês caminham juntos, de mãos dadas. Há uma pousada
nas proximidades, além do limite do parque. Uma mulher de
meia-idade mal-humorada dirige, uma das únicas pessoas que
você já encontrou em suas noites quando se encontra aqui. A
estalagem está escura esta noite. Lençóis pendurados em um
varal, deixados durante a noite.
Você arranca um.
Ao longo da margem, você o deita na grama. Você a deita
em cima dele. Sabe que terá alguma privacidade escondido
aqui, longe da área de piquenique. Você não quer perder mais
esta noite. Cada peça de roupa é removida, e você toma seu
tempo provocando-a e provando-a antes de fazer amor com ela.
Você também vai sentir falta dela.
Você não diz isso a ela, não com palavras, mas ela sabe. Sente
isso em cada beijo. Em cada impulso de seus quadris. Você a faz
rir enquanto está dentro dela. Diz a ela que ela é linda enquanto
geme embaixo de você.
Você fica lá depois de terminar, ainda em cima dela,
recuperando o fôlego enquanto beija seu pescoço. Você toma
cuidado para não deixar mais marcas.
Há um farfalhar próximo, ao longo da água, sombras se
movendo na escuridão. Você só tem o luar para ver. Seja o que
for chega mais perto... mais perto... mais perto. Está vindo para
você.
A garota percebe. Ela grita, o som penetrante quebrando o
silêncio da noite, quando a coisa nas sombras faz um barulho
ao lado dela. QUACK.
Ela te empurra para longe dela. Você está rindo demais para
acalmá-la. Ela se afasta, gritando, puxando o lençol debaixo de
você para se embrulhar nele, espalhando suas roupas.
— É apenas um pato — você diz a ela, sentado nu na grama.
Você ainda está rindo enquanto o pato se vira em direção a ela,
grasnando como um louco em reação ao barulho que ela está
fazendo.
— Um pato? — ela diz. — O que quer? Ah, meu Deus, ele
está me seguindo. Por que está me seguindo?
— Provavelmente está com fome — você diz.
— Eu pareço comida de pato? — ela pergunta, tentando
enxotá-lo. — Vá para casa, Patolino.
Você se levanta e pega as roupas, jogando as dela para ela. O
pato sai bamboleando, indo em direção à água. É tarde demais,
no entanto. Ela fez muito barulho.
Há movimento novamente. Mais patos estão chegando.
Ela foge, em direção à pousada, carregando suas roupas.
Você começa a seguir quando uma explosão de luz quebra a
noite. Uma lanterna. Você congela, alarmado. Alguém está lá.
A garota se esconde no quintal da pousada, mas você hesita
muito. A lanterna encontra você quando uma voz grita:
— Polícia! Deixe-me ver suas mãos!
Suas roupas caem. Você fica lá, em toda a sua glória nua, e
levanta as mãos à sua frente quando um policial se aproxima.
Ele ordena que você se vista antes de algemá-lo.
A garota começa a sair das sombras. A polícia não sabe que
ela está lá. Mas você sim, e balança a cabeça, avisando-a para não
fazer isso.
A mulher que administra a pousada ouviu barulhos do lado
de fora e chamou a polícia. Invasores. Ela fica na varanda dos
fundos, vendo você ser preso.
Exposição indecente.
E você não sabe disso, mas aquela garota? Ela corre todo o
caminho para casa embrulhada em nada além daquele lençol
roubado, suas roupas abandonadas. A mãe dela está acordada
quando ela chega lá e a ouve entrar. Veja, a mulher sabe que sua
filha sai escondida à noite há meses, mas ela nunca disse uma
palavra sobre isso. Uma mãe sabe. Ela sabe como é amar o
garoto do qual o mundo tenta impedir você. Sua mãe ficava
acordada à noite, ouvindo, para ter certeza de que ela voltaria
para casa, mas esta manhã é diferente. A mulher sente. A
menina confessa. Ela diz a ela que você foi preso. “Não se
preocupe” diz a mãe. “Eu vou ajudá-lo.”
Capítulo 13
Kennedy

Eu distraidamente bato meus dedos contra a tela enquanto


olho para a mensagem de texto no meu telefone. Você está
interessada em sair hoje à noite? Estou debatendo como
responder a isso. Sim? Não? Sim? Não? Argh. Eu digito alguma
desculpa prolixa antes de apagá-la com um gemido, digitando
mais uma porcaria total antes de apagar isso também. Eu digito
“não”, direto ao ponto, mas argh, me sinto culpada, então
digito “claro” e pressiono enviar como uma idiota.
No segundo em que diz “Entregue” abaixo do balão de
texto, quero me dar um tapa. Tantos arrependimentos já.
— Argh, o que há de errado com você? — Eu me pergunto,
fazendo uma careta enquanto começo a digitar uma desculpa
para me tirar disso.
Alguém limpa a garganta atrás de mim.
— Não saberia por onde começar.
Essa voz me pega desprevenida, tão perto que posso sentir
seu hálito quente em minha pele. Um calafrio passa por mim,
minhas mãos tremendo enquanto eu giro, perdendo o controle
do meu telefone. Ele cai, aterrissando com a face para baixo no
ladrilho de epóxi duro do corredor. Eu me encolho quando
atinge, mas não o alcanço por causa dele.
Jonathan.
Ele está bem ali, parado aqui na mercearia, um pequeno
espaço entre nós, tão perto que tenho que olhar para cima para
encontrar seus olhos. Meu coração para uma batida, sendo um
idiota traidor, antes de martelar meu peito, batendo
agressivamente em minhas costelas como se minhas entranhas
estivessem declarando guerra à minha sanidade.
Jonathan pega meu telefone quando ele faz barulho. Antes
que eu possa detê-lo, ele olha para a tela e congela. Algo pisca
em seus olhos. Ele parece horrorizado. Oh Deus.
— Está quebrado, não é?
Ele pisca para mim.
— Hum?
— Meu telefone.
— Ah, é... não. — Sacudindo-o, ele entrega o telefone para
mim, a tela ainda intacta. — Quem quer que seja Andrew, ele
quer um horário.
A que horas devo buscá-la?
O texto é exibido com destaque. Meu estômago revira.
Minhas mãos ainda estão tremendo, e eu enfio o telefone no
bolso de trás sem responder a essa pergunta.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto. — Achei que
você tinha saído da cidade.
— Eu saí — diz ele. — Disse que voltaria, não disse?
— Sim, mas eu não sabia que você queria dizer tão rápido.
Eu não teria notado que você foi embora. Por que me contou?
— Achei que você deveria saber.
— Por quê?
Ele dá de ombros, como se talvez também não entendesse.
Antes que qualquer um de nós possa entender as coisas, uma
voz feminina soa no corredor ao nosso lado, chamando meu
nome. Bethany. O pânico flui através de mim. Eu não presto
muita atenção, agindo no momento, uma reação instintiva à
sua abordagem.
Eu o agarro, segurando firme em seu braço e saio com
pressa. Ele não resiste, não luta enquanto eu o arrasto pelo
corredor, longe do som de sua voz, e o empurro para um
pequeno depósito nos fundos. Eu corro para dentro e fecho a
porta, nos lançando na escuridão quase total. Não posso mais
ver Jonathan, mas posso senti-lo, bem atrás de mim,
pressionando contra mim, sua mão pousando no meu quadril.
Seu toque aumenta meu pânico. Eu me afasto dele, colocando
espaço entre nós.
— Por que você está aqui? — Eu pergunto, mantendo
minha voz baixa. — Você não pode ficar aqui.
— Eu, hum...
— Kenney? — Bethany chama do outro lado da porta. —
Você voltou aqui?
— Não fale — eu assobio para Jonathan. — Nem sequer
respire.
Abro a porta novamente e saio, deixando-a entreaberta atrás
de mim enquanto fico cara a cara com Bethany. Sua testa franze
quando ela olha para o quarto escuro como breu atrás de mim.
— O que você está fazendo?
— Inventário.
— No escuro?
— Sim, eu, hum... sim. — Olho para trás antes de me voltar
para ela. — Você precisa de algo?
— Marcus me disse para encontrá-la. — Seu rosto se
contorce em um beicinho falso. Oh, Deus. — Pedi o sábado de
folga em duas semanas, e ele disse que a única maneira de eu ter
isso é se eu encontrar alguém para cobrir.
— E você quer que eu faça isso?
— Por favor? — Ela cutuca o lábio inferior para fora. — Eu
não pediria, mas é importante!
— Ok.
— Breeze-Con é esse fim de semana, e eles farão uma grande
coisa para o décimo aniversário de Ghosted.
— Ok.
— E eu sei que provavelmente parece bobo para você, mas…
— Eu disse tudo bem. Vá. Divirta-se.
— Tem certeza?
— Não diria isso se não tivesse.
Ela solta um gritinho e me abraça.
— Obrigada, Kennedy! Ah, meu Deus, você é a melhor!
— De nada — digo, afastando-a. — Eu vou voltar para, você
sabe, coisas.
Eu aceno em direção ao almoxarifado.
Seus olhos se estreitam.
— O que você está realmente fazendo?
— Tchau, Bethany.
Eu escorrego de volta para a sala, batendo a porta e me
inclinando contra ela.
O humor tinge cada sílaba das palavras de Jonathan quando
ele diz:
— Ela soa como você no ensino médio. Quão assustadora
ela poderia ser?
Revirando os olhos, sinto a parede ao meu lado, acendendo
o interruptor de luz. Não o torna muito brilhante, mas posso
vê-lo encostado em um caixote, com um sorriso nos lábios.
— Ela escreve fanfics — digo a ele. — O tipo de auto-
inserção.
Seu sorriso só cresce.
— Eu não estou falando sobre Breezeo. Ah não, estou
falando de fanfics de Johnny Cunning. Eróticas.
O primeiro lampejo de preocupação aparece em seus olhos,
mas ele ainda sorri.
— Assim como você.
Eu reviro os olhos.
— Isso é completamente diferente.
— Ainda assim, ela é apenas uma garota com fantasias — diz
ele. — Nada a esconder.
— É verdade, mas você realmente acha que ela vai guardar
para si mesma? Vamos lá, o ídolo dela aparece onde ela
trabalha? A única maneira que poderia ser mais ficção encontra
realidade é se estivéssemos trabalhando em um café aqui.
Antes mesmo de você sair pela porta, estaria em todas as mídias
sociais. Mas quero dizer, a menos que seja isso que você quer…
Ele balança a cabeça.
Não pensou nisso.
Fica quieto por um momento antes que ele diga:
— Couve.
— Couve?
— É por isso que estou aqui. Eu precisava pegar couve.
— Ah.
Isso é tudo que eu digo.
Fica quieto novamente.
Desajeitado.
Não há janelas aqui, fazendo com que a sala pareça
incrivelmente pequena. Apenas ele e eu, confinados juntos
depois de todo esse tempo, respirando o mesmo ar, a sala cheia
até a borda com um silêncio tenso. Tanto a dizer, mas nenhuma
palavra forte o suficiente para limpar o ar entre nós.
— Eu gostaria que a merda não fosse tão estranha — ele diz
eventualmente. — Eu gostaria que você não estivesse tão
distante.
— Sim, bem, isso é o que acontece quando as pessoas se
separam.
— Eu sei, só queria que houvesse uma maneira de
podermos...
— Podermos o quê?
Ele não responde imediatamente, desviando o olhar de mim
como se estivesse lutando para encontrar uma maneira de
explicar. Esquecer? Ir em frente? Recomeçar?
— Ser — diz ele. — Gostaria que pudéssemos ser.
Para um ator tão talentoso, ele nem sempre foi bom em se
expressar comigo, mas, novamente, eu não era muito melhor.
Talvez seja por isso que trabalhamos tão bem. Ele falava através
dos personagens que interpretava, e eu... bem, eu costumava
criar. Nós dois sempre parecíamos estar na mesma página até o
dia em que não estávamos mais, e não havia como voltar para
aquele lugar uma vez que lutamos tanto para nos comunicar.
Mas por um tempo, nós apenas... éramos.
É a sensação mais reconfortante do mundo.
Quando você a perde, porém, é a mais confusa. É como
perder um pedaço de sua alma.
— Sinto muito — diz ele, olhando para mim novamente.
— Quantas vezes você vai se desculpar?
— Quantas forem necessárias até você acreditar em mim.
— Eu faço — digo. — Acredito em você.
— Você acredita?
— Sim.
Ele me encara quando digo isso. Ele não responde, mas
posso dizer que está segurando alguma reação.
— De qualquer forma, devemos tirá-lo daqui antes que você
seja visto — eu digo, me afastando da porta. — Eu posso pegar
sua couve para você.
Eu me viro para sair, mas ele me para, agarrando meu braço
enquanto se levanta do caixote. Eu fico tensa, deixando escapar
um suspiro trêmulo quando ele me puxa para ele. É apenas um
breve momento enquanto ele me segura lá, um fôlego, tão
perto que se eu ficasse na ponta dos pés, eu poderia provar seus
lábios se eu quisesse.
Eu quero.
Ou pelo menos uma parte de mim, no fundo, sente uma
agitação no meu interior que quase me estimula. No momento
em que ele me toca, é como se eu estivesse bêbada. Mas o
momento acaba assim que ele diz:
— Eu também preciso de leite.
Sua voz, essas palavras, elas me deixam sóbria.
— Leite.
— Sim — diz ele, soltando meu braço. — Se você não se
importa.
— Hum, claro, sem problemas.
Eu saio e ele me segue, desviando no meio da loja para ir para
a saída enquanto eu pego suas coisas. Eu não ouço nenhum
grito frenético, então presumo que ele tenha conseguido.
Bethany permanece em sua caixa registradora, sem prestar
atenção em nada ao seu redor, folheando a última edição do
Hollywood Chronicles.
— Alguma coisa interessante? — pergunto, colocando a
couve e o leite na esteira.
Bethany suspira, jogando o tabloide de lado.
— Na verdade, não. Juro que é como se Johnny Cunning
tivesse desaparecido no ar. Ninguém o viu em lugar nenhum.
Meus olhos piscam para a saída, pegando um leve vislumbre
dele à espreita do lado de fora.
— Tenho certeza que ele está... por perto.
— Espero que sim — diz ela. — Argh, espero que ele não
esteja morto em uma vala em algum lugar. Isso seria uma
merda.
— Sim, seria — concordo enquanto ela passa as coisas.
Depois que eu pago, ela pega o tabloide de volta e continua
lendo. Eu caminho para fora quando ela está distraída, levando
a sacola para onde Jonathan está.
— Aqui — digo, empurrando-a para ele. — Seu leite e sua
couve para que possa alimentar patos ou o que quer que vá
fazer com isso.
Ele solta uma risada leve.
— É para mim. Ordens do médico.
— Isso é horrível.
— Ah, poderia ser pior.
— Se você diz — murmuro, olhando para o meu relógio. —
Deveria voltar ao trabalho.
Eu vou voltar para a loja quando ele me chama.
— K?
Eu olho para ele, palavras na ponta da minha língua, mas
não consigo dizer uma única sílaba. O olhar em seu rosto me
deixa em silêncio, a vulnerabilidade, como se ele estivesse se
abrindo agora.
— Obrigado — ele diz baixinho.
Eu aceno, hesitando antes de dizer:
— Se você mudar de ideia sobre comer a couve, tenho
certeza que Maddie ficaria feliz em ajudá-lo a se livrar dela.
Ele sorri. É um sorriso genuíno, inconsciente, como se a
felicidade estivesse irradiando de dentro dele com essa sugestão.
Não digo mais nada, nem espero sua resposta. Estar perto dele
está se mostrando perigoso para meus sentimentos. Perigoso
para minha sanidade.
Volto para a loja, passando por Bethany em sua caixa
registradora. Ela baixa o tabloide para olhar para mim.
— Você não acabou de sair?
— Só dei um pulo lá fora — eu digo. — Ainda tenho mais
uma hora até meu turno acabar.
— O que você fez com suas coisas?
— Coloquei no meu carro.
— Até mesmo o leite?
— Hum... sim.
— Mas não vai ficar ruim com esse calor?
— Provavelmente.
Ela olha para mim, murmurando:
— Eu juro, você é tão estranha às vezes.

◈◈◈
— Eu deveria cancelar.
— Você não deve fazer tal coisa. — A voz de Meghan é
pontiaguda, prosaica, não discuta comigo quando ela diz isso.
— O que deve fazer é levar o cara para um passeio, se você sabe
o que estou dizendo.
— Meghan…
— Estou falando sério — diz ela. — Basta dar uma volta
rápida no quarteirão para ver como ele corre, fazer o motor
ronronar por um tempo.
— Desde quando você é pró-Drew?
— Eu não sou. — Ela faz uma cara de desgosto. — Sou pró-
orgasmo, e sei que faz muito tempo desde que você teve um.
Sorrio… até que uma vozinha entra na conversa,
perguntando:
— O que é isso?
Maddie está sentada à mesa da cozinha em frente a Meghan,
balançando as pernas enquanto desenha seu coração em um
pedaço de papel.
— O que é o quê? — Eu pergunto, recostando-me no balcão
da cozinha, os braços cruzados sobre o peito.
— O que a tia Meghan disse — Maddie diz. — O que é a
orga, hum...?
— Organismo — deixo escapar, percebendo que ela está
prestes a nos perguntar o que é orgasmo.
— Organismo — diz ela. — O que é isso?
— É da ciência — diz Meghan. — É o que eles chamam de
ser vivo, sabe, qualquer coisa que esteja viva.
— Você não tem um desses? — Maddie pergunta, olhando
por cima de seu desenho, sobrancelhas levantadas. — Não por
muito tempo?
— Bem, eu tenho você — eu digo, parando ao lado de sua
cadeira enquanto bagunço seu cabelo. — Você está tão viva
quanto possível. Não preciso de mais nada... nem mesmo
aqueles organismos malucos de que Meghan fala.
Maddie parece muito satisfeita com essa resposta enquanto
volta a desenhar, enquanto Meghan me lança um olhar meio
apologético, meio patético. Reviro os olhos, tirando-a da linha
de visão de Maddie.
— Acho que devo me vestir.
— Algo sexy! — Meghan grita comigo.
Eu vou com algo simples em vez disso – jeans skinny,
sapatilhas pretas, camisa preta. Eu escovo meu cabelo,
deixando as mechas escuras soltas, e coloco uma pitada de
maquiagem. Feito. Meghan torce o nariz para mim, mas guarda
sua opinião para si mesma.
— Mamãe, você pode fazer minhas estrelas? — Maddie
pergunta, empurrando seu papel e lápis para mim.
— Claro — eu digo. Não tenho certeza do que ela está
fazendo, mas posso notar o horizonte facilmente. Eu mostrei a
ela a maneira fácil de desenhar estrelas algumas vezes –
montanha, diagonal, transversal, junta tudo – mas ela sempre
me pede para fazer isso para ela, já que é praticamente a única
coisa que posso desenhar.
Uma batida ecoa na porta da frente do apartamento.
Meghan suspira enquanto empurra a cadeira para trás para
ficar de pé, sussurrando ao passar por mim:
— Parece que seu organismo está aqui.
— Já vou — murmuro, terminando as estrelas antes de
entregar o lápis de volta para Maddie. — Eu tenho que ir,
querida.
— Para onde?
— Sair com meu amigo.
— Posso ir desta vez?
— Não esta noite — digo a ela, franzindo a testa quando
vejo a decepção em seus olhos. — Algum dia, no entanto.
— É o seu amigo que não viu que você estava bonita da
última vez?
— Hum, sim, o mesmo.
Ela faz uma careta.
Quase sorrio.
Mas então eu ouço outra batida na porta, a voz de Meghan
soando acima do som dela enquanto diz:
— Jesus, segure sua maldita lín... ah, meu maldito Deus.
Não.
Eu fico tensa com a mudança repentina em seu tom, de
irreverente para chocada em meia palavra.
— Não... não... não — ela canta antes de dizer: — Saia
daqui.
Olho para fora da cozinha, em direção à porta da frente,
com o coração disparado. Jonathan está parado na pequena
varanda em frente ao meu apartamento, apenas alguns metros
na frente de sua irmã.
— Meghan — diz ele, acenando para ela em saudação.
No momento em que ele diz o nome dela, o choque
desaparece, substituído pela raiva quando seus olhos se
estreitam.
— Não — diz ela, com naturalidade, batendo a porta na cara
dele.
Maddie pula ao som do estrondo.
— Meghan — eu gemo. — Por favor.
Não preciso de uma cena, nenhuma que eu tenha que tentar
explicar. Meghan abre a porta novamente. Jonathan ainda está
lá, sem se mexer.
Maddie suspira, notando-o, e pula de sua cadeira na mesa,
pegando seu desenho enquanto corre para a porta.
— Jonathan!
— Ei — ele diz, evitando olhar para sua irmã, em vez disso
sorrindo para Maddie.
— Você voltou! — Ela empurra o papel para ele. — Eu
estava fazendo um desenho para você!
— Uau — diz ele, olhando para ele. — É incrível.
— Não está terminado — diz ela, pegando-o de volta —,
mas tudo o que tenho que fazer são as pessoas agora, porque
mamãe desenhou as estrelas!
— Bem, são grandes estrelas — diz ele, encontrando meu
olhar. — Tenho certeza que vai ficar perfeito.
— Você pode tê-lo quando estiver pronto — ela diz a ele. —
Você vai ficar? Pode brincar comigo e com a tia Meghan!
Meghan faz um barulho.
— Não esta noite — diz ele. — Eu só vim para falar com sua
mãe por um minuto.
Maddie franze a testa, murmurando “ok”, antes de se
afastar.
Jonathan fecha os olhos, soltando um suspiro profundo.
Posso dizer que ele quer mudar de ideia.
— Talvez amanhã — eu interrompo, pisando no caminho
de Maddie para que ela pare de andar. Agarrando seu queixo,
inclino sua cabeça para cima, fazendo-a olhar para mim. — É
meio tarde para brincar esta noite, de qualquer maneira.
— Amanhã — Jonathan concorda. — Estarei aqui.
Seus olhos se iluminam, a decepção desaparecendo.
— Vejo você amanhã! — ela grita de volta para ele antes de
envolver os braços em volta de mim. — Te amo mamãe.
— Também te amo — digo —, mais do que picolés de
banana e pizza havaiana.
— Mais do que os encontros com seu amigo?
— Ah, pff, claro. — Eu aperto suas bochechas de
brincadeira. — Mais do que encontros com qualquer um.
Inclinando-me, dou-lhe um beijo rápido antes que ela corra
para seu quarto. No segundo em que ela está fora da sala, no
segundo em que está fora do alcance da voz, a voz de Meghan
interrompe, um rosnado baixo quando ela diz:
— É melhor você trazer sua bunda de volta para cá amanhã,
irmãozinho, porque se você mentiu para ela bem na minha
frente, juro por Deus...
— Eu disse que estaria aqui — diz ele, virando-se para olhar
para Meghan, sua expressão dura. — Não vou mentir para ela.
— Oh! Tem certeza?
— Sim — diz ele.
— Bem, com licença! — Ela joga as mãos para cima. —
Estúpido, eu deveria saber... quero dizer, você só mentiu para
todo mundo. Esqueci que você era o papai do ano.
— Agora não é a hora para isso — resmungo, me
aproximando e ficando entre eles. — Resolvam isso quando
não houver orelhinhas por perto.
Eu empurro Jonathan para longe do apartamento enquanto
saio, fechando a porta da frente atrás de mim para nos dar um
pouco de privacidade. Caso contrário, Meghan pode estar
inclinada a adicionar seu comentário, como se minha vida fosse
um episódio do Mystery Science Theatre 3000.
— Desculpe por isso — diz ele, apontando para o
apartamento. — Eu esqueci, bem, que você tinha planos.
— Está bem — digo. — Sobre o que você precisava falar
comigo?
— Eu só... estava pensando.
Ele está hesitando. Parando. Posso dizer que está nervoso
pela maneira como desvia o olhar.
— Sobre?
— Sobre algo que aquela garota disse no seu trabalho.
Minha testa franze, e leva um momento antes de eu
descobrir quem ele quer dizer.
— Bethany?
— Esse é o nome dela? — Ele olha para o espaço,
murmurando: — Bethany.
— Você a conheceu uma vez — digo a ele. — Ela foi para o
set. Disse que viu você do lado de fora de um bar.
Ele solta uma risada leve.
— Ah, certo. Bethany. Ela me perguntou sobre aquela vez
em que fui preso.
Ela perguntou. Ela me contou sobre isso. E tudo o que
posso pensar é como ela ficaria incrivelmente feliz em saber que
ele se lembra dela.
— De qualquer forma — diz ele, o nervosismo voltando. —
Bethany mencionou querer uma folga para que ela pudesse ir
para aquela coisa.
— A Convenção?
— Sim, você sabe, para a merda do Breezeo, e eu estava
pensando, e apenas imaginando…
— Imaginando o quê?
— Se talvez eu poderia levar Madison?
Leva um momento para que essas palavras sejam absorvidas,
para o que ele está me pedindo se registrar. Eu pisco para ele,
sem palavras, uma sensação de afundamento na boca do
estômago. Eu não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Uma
voz no fundo da minha mente está gritando, em defesa,
aterrorizada por isso, mas meu coração – meu estúpido,
estúpido coração – está nas nuvens por ele querer fazer isso com
ela.
— Eu, hum… — balanço minha cabeça, tentando limpar
meus pensamentos. — Uau.
— Sei que estou pedindo muito — diz ele. — Estou pedindo
um pouco de confiança, só um pouquinho, e não culpo você
se não me der, mas eu só... estou pedindo. Posso levá-la?
Abro minha boca, ainda sem ter ideia do que dizer, quando
um movimento chama minha atenção segundos antes de uma
voz cortar.
— Estou interrompendo?
Oito e meia em ponto, suponho. Drew. Eu não me viro, não
olho para ele imediatamente, mas Jonathan sim. Suas costas se
endireitam, ombros retos, cada centímetro dele rígido. Observo
enquanto seu rosto fica confuso, esperando que não haja
reconhecimento, mas é instantâneo.
A confusão dá lugar a um tipo de raiva crua, do tipo que
ferve há séculos. Ele olha para Drew como se quisesse pegar seu
coração, arrancá-lo de seu peito e enfiá-lo em sua garganta.
A voz de Jonathan é tão contundente quanto seu olhar
quando diz:
— Hastings.
— Cunningham — diz Drew, imperturbável.
— Que diabos está fazendo? Por que você está aqui?
Drew aponta para mim.
— Pegando ela.
Eu vejo, enquanto Jonathan liga os pontos, percebendo que
ele é o plano que tenho esta noite. Andrew Hastings. Faz muito
tempo que não ouço alguém chamá-lo apenas pelo sobrenome.
Jonathan se vira para mim, sua expressão dura enquanto
tenta conter sua raiva, mas ele está lutando.
— Ele? — Jonathan pergunta. — É isso que você está
namorando? Este é o cara com quem você está saindo?
Começo a responder, mas ele não me deixa.
— Inacreditável. — Jonathan balança a cabeça. — Como
você pôde?
Essas palavras levantam minhas defesas.
— Com licença?
— Ele faz parte da sua vida? A vida de Madison? Jesus
Cristo, você o deixou perto dela? Que diabos está pensando?
— Não — eu digo, levantando minhas mãos para detê-lo
antes que diga qualquer outra coisa. — Nem comece com isso.
— Você deveria ouvir a senhora — Drew entra na conversa
—, e cuidar da sua vida.
— Esse é o meu maldito negócio — Jonathan diz, dando um
passo em direção a Drew, tudo sobre ele de repente cheio de
agressividade. — Estamos falando da minha filha aqui. Minha.
E eu não sei que tipo de merda você fez para forçar sua entrada
na vida delas, mas você também não pode ter a mãe dela. Não
pode ter nenhuma das duas. Você não pode roubar a porra da
minha vida!
— Pare com isso — resmungo, pisando entre eles.
Jonathan balança a cabeça, furioso, a mão esquerda fechada
em punho. Eu não acho que ele vá socar, já que sua mão direita
está engessada, mas posso dizer que ele quer.
E não ajuda nem um pouco quando Drew ri. A diversão
cobre sua voz quando ele diz:
— Não é possível roubar o que estava em jogo.
Isso desencadeia Jonathan. Ele vai até Drew, mas estou no
caminho. Eu o empurro com força, fazendo-o recuar.
— Apenas... vá embora, Jonathan. Saia!
Ele olha para mim, sua expressão dura quando ele diz:
— Eu não posso acreditar em você.
Virando-se, ele se afasta, deixando-me aqui, fumegando.
Inacreditável.
Ele não pode acreditar em mim? Em mim? Depois de tudo
que ele fez? Ele quer agir como se eu fosse a errada?
— Vejo que ele mostrou seu rosto novamente — diz Drew.
— Há quanto tempo ele está aqui?
— Hum, duas semanas, talvez — murmuro, observando
enquanto Jonathan desaparece na noite.
— Você não mencionou isso.
— Não queria falar sobre isso — digo. — Ainda não.
— Justo. — Drew agarra meu ombro, apertando-o
suavemente. — Que tal sairmos daqui, esquecer que isso
aconteceu?
— Parece bom — murmuro, dando-lhe um sorriso, mas sei
que é uma causa perdida. Esquecer isso está fora de questão.
Posso sentir meu sangue fervendo. Eu quero seguir aquele
homem na escuridão e dar a ele um pedaço da minha mente.
Capítulo 14
Jonathan

Um passo para frente, cinquenta passos para trás.


É assim que me sinto, como levar uma pancada na bunda no
segundo em que encontro forças para me levantar.
Meu telefone está ao lado de onde estou sentado, em cima
da velha mesa de piquenique de madeira, sob o véu da
escuridão que antes cobria o parque. É estúpido. Eu sou
estúpido. Não, pior do que isso – eu sou fraco. Meus contatos
estão abertos no telefone, a tela acendeu, mas não consigo
pressionar nenhum botão.
A garrafa de vidro parece pesada em minhas mãos. Um
quinto de uísque. Não reconheço a marca. Peguei a primeira
coisa que encontrei na loja da esquina no caminho para cá, algo
barato e áspero.
Quase posso sentir a queimadura.
Eu o encaro.
E encaro.
E que se foda ficar encarando isso.
A garrafa ainda está lacrada.
Seria tão fácil abri-la e tomar um gole, aliviar a dor – a raiva,
a angústia.
Agarrando a tampa, eu a desenrosco, quebrando o lacre e
sentindo o cheiro forte do licor, quando meu telefone vibra
contra a mesa de piquenique. O nome de Jack pisca na tela.
Suspirando, eu ignoro, mas ele liga de volta.
De novo.
E de novo.
— Maldição — murmuro, respondendo a sua quarta
chamada, apertando o botão para colocá-lo direto no viva-voz.
— Sempre soube que você seria um pé no saco, Jack. Não sabia
que você também era vidente.
Jack ri.
— O que posso dizer? Senti uma perturbação na força.
Achei que iria cuspir alguns Yoda-mentos em você por um
tempo. Um merda você é.
— Engraçado — murmuro.
— Na verdade, eu estava ligando para parabenizá-lo.
— Pelo que?
— Por passar uma semana sem aparecer na capa de um
único tabloide — diz ele. — Fui ao supermercado mais cedo e
não vi sua cara feia em lugar nenhum. Fez o meu dia.
— Estou feliz por poder fazer isso por você — digo.
— Eu aprecio isso mais do que você imagina — diz ele. —
Agora me diga o que posso fazer por você.
Eu hesito, olhando para a garrafa.
— Nada.
— Bobagem — diz ele. — Tente novamente.
— Sabe, você deveria ser solidário e seguir minha liderança.
— Mais uma vez, bobagem. Se você quisesse ser mimado,
teria escolhido outra pessoa como seu padrinho. Este não sou
eu. Eu não vou cuidar de um homem adulto enquanto ele
estiver reclamando da mamadeira.
— Sim, bem, foda-se.
— Abra-se, Cunning — diz ele com uma risada. — Diga-me
como o grande mundo mau te machucou.
Não estou com vontade de falar, mas sei que ele não vai
abandonar o assunto, então foda-se – divago, contando a ele
tudo sobre o dia de merda que tive.
Ele ouve em silêncio, esperando até que eu termine antes de
dizer:
— Bem, isso é uma merda.
Sorrio amargamente, porque sim, é verdade. É uma merda.
— Sua própria culpa, no entanto — acrescenta.
— Eu sei — murmuro.
— Você? Porque eu estou supondo, e me corrija se estiver
errado, mas você provavelmente está sentado sozinho em
algum lugar, deprimido, prestes a afogar suas mágoas como se
você fosse a vítima.
Olho ao redor do parque. É como se ele estivesse me
observando.
— Sério, você é vidente?
— Nah, eu só conheço você — diz ele. — É um pedaço de
merda auto-sabotante algumas vezes.
— Obrigado.
— De nada — diz ele. — Mas sabe, na maioria dos dias, você
é normal.
— Isso é legal da sua parte.
— Pena que seus filmes são ruins.
Isso me faz rir.
— Sim, muito ruins.
— Mas de qualquer forma, se você parar de reclamar da vida
miserável de um galã de Hollywood, vou voltar à minha
existência glamorosa de trolagem online e falar merda sobre o
seu tipo na seção de comentários.
— Você faz isso — digo. — Obrigado, Jack.
— A qualquer hora, Cunning. Só me ligue da próxima vez.
Sentir a força nem sempre funciona. Eu vou ficar chateado se
você ficar bêbado e eu não tiver a chance de gritar com você
sobre isso primeiro.
— Vou ligar — digo a ele. — Da próxima vez.

◈◈◈

O barulho me acorda assustado, me tirando de um sono


inquieto, o som de passos subindo as escadas de madeira
rangentes. Olho para o teto, tentando afastar o torpor,
enquanto o som fica mais alto, mais perto, sombras se
deslocando do lado de fora da porta do quarto.
Sem hesitação, a porta se abre com tanta força que bate na
parede. A luz do corredor entra no cômodo, interrompendo a
escuridão. Eu estremeço, sentando-me ereto, tentando me
controlar enquanto protejo meus olhos.
— Que diabos?
— Você tem coragem — diz uma voz, uma ponta afiada de
raiva nessas palavras – tão irritada, na verdade, que demoro um
segundo para reconhecê-la.
— Kenney? — Pego de surpresa, eu pisco para ela enquanto
entra no quarto. Sombras mascaram suas feições, mas é ela,
tudo bem... ela está aqui, a poucos metros da cama. Esfrego os
olhos, tentando acordar. — Jesus, estou sonhando ou algo
assim?
— Eu não posso acreditar em você — diz ela, aproximando-
se. — Isso é o que você me disse. Eu não posso acreditar em você.
Mas não fiz nada de errado. Nada.
Eu pisco para ela, tentando entender o que está
acontecendo.
— O que?
— O que? Sério? O que? — Ela joga as mãos para cima,
chegando ainda mais perto. — Você age como se eu fosse uma
pessoa horrível, como se eu tivesse feito alguma coisa horrível
que você não consegue entender, mas eu não fiz. Eu não fiz.
Isso não é minha culpa! Você me deixou, Jonathan.
— Eu não…
— Você me deixou!
Ela está bem na minha frente, tão perto que posso ver suas
mãos tremendo enquanto ela as fecha em punhos, lágrimas
nadando em seus olhos. Olho ao redor, tentando ter uma
noção da hora, mas não tenho certeza de onde está meu
telefone e não há um relógio por perto. Está escuro, porém –
escuro como breu – então acho que já passa da meia-noite.
— Você me deixou, Kennedy — digo, olhando para ela —,
não o contrário.
— Você está errado — diz ela. — Eu me afastei. Há uma
diferença. Você me deixou muito antes disso. Eu estava grávida
e você me deixou.
— Eu não…
— Você me deixou!
Paro um momento quando ela me interrompe antes de
dizer:
— Eu não sabia.
— Isso não torna nada melhor!
Eu quero discutir, querendo me defender, mas não há como
defender essa merda.
— Olha, eu estava errado, e sinto muito por isso.
— Então você continua dizendo, mas pedir desculpas não
muda nada, Jonathan, não quando você continua agindo
assim, argh... assim.
Ela acena para mim, e eu olho para mim mesmo.
— O que você está falando?
— Você aparece aqui e tem a coragem de tentar entrar na
minha vida, na minha mente, como se tivesse o direito de estar
lá depois de todo esse tempo. Você tem a coragem de me julgar
por quem eu ando… você tem a coragem de questionar minha
maternidade, como se eu não soubesse o que é melhor para
minha filha!
Algo estala comigo quando ela diz isso, um pouco da névoa
se dissipando.
— Jesus… isso é sobre ele? Hastings?
— Não, isso é sobre você. — Ela aponta para mim. — Você
e seu ato inocente… e seu dinheiro, e suas coisas. As palavras
que você diz – as piadas, as risadas, os sorrisos que você dá e que
ela aceita e, argh, seu rosto.
— Meu rosto?
— Sua porra de cara estúpida — ela diz, passando as mãos
pelo cabelo enquanto geme, essas palavras me assustando.
Kennedy não xinga. — Seu rosto está em todos os lugares. Estou
cansada disso!
— Você está cansada da minha cara.
— Sim!
— Não há muito que eu possa fazer sobre isso.
— Você pode sair da minha cabeça — diz ela. — Pare de
estar lá o tempo todo!
Sorrio disso, porque é tão absurdo, mas essa é a coisa errada
a se fazer. Seus olhos se estreitam enquanto ela me encara,
parecendo que ela quer me bater agora.
— Eu te odeio — diz ela, sua voz tremendo. — Nunca odiei
alguém tanto quanto odeio você, Jonathan.
Essas palavras, elas me acordam imediatamente, não estou
mais rindo. Não há nada de engraçado nisso. Eu fiquei sob a
pele dela, e com nós dois já em terreno instável, sei que é
perigoso.
Ela se vira para sair, como se fosse se afastar, mas eu agarro
seu braço para impedi-la.
— Vamos, não seja assim...
— Não me toque — diz ela, arrancando o braço do meu
alcance.
Eu deixo ir enquanto me levanto, dando um passo em
direção a ela.
— Apenas... espere um minuto... fale comigo.
— Não há mais nada a dizer.
— Puta merda, Kennedy. — Eu agarro seu braço
novamente antes que ela possa sair. — Você não pode me dizer
que me odeia e depois ir embora. Isso é treta. Você aparece aqui
enquanto eu durmo para gritar comigo...
— Você merece!
— Talvez sim, mas ainda assim...
— Ainda nada — diz ela, virando-se para mim novamente,
ficando bem na minha cara. — Te odeio. É isso. Não há mais
nada a dizer. Eu odeio tudo sobre você. Sua voz, seu rosto... Eu
odeio isso. Por que você não vai embora?
— Porque não posso — digo a ela —, e tenho certeza de que
você não quer que eu faça.
Ela zomba.
— Você está chateada — digo —, mas está mentindo para si
mesma se acha que quer que eu vá embora.
— Eu quero.
— Você não quer.
— Saia.
— Não.
— Vá embora.
— Eu não vou.
Assim que a última palavra sai dos meus lábios, ela está em
mim, batendo em mim, seus lábios pressionando contra os
meus. Ela está me beijando, e estou tão atordoado que levo um
momento para reagir, um momento para considerar beijá-la de
volta. Ela geme e envolve seus braços em volta do meu pescoço,
agarrando-se a mim de forma quase agressiva enquanto ela
chuta a porta fechada.
Há um gosto amargo em sua língua.
Atordoado, não registro imediatamente, mas no segundo
em que o faço, o mundo parece parar.
Eu me afasto dela, quebrando o beijo com um gemido.
— Você andou bebendo.
Ela está respirando pesadamente. Mesmo na escuridão,
posso dizer que suas bochechas estão coradas. Olhos
arregalados me observam quando ela diz:
— Era apenas um pouco de vinho.
Ela não parece bêbada, mas bem, de jeito nenhum ela está
pensando claramente, não se o que ela está pensando agora é
beijar.
Mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela está em
cima de mim novamente, beijando, pressionando contra mim
e me empurrando para a cama. Uau. Ela não é gentil com isso.
Minhas costelas doem. Suas mãos estão por toda parte,
puxando minhas roupas, um calafrio percorrendo minha
espinha quando seus dedos quentes alcançam a pele nua.
— Não acho que isso seja uma boa ideia — digo. — Nós não
deveríamos…
— Apenas cale a boca — ela rosna contra meus lábios, as
mãos enrolando no meu cabelo, agarrando-o.
A parte de trás dos meus joelhos bate no colchão, e eu caio
de volta nele, arrastando-a para baixo comigo. A dor rasga meu
crânio, quase cegando, rivalizando com a queimação
acontecendo no meu peito.
Eu assobio.
— Porra.
Seu beijo fica mais duro, frenético, desespero em seu toque.
Ela não está desacelerando, não mostrando sinais de parar.
Cada pontada de dor atinge profundamente, deixando-me
todo excitado. Meu coração está batendo a um milhão de
quilômetros por hora.
— Tem certeza que quer fazer isso? — Eu pergunto quando
ela me monta.
Sua voz é um sussurro ofegante quando ela diz:
— Não.
— Talvez devêssemos parar.
— Cale-se.
Sorrio disso, calando a boca, porque não vou discutir.
Talvez este momento seja totalmente errado, e talvez não
devesse estar acontecendo, mas há muito pouco que eu quero
neste mundo mais do que quero essa mulher, então não vou
recusá-la.
Eu a arrasto ainda mais para a cama, lutando para mantê-la
segura com uma mão. Merda de gesso. Sua mão desliza para
baixo da minha calça, agarrando meu pau, e ela me acaricia,
mais e mais.
— Porra — eu gemo. — Porra, porra, porra…
Se ela não parar com isso, eu vou explodir. Bem aqui, agora,
exatamente assim.
Eu a viro, subindo em cima, mexendo em sua calça
enquanto tento tirá-la. Ela não hesita, tirando suas roupas,
jogando-as do outro lado do quarto. Eu não me incomodo em
ficar nu, apenas me libertando dos limites da minha calça
enquanto me acomodo entre suas pernas, entre suas coxas, bem
ali.
As perguntas fluem pela minha mente – tantas perguntas,
quase objeções – até que ela sussurra:
— Faça-me sentir bem de novo, Jonathan.
Estou dentro dela então, sem um momento de dúvida,
empurrando lentamente com um gemido profundo.
Tão apertada. Tão molhado. Tão linda.
— Ah, Deus — ela choraminga, agarrando-se a mim.
Eu ainda estou atordoado. Inferno, talvez isso seja um
sonho. Mas não importa, porque eu não quero acordar. Lento
e profundo, do jeito que eu sei que ela sempre gostou,
provocando ao ponto de agonia.
É uma tortura.
Dez minutos, talvez uma hora, não sei. Prazer corre através
de mim, minha respiração ofegante, partes de mim doendo
brutalmente, mas eu continuo indo. Fodendo com ela, fazendo
amor – não tenho certeza do que é isso, mas seus gritos suaves
enchem o quarto enquanto suas unhas arranham minhas
costas, então eu sei que ela está dentro. A pele lisa e brilhante ao
luar tênue da janela. Eu provo, enquanto beijo seu pescoço, o
sabor salgado na minha língua.
Eu mordo, lambo e chupo. Provavelmente estou deixando
marcas, mas quanto mais minha boca trabalha, mais ela se
contorce.
Quando ela goza, suas costas se arqueiam, seu rosto se
contorce e a boca se abre em êxtase. Ela solta um grito
estrangulado, quase como se estivesse sufocando, antes de se
dissolver em gemidos. Porra, esse som faz algo comigo...
Eu gozo, grunhindo, antes de ficar em cima dela, tentando
recuperar o fôlego, tentando clarear minha cabeça. O que
diabos está acontecendo? Ela está tremendo embaixo de mim,
e estou preocupado que ela esteja em pânico. Mas quando eu
me afasto para olhar para ela, ela esmaga seus lábios nos meus
novamente, me deixando cambaleando.

◈◈◈

Cinco horas.
Isso é o que meu telefone diz quando eu saio da cama muito
mais tarde, encontrando-o enfiado no bolso do jeans que eu
estava usando, a bateria pairando em dez por cento. As
notificações ocupam a tela, a maioria delas mensagens de Cliff.
Posso conseguir os ingressos da convenção. Por que
você os quer?
Você se lembra que eles convidaram você, certo?
Você deveria ser o headliner.
Eu sei. Eu lembro. Eu recusei. Não que eu não quisesse fazer
isso, mas Cliff achou que não seria sábio, considerando que
quando o convite veio, minha sobriedade ainda estava em
terreno instável.
Ainda está, idiota.
Suspiro enquanto caminho até a porta, olhando para ela na
cama.
Kennedy.
Meus olhos percorrem suas costas nuas, seguindo a curva de
sua coluna. Ela está enrolada, abraçando um travesseiro, um
lençol branco frágil cobrindo partes dela. Ela está dormindo,
roncando levemente – entrando e saindo a noite toda.
O mundo está clareando quando o nascer do sol se
aproxima. Saio do quarto, meus pés descalços enquanto desço
as escadas, respondendo a Cliff. Esqueça isso.
Sua resposta é instantânea, é claro, porque ele não dorme.
Tem certeza?
Eu digito um rápido “Sim” antes de deslizar o telefone no
bolso do meu moletom.
Indo para a cozinha, pego uma garrafa de água da geladeira
e abro quando uma voz soa atrás de mim.
— Você endoidou?
McKleski está lá em sua camisola e roupão, apertando-o e
fazendo uma careta para mim.
— Oh, não.
— Onde estão suas roupas?
Eu olho para o meu peito nu. Sem camisa.
— Só não me vesti ainda.
— Você deveria fazer isso — ela resmunga, arrastando os pés
para a cozinha, passando por mim. — Pode causar um ataque
cardíaco em uma velhinha correndo por aí desse jeito.
Sorrio, tomando um gole da água enquanto ela começa a
fazer um bule de café.
— Acho que, se eu fosse te dar um ataque cardíaco, teria
acontecido naquele dia no parque.
— Quase deu — diz ela. — Por que você acha que eu chamei
a polícia? Toda aquela gritaria acontecendo no meu quintal.
Ela vira os olhos para mim, me dando um olhar conhecedor.
Sim, ela sabia o que estávamos fazendo naquela noite, e tenho
certeza que também sabe o que estava acontecendo nas
primeiras horas desta manhã.
— Achei que você era apenas uma velha morcega mal-
humorada — eu digo. — Não sabia que você tinha tesão por
mim.
— Ah, não insista, Cunningham — diz ela. — Vou te dar
um pé na bunda.
— Sei que você vai — digo enquanto caminho de volta para
fora da cozinha.
— Coloque uma roupa! — ela grita comigo. — Certifique-
se de que sua convidada faça o mesmo. Nada de lençóis em
áreas públicas!
— Sim, senhora — murmuro, mesmo que ela não possa me
ouvir, voltando para o quarto no andar de cima. Eu alcanço a
porta para entrar quando ela se abre sozinha, Kennedy
aparecendo. Ela parece frenética, o cabelo bagunçado, as
roupas pela metade, e ela perde o equilíbrio enquanto tenta
calçar os sapatos. — Oh, uau... uau... cuidado.
Eu agarro seu braço para firmá-la, mas ela se afasta, as
bochechas corando como se estivesse envergonhada. Ela me dá
um breve olhar antes de desviar os olhos, recusando-se a
encontrar o meu olhar.
— Desculpe, eu, hum... argh.
— Está tudo bem — digo. — Não há razão para se
desculpar.
Mas há. Isso é o que sua expressão diz, e eu posso adivinhar
o porquê. Ela estava tentando escapar durante a minha
ausência, para evitar me ver, mas eu a peguei.
Meu peito aperta com isso. Porra. O arrependimento está
escrito nela, como se tivesse se banhado de vergonha e não
conseguisse tirar o fedor esta manhã. Ela endireita suas roupas,
e meu estômago revira quando percebo que uma garrafa de
uísque está debaixo de seu braço.
— Eu tenho que ir — diz ela, passando por mim, saindo do
quarto.
— Eu não bebi nada disso — digo imediatamente. — Sei
que parece ruim, porra, mas eu não...
— E você não vai — ela diz —, porque eu vou pegar.
— Ok.
— Vou jogar fora — diz ela. — Você nem deveria tê-la. É
estupido. Você é estupido.
— Eu e minha cara estúpida, hein?
Suas bochechas ficam vermelhas enquanto ela gagueja:
— Eu não deveria ter... argh, eu deveria estar em casa horas
atrás.
— Entendo — digo, cruzando os braços sobre o peito
enquanto me inclino contra o batente da porta, observando-a
lutando. — Você não planejou ficar aqui ontem à noite.
— Ou mesmo vir — ela murmura.
Vir.
— Trocadilho intencional4?
Ela não ri. Não acha isso engraçado. Ela apenas começa a
descer os degraus para sair, cansada de estar aqui. Eu assisto em
silêncio enquanto ela hesita no meio do caminho.
— Você, hum... pode levá-la — diz ela, sua expressão
cautelosa. — Quero dizer, se estava falando sério sobre isso, se
você queria levá-la, pode.
Essas palavras me atordoam.
— Sim?
Ela acena.
— Nós vamos ter que falar sobre, você sabe, coisas, mas se
falou ser...
— Falei.
— Bem, então, tudo bem.
Ela se vai então. Eu ouço a porta da frente quando ela sai
correndo, provavelmente correndo para fugir daqui.
Suspirando, pego meu telefone, usando o pouco de bateria
que resta para enviar outra mensagem a Cliff. Vou precisar
desses ingressos.
Como de costume, sua resposta é instantânea. Você está
bêbado? Porque eu juro, Johnny, você e esses ingressos...

4
No original, “coming”. Expressão usada no inglês para indicar orgasmo.
“Despreparados para dizer Adeus”

Kennedy Garfield

Uma audiência está reunida no auditório da Fulton Edge


Academy. Quase todos os assentos estão ocupados. Alunos,
famílias, diretores, doadores. A menina está sentada em uma
cadeira ao longo do corredor na parte de trás, seus pais ao lado
dela. Seu pai não quis vir, culpando o custo de trinta dólares
dos ingressos, mas a garota sabia que ele queria evitar esta noite
por outros motivos. Você.
Sábado à noite. Produção de Júlio César do Clube de
Teatro. Há um estrondo na plateia. As pessoas estão ficando
inquietas. A peça deveria ter começado há dez minutos.
Hastings corre freneticamente, vestido com seu traje
elaborado. Eles estão lutando quando um anúncio é feito.
Houve uma reformulação de última hora.
O papel de Brutus agora será desempenhado por…
Não por você.
O Porsche azul está estacionado no estacionamento. Há um
lugar reservado na frente para seu pai. Embora o assento dele
esteja vazio, a limusine chegou mais cedo, o que significa que
vocês dois estão por perto, mas não aqui.
A garota se levanta de seu assento quando a peça começa.
Seu pai tenta impedi-la, mas sua mãe não o deixa, dizendo:
— Deixe-a ir, Michael.
Ela sai correndo, indo em direção ao estacionamento.
Você está lá fora. Ele também. Vocês dois estão parados na
frente de seu carro, os seguranças de seu pai à espreita enquanto
discutem.
O prazo para aceitar a admissão em Princeton foi ontem à
noite, então ele aceitou em seu nome.
Você diz a ele que não vai. Tornar-se ele não é o seu sonho.
Ele diz para você tirar a cabeça das nuvens – é hora de ser o
homem que ele o criou para ser.
Você diz a ele que ele não o criou para ser um homem. Ele
não te criou de jeito nenhum. Ele teria que ser um pai para levar
o crédito por isso, mas ele não é. Ele não passa de um idiota
egoísta que só se preocupa com seu trabalho. Você diz a ele que
nunca será como ele. Tornar-se ele é o seu pior pesadelo.
No momento em que você diz isso, ele perde a compostura.
Ele bate. Ele bate em você. Você está preparado para isso. Sabia
que isso estava chegando, mas não esperava o segundo golpe...
ou o que vem depois.
Ele golpeia, de novo e de novo. Você tenta bloquear os
golpes, mas ele não para, então você o empurra. Isso lhe dá um
momento de alívio, mas não dura. Ele volta para você, então
você reage.
Você bate. Dá um soco na boca dele.
É a primeira vez que você contra-ataca. Seu pai está
atordoado, cambaleando. Você bateu nele com força. O
segurança corre, restringindo você.
O lábio do seu pai está rasgado. Ele passa a língua nele. Você
está sangrando – o sangue escorre de sua boca. Ele fica na sua
frente, olhando-a nos olhos enquanto diz:
— Você nunca seria nada sem mim. Um desperdício de vida,
assim como sua mãe.
Você cospe na cara dele quando ele diz isso.
Ele pisca, puxando um lenço para limpar o sangue. A garota,
ela está na frente da escola, causando uma cena enquanto grita
para ele parar. Seu pai desvia o olhar, como se estivesse prestes
a sair, mas depois se vira.
BAM.
Ele soca você de novo, uma última vez, um golpe direto no
peito. A segurança o solta para escoltar seu pai enquanto ele o
chama de volta:
— Princeton é legal, filho. Você vai gostar.
Você não fica por perto. As pessoas estão saindo da escola.
Júlio César é uma bagunça sem seu Brutus. Então você entra
em seu carro e sai correndo, não querendo estar lá. Você não
pode enfrentá-los agora.
Você dirige por aí.
Dirige por um longo tempo.
Eventualmente, você acaba em Bennett Landing.
São três horas da manhã. Você está parado na calçada em
frente à casa da garota.
Você está bêbado. Não tão bêbado. Não bêbado o suficiente
para esquecer. Não tenho certeza de que isso seja possível
quando você está bebendo champanhe direto da garrafa. Você
o roubou de casa antes de ir para a peça. Você pensou que
estaria comemorando com ela esta noite, mas em vez disso,
chegou a isso.
Ela ainda está acordada. Ela vê você da janela do quarto dela.
Ela desce as escadas e desliza para fora.
— Você está bebendo — diz ela, olhando ao redor. É a
primeira vez que ela te vê assim. — Por favor, me diga que você
não está dirigindo assim.
— Meu carro está no parque — você diz. — Bebi lá.
— Sem mim?
Você estende a garrafa de champanhe para ela.
— Você pode pegar um pouco.
Ela pega, jogando fora, antes de jogar a garrafa atrás dela na
grama.
— Eu quis dizer que você foi ao parque sem mim.
— Precisava pensar — você diz, olhando para a garrafa
descartada enquanto passa as mãos pelo cabelo. — Foi um dia
difícil.
— Eu sei. — Suas mãos pressionam suavemente suas
bochechas enquanto ela examina seu rosto. — Você está bem?
— Estou bem — você diz, beijando-a, sussurrando contra
seus lábios —, eu só precisava ver você de novo... precisava te
dizer... que eu, hum...
Eu te amo. Você quase diz.
— Diga-me — diz ela.
— Estou indo embora.
Sua voz é calma.
Ela se afasta, piscando para você.
— O que?
— Eu não poderia sair sem me despedir — você diz,
acariciando sua bochecha enquanto sorri suavemente. — Não
queria desaparecer. Você nunca me perdoaria por dar uma de
Breezeo.
Você está fazendo pouco disso. Está tentando fazê-la sorrir.
Está tentando fazer este momento ficar bem, mas ela está em
pânico por dentro. Suas mãos estão tremendo. Ela inala
bruscamente. As lágrimas estão enchendo seus olhos.
— O que você quer dizer com estou indo embora?
Ela pergunta, mas sabe o que você quer dizer.
— Você não pode sair — diz ela. — Onde você iria? O que
sequer faria?
Você está indo para a Califórnia, diz a ela. Ou talvez acabe
em outro lugar. Tudo que você sabe é que tem que seguir seus
sonhos e tem que fazer isso agora. Está na hora. Você vai aonde
quer que a vida te leve, e por mais que seu peito doa com a ideia
de deixá-la, com a ideia de passar o amanhã sem vê-la sorrir, com
a ideia de nunca mais ter ela em seus braços, não pode ficar,
nem mais um dia. Porque cada dia que fica só torna mais difícil
ir, e ir amanhã pode fazer você perder a coragem. Você vai
acabar em Princeton. Vai se tornar seu pai.
Ela olha para você enquanto diz tudo isso.
Ela está começando a chorar.
— Não estou pronta para dizer adeus.
Você enxuga as lágrimas do rosto dela.
— Acha que algum dia estará pronta?
Não, ela não estará.
Ela te agarra, te abraçando com força.
— Eu sei que você tem que ir... eu sei... e você tem que seguir
seu coração, mas como posso seguir o meu se você se foi? Eu te
amo, Jonathan. Eu te amo muito.
Você envolve seus braços ao redor dela, segurando-a
enquanto ela chora. Sempre dando o primeiro passo. Eu te
amo. Um longo momento se passa antes de você dizer:
— Venha comigo, K.
Ela inala bruscamente.
— O que?
— Você tem uma vida aqui. Tem uma família. Porra, você
tem provas na segunda-feira. Está prestes a se formar e ir para a
faculdade. E provavelmente estou prestes a foder minha vida
inteira, mas eu te amo.
Ela se afasta para olhar para você.
— Você me ama?
— Mais do que tudo — você diz. — Mais do que Clube de
Teatro e ensaios gerais e Júlio César. Mais do que irritar
Hastings. Mais do que o maldito parque na estrada. Inferno,
ainda mais do que adorei socar meu pai. Eu não fiquei aqui
tanto tempo para nada disso. Eu fiquei por você. E se eu te amar
é o suficiente…
— É — diz ela.
— Então venha — você diz. — Fuja comigo, querida.
Você não sabe disso, mas aquela garota? Enquanto ela fica
lá, olhando para você, vendo a luz em seus olhos e sentindo
tanto amor em seu coração, ela teria feito qualquer coisa que
você pedisse. Tudo. Ela teria escalado qualquer montanha e
cavado qualquer buraco. Ela teria mentido, enganado e
roubado. Essa garota estava prometida a você para sempre.
Contanto que você a ame, enquanto se importe, ela é sua.
Então, caminhar até o parque com você e subir naquele
Porsche? Foi a decisão mais fácil que ela já tomou.
Capítulo 15
Kennedy

— Vamos, temos que ir! — Eu grito, empurrando coisas em


uma gaveta de lixo na cozinha, procuro as chaves do meu carro,
mas não as encontro em lugar nenhum. Argh. Verifico o balcão
e a mesa antes de seguir para a sala. Nem na mesa de centro.
Certamente não no gancho da porta da frente, onde deveriam
estar. Eu puxo as almofadas do sofá, verificando embaixo delas.
Nada. — Maddie, você viu minhas chaves?
Nenhuma resposta.
Olho ao redor, meus olhos percorrendo o chão enquanto
caminho pelo corredor em direção aos quartos, caso eu tenha
as deixado cair. Não. Estou tentando me lembrar da última vez
que as vi. A porta já estava destrancada quando cheguei em casa
esta manhã, então ontem em algum momento?
— Maddie? — Eu chamo, continua em silêncio. — Você
está ouvindo?
Não, acontece que ela não está. Está esparramada em sua
cama, vestida e pronta para ir, seu cabelo já bagunçado, embora
eu o tenha arrumado alguns minutos atrás. Ela está dormindo
profundamente, sem ouvir uma palavra do que eu digo.
— Maddie, precisamos ir — digo, sacudindo-a para acordá-
la, esperando até que ela se sente antes de perguntar: — Você
viu minhas chaves, querida?
Esfregando os olhos, ela balança a cabeça.
Mesmo que ela as tenha visto, acho que não está acordada o
suficiente para se lembrar.
— Prepare sua bolsa para a escola — digo a ela, indo embora,
indo para o meu quarto. Eu procuro por um momento, agora
procurando meu celular, chegando ao ponto de arrancar os
cobertores da minha cama e tirar as roupas do cesto. Nada.
Irritada, desisto. Eu não tenho tempo para isso.
Já vou ter que caminhar para o trabalho.
Volto para o quarto de Maddie.
Ela está deitada novamente.
— Levanta, levanta, levanta — eu digo, pegando-a e
colocando-a de pé antes de pegar sua mochila, enfiando alguns
papéis perdidos nela, sem ter certeza do que ela precisa. Coloco
nas costas dela antes de pegar sua mão e puxá-la para a porta.
— Eu não quero ir — ela lamenta, arrastando os pés.
— Lamento, a escola é uma necessidade.
— Mas por que não posso ficar em casa com você?
— O que faz você pensar que eu vou ficar em casa?
— Porque você não está de uniforme.
— Isso é loucura, eu… — Olhando para baixo, percebo que
não estou vestindo minha camisa de trabalho. Porcaria. —
Espere aqui. Deixe-me trocar de camisa.
Ela apenas me encara.
— Sério, não se mova — eu digo, apontando para ela. —
Vou demorar apenas um segundo.
Mais um pouco e ela estará de volta em sua cama.
Claro que todos os meus uniformes estão sujos, então eu
vasculho a pilha de roupas que tirei do cesto, encontrando
aquela que parece mais limpa. Estou colocando-a enquanto
uma batida ecoa pelo apartamento.
Eu fico tensa, sabendo que Maddie vai abrir a porta antes
mesmo que ela anuncie:
— Eu atendo!
— Espere!
— Jonathan!
Meu estômago revira enquanto eu ando de volta,
encontrando a porta aberta – é claro – com ele parado ali,
sorrindo para ela.
Tem sido uma manhã louca. Acordar de madrugada, nua na
cama do seu ex, corpo dolorido, coberto pelo cheiro dele, tem
um jeito de colocar alguém no limite emocional. Horror.
Dúvida. Temor. Excitação. Não tenho certeza de como me
sentir sobre isso, não tenho certeza sobre nada, exceto o
constrangimento, a culpa, a vergonha... e talvez eu não devesse
me sentir assim, mas é inevitável.
— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto, mais
mordaz nessas palavras do que gostaria. Eu posso dizer pelo
jeito que ele olha para mim, o lampejo de mágoa em seus olhos,
que a pergunta o incomoda.
— Ele pode vir hoje, lembra? — Maddie entra na conversa,
olhando para mim como se eu estivesse sendo ridícula. — Ele
disse que não podia ficar e brincar comigo e com a tia Meghan.
— Ah, eu sei disso — digo, me aproximando, pressionando
a mão no topo de sua cabeça enquanto forço um sorriso,
esperando que ela não perceba a estranheza. — Quero dizer,
por que agora? A hora de brincar é mais tarde.
— Eu pensei que você poderia precisar dessas coisas — diz
ele, puxando algo do bolso e estendendo – chaves e um celular.
Meu celular, mais especificamente. Minhas chaves também. —
Você deve ter esquecido... em algum lugar
— Hum, obrigada — eu resmungo, pegando meu telefone
dele quando ele começa a tocar. Trabalho. — Foi uma dessas
manhãs. Estou atrasada, e hum... deixe-me atender esta ligação.
Olá?
— Está tudo bem? — Marcus pergunta quando eu
respondo. — Já se passaram dez minutos e você não está aqui.
— Sim, desculpe, estarei aí assim que puder.
— Apenas verificando, já que isso não é típico de você.
Eu desligo, revirando os olhos, e me viro para Jonathan,
prestes a me desculpar por ter que interromper isso quando ele
diz:
— Eu posso levar Maddie para a escola, se precisar ir
trabalhar.
Seus olhos se iluminam com essa sugestão.
— Eu, hum... não sei...
— É apenas, o que… a alguns quarteirões daqui? Posso levá-
la até lá, sem problemas.
— Por favor, mamãe? — Maddie diz, agarrando a mão dele
como se estivesse em solidariedade. — Ele pode me levar até lá!
A eu superprotetora e paranoica quer dizer não, mas como
vou confiar nele para levá-la a uma convenção se nem posso
deixá-lo levá-la para a escola? Quero pegá-la e enfiá-la no bolso,
protegê-la de tudo enquanto estiver viva, mas não posso fazer
isso, porque a verdade é que ela não é só minha.
— Sim, tudo bem — eu digo, essas palavras ganhando um
grito de animação de Maddie. Eu sorrio para ela. — Te amo
mais do que pausas para almoço e contracheques.
— Te amo mais do que o recreio.
— É muito amor, garotinha.
— Tudo isso no mundo inteiro.
Inclinando-me, beijo sua testa.
— Vá em frente, você não quer se atrasar para a escola.
Ela faz uma pausa, arregalando os olhos.
— Espere! Eu esqueci!
— Esqueceu o quê? — Eu chamo enquanto ela corre para
seu quarto.
— Mostre e Conte! — ela grita.
Suspirando, balanço minha cabeça.
— Não pode esquecer de levar algo para o Mostre e Conte.
— Isso seria terrível — diz Jonathan.
Eu olho para ele, franzindo a testa enquanto passo, saindo
do apartamento.
— Você pode trancar a porta para mim? Por favor? Eu
tenho que ir.
— Claro — diz ele. — O que você precisar.
Eu saio, não querendo me demorar, porque se fizer isso,
posso voltar atrás em tudo, e isso não seria justo. Chego ao
trabalho vinte e cinco minutos depois das oito, quinze minutos
atrasada, e corro para bater o ponto, afobada.
— Tem certeza que está bem? — Marcus pergunta, olhando
para mim.
— Tudo bem — eu murmuro. — Não consegui encontrar
minhas chaves.
Não é uma mentira – não completamente. É mais do que
isso, é claro, mas eu não quero entrar nisso. Passo os próximos
minutos no almoxarifado dos fundos, observando o tempo.
Às oito e meia, começo a ficar nervosa. Perto das nove horas,
minha ansiedade dispara. Pegando meu telefone, eu mando
uma mensagem para Jonathan. Você conseguiu deixar ela lá
em segurança?
Nenhuma resposta.
Quando chega nove e meia, não aguento mais. Eu disco o
número da escola, verificando com a recepcionista para ter
certeza de que ela foi, me sentindo uma tola quando ela
confirma que Maddie está na aula e chegou na hora esta manhã.
Eu desligo, resmungando para mim mesma quando uma
mensagem aparece na tela. Jonathan. Esqueci de carregar
meu telefone. Ela chegou sã e salva. Nenhum membro
perdido.
Eu olho para o celular, considerando como responder, mas
tudo o que eu realmente quero dizer parece ridiculamente
piegas esta manhã. Então ela ainda tem todos os dedos das
mãos e dos pés?
Dez de cada, suponho, mas não tive a chance de contar.
Teria nos atrasado.
Sorrio disso enquanto digito uma resposta. Aprenda a ser
multitarefas, cara.
— O que é tão engraçado?
Apertando enviar, olho para cima e vejo Bethany na porta.
— Nada, apenas... você sabe.
Eu agito meu telefone para ela como se isso fosse explicar.
— Namorado? — ela adivinha, levantando as sobrancelhas.
— É o cara que estava aqui?
Minha expressão se fecha.
— Que cara?
— Sabe, aquele que veio te ver.
Oh, Deus.
— Como você sabe disso?
— Porque eu estava aqui — diz ela. — Não pense que eu
não o vi à espreita.
— Você viu ele?
— É claro. — Ela ri. — Você realmente acha que eu não
identificaria aquele gostoso? Olá, você me conhece?
— Bem, quero dizer, não é o que você pensa — digo. — Ele
não é... nós não somos... você sabe... então eu agradeceria se não
dissesse nada.
— Ah, não precisa se preocupar. Seu segredo está seguro
comigo.
— Sério?
— É claro! — Ela ri. — Eu sei que você é, tipo, velha ou o
que quer que seja, mas gosto de pensar que somos amigas. Eu
não vou contar a todos o seu negócio.
Ignorando o fato de que ela acabou de me chamar de velha,
porque foda-se, sinto uma intensa sensação de alívio. Ela está
levando isso muito melhor do que eu esperava.
— Obrigada. E eu sei que você o conheceu, eu acho, mas se
quiser encontrá-lo novamente, eu provavelmente posso fazer
isso acontecer.
— Oh, não, obrigada. — Ela me afasta com um aceno. —
Ele é gostoso, mas não faz meu tipo. Eu realmente não gosto de
ser dominada, se é que você me entende.
— O que?
— Esse seu cara. Qual o nome dele? Andrew?
— Ah, você está falando do Drew!
— De quem mais eu estaria – ah meu Deus, há mais alguém?
— Ela solta um grito. — De jeito nenhum, você tem dois
namorados?
— Claro que não. — Eu zombo quando meu telefone toca.
Eu olho para ele, vendo uma mensagem de Jonathan. — Eu não
tenho namorado.
Você é a rainha. Eu sou apenas um plebeu.
Essas palavras quase me tiram o fôlego. Faz muito tempo
desde que ele disse isso para mim, tanto tempo que meu
coração pula com as memórias.
— Seu rosto discorda — diz Bethany, apontando para mim
enquanto enfio meu telefone no bolso. — Você está toda
corada.
Eu reviro os olhos.
— Não estou.
— Que seja. — Ela se vira para sair. — Você parece como eu
provavelmente estava quando conheci Johnny Cunning.

◈◈◈

— Ouvi dizer que alguém a acompanhou até a escola esta


manhã.
Olho para meu pai sentado na varanda da frente,
balançando casualmente em sua cadeira, passando tempo antes
de sair para liderar uma reunião mais tarde. Está se
aproximando do pôr do sol. Acabei trabalhando para
compensar o atraso desta manhã.
— Sim, eu precisava começar a trabalhar, e bem, ele estava
lá.
— Sorte sua — diz ele —, que ele por acaso estava lá.
— Não me diga — murmuro, deixando por isso mesmo. —
De qualquer forma, devemos ir antes que escureça.
— Porque ele está indo para brincar? — ele pergunta. —
Ouvi falar disso também.
Olho para ele, mas não respondo a isso, abrindo a porta da
frente para gritar para dentro:
— Maddie, querida, hora de ir!
Passos percorrem a casa.
— Não estou julgando você — meu pai diz. — Eu só quero
ter certeza de que está sendo cuidadosa.
Cuidadosa. Apertando seu ombro, eu brinco:
— Não se preocupe, mamãe teve a conversa “sexo seguro é
ótimo sexo” comigo, assim que cheguei à puberdade. Me levou
para a clínica, me deu pílula e tudo.
Ele se encolhe.
— Que bom que fez. Deveria ter te ensinado sobre
abstinência.
— Falou como um verdadeiro conservador — digo quando
Maddie sai correndo com sua mochila. — Além disso, você
sabe, diga o que quiser, mas nos deu essa.
— E ela é suficiente para todos nós — diz ele, sorrindo para
ela quando se joga nele para abraçar seu pescoço. — Amo você,
garota. Divirta-se brincando.
— Amo você, vovô! Talvez você possa jogar também da
próxima vez!
— Talvez — ele concorda enquanto ela corre para fora da
varanda, passando por mim a caminho do carro. Meu pai
espera até que ela esteja fora do alcance da voz antes de dizer: —
Tenha cuidado, e eu não quero dizer, você sabe...
— Sem camisinha, sem rapidinha?
Outro arrepio.
— Isso também, mas acho que você já sabe disso — ele
resmunga. — Espero que tenha aprendido a lição sobre seguir
esse caminho com aquele garoto. Nada de bom pode vir disso.
— Ela veio disso — aponto.
Ele olha para mim, estreitando os olhos.
— Não se preocupe — eu digo. — Estou sendo cuidadosa.
— É melhor você estar praticando a abstinência.
— Tenho vinte e sete, não dezessete.
— Não importa. Não há anel em seu dedo.
— Não sou muito fã de joias.
— Não é sobre as joias.
— Também não sou fã de votos arcaicos.
Ele esfrega as mãos pelo rosto.
— Malditos hippies liberais.
Sorrio disso. Ele costumava dizer isso para minha mãe
sempre que ela o desafiava – o que era o tempo todo.
— Tchau, pai.
— Estou falando sério, Kennedy — ele grita enquanto me
dirijo para o carro.
— Sei que você está — digo a ele. — Não se preocupe.
— Não se preocupe? Okay, certo.
Entro no carro, querendo que a conversa termine antes que
eu escorregue e denuncie o quão encrencada estou. Suor cobre
minhas costas, minhas mãos trêmulas enquanto seguro o
volante e olho no espelho retrovisor para Maddie, alheia a tudo
enquanto ela brinca com seu boneco Breezeo.
— Ele está em casa, mamãe? — ela pergunta, olhando para
mim.
— Quem?
— Jonathan — ela diz —, para que possamos brincar.
— Ah, não tenho certeza. Acho que vamos ver, hein?
Ela sorri, assentindo.
Ele não está lá, no entanto. Ele não está esperando quando
chegamos ao apartamento. Decepção irradia dela, seu sorriso
caindo.
— Ele estará aqui — digo, esperando não estar mentindo
para ela.
— Eu sei — ela diz.
Ela faz o dever de casa, pratica a ortografia e jantamos.
Nada de Jonathan.
Ela toma banho, colocando o pijama, enquanto eu ligo para
ele.
Correio de voz.
Mais uma hora se passa antes que eu finalmente troque meu
uniforme de trabalho. Verifico Maddie na sala de estar,
encontro-a dormindo profundamente, o primeiro filme de
Breezeo passando silenciosamente na TV, as luzes todas
apagadas. Eu olho para a tela, para seu rosto olhando para mim,
fazendo minhas entranhas se contorcerem em nós.
— Idiota — resmungo, pegando o controle remoto para
desligá-lo, mas uma batida suave da porta me para. Dou uma
olhada rápida em Maddie – ainda dormindo – antes de ir para
a porta, olhando pelo olho mágico.
O rosto que está atualmente na TV me cumprimenta.
Bem, existem algumas diferenças, é claro. O cara parado na
frente do meu apartamento parece ter passado pelo inferno. Ele
não se barbeia há algum tempo, e sua pele ainda está salpicada
de leves arranhões e hematomas.
Suspirando, eu abro a porta. Ele começa a me
cumprimentar, mas eu me afasto, saindo, indo para a cozinha
limpar.
Convidando-se a entrar, ele fecha a porta e segue, parando
quando olha para Maddie no sofá.
— Ela está dormindo.
— Sim, bem, isso é o que acontece quando você espera tão
tarde para aparecer.
— Vim mais cedo — diz ele. — Por volta das quatro horas.
— Eu ainda estava trabalhando. Você deveria ter esperado
ou voltado antes.
— Não tive oportunidade.
— Oh? Algo mais importante para fazer? — Eu olho para
ele quando ele não responde. — Eu liguei para você. Poderia
pelo menos ter atendido o telefone.
— Eu tinha desligado.
— O que, não queria nenhuma interrupção? Você tinha um
encontro ou algo assim? Conexões?
Sua expressão endurece.
— Não seja assim.
— É só uma pergunta.
— Não, é mais do que isso e você sabe.
Eu me afasto dele e começo a lavar a louça, tentando
empurrar a amargura que está apodrecendo. Ele está certo – é
mais do que isso. Ainda estou com raiva. Tão irritada. Eu tento
não deixar transparecer.
Ele se senta à mesa da cozinha.
— Eu tive que ir a uma reunião.
Deixo cair o prato que estou lavando quando ele diz isso,
água quente com sabão espirrando em mim.
— Então era onde eu estava — diz ele. — Tentei chegar mais
cedo, mas a reunião durou muito mais do que eu pensava.
— Uma reunião — digo, balançando a cabeça. Eu sei que as
reuniões são o epítome de o que acontece aqui, fica aqui, e elas
deveriam ser anônimas, mas não tenho certeza de como isso é
possível na situação dele.
— Sim, a conversa mudou para algum lugar inesperado —
diz ele. — Sendo cuidados nos relacionamentos.
Eu me viro para ele, horrorizada. Oh Deus.
— Por favor, me diga que você não disse nada sobre nós.
— Claro que não — diz ele. — Nem tenho certeza do que
dizer, se eu quisesse, não tenho certeza… sobre nós.
Nós. Não existe “nós”. Havia um “nós” antes, mas agora
somos só eu e ele e qualquer que seja essa bagunça em que me
meti, me jogando nele do jeito que fiz.
Secando minhas mãos, eu me sento em frente a ele.
Ele pega o boneco Breezeo que Maddie deixou na mesa
depois do jantar.
— Isto é o que ela pegou para o Mostre e Conte esta manhã.
— Não estou surpresa. Ela provavelmente o levou uma
dúzia de vezes.
Ele sorri, olhando para ela, mas não diz nada.
— Você, hum, você sabe...? — Eu aceno para ele, sem saber
como dizer. — Ok?
Ele levanta uma sobrancelha.
— Estou bem?
— Você disse que tinha que ir a uma reunião, então eu me
perguntei...
— Se eu fodi tudo?
— Não, eu não quis dizer...
— Está tudo bem, você pode perguntar. Eu errei muito.
Mas não, eu não ferrei tudo. Não dessa vez. Ainda não.
— Ainda.
Ele ri secamente.
— Ainda.
— Bem, é bom saber, mas não foi isso que perguntei —
digo. — Perguntei se você está bem.
Ele coloca o boneco no chão.
— Sim, estou bem.
— Bom.
— Você está?
— Claro.
— Você está feliz?
Parece conversa fiada, eu sei, mas é muito mais profundo do
que isso e sua expressão mostra isso. Eu estou feliz? Não sei.
— Eu não diria que as coisas estão perfeitas, mas acho que
estou feliz. Você?
— Não.
Sua resposta é instantânea. Ele nem considera isso. Ele está
vivendo seu sonho, mas ainda assim, ele não está feliz.
— Eu estava feliz esta manhã, no entanto — ele continua,
sorrindo novamente. — Ontem à noite, também.
— A noite passada não deveria ter acontecido.
— Mas aconteceu.
Ele estende a mão sobre a mesa, sua mão agarrando a minha.
Eu olho para ele, sem me mover, mesmo que aquela voz de
autopreservação implore para eu me afastar, conseguir algum
espaço.
Ele aperta minha mão quando encontro seu olhar. Ele ainda
está sorrindo. Ele parece feliz.
Minha ansiedade aumenta.
— Vamos para algum lugar — diz ele.
— Onde?
— Para onde você quiser ir.
Eu balanço minha cabeça.
— Não podemos.
— Por que não?
— Porque eu tenho trabalho e Maddie tem escola. Não
podemos simplesmente ir a algum lugar.
— Nós vamos no fim de semana.
— E fazer o que?
— O que você quiser fazer.
Eu me afasto dele, seu toque nublando meus pensamentos.
Ele está dizendo palavras bonitas, mas não tenho certeza se
posso acreditar em algo disso.
— Vou pensar sobre isso — eu digo, com medo de dizer sim,
mesmo que meu coração estúpido anseie por isso. — Devemos
nos preocupar com o próximo fim de semana primeiro. Você
sabe, a convenção. Quero dizer, se você ainda...
— Eu vou.
— Ok, mas preciso de detalhes – onde, quando, como.
Quando você vai buscá-la, quando vai trazê-la de volta, com o
que vai alimentá-la, você pode garantir que ela não será
sequestrada?
Ele ri enquanto se recosta na cadeira, como se eu estivesse
sendo engraçada, mas estou falando sério. São muitas pessoas,
muitos estranhos, e já estou começando a me arrepender de
dizer a ele que poderia levá-la.
— Vou buscá-la no sábado de manhã. Vou trazê-la de volta
no sábado à noite. E para ser honesto, provavelmente vou
alimentá-la com o que ela quiser. Quanto a ser sequestrada, não
precisa se preocupar. Não vou deixá-la fora da minha vista.
— Mas eu, hum... tudo bem.
Não sei mais o que dizer.
— Ok — ele concorda, pegando o telefone quando toca,
atendendo em silêncio. — E aí, Cliff?
Cliff.
Me levanto da mesa, não querendo ouvir aquela conversa,
mas capto partes dela enquanto acabo de limpar a cozinha, algo
sobre cronogramas e horários, reuniões na cidade e consultas
médicas.
Depois que desliga, ele se levanta, e eu acho que ele está
prestes a sair, mas em vez disso ele caminha até onde estou e
para atrás de mim. Ele afasta meu cabelo, e eu suspiro quando
ele beija meu ombro. É suave, tão suave, apenas um arranhão de
seus lábios. Formigamento me engole, um calafrio correndo
por mim que faz meus joelhos ficarem fracos.
— Nós não devemos fazer isso — sussurro.
— Nós não estamos fazendo nada — diz ele, seu braço
direito serpenteando em volta da minha cintura, o gesso
pressionando contra o meu abdômen enquanto ele me puxa de
volta contra ele.
Ele beija meu pescoço, e eu fecho meus olhos, segurando o
balcão com força. Ele me marcou ontem à noite, como se
fôssemos adolescentes imprudentes, deixando mordidas de
amor por toda parte. Passei a maior parte do dia tentando
escondê-las das pessoas.
— Eu cometi tantos erros — diz ele, sua voz quase uma
respiração contra a minha pele —, mas eu não vou cometer
esses erros novamente.
— Eu quero acreditar em você — sussurro.
Eu viro minha cabeça, olhando para ele, enquanto ele se
inclina para frente, beijando o canto da minha boca.
— Eu deveria sair daqui — diz ele. — Está tarde, e tenho
certeza que você tem coisas melhores para fazer do que me
agradar.
Não discuto, nem tento impedi-lo, embora ache que é isso
que ele quer. Ele se afasta, indo para a sala, onde Maddie ainda
está dormindo. Curiosa, eu sigo, demorando perto da porta da
frente enquanto ele se ajoelha e afasta o cabelo do rosto dela
para beijar sua testa.
— Desculpe, estraguei tudo esta noite, pequena.
Ele vai em direção à porta, me olhando com cautela
enquanto eu bloqueio seu caminho. Ele passa por mim, mas
antes que possa ir, eu digo:
— Eles vão reconhecer você.
— O que?
— Na convenção — eu digo. — As pessoas vão saber quem
você é. Como vai protegê-la... como você vai protegê-la?
— Isso não será um problema. Ninguém vai saber.
— Como você pode ter tanta certeza?
Ele ri enquanto abre a porta da frente.
— É para isso que serve o cosplay.
Capítulo 16
Jonathan

Knightmare.
O arqui-inimigo de Breezeo.
Onde Breezeo é leve, uma lufada de ar fresco, a brisa
agradável em um dia quente de verão, Knightmare é a
tempestade que chega e leva tudo embora. Escuridão, densa e
sufocante, as sombras das quais você não pode escapar à noite
em becos.
Couro preto emoldurado com armadura escura, da cabeça
aos pés, desde as botas de combate até o capuz preto de grandes
dimensões com uma máscara de metal cobrindo parte do rosto,
tornando-o irreconhecível.
Sempre tive inveja do traje.
Supera o maldito elastano falso, com certeza.
— Eu, uau. — Kennedy está na porta do seu apartamento
com um olhar de admiração enquanto seus olhos examinam a
fantasia. — Isso é apenas... uau.
— Uau, hein? — Eu olho para baixo. — Bom ou mal?
— É só que, hum, você sabe...
— Uau? — Eu acho.
Ela acena com a cabeça, lutando contra um sorriso.
— Uau.
Sorrio.
— É o original.
— Sério?
— Direto do segundo filme — eu digo, tocando uma placa
de peito blindada com uma mão sem dedos enluvada. — Bem,
exceto por essas luvas. As reais não serviriam por causa do
elenco, então tive que improvisar.
— É, hum...
— Uau.
— Legal — ela diz, tocando a fantasia, as pontas dos dedos
roçando a armadura. — É meio estranho ver você assim, mas
ainda assim, é legal.
— Obrigado — digo enquanto ela se afasta para eu entrar
no apartamento. — Eu os convenci a me emprestar. Posso não
devolvê-la, no entanto. Eu meio que estou gostando.
— Você deveria ficar com ela — ela diz, seus olhos ainda me
examinando enquanto fecha a porta. — É, hum...
— Agradável?
— Uau. — Ela sorri brincalhona enquanto se afasta. —
Preciso terminar de me arrumar para o trabalho. Maddie, você
tem visita!
Um momento depois que Kennedy desaparece, Madison
corre. Ela derrapa até parar quando me vê, olhos arregalados,
boca aberta.
— Uau.
Eu empurro o capuz para fora, empurrando a máscara para
cima, sua expressão mudando quando ela vê que sou eu, o rosto
se iluminando. Ela corre direto para mim, batendo em mim
com tanta força que eu tropeço.
Sorrio enquanto ela me abraça.
— Ei, menina bonita.
Ela olha para mim.
— Você me acha bonita?
— O que? É claro. — Eu me ajoelho ao lado dela, sorrindo
enquanto pressiono um dedo na ponta de seu nariz. — Você
parece com sua mãe.
— Você também acha a mamãe bonita?
— Eu acho que ela é a mulher mais bonita do mundo.
Sua expressão muda rapidamente quando digo isso antes
que seus olhos se arregalem.
— Ainda mais bonita que Maryanne?
Eu me inclino mais perto, sussurrando, repetindo suas
palavras.
— Ainda mais bonita que Maryanne.
— Uau.
Sorrindo, estendo uma bolsa para ela.
— Eu trouxe algo para você. Pensei que talvez gostaria de
usá-lo hoje.
Ela a agarra, sem hesitar enquanto puxa tudo para fora,
ofegante. Descarta a bolsa vazia enquanto corre para o quarto,
quase esbarrando em Kennedy no corredor.
— Cuidado — diz Kennedy. — Para onde está fugindo?
— Não dá tempo, mamãe! Tenho que me preparar!
— Bem então. — Kennedy a encara até que ela desapareça,
antes de se virar para mim enquanto passa os dedos pelos
cabelos, puxando-os para cima. — Tem certeza que pode lidar
com isso?
— Eu lido com abutres do Hollywood Chronicles — digo. —
Eu posso lidar com o que ela jogar em mim.
Kennedy não parece convencida.
— Ouvi dizer que você pegou uma acusação de agressão há
dois anos por socar um deles.
— Onde você ouviu isso?
— A capa do Hollywood Chronicles.
Eu balanço minha cabeça.
— Essas acusações foram retiradas.
— Porque você era inocente?
— Mais como se eles fossem tão culpados quanto.
Kennedy revira os olhos, mas não tem chance de dizer nada.
Passos correm em nossa direção, uma voz animada gritando:
— Ta-da!
Madison está lá, sorrindo descontroladamente, vestida com
o pequeno traje branco e azul – uma fantasia Breezeo. Eles vão
lançar para o Halloween, mas consegui pegar uma mais cedo.
— Uau, olhe para você! — Kennedy diz, alisando o cabelo
de Madison. — A Breezeo mais bonita que já vi.
— Jonathan também me acha bonita! — ela diz, sorrindo
para a mãe. — Ele me disse isso!
— Ele disse? — Kennedy pergunta. — Homem inteligente.
— E você também — diz ela. — Ele disse que você é a
mulher mais bonita do mundo.
Droga. Ela me delatou.
Kennedy parece surpresa.
— Bem, isso foi legal da parte dele — diz Kennedy. — Eu
tenho que ir. Divirta-se, ok? E seja boazinha.
— Eu vou.
Ela beija o topo da cabeça de Madison.
— Te amo mais que as manhãs de sábado.
— Também te amo — diz Madison —, mais do que
fantasias e outras coisas.
Madison agarra minha mão.
— Vou trazê-la de volta hoje à noite — eu digo —, dedos das
mãos e pés ainda presos.
Kennedy não olha para mim. Percebo que ela está ansiosa,
então não demoro, levando Madison para fora. O carro está
parado no estacionamento, o motorista encostado nele
enquanto espera. Ele sorri quando nos aproximamos e abre a
porta dos fundos, mas Madison arrasta os pés.
— Ele é seu amigo? — ela pergunta, olhando para mim.
— Por quê?
— Vovô diz para não entrar em carros com estranhos.
— Oh, sim, eu o conheço — digo. — Ele é de confiança.
Ela sobe no carro e eu a coloco em um assento elevatório
enquanto me sento ao lado dela. Enquanto o carro se afasta,
vejo Kennedy nos observando da porta da frente do
apartamento.
Madison tagarela durante todo o caminho até o centro de
convenções, contando histórias, e eu escuto obedientemente.
Ela está explodindo de empolgação quando chegamos, mas
estou em algum lugar no limite. Embora me tenham prometido
discrição, acordos de confidencialidade jogados como doces em
um desfile, sei que as coisas nem sempre saem conforme o
planejado.
O carro nos leva direto para a entrada dos fundos, passando
pela multidão que aguardava. Uma mulher nos encontra em
uma garagem anexa, uma das coordenadoras do evento, junto
com um pequeno destacamento de segurança. Ela sorri quando
saímos do carro.
— Sr. Cunning! E senhorita, hum…
Madison sorri.
— Maddie!
— Senhorita Maddie — diz a mulher. — Estou tão honrada
que você pôde se juntar a nós. Meu nome é…
Blá. Blá. Blá.
Ela se lança no discurso. É esperado. Sempre acontece. Eu
vagamente escuto enquanto ela tagarela sobre a história da
empresa, seus recordes de comparecimento, preparando o
terreno para que eu assine algo no futuro. Madison fica
impaciente e começa a se mexer, então eu apresso a mulher,
pegando nossas pulseiras para admissão como todo mundo,
para que possamos nos misturar na multidão.
— A segurança será postada por toda parte — diz ela. — Eles
ficarão de vigia, é claro, mas se precisar de ajuda, não tenha
medo de pedir.
A mulher sai e o segurança nos leva por um elevador
privativo, direto para o andar principal, deixando-nos sair pelo
corredor. A multidão está fluindo, correndo para chegar aonde
quer que estejam indo.
Estandes. Curiosidades. Compras. Autógrafos. A sala está
cheia de estandes, de quadrinhos, de artistas, de escritores,
atores e cosplayers... a coisa toda. Esta não é minha primeira
convenção, sabe, mas geralmente é para mim que as pessoas
fazem fila.
— Então, o que você quer fazer? — Eu pergunto a Madison.
— Você decide.
Ela se agarra à minha mão, olhando para tudo com os olhos
arregalados.
— Tudo.
Tudo. Sorrio.
— Nós podemos fazer isso.
Começamos por pouco, apenas andando por aí, absorvendo
o que podemos ver. Maddie está maravilhada, olhando para
todos fantasiados, e achei que ela poderia se sentir intimidada
pela multidão, mas não demora muito para se acostumar com
as coisas. Eu a afasto de autógrafos, já que muitas dessas pessoas
realmente me conhecem. Ela me arrasta de estande em estande,
de mesa em mesa, anunciando com entusiasmo tudo o que vê,
sem se demorar em nenhum lugar por tempo suficiente para eu
comprar qualquer coisa.
— Uau — ela diz, parando na frente de um daqueles totens,
um recorte de papelão em tamanho real. — Olha, papai! É
você!
Papai. Uma merda louca desce no meu peito quando ela me
chama assim. É a primeira vez que a ouço dizer isso. Eu pisco
para ela, tão surpreso, tão apaixonado, que só quando ela se
repete e as pessoas olham em sua direção é que percebo o que
ela está dizendo.
— Papai, é você!
Merda. Eu a puxo para longe e me ajoelho na frente dela
quando ela olha para mim confusa, como se não entendesse.
— Não sou eu hoje — digo. — Sou Knightmare, lembra?
Sua testa franze.
— Mas ainda é você de verdade?
— Claro, mas hoje temos fantasias para brincarmos de faz
de conta — digo. — Então, tecnicamente, é você hoje.
Sua expressão se ilumina quando ela se vira, olhando para a
cabine.
— Posso me ter?
— Você pode ter... você?
Ela acena com a cabeça, apontando para um dos totens.
— Oh, você realmente quer um desses.
— Aham.
— É meio grande para carregar por aí.
— Eu posso carregá-lo!
Eu sorrio com a imagem mental dela arrastando uma
daquelas malditas coisas a tarde toda.
— Tem três vezes o seu tamanho.
— Eu posso fazer isso.
— Não duvido — digo a ela. — Que tal esperarmos até o
final do dia, depois de fazermos todo o resto, e se ainda houver
um aqui, levaremos conosco.
— Tudo bem.
Isso foi muito mais fácil do que eu esperava. Pego a mão dela
novamente enquanto olho para o totem. Por favor, deixe-os
vender essas malditas coisas.
Madison me arrasta de novo, de um lugar para outro, antes
de seguirmos para o outro lado do prédio onde os estandes
estão acontecendo. Madison adquire uma programação e
escolhe para onde estamos indo. Quadrinhos no Cinema. A
Arte das Fanarts. Metáforas e Temas. Não tenho certeza se ela
sabe o que é metade das coisas. Inferno, não tenho certeza se ela
consegue ler as palavras enquanto escolhe os painéis, mas ela se
senta ansiosamente por eles, eventualmente me arrastando para
uma sala com uma placa que diz “Disputa de Fandom”.
— Não tenho certeza sobre este — digo a ela. — Acho que
eles esperam participação.
— Oh! Isso significa que posso jogar?
— Com certeza! — uma voz se intromete, uma mulher
entrando na sala atrás de nós, vestida como Maryanne. —
Estamos jogando trivia Breezeo.
— Sou eu hoje! — Madison exclama, agarrando sua fantasia
para exibi-la.
A mulher ri.
— Aposto que isso significa que você vai saber todas as
respostas, hein?
Madison assente.
— Sim.
Os olhos da mulher piscam para mim, mas eu desvio meu
olhar e não digo nada. Encontramos assentos no fundo da sala.
Eles jogam algumas rodadas de curiosidades, escolhendo
jogadores para enfrentar, antes de abrir para todos e chamar as
pessoas na plateia.
— Nos quadrinhos, Maryanne é uma enfermeira — diz o
moderador. — O que ela faz no cinema?
— Ah, ah, ah, eu, eu! — Madison grita, agitando as mãos
descontroladamente, tentando ser vista, mas o cara na frente
dela é muito alto, então ela sobe na cadeira, ficando de pé nela.
— Eu! Eu! Eu sei!
Risos abafados fluem ao nosso redor quando as pessoas a
notam.
— A garotinha Breezeo lá atrás — diz o moderador,
chamando-a. — O que Maryanne faz no cinema?
Madison sorri, gritando:
— Nada!
Mais risadas.
— Aceito isso — diz o moderador. — Ela ainda está na
escola. Venha escolher seu prêmio, pequena Breezeo.
Madison pula, caminhando orgulhosamente para a frente.
Pessoas fazem ohh e ahh perto dela, e ela aceita bem. Acontece
que um pirulito é o que ela ganha. Voltando, ela o empurra
para mim.
Abro para ela e tento devolver, mas ela faz uma careta para
mim, como se eu tivesse estragado tudo.
— O que há de errado?
— Você tem que provar primeiro — diz ela.
— Sério?
— É isso que a mamãe faz — diz ela —, no caso de ser
veneno, porque veio de um estranho.
— Oh. — Eu lambo antes de entregá-lo a ela. — Gostou
disso?
Ela balança a cabeça, colocando-o bem na boca.
Pisco algumas vezes, observando-a. Essa é uma das coisas
mais estranhas que já fiz na minha vida, testar o sabor de doces
potencialmente venenosos.
As perguntas acabaram depois de alguns minutos. Conduzo
Madison no meio da multidão, para fora da sala, recebendo
alguns elogios das pessoas sobre como ela é adorável.
Eu provavelmente pareço um idiota, apenas balançando a
cabeça em concordância.
— Está com fome? — Eu pergunto a ela uma vez que
estamos longe da multidão. — Tenho certeza de que há algo
por aqui que você vai comer.
— Cachorros-quentes!
Cachorros-quentes. Acho-os facilmente, mas a fila é
loucamente longa. Esperamos quase vinte minutos para
comprar alguns cachorros-quentes e batatas fritas, e caramba,
ela quer refrigerante, então eu compro, mas não há lugar para
sentar lá dentro, então saímos para um pequeno anfiteatro.
Uma multidão está reunida no cosplay de Knightmare. Eles
estão dando um show, tendo algum tipo de competição de
espadas.
— O que esses caras estão fazendo? — Madison pergunta
antes de dar uma mordida em seu cachorro-quente.
— Parece LARPing — murmuro.
Ela olha para mim como se eu fosse louco.
— Parece o quê?
— LARPing — eu digo. — RPG de ação ao vivo.
— Ah, eu quero jogar! Posso?
— Acho que não.
— Por que não?
— Eu não sei — admito. Porque você é apenas uma criança
soa como uma desculpa esfarrapada para negar a ela um pouco
de diversão de faz de conta.
Ela almoça enquanto os cavaleiros lutam, entretendo-se
como se estivesse assistindo a um filme, até mesmo escolhendo
um lado – aquele cuja armadura é azul, ao contrário de seu
oponente, que se veste todo de preto.
Pegando o cronograma, eu o folheio.
— Então, parece que temos uma escolha – The Consequence
of Alternate Universes ou Exploring Headcanon.
— O que isso significa?
— Acho que ambos são fan-fiction.
— O que é isso?
— Quando os fãs inventam suas próprias histórias — digo,
balançando a cabeça. Assistimos a um painel que explicou isso
a ela, mas tenho certeza de que passou por cima de sua cabeça.
— Podemos fazer isso? Uma fanfic?
— Pensei que você já tivesse feito — digo. — Você disse que
iria consertar o fim de Ghosted.
— Eu consertei.
— Bem, aí está. Então, qual painel você indicaria?
— The consequences of the cannons — diz ela, misturando-
os. Começo a corrigi-la, mas ela não está prestando atenção em
mim, está de pé e torcendo. — Vai cara azul!
O cara azul, de fato, perde – se é que existe algo como perder
no que eles estão fazendo. O cara de preto faz uma reverência,
comemorando, enquanto Madison vaia ruidosamente,
chamando a atenção.
— Você, jovem Breezeo — ele diz, ainda fazendo o papel
enquanto aponta sua espada para ela. — Você tem a ousadia de
me vaiar? Eu, o vilão Knightmare?
— Você não é o verdadeiro Knightmare — diz ela, com as
mãos nos quadris. — Meu papai é!
Ela faz um gesto para mim, então não há dúvidas de quem
ela está falando. Merda.
O homem me olha com um olhar de desgosto.
— Ele? Ha! Ele não é o verdadeiro! Ele nem tem as luvas!
Madison olha para minhas mãos.
— E? Ele nem sempre precisa usá-las.
— Justo — diz o homem. — Mas se seu pai é o verdadeiro
Knightmare, talvez ele queira descer e reivindicar seu direito.
Ele aponta para mim com sua espada.
Eu balanço minha cabeça. Não vai acontecer.
— Ele vai — diz Madison, me contradizendo.
— Parece que seu pai discorda — diz o homem. — Acho
que ele tem medo de ser exposto como uma fraude.
— Nananinanão! Ele não é!
O homem ri.
Madison está esquentando e, sério, foda-se esse cara. Eu
nunca invejaria o ato de alguém, não exigiria que eles
quebrassem o personagem, mas serei amaldiçoado se vou deixar
alguém me antagonizar na frente da minha filha. Pulso
quebrado ou não, vou defender a honra dela.
— Foda-se. — Eu me levanto, marchando direto para ele
enquanto digo: — Alguém me dê uma espada.
Imediatamente, meia dúzia de caras oferecem as suas. Pego
a mais próxima de mim, tentando segurá-la bem com o gesso.
O Senhor Antagonista tem a coragem de parecer preocupado,
sussurrando:
— Você sabe que estamos apenas brincando por aqui,
certo?
— Nós estamos? — pergunto. — Eu não tinha certeza.
Olha, vou ser sincero. Filmar a maior parte do segundo filme
foi um borrão, mas a preparação para isso, as horas
intermináveis de treinamento para as cenas de luta, está
arraigada em mim a ponto de eu poder fazer isso de olhos
fechados. Então, embora eu provavelmente morreria
horrivelmente se vivesse nos dias da corte do Rei Arthur, a
porra de um Knightmare LARPing não é nada.
— Sinta-se à vontade para se ajoelhar a qualquer momento
— digo a ele. — Eu vou aceitar a sua rendição.
Ele zomba, essas palavras o deixando fora de si. Ele dá o
primeiro golpe. É fraco, fácil de bloquear. Deixo que ele tente
mais algumas vezes, pegando seu padrão, antes de colocá-lo na
defesa, algo que ele claramente não está acostumado.
BAM. BAM. BAM. Golpe após golpe, vou atrás dele,
seguindo a mesma rotina de luta do filme. É como uma dança
coreografada, uma que o cara conhece, mas não é rápido o
suficiente para me impedir. Cinco minutos talvez, eu batalho
com ele... ele começa a suar, os olhos arregalados como se
estivesse começando a pensar que eu poderia realmente
esfaqueá-lo. Ele oferece uma luta decente, o suficiente para que
alguns golpes quase me façam perder o controle, meu pulso
ardendo, a dor subindo pelo meu braço, mas não paro até que
ele se ajoelhe.
Ele deixa cair a espada, caindo de joelhos, e eu ouço Madison
torcendo, gritando enquanto ela corre para mim. Ela envolve
seus braços em volta da minha cintura, me abraçando, e sorrio
enquanto entrego a espada para quem me emprestou.
— Cara, você é bom — diz o cara com uma risada enquanto
se levanta, estendendo a mão. — Meu nome é Brad. Tu és…?
— Jonathan — Madison entra na conversa, respondendo
por mim. — Oh, espere, ele é Knightmare hoje!
— Bem, Knightmare, se você decidir se juntar a uma liga de
LARPing…
— Eu aprecio isso, mas não é minha praia — murmuro,
levando Madison para longe.
— Poderia ter me enganado — diz o cara.
Eu ignoro isso, levando Madison de volta para dentro do
centro de convenções.
— Então, decidimos o que vamos fazer agora?
— Mais luta de espadas!
— Ah, temo que isso tenha que esperar para outra hora —
eu digo —, mas ainda há outra diversão para se ter.
Mais estandes. Algumas compras. Ainda outro jogo de
perguntas e respostas. Ela come sorvete, caindo em cima dela.
Eu compro para ela a boneca Maryanne, então ela não tem que
ficar substituindo pela Barbie. Está quase anoitecendo quando
as coisas começam a chegar ao fim. Posso dizer que Madison
está ficando sem energia. Ela está quieta agora, agarrada à
minha mão.
— Você está pronta para ir para casa? — Eu pergunto. —
Tenho certeza que sua mãe deve estar sentindo sua falta.
Ela acena com a cabeça.
Começamos a ir em direção à saída, mas Madison hesita no
meio do caminho, puxando minha mão.
— Espere! Nós esquecemos!
— Esquecemos o quê?
Ela não responde, em vez disso me arrasta direto para a
cabine com todos os convidados.
— Eu quero um Breezeo — ela declara, dizendo ao
trabalhador, apontando para o que está de pé.
— Eles custam US$ 30 — diz a senhora.
Suspirando, conto o dinheiro e o entrego antes de pegar o
suporte e carregá-lo conosco.
Abrimos caminho através da multidão persistente e saímos
pela saída. Conduzo Madison até a esquina do prédio,
permanecendo lá enquanto envio uma mensagem para o carro
nos buscar. É um minuto ou mais, então esperamos enquanto
as pessoas passam.
Tiro a máscara do rosto quando vejo o carro chegando e dou
um passo em direção a ele quando uma voz chama:
— Johnny Cunning?
Eu me viro, tenso, e vejo uma mulher com seu filho
pequeno, os dois me olhando boquiabertos.
— Ah, meu Deus, é você mesmo! — a mulher diz,
segurando o garoto pelos ombros. — Meu filho me disse que
era, sabe, ele ficava falando que era você, mas não acreditava.
São sempre as crianças.
Elas são intuitivas.
Não importa o quanto você se disfarce, as crianças podem
sentir isso.
— Posso ter um autógrafo? — ela pergunta, segurando uma
revista em quadrinhos enquanto procura algo para escrever. —
Por favor?
— Ah, claro — murmuro, pegando o marcador dela e
rabiscando meu nome, meus olhos no garoto. Ele parece ter a
idade de Madison, o mesmo olhar de reverência em seu rosto
que ela tinha esta manhã. Ele também está usando uma fantasia
de Breezeo, mas a dele é feita em casa... muito tempo gasto
nisso. É estranho, depois de tudo que fiz, ter crianças olhando
para mim como se eu fosse um herói. — Você quer uma foto,
homenzinho?
Ele acena com entusiasmo, como se estivesse sem fala, então
me ajoelho ao lado dele, posando, deixando sua mãe tirar uma
foto rápida.
— Cuide-se — digo a ele. — Certifique-se de sempre cuidar
de sua mãe.
Eu me levanto, pego a mão de Madison e a levo para o carro
antes que alguém me veja.
A viagem de volta para casa parece durar uma eternidade.
Está escuro quando chegamos e Madison está dormindo
profundamente. Tento acordá-la, mas ela não se mexe, então a
puxo para fora do assento elevatório e a carrego. Ela resmunga,
não acordando, os braços em volta do meu pescoço. Eu arrasto
o totem debaixo do braço enquanto me dirijo para a porta da
frente, preparado para bater, mas ela se abre antes que eu possa.
Kennedy está parada na porta, parecendo aliviada em nos
ver, ainda vestindo seu uniforme de trabalho. Ela sai do
caminho para eu entrar.
Eu largo o totem dentro do apartamento. Kennedy olha
para ele antes de me lançar um olhar peculiar.
— Eu sei — murmuro. — É provavelmente a última coisa
que você quer ver, mas ela não viria embora sem ele.
Kennedy balança a cabeça, fechando a porta da frente
enquanto diz:
— Você pode colocá-la na cama, se quiser.
“O Começo de uma Nova Vida”

Kennedy Garfield

Enquanto os alunos da Fulton Edge Academy fazem as provas


finais, você está dirigindo pelo Centro-Oeste, a caminho da
Califórnia. A garota, ela está sentada ao seu lado, no banco do
passageiro do seu Porsche azul, escrevendo seu coração em seu
caderno.
É uma das poucas coisas que ela trouxe.
Ela voltou para casa enquanto você ficava sóbrio, enchendo
sua mochila da escola com roupas, arrumando seus quadrinhos
Breezeo e pegando seu celular antes de escrever um bilhete para
seus pais.

Mãe & Pai,


Eu sei que vocês vão ficar chateados quando perceberem que eu
fui embora, mas por favor não se preocupem muito. Estou bem.
Estou com Jonathan.
Amo vocês dois,
Kennedy

Desnecessário dizer que, mais de vinte e quatro horas


depois, eles estão muito preocupados. Ela só tem dezessete. Já
chamaram a polícia. Ela é oficialmente uma adolescente
fugitiva. O telefone dela começou a tocar pouco depois de você
pegar a estrada, bombardeando-a com mensagens, implorando
para que ela voltasse para casa.
O telefone morreu depois de algumas horas.
Ela esqueceu de trazer o carregador.
Você? Você tem seu telefone, com quase uma carga
completa. A única pessoa que ligou para você é sua irmã, para
avisá-lo de que alguém vazou as imagens de segurança da
Fulton Edge Academy. Sua briga com seu pai está em todos os
noticiários, tocando em loop. É um pesadelo político, o
presidente Cunningham agredindo seu próprio filho. Estão
pedindo sua demissão.
O tempo continua passando.
Os quilômetros entre você e Nova York continuam a crescer
à medida que a Califórnia se aproxima. Você se oferece para
voltar por ela. Não quer que ela se arrependa. Ela diz para você
calar a boca e continuar dirigindo para o oeste.
Alguns dias depois, você cruza os limites da cidade de Los
Angeles. O dia em que deveria ter se formado. Você encontra
um pequeno hotel que aluga um quarto para um jovem de
dezoito anos, apenas até que você possa se instalar em algum
lugar permanentemente.
— Vamos sair — você diz.
— Para onde? — ela pergunta.
— Algum lugar legal. Estamos aqui. Conseguimos.
Deveríamos celebrar.
Então você faz exatamente isso. Você a leva para sair. Ela usa
seu vestido de formatura, aquele que sua mãe ajudou a escolher
– sem mangas, azul royal. Ela tem que usar seus sapatos todos
os dias, porque ela esqueceu de levar sapatos extras. É simples.
Ela parece tão simples.
Você diz que ela é a mulher mais bonita do mundo.
O jantar é em uma churrascaria chique, do tipo em que as
porções são pequenas e a conta é enorme, mas as pessoas não
reclamam porque é tudo sobre a atmosfera. Depois, vocês dois
vão para o Hollywood Boulevard, vendo as marcas das mãos
imortalizadas no cimento antes de passear pela Calçada da
Fama, olhando para as estrelas das celebridades enquanto vocês
dão as mãos.
— Algum dia, você estará aqui — ela diz, sorrindo,
enquanto você faz uma pausa e a puxa para você. — Você terá
seu nome em uma dessas estrelas.
— Sim? Você acha que sou tão talentoso quanto… — Você
olha para baixo, para a estrela mais próxima a seus pés, lendo o
nome nela. — …Kermit, o sapo?
Ela ri.
— Bem, agora que penso nisso, não tenho tanta certeza.
Quero dizer, Gonzo talvez, mas Kermit?
— Talvez se eu trabalhar duro — você diz.
— Talvez — ela concorda, beijando você.
Você dá uns amassos ali mesmo, no Hollywood Boulevard.
É um momento lindo. Nada pode arruiná-lo – nem mesmo
quando um cara vestido como Darth Vader com raiva lhe diz
para conseguir um quarto.
— Nós temos um desses — você diz. — Que tal irmos
aproveitar?
— Achei que nunca iria perguntar.
Você faz amor com ela, intermitentemente, a noite toda.
Agora que essas palavras saíram, agora que elas existem entre
vocês, não consegue parar de dizê-las.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo.
Sua primeira noite na Califórnia é uma das melhores da sua
vida. Você está esperançoso para o futuro.
No dia seguinte, todos os seus cartões de crédito são
cancelados.
No dia seguinte, sua conta bancária está congelada.
É uma descida rápida, de esperançoso para desanimado.
Você não está surpreso que seu pai tenha cortado você, mas dói.
O que você tem é talvez cem dólares em sua carteira e um aviso
para desocupar o hotel em 72 horas. O que você não tem é um
emprego. Vai ter que fazer algo drástico.
Então você sai na manhã seguinte antes do amanhecer, para
tentar descobrir alguma coisa, e não volta até mais tarde
naquela noite, bem depois do pôr do sol. Você dorme por
algumas horas antes de voltar a isso novamente.
Você termina mais cedo desta vez, porém, por volta das três
horas da tarde. A garota está sentada na cama do hotel,
escrevendo em seu caderno. Ela te cumprimenta com um
sorriso.
— O que você está escrevendo? — pergunta, sentando-se ao
lado dela, sem esperar que ela responda. Você pergunta o
tempo todo, e ela sempre lhe conta “uma história”.
Desta vez, porém, ela diz:
— Nossa história.
— Nossa história — você diz. — É isso?
— Mais ou menos — ela diz. — É a minha versão de nós.
— Posso ler um pouco?
Sua caneta para. Ela hesita. Com cuidado, ela volta ao início
e entrega para você.
— Apenas as primeiras páginas.
Você lê, absolutamente fascinado, mas não vai muito longe
antes de ter uma queixa.
— Veja, agora isso é besteira. Essa linha aqui. Você disse que
não havia nada de especial em você.
Ela pega o caderno de volta.
— Sobre ela, não eu.
— Mas ela é você. E posso garantir que, na primeira vez que
te vi, não estava pensando… — Você pega o caderno, e ela se
recusa a entregá-lo, mas você o puxa para perto o suficiente para
ler. — Você é uma plebeia porque nem todas as garotas podem
ser da realeza. Isso é treta. Você é a rainha, querida.
Ela puxa o caderno, fechando-o e jogando-o para fora do seu
alcance.
— Eu disse que é a minha versão. É ficcional.
— Você deveria escrever minha versão.
— O que seria, hã? Trinta páginas de piadas sobre patos
seguidas de um monte de obscenidades?
— Piadas de pato — você diz. — Ou piadas de pau?
— Conhecendo você? Ambos.
— Engraçado, mas não. Seria uma história de luta que leva
ao triunfo. — Você se levanta. — Vamos, coloque seus sapatos.
Vamos dar um passeio. Eu vou te mostrar.
— Você vai me mostrar.
Apesar de seu tom incrédulo, ela ouve, e vocês dois andam
por aí, caminhando alguns quarteirões. O bairro não é o
melhor, mas não é muito perigoso. Talvez um pouco
degradado, mas é tranquilo.
Quando chegam a um velho prédio branco e azul de dois
andares, você a leva até os fundos dele, até uma pequena escada
externa. Você tira um molho de chaves do bolso. Ela olha para
você com confusão.
Ainda assim, ela segue você pelas escadas, esperando
pacientemente enquanto abre uma porta rangente no topo. Ela
entra, olhando ao redor do lugar vazio.
É um apartamento. É pequeno. Não há outra maneira de
colocar. A cozinha e a sala se fundem em uma só, ao lado de um
único quarto, grande o suficiente para acomodar uma cama. O
banheiro é como uma caixa, tudo apertado. O piso é feito de
madeira velha inacabada, arranhada e manchada. A tinta
branca nas paredes está descascando, deixando manchas cor de
pêssego em alguns lugares. Há apenas uma janela em todo o
apartamento, no quarto, bloqueada por um velho ar
condicionado.
— Eu sei que não é muito — você diz. — É uma merda,
realmente. Eu sei. Mas tenho dezoito anos, não tenho emprego
nem crédito, então é o melhor que posso administrar agora.
— É nosso? — Ela olha para você. — Alugou isso?
Você hesita, como se sua boca não quisesse admitir isso,
antes de assentir. Você está engolindo seu orgulho.
— É nosso.
— Mas podemos ao menos pagar um lugar? — ela pergunta.
— Como vamos pagar por isso?
— Eu consegui algum dinheiro — você diz a ela. — Não vai
durar para sempre, mas deve ser o suficiente para nos
acomodar.
— Onde conseguiu dinheiro?
Você hesita mais uma vez.
— Eu, hum... eu vendi meu carro.
Você vendeu o Porsche azul. Tentou pensar em outra
opção, mas era a única coisa de valor que você tinha, que você
possuía. Então vendeu, por menos do que vale, mas se for
cuidadoso, é o suficiente para cobrir as despesas por alguns
meses.
— Este lugar é ótimo — diz ela, envolvendo os braços em
volta de você. — Nosso primeiro apartamento juntos.
— E espero que seja o último — você murmura. — É só esse.
Assim que as coisas começarem a se encaixar, vou construir
uma casa para você.
Você não sabe disso, mas aquela garota? Ela não precisa de
uma casa. Nem precisa de um apartamento. Ela teria dormido
no carro. Ela não teria reclamado nada. Você não precisava
vendê-lo, mas o fez, e por mais grata que ela seja por isso, já se
sente culpada. Ela está preocupada e com medo de que esta não
seja uma história de triunfo. Porque ela acredita em você. Ela
não estaria lá se não o fizesse. Mas o mundo nem sempre é gentil
com as pessoas boas. Às vezes, as come vivas.
Capítulo 17
Kennedy

Eu jogo meu uniforme sujo no cesto do meu quarto e coloco


uma camiseta branca longa, me cobrindo, quando ouço um
limpar de garganta na porta, a voz de Jonathan um murmúrio
rouco quando ele diz:
— Merda, desculpe, eu estava apenas, hum…
Eu olho para ele enquanto ele desvia o olhar, forçando seus
olhos para longe.
— Está bem — digo. — Você já me viu usar menos.
— Sim, bem… — Ele olha na minha direção novamente,
hesitando, como se não tivesse certeza do que quer dizer, se
deveria dizer alguma coisa. — Eu não estava tentando, você
sabe...
— Eu sei.
Apesar de não tentar, ele meio que tenta. Seus olhos vagam
lentamente, e arrepios cobrem meu corpo, um calafrio
rastejando pela minha pele. As coisas já estão estranhas, e ele
está deixando isso mais estressante ao ficar descaradamente
boquiaberto. Meu estômago fica embrulhado com o olhar em
seu rosto, a admiração de queixo caído enquanto ele lambe os
lábios.
— De qualquer forma. — Ele limpa a garganta. — Eu queria
dizer boa noite.
— Boa noite — sussurro.
Jonathan permanece lá, os olhos continuam a vagar. Um
momento se passa antes que ele se afaste, fazendo um
movimento para sair.
— Espere.
A palavra solitária escapa dos meus lábios. Eu não tenho
certeza de por que eu digo isso, nem sequer penso nisso. Ele
hesita novamente, encontrando meu olhar, sobrancelhas
levantadas com perguntas que eu não sei como responder
enquanto meu coração bate descontroladamente com suas
próprias perguntas, como o que diabos você está fazendo? Estou
brincando com fogo, como se não me lembrasse o quanto dói
me queimar, mas daqui, de onde estou, tudo o que consigo
sentir é o calor.
Não preciso dizer mais nada, o que é bom, porque não
tenho certeza se conseguiria encontrar as palavras se precisasse.
Ele estende a mão para mim, as pontas dos dedos roçando
minha bochecha corada e correndo ao longo do meu queixo.
Ele agarra meu queixo e inclina meu rosto para cima enquanto
se inclina para me beijar. Seus lábios são macios, tão macios, tão
doces e gentis.
Ele me beija por um longo tempo, sem pressa, sem
empurrar, apenas esperando. A respiração deixa meus pulmões
e todo o sentido desaparece da minha cabeça enquanto eu
envolvo meus braços ao redor dele e o puxo para minha cama.
— Tem certeza? — ele pergunta baixinho.
Eu balanço minha cabeça, porque não, ainda não tenho
certeza sobre nada disso, mas eu não paro. Eu me deito e ele está
em cima de mim. Eu puxo sua fantasia enquanto ele tira minhas
roupas. Minha cabeça está nadando e meu coração está
acelerado, e antes que eu possa recuperar o fôlego, seus lábios
estão nos meus novamente e ele está empurrando para dentro,
já acomodado entre minhas coxas. Eu suspiro quando ele solta
um gemido gutural, me enchendo, me segurando.
Nada disso parece real.
Não dessa vez. Nem da última vez.
Ele se move devagar no início, e é quase agonizante, antes de
aumentar o ritmo, empurrando mais forte, mais fundo,
empurrando meus joelhos para cima e atingindo aquele ponto
dentro de mim que faz meus dedos dos pés enrolarem e meu
corpo estremecer. Eu gemo seu nome.
— Jonathan.
— Gosta disso? — ele pergunta, mantendo seu ritmo. — É
assim que você quer?
Eu aceno, choramingando enquanto ele atinge aquele
ponto de novo e de novo, desfazendo os nós apertados dentro
de mim enquanto eu começo a desfazer as costuras.
— Por favor.
— Você é a rainha — ele sussurra, não parando quando o
orgasmo me balança. Eu arqueio minhas costas, agarrando-o
com força, unhas arranhando seus ombros.
Mesmo quando passa, ele não para. Ele não desacelera. Ele
sabe o que eu quero e me dá, de novo e de novo, até que eu
imploro, imploro, e não aguento mais um momento. Só então
ele se afasta, só então ele muda seu ritmo – batendo forte, tão
forte que minha respiração fica presa, alguns golpes ásperos e
profundos enquanto ele geme, gozando.
— Porra — ele amaldiçoa, aninhando-se no meu pescoço.
Ele beija a pele, os dentes beliscando minha garganta. — Tão
bonita.
A mulher mais linda do mundo.
Foi o que ele disse a Maddie.
Foi assim que ele me descreveu.
Fechando meus olhos, eu o seguro, esperando que ele queira
dizer essas palavras, esperando que eu possa acreditar nele.

◈◈◈

— Mamãe?
Isso é tudo o que preciso para me tirar de um sono
profundo, aquela palavra solitária dita por perto, a voz calma
me chamando. Maddie. Meus olhos se abrem, e eu pisco
algumas vezes, começando a recobrar meu juízo. O quarto está
começando a clarear, o sol nascendo lá fora, um brilho suave
entrando pela janela e brilhando ao longo do piso de madeira
ao redor da cama.
Acho que talvez esteja ouvindo coisas, porque ela não está
na minha frente, e começo a fechar os olhos novamente
quando ouço risadinhas suaves. Isso me atinge então, pedaços
se juntando enquanto o pânico inunda meu sistema.
Agarrando o cobertor no meu peito nu, sento-me
abruptamente e viro para o outro lado, com os olhos
arregalados.
Ela está ali, bem ao lado de onde seu pai está dormindo na
cama. Na minha cama. Merda, ele está dormindo na minha
cama, sem roupa, o cobertor sobre ele. Graças a Deus ele está
coberto – não que isso torne tudo isso melhor. Ela é muito
jovem para saber o que é isso, mas ela tem uma imaginação e
tanto, aquela criança, que pode ser perigosa.
Não quero que ela tenha ideias na cabeça e pense que isso é
mais do que é... o que quer que seja.
Ela cutuca sua bochecha antes de enfiar o dedo em seu
ouvido, rindo novamente quando ele resmunga em seu sono e
se move, agitando a mão, tentando afastar a intrusão.
— Madison — eu assobio, avisando-a. Ela puxa a mão e olha
para mim com aquela expressão de “ah, merda”, sabendo que
ela está presa. — O que você está fazendo?
— Nada.
— Não parece nada.
Um sorriso racha seu rosto.
Ela faz isso de novo, enfiando o dedo na orelha dele. Seu
rosto se contorce de aborrecimento quando ele muda de
posição, gemendo:
— Estou tentando dormir, Ser.
Maddie engasga, puxando a mão para trás, olhando para ele
com choque. Eu sinto isso, essa mesma sensação mexendo na
boca do meu estômago, mas por razões muito diferentes. Ser.
Serena. Ele acha que é ela.
— Papai diz palavrões!
No momento em que ela diz isso, os olhos de Jonathan se
abrem. Ele se senta tão rápido que puxa o cobertor de cima de
mim. Ofegante, eu o agarro, lutando para ficar coberta,
puxando-o de volta para mim e quase expondo-o no processo.
Ele olha para mim, com os olhos arregalados, em pânico,
sussurrando:
— Ah, porra.
— Ei! — Maddie diz, estendendo a mão e cutucando-o na
orelha. — Eu ouvi!
Ele ri e afasta a mão dela enquanto se vira para ela.
— Desculpe, não sabia que havia orelhas pequenas no
quarto.
Agarrando o lóbulo de sua orelha, ele a puxa de brincadeira.
— Maddie, querida, por que você não vai para a cozinha? —
Eu sugiro. — Estarei lá em um segundo para fazer um café da
manhã para você.
Ela sai do quarto, e eu tento sair da cama, mas bem, posso
sentir os olhos de Jonathan, e minhas roupas estão longe demais
para serem alcançadas. Ele tenta me tocar, sua mão nas minhas
costas, as pontas dos dedos roçando minha espinha. Eu me
afasto dele, levando o cobertor comigo, envolvendo-o em volta
do meu corpo nu enquanto pego algumas roupas.
— Kenney? O que há de errado?
— Maddie está esperando o café da manhã — murmuro,
indo direto para o banheiro. Fecho a porta atrás de mim,
deixando escapar um longo suspiro enquanto visto minhas
roupas, resmungando para mim mesma. — Estúpida, estúpida,
estúpida... você poderia ser mais estúpida? Dormir com aquele
homem estúpido depois de todas as merdas estúpidas que ele
fez... o que há de errado com você?
Abrindo a porta de novo, quase bato em um corpo que
bloqueia a porta, demorando-me no corredor. Ele teve o bom
senso de colocar a calça e ainda está lutando para abotoá-la.
— Com licença — murmuro, evitando seu olhar, mas ele
não está saindo do meu caminho.
Ele agarra meu braço antes que eu possa passar por ele, com
a testa franzida.
— Eu fiz alguma coisa?
— Eu não sei — eu murmuro. — Você fez?
Eu tento me afastar dele, mas ele avança no meu caminho.
— Vamos, não seja assim. Me diga o que está errado.
Eu hesito. Eu quero fazer algum comentário sarcástico e ir
embora, fazer birra como uma criança petulante porque me
sinto tão estúpida, mas não sou eu. Nunca fui. Então, seja o que
for, é o que é, então eu digo, não importa o quão estúpido
pareça.
— Você a chamou de Ser.
— O que?
— Ela acordou você, e você pensou que ela era Serena.
Ele solta meu braço enquanto sua expressão muda para algo
que parece pena, e eu não gosto disso.
Eu o deixo lá e vou para a cozinha, suspirando quando vejo
uma cadeira empurrada para o balcão, Maddie de pé sobre ela,
vasculhando os armários.
— O que você pensa que está fazendo, garotinha?
— Procurando Lucky Charms — diz ela enquanto eu a
puxo para baixo e a coloco de pé.
— Receio que todos acabaram. — Pego uma caixa de
Cheerios. — Que tal estes?
Ela faz uma cara de desgosto.
— Farelo de passas?
Outra careta.
— Que tal um pouco de queijo cottage?
Ela finge engasgar.
— Hum, bem, que tal…?
— Que tal eu te levar para o café da manhã? — Jonathan
sugere, entrando na cozinha. — Panquecas, salsichas, ovos…
— Bacon! — Maddie declara.
— Eu não sei — digo. — Não tenho certeza se isso é uma
boa ideia, sabe, com toda a sua coisa de você sendo você.
— Eu sendo eu — diz ele.
— Sim, é provável que você seja reconhecido e depois tenha
que explicar tudo isso e bem, sabe, não tenho certeza se vale a
pena tomar um café da manhã.
— Mas pode ser bacon — lamenta Maddie.
Jonathan hesita, pensando sobre isso, olhando entre nós
antes de dizer:
— Eu sei de um lugar que podemos ir.

◈◈◈

A casa da Sra. McKleski.


Landing Inn.
É ali que ele nos leva.
Maddie e eu estamos no vestíbulo da mulher de pijama,
enquanto Jonathan usa apenas as calças de couro da fantasia de
Knightmare. A Sra. McKleski olha para nós como se tivéssemos
enlouquecido, e eu instantaneamente quero estar em qualquer
outro lugar do mundo, mas é tarde demais, porque foi
prometido a Maddie um pouco de bacon.
— Você quer café da manhã — diz a Sra. McKleski. — É
isso que você está me dizendo?
Ele concorda.
— Sim, senhora.
Ela o encara. Rígida. Espero uma negação, porque toda essa
ideia é absurda, mas depois de um momento, ela solta um
suspiro resignado.
— Tudo bem, mas vá colocar algumas roupas — diz ela. —
Esta é uma pousada, Sr. Cunningham, não Chippendales. Não
quero você na minha mesa do café parecendo um gigolô.
Ele ergue uma sobrancelha para a mulher.
— Não sabia que você sabia o que era um gigolô.
— Vá — ela diz incisivamente —, antes que eu mude de
ideia.
— Sim, senhora — diz ele, dando-lhe um sorriso antes de se
virar para mim e acenar em direção às escadas. — Junte-se a
mim?
Eu olho para ele, sem me mover.
Ele se aproxima.
— Por favor?
— Tudo bem — eu murmuro, olhando para Maddie, não
querendo causar uma cena. — Ei, querida, por que você não se
senta na sala de estar?
— Bobagem — diz a Sra. McKleski. — Ela pode vir me
ajudar a cozinhar. Vou ensinar-lhe alguma responsabilidade.
Não tenho certeza se o pai dela já aprendeu alguma.
Jonathan faz uma careta antes de novamente gesticular para
que eu o siga.
— E nada de rala e rola — a Sra. McKleski nos grita quando
começamos a subir.
— O que é rala e rola? — Maddie pergunta, seguindo a
mulher até a cozinha.
— Ela quer dizer jogar bola — eu grito antes que a Sra.
McKleski possa responder, porque não há como dizer como
aquela mulher explicaria isso.
— Ah, eu gosto de jogar bola! — Maddie olha para a mulher
com confusão. — Por que você não quer jogar?
— Muito confuso — resmunga a Sra. McKleski. — Tudo
aquilo se virando.
Balançando a cabeça, subo as escadas, parando dentro do
quarto enquanto Jonathan vasculha seus pertences para
encontrar algumas roupas.
— Eu não quis dizer isso, sabe — diz ele enquanto tira a
calça, ficando nu na minha frente. Oh Deus. Eu evito meu
olhar, tentando não olhar, mas eu vejo pelo canto do meu olho
enquanto ele puxa uma cueca boxer preta. — A coisa de
Serena... eu não quis dizer isso.
Não digo nada. O que eu devo falar? Ele veste uma calça
jeans antes de pegar uma camiseta preta lisa.
— Estou falando sério — diz ele. — Eu estava meio
dormindo e não sabia o que estava dizendo.
— Não importa — digo, tentando me afastar, mas ele me
impede, uma mão no meu braço, a outra segurando minha
bochecha.
— Isso importa — diz ele, me fazendo olhar para ele. —
Serena costumava ficar fodida com cocaína e ficar acordada por
dias e deixar todo mundo no set louco. E ela fazia merda assim
sempre que tentávamos descansar. Ela jogava. Então não é que
eu pensei... – Ele para. — Eu sei com quem dormi na noite
passada. Sei com quem acordei esta manhã. E me desculpe por
ter dito alguma merda no meu sono que fez você pensar que eu
não sabia.
Ainda não tenho certeza do que dizer, então eu apenas digo:
— Ok.
— Ok — ele me repete. — Apenas ok? É isso?
Eu dou de ombros.
Ele solta uma risada.
— Acho que isso é melhor do que nada.
Ele me beija – suavemente, docemente, sua mão vagando do
meu rosto para baixo entre nós, segurando um seio.
Eu me afasto.
— Sem rala e rola, lembra?
Ele sorri, movendo a mão.
— Ok, ok... café da manhã.
Descemos as escadas e, assim que nos aproximamos da
cozinha, ouço a voz animada de Maddie divagando sobre a
convenção. Silenciosamente, eu me sento à mesa e escuto
enquanto ela fala sobre o quanto ela se divertiu e como seu
papai é ótimo.
O tempo todo, Jonathan fica sentado ao meu lado, radiante.
Quando o café da manhã termina, a Sra. McKleski entrega
os pratos, colocando um na minha frente na mesa antes que
Maddie se acomode à minha direita com seu próprio prato
empilhado com bacon. O de Jonathan vem por último, e eu
sufoco uma risada quando a Sra. McKleski empurra para ele, a
comida descuidadamente jogada sobre ele, sua torrada
queimada e bacon extra-crocante.
— Hum, obrigado — diz Jonathan, pegando um pedaço de
bacon e dando uma mordida, encolhendo-se enquanto
mastiga.
— Não gosta? Não coma — diz a Sra. McKleski. —
Ninguém gosta de um chorão, Cunningham.
Ela sai da cozinha e ele a observa enquanto ela sai,
murmurando:
— Tudo o que eu disse foi obrigado.
— Você não disse isso com significado — ela chama de volta
para ele. — Não é à toa que você não ganhou um Oscar. Você
é terrível.
Eu sufoco outra risada quando Jonathan olha para a porta.
— Não se preocupe — diz Maddie, mastigando um pedaço
de bacon. — Você pode ganhar o Oscar algum dia.
Ele sorri para ela.
— Você acha?
Ela acena.
— Tudo o que você tem a fazer é melhorar nisso.
Desta vez, eu sorrio.
— Uau — diz ele. — Eu posso sentir o amor.
Maddie sorri, sem perceber seu sarcasmo.
— É porque eu te amo.
Sua expressão muda. Eu vejo quando essas palavras o
atingem.
— Você me ama?
Maddie ri.
— Dã.
Dã. Ela diz isso como se ele estivesse sendo ridículo fazendo
essa pergunta, como se ele apenas soubesse, mas o amor não é
algo que ele teve muito.
— Eu também te amo — diz ele.
— Mais do que bacon? — ela pergunta, mastigando um
pedaço.
— Mais do que bacon — diz ele calmamente. — Mais que
tudo.
Ela sorri com isso e continua tomando seu café da manhã,
satisfeita com a resposta dele. Meu peito dói, meu coração
parece querer explodir. Às vezes me pergunto sobre suas
palavras, questiono seus sentimentos, seus desejos, suas
vontades, mas a partir deste momento, nunca mais duvidarei
que ele a ama, porque sei que ele fala sério. Eu acredito nisso.
Tomamos café da manhã.
Eles conversam. Eles riem.
Eu lamento.
Lamento os anos que eles perderam, o tempo que foi
desperdiçado, o amor que talvez não tenha sido suficiente para
superar seus demônios mais cedo. Cada sorriso que eles
compartilham hoje é o produto de anos de lágrimas, de anos de
luta e batalhas, esperança e luto, mas nunca, nunca, nunca
desistir, porque estamos aqui. E talvez não dure, não sei. Talvez
amanhã algo aconteça e as lágrimas voltem, mas sou grata pelo
momento, sabendo que ele a ama mais do que tudo.
— Devemos ir — eu digo depois que o café da manhã
termina, os pratos empilhados na pia. — Tenho roupa para
lavar.
Maddie pula de sua cadeira na mesa e olha para Jonathan.
— Você vai vir? Pode ter outra festa do pijama!
— Não esta noite — diz ele. — Você tem escola de manhã e
sua mãe tem trabalho.
Maddie franze a testa.
— Mas você virá brincar amanhã?
— Sim, claro, se você quiser.
Maddie assente.
— Vejo você amanhã!
— Vejo você amanhã — diz ele quando ela se afasta, indo
para o vestíbulo. Ele se vira para mim e diz: — Obrigado, K.
— Pelo que você está me agradecendo?
— Por me dar uma segunda chance — diz ele. — E uma
terceira, e uma quarta, e uma quinta…
— E uma vigésima.
Ele ri levemente.
— E uma vigésima.
— Não haverá uma vigésima primeira — digo a ele. — Eu
tenho que traçar a linha em algum lugar.
— Eu não vou precisar de outra — diz ele, sua mão
agarrando meu quadril e me puxando para mais perto, entre
suas pernas. — Vou acertar dessa vez.

◈◈◈

— Tia Meghan!
Maddie sai correndo para o apartamento no segundo em
que estaciono o carro e a deixo sair, indo direto para Meghan,
que se esconde na porta da frente.
— Ei, biscoito de açúcar, redemoinho de noz-pecã! —
Meghan diz, pegando Maddie e girando-a. — Como está
minha doce sobrinha, ainda de pijama, embora seja meio-dia?
O olhar de Meghan muda para mim, desconfiada. Sim, é
praticamente a caminhada da vergonha, estilo familiar. Eu nem
escovei meu cabelo. Ah, eu não tomei banho. O DNA do irmão
dela está em cima de mim, todo em mim, e Meghan é o
equivalente humano de um cão de caça.
No segundo que eu chego perto dela, ela sabe.
— Meu papai me levou para a convenção! — Maddie diz
quando Meghan a coloca de pé. — E então tivemos uma festa
do pijama, mas ele dormiu com a mamãe, e depois fomos comer
bacon!
— Uau — diz Meghan, me lançando um olhar aguçado
enquanto ela repete. — Uau.
Abro a porta da frente. Maddie corre para dentro, indo
direto para seu quarto, mas eu demoro lá, sabendo que Meghan
está prestes a me bombardear com perguntas.
— Você deve estar brincando comigo — diz Meghan,
parando e olhando para o recorte de papelão de Breezeo ainda
na minha sala. Ela olha para mim com descrença. — Sério?
— Não tive nada a ver com isso.
— Está no seu apartamento.
— Sim, bem...
Eu não tenho defesa.
— Inacreditável — diz Meghan, balançando a cabeça. —
Uma festa do pijama? Você está... uau, você está realmente
fazendo isso com ele de novo?
— Não, não estamos. Quero dizer, nós somos apenas... eu
não sei. — suspiro, passando minhas mãos pelo meu rosto. —
Eu não sei o que estou fazendo.
— Claramente — diz ela, olhando para o recorte com o
rosto de seu irmão.
— Eu preciso tomar banho — digo —, já volto.
— Sim, vá fazer isso. Veja se você pode limpá-lo de você.
Tarde demais para isso, eu acho, mas não ouso dizer. Ele está
todo dentro de mim agora – literal e figurativamente.
Tomo banho e me visto, e assim que me sinto humana
novamente, pego algumas roupas para levá-las do outro lado da
rua até a lavanderia, já que minha lavadora ainda está quebrada.
Meghan vem às vezes aos domingos e passa um tempo com
Maddie para me dar um tempo, algumas horas para que eu
possa colocar as tarefas domésticas em dia sem interrupção.
Depois de lavar a roupa, vou ao supermercado e abasteço de
comida, certificando-me de comprar Lucky Charms para o café
da manhã. Depois, estou arrumando meu quarto e guardando
as roupas quando minha atenção se volta para a caixa de
papelão rasgada que foi empurrada às pressas de volta ao
armário semanas atrás. Eu a pego de novo, mexendo nas
lembranças empoeiradas, e pego o velho caderno de cinco
matérias. A capa preta barata está desbotada depois de todos
esses anos. Só consigo distinguir vagamente meus rabiscos
ásperos.
Eu folheio. Duzentas páginas, governadas pela faculdade, a
maioria cheia de meus rabiscos bagunçados. O caderno parece
mais pesado do que deveria, mas sei que não é o papel que o
pesa, mas a memória de todas aquelas palavras. O caderno
guarda um pedaço do meu coração, um pedaço da minha alma,
o pedaço que dei a ele há muito tempo.
— Você está sendo uma idiota — diz Meghan, aparecendo
na porta atrás de mim.
Sorrio para mim mesma.
— Eu sei.
Capítulo 18
Jonathan

— Você deveria comprar um vaso de plantas.


Sorrio disso enquanto me sento na mesa de piquenique de
madeira no parque no escuro, ouvindo Jack divagar pelo viva-
voz ao meu lado.
— Uma planta.
— Sério, me escute – você compra uma planta. Você a
nutre, mantém viva e pronto, é assim que você sabe que está
pronto para tudo isso.
— Isso é estúpido.
— Não, não é. É uma coisa real. Eu vi naquele filme 28 Dias.
— Do zumbi?
— Não, cara, o da Sandra Bullock. Você está pensando em
28 dias depois.
— Você rouba seus conselhos dos filmes de Sandra Bullock?
— Ah, não me julgue, porra. É muito melhor do que essa
merda que você continua fazendo. Além disso, é um bom
conselho.
— Comprar uma planta.
— Sim.
— Você comprou uma?
— O que?
— Uma planta — eu digo. — Você comprou uma planta
para provar que está pronto para um relacionamento?
— Não — diz ele.
— Por que não?
— Porque não preciso de uma planta para me dizer o que já
sei — diz ele. — Estou vestindo boxer de emoji e comendo
Cheetos quentes no meu apartamento no porão. Tenho certeza
de que os sinais estão todos aqui.
— Boxer de emoji? — sorrio. — Como um típico troll
estereotipado da internet.
— Sim, sim, tanto faz — ele diz. — Isso não é sobre mim,
no entanto. Estamos falando de você.
— Estou cansado de falar de mim.
— Puta merda, sério? Não achava que isso fosse possível!
— Engraçado.
— Lembra daquela entrevista que você fez no The Late
Show dois anos atrás?
— Eu não quero falar sobre isso.
— Você estava chapado, ficava se referindo a si mesmo em
terceira pessoa.
— Que se foda.
— Tenho certeza que esse cara nunca se cansaria de falar
sobre si mesmo.
— Você é um idiota.
Ele ri.
— Verdade.
— Você me dá nos nervos.
— De nada.
Suspirando, eu balanço minha cabeça.
— Obrigado.
— Agora vá comprar uma planta — diz ele. — Eu estava no
meio de um jogo de Call of Duty quando você ligou, então vou
voltar a ele.
— Sim, ok.
— Ah, e Cunning? Estou feliz que você não tenha se
afogado em uma garrafa de uísque.
— Por quê? Vai sentir saudades de mim?
— Mais como suas fangirls podem me matar se eu deixar
você se destruir — ele diz. — Não sei se você percebeu, mas elas
são loucas. Você já viu algumas de suas fanarts? É insano.
— Adeus, Jack — eu digo, pressionando o botão do meu
telefone para encerrar a chamada. Eu o coloco no meu bolso
quando alguém limpa a garganta atrás de mim, me pegando
desprevenido. Eu me viro, de olhos arregalados, vendo cabelos
loiros brilhando ao luar. — Meghan?
— Seu amigo parece um verdadeiro vencedor — diz ela. —
Jack, é? O que ele é, o presidente misógino e cheio de acne de
oitocentos quilos, do fã-clube Johnny Cunning?
Sorrio secamente.
— Não exatamente.
Meghan se aproxima, sua expressão dura, ombros retos. Ela
está em guarda, rígida, como se houvesse gelo em suas veias.
Minha irmã e eu nem sempre fomos tão frios um com o
outro.
— Você pode dizer, seja o que for — digo a ela. — Tudo o
que veio dizer.
Ela se senta na mesa de piquenique ao meu lado, olhando
para a água escura.
— Foi aqui que Kennedy fez a primeira festa de aniversário
de Maddie — diz ela. — Se você poderia chamar de festa. Era
só ela, eu, os pais de Kennedy. Nenhuma outra criança, apenas
a família. Papai apareceu e foi... bem, foi um desastre.
Eu fico tenso.
— Eu não achei que ele tivesse algo a ver com Madison.
— Não tem — diz ela. — O pai de Kennedy disse para ele ir
embora, disse que não era bem-vindo, então papai deixou seu
presente e foi embora, nunca mais tentou.
— O que era?
— O que?
— O presente.
Não sei por que isso importa, por que sinto a necessidade de
saber, mas me pergunto o que ele deu à minha filha no
aniversário dela.
— Um chocalho de prata de lei — diz ela, revirando os olhos
—, porque é isso que uma criança de um ano quer. Kennedy
jogou, jogou bem naquela água ali.
— Bom.
— Enquanto isso, comprei para ela aqueles livrinhos de
cartolina — diz ela. — E fraldas e lenços umedecidos, porque
era disso que ela precisava. Bem, na verdade, o que ela precisava
era de um pai, mas ela conseguiu sua tia Meghan em vez disso.
Acho que sou uma boa substituta, mas não sou você.
— Eu deveria estar aqui.
— Deveria.
— Eu fodi tudo.
— Fodeu.
— Estou tentando fazer melhor.
— Isso é o que Kennedy diz, mas se você a machucar, eu
juro, vou machucar você.
— Eu não vou machucar Madison.
— Não estou falando de Maddie. Se você machucá-la, terá
uma multidão de pessoas prontas para destruí-lo. Estou
falando da mãe dela. Eu assisti Kennedy tentar fazer uma vida
para ela e Maddie, e se você entrar aqui e destruir isso, se
derrubá-la de novo e depois ir embora, eu vou te amarrar pelas
bolas.
Ai.
Esfrego uma mão sobre meu rosto.
— Você sempre foi uma destruidora de bolas.
— Sou mulher na política. Eu tenho que ser.

◈◈◈
A porta do apartamento se abre antes que eu possa bater nela,
Madison parada ali, segurando um pedaço de papel e um lápis
grosso.
— Eu preciso de um T — diz ela imediatamente, olhando
para seu papel. — Tenho uma tartaruga, um triângulo e um
caminhão, mas preciso de mais.
— Um taco? — Eu sugiro.
Seus olhos se iluminam e ela grita:
— Tacos! — enquanto ela pula para a cozinha. Hesito antes
de seguir, fechando a porta.
Madison se acomoda à mesa e começa a desenhar um taco.
— Touca — digo a ela. — Essa é outra.
— Touca — ela repete.
— E tigre e tiara e…
— E tenho certeza de que disse a uma certa garotinha que
ela poderia fazer sua lição de casa sozinha esta noite e não
precisava que ninguém lhe desse as respostas.
Minha atenção muda para Kennedy quando ela entra na
cozinha, me interrompendo no meio da resposta, dando a
Madison um olhar aguçado. Imediatamente, olhando para ela,
eu sei que algo está errado. Algo a deixou de mau humor.
Madison faz uma careta e continua desenhando.
— Desculpe — digo. — Eu não sabia.
— Está tudo bem — ela murmura. — Olha, eu sei que você
esperava passar um tempo com ela esta noite, mas as coisas estão
loucas hoje, o trabalho está uma bagunça – as pessoas estão
doentes e há estoque para fazer, então eu tenho que voltar por
algumas horas, o que significa ela vai ter que ir para a casa do
meu pai.
Meu estômago revira.
— Ele pode vir — diz Madison.
— Acho que não — diz Kennedy. — Seu avô não gosta de
visitas.
— Mas ele gosta de nós — diz ela.
— Somos uma família — Kennedy diz a ela.
— E ele é meu papai — diz Madison —, então essa é a nossa
família também, certo?
Kennedy hesita.
— Certo.
Ela está presa entre a cruz e a espada aqui.
— Está bem — eu digo. — Entendo.
— Sinto muito, de verdade — diz Kennedy, pegando seu
telefone e discando um número, suspirando dramaticamente
enquanto murmura para si mesma: — Atenda a porra do
telefone, pai…
Ele não responde.
Ela tenta novamente.
Ele também não responde dessa vez.
Gemendo, ela desliga antes de discar pela terceira vez.
— Eu poderia ficar com ela — sugiro quando ela desliga
novamente, sem obter resposta.
— Você não precisa.
— Eu quero — digo. — Além disso, ela é minha filha. Eu
sou igualmente responsável por ela.
— Nunca fez diferença antes — ela murmura quando seu
telefone começa a tocar. Ai. Suspirando, ela olha para ele,
respondendo: — Ei, papai.
Ela sai para falar com ele, enquanto eu me sento na mesa da
cozinha em frente a Madison, resignado. Ela está ocupada
desenhando uma touca, seu taco, a palavra escrita acima dele
escrita incorretamente.
— É um C, não um K — eu digo, apontando. — T-a-c-o,
não t-a-k-o.
— Obrigada — diz ela, apagando toda a maldita palavra
apenas para reescrevê-la corretamente.
— A qualquer hora, garota.
Kennedy volta um minuto depois, enfiando o telefone no
bolso de trás de sua calça cáqui de trabalho. Ela nem olha para
mim enquanto começa a divagar sobre dever de casa, jantar e
hora de dormir, recitando regras que Madison imita
silenciosamente ao mesmo tempo em que sua mãe as diz.
Claramente, ela já ouviu tudo isso antes…
— Espere, você quer dizer que eu vou cuidar dela? — Eu
pergunto, surpreso.
Kennedy vira na minha direção.
— Você queria, não queria? Se não, posso ligar de volta para
meu pai.
— Não, não, eu queria... eu quero. Estou apenas surpreso.
— Você não deveria estar. Como você disse, ela é sua filha.
Ela beija o topo da cabeça de Madison e diz algo sobre voltar
assim que puder, e então ela sai pela porta, indo para o trabalho,
me deixando sentado aqui, sem ter absorvido nenhuma de suas
instruções.
Sim, eu vou foder com isso.
Madison termina de desenhar sua touca e adiciona um tigre
e uma tiara à mistura antes de declarar que terminou o dever de
casa. Ela enfia o papel em sua mochila antes de tirar um caderno
surrado e uma bolsinha de lápis cheia de marcadores. Ela os
espalha ao longo da mesa e abre o caderno, folheando página
após página de rabiscos.
— O que você tem aí? — Eu pergunto, me inclinando,
tentando olhar as páginas, quando ela inala profundamente e
se joga em cima dela, me impedindo de ver qualquer coisa.
— Não, não olhe! — ela diz, empurrando meu rosto para
longe. — Não está pronto!
— Ok, ok — eu digo com uma risada. — Eu não vou olhar.
— Melhor não, porque ainda não está pronto para você
olhar.
— Eu não vou olhar até que você me diga que posso.
Só depois que eu digo isso ela se recosta em sua cadeira,
convencida de que seu trabalho está seguro. Há tanto de
Kennedy naquela garota que é quase como um déjà vu vê-la.
Balançando a cabeça, eu me levanto e olho ao redor da
cozinha.
— Alguma ideia do que devemos fazer sobre o jantar? Eu sei
que sua mãe disse algo sobre isso.
— Ela disse sem comida pesada, tem que comer comida de
verdade.
Eu olho nos armários.
— Defina comida de verdade.
— Pizza — diz ela.
— Ah, pizza eu posso fazer — eu digo, vendo um panfleto
na porta da geladeira para entrega.
— E as asinhas e os pães também! — Madison declara,
continuando a desenhar em seu caderno.
— Você entendeu.
Ligo para o número, peço uma grande de pepperoni com
asas de frango e baguetes, e até adiciono uma pizza de presunto
e abacaxi ao pedido de Kennedy, caso ela esteja com fome
quando chegar em casa – pedindo comida demais para apenas
nós.
Há uma batida na porta depois de cerca de quarenta e cinco
minutos e vou em direção a ela, tirando algum dinheiro da
minha carteira, mas paro. Eu nem pensei no fato de que alguém
poderia me reconhecer e questionar por que estou aqui.
Olhando para Madison, considero que ela os pague, mas bem,
isso vai contra tudo que sua mãe está tentando ensinar a ela
sobre não abrir a porta para estranhos.
Eles batem novamente, e eu respiro fundo antes de abrir a
porta. É um cara, vinte e poucos anos, não mais velho que eu.
Ele parece chapado, olhos vermelhos em chamas, o odor úmido
e amadeirado grudado em seu uniforme, como se o cara
estivesse fumando a caminho da porta. Ele divaga sobre o preço
e eu empurro algum dinheiro para ele, pegando a pizza. Antes
que eu possa fechar a porta, porém, seus olhos injetados se
estreitam, o rosto se contorcendo em confusão enquanto ele
me olha. — Ei, você não é aquele cara? Sabe... aquele daquele
filme? O, hum...? — Ele estala os dedos, como se estivesse
tentando se lembrar, antes de apontar para mim. — Breezeo!
— Não, não eu — digo. — Ouço isso o tempo todo, no
entanto.
Fecho a porta antes que ele possa pressionar mais e observo
o olho mágico enquanto ele demora. Ele dá de ombros, porém,
e vai embora, acendendo alguma coisa antes mesmo de chegar
ao seu carro novamente.
Dando um suspiro de alívio, eu me viro para a cozinha e
quase bato direto em Madison ali parada, apenas alguns
centímetros atrás de mim.
— Você disse uma mentira — diz ela.
— Eu disse — admito —, mas foi para um bem maior.
— O que isso significa?
— Significa que às vezes é melhor não dizermos às pessoas
quem eu sou.
— Por quê?
— Porque as pessoas são intrometidas — digo. — Se eu
admitisse quem era, aquele cara voltaria e contaria a seus
amigos, que contariam a seus amigos, e a próxima coisa que
você veria é que o mundo inteiro se intrometeria e vai querer
saber o que estou fazendo aqui.
Ela está quieta, me seguindo enquanto eu levo a pizza para a
cozinha. Ela fecha o caderno e se senta lá enquanto eu coloco
um pouco de comida em um prato para ela, sentando em frente
a ela com um prato meu.
Tem alguma coisa errada.
Algo a está incomodando. Eu posso dizer.
Assim como sua mãe, lembra?
— Qual é o problema? — Eu pergunto.
Ela balança a cabeça, dizendo:
— Nada.
— Ah, veja, agora eu acho que você acabou de contar uma
mentira.
— É para um bem maior.
Sorrio enquanto ela tenta jogar minhas palavras de volta
para mim.
— Vamos, me diga o que está incomodando você.
Ela solta o suspiro mais longo e dramático, como se eu a
estivesse incomodando até a morte aqui, antes de dizer:
— Você não quer ser meu papai?
Essa pergunta é um soco no peito.
— Claro que eu quero. Porque você pensaria isso?
— Porque você não quer que as pessoas saibam disso — diz
ela. — E porque você não era meu papai até agora.
Cara, eu me sinto um idiota. Nenhum daqueles pequenos
golpes de Kennedy tem um pingo da dor que as palavras de
Madison contêm.
— Sempre fui seu papai — digo a ela. — Eu simplesmente
não era bom nisso. Estou tentando ser melhor. E eu gostaria
que as pessoas soubessem, mas é complicado, e o pizzaiolo não
é a pessoa certa para começar. Mas vamos contar a todos. Nós
vamos.
Ela sorri e come, como se minha resposta a tivesse satisfeito,
mas não me sinto menos idiota. Isso não é justo com ela – de
jeito nenhum. Estou aqui, sim, e estou tentando, mas quanto
conta se o tempo todo estou me esgueirando? Como se eu só
pudesse ser o pai dela atrás de portas fechadas.
Estou tratando ela como se fosse meu segredinho sujo.
Também não é a primeira vez que faço isso.
Fiz a mesma coisa com a mãe dela.
Cliff me diria que estou exagerando, que se trata de proteção
– protegê-la, sim, mas proteger minha imagem também. Minha
vida privada permanece privada. É assim que vai ficar. Jack me
dizia para me foder, porque viver uma vida em segredo é um
perigo para a sobriedade. Ele me diria para fazer o que é certo e
parar de ser um idiota egocêntrico. Mas não sei o que é certo.
— Então, hum, agora que já resolvemos o jantar — eu digo
—, alguma ideia do que sua mãe disse sobre a hora de dormir?
— Oito horas — diz Madison. — E eu tenho que tomar
banho às sete e meia, e então você tem que ler um livro para
mim, mas eu escolho qual.
— É justo — digo, olhando para um relógio próximo,
apenas seis e meia. — Temos cerca de uma hora. O que você
quer fazer?
Ela sorri para mim.
— Desenhar!
“Presente de Aniversonho”

Kennedy Garfield

Hoje faz um ano.


Um ano desde aquela noite que você apareceu bêbado na
calçada em frente à casa branca de dois andares em Bennett
Landing e pediu à garota para fugir com você, e ela o fez. Seu
Aniversonho, ela o chama. O dia em que você decidiu seguir
seus sonhos.
Mas seguir sonhos não é fácil, especialmente sonhos como o
seu. Você mora em uma cidade onde milhares de pessoas estão
perseguindo o mesmo sonho, e muitas delas têm uma vantagem
inicial.
Eles dizem que você teve sorte até agora, mas você não sente
isso. Você assinou com um pequeno agente, e seu IMDb lista
mais alguns papéis menores, mas “Traficante de Heroína” em
CSI e “Cara #3” em Mentes Criminosas não é quem você
sonhou em ser desde criança, nem paga as contas.
O dinheiro acabou há muito tempo. Não durou nem três
meses. Você conseguiu alguns biscates, mas eles sempre
parecem atrapalhar as audições, e cada centavo que você
consegue ganhar desaparece em uma nuvem de tiros na cabeça
e aulas de atuação. Tanta coisa caiu sobre seus ombros, mas ela
não reclama. Porque todas as noites, você diz a ela que a ama.
Ela sabe que você se importa, e essa foi a única promessa que
você fez a ela.
— Feliz Aniversonho — diz ela, aparecendo na porta do
quarto do minúsculo apartamento. É tarde, talvez uma da
manhã. Tudo sobre ela grita exaustão, porque ela acabou de
chegar em casa depois de trabalhar como garçonete num turno
duplo no restaurante 24 horas ao virar da esquina. — Eu tenho
algo para você.
Você está deitado na cama, olhando para o teto. Não
consegue dormir quando ela não está aqui. Ela costumava dizer
que você não conseguia dormir porque vocês dois só tinham
um colchão de ar no chão, mas você conseguiu uma cama de
verdade um mês atrás e ainda assim.
Não consegue dormir.
Bem, a menos que você deixe o álcool fazer o trabalho, mas
ela não gosta disso, então você vai com calma. Não só a
incomoda, descobrir que você está desmaiado, mas faz de você
um idiota imprudente ao gastar dinheiro que você não pode
desperdiçar.
Você se senta, olhando para a garota através da iluminação
fraca do quarto. No entanto, ela não é mais uma garota. Ela está
usando o vestidinho rosa de botão que é seu uniforme de
trabalho, um avental branco amarrado na cintura fina. Ela
perdeu peso ultimamente, mas tem mais curvas. Ela é uma
mulher, com um apartamento e um emprego. Uma com as
mãos atrás das costas, escondendo algo.
— O que é isso? — você pergunta, e ela saca um cartão de
visita, acenando para você enquanto se aproxima. Ela sobe
direto na cama, em cima de você, montando em seu colo
enquanto sorri.
Você pega o cartão, olhando para ele. Caldwell Talents.
Clifford Caldwell. Você sabe quem ele é. Você foi informado
dezenas de vezes no ano passado que, se você quer ser alguém
em Hollywood, ele é o homem que você precisa. Mas apesar de
seus melhores esforços, você não pode chegar perto dele. Ele
atende as pessoas apenas com hora marcada, e é o Battle Royale
tentando conseguir um desses.
— Você vê a data e a hora escritas no verso? — ela pergunta.
— Esse é o seu encontro com ele.
Você olha para ela em choque.
— Quando…?
— Ele veio para o restaurante hoje à noite — diz ela. — Ele
estava com alguns clientes... aquele cara naquele novo filme de
dança? Step On In ou algo assim. E aquele cara dos filmes de
vampiros! E algumas garotas, hum... oh, aquela modelo, aquela
que está em todos aqueles outdoors? A jovem loira? O nome
dela é como Markson ou algo assim? Selena, talvez?
— Kennedy, baby, concentre-se — você diz, rindo
enquanto ela divaga sem parar, suas mãos emoldurando seu
rosto. — Eu não dou a mínima para alguma modelo. Como
diabos você conseguiu um compromisso?
— Oh. — Ela cora, agarrando seus pulsos. — Eu meio que
apenas perguntei.
— Você perguntou.
— Bem, quero dizer, eu trabalhei para isso. Ele nem olhou
para mim no começo, muito ocupado em seu telefone, mas eu
não podia deixá-lo sair sem chamar sua atenção. Então eu
derramei o café dele.
— Você fez o que?
— Eu não derramei sobre ele. Apenas na mesa. E um pouco
na modelo, mas não estava tão quente, então tanto faz. Ela
estava chapada, no entanto. Mas de qualquer forma, quando
eu estava limpando, Clifford desligou o telefone para olhar
para mim, então fui em frente.
— Foi quando você perguntou?
— O que? Não. Foi quando eu flertei minha bunda.
— Você? Você flertou?
— Baixei meus cílios e tudo. Todo o ato de donzela em
perigo. Ah, meu Deus, Sr. Caldwell, senhor, eu sinto muito... Eu
fico tão ansiosa às vezes perto de homens tão poderosos. Eu mal
posso me conter quando se trata de uma mente totalmente
brilhante e um corpo de trabalho impressionante.
Você ri.
— Ele acreditou nessa merda?
— Sim. — Ela sorri. — Eu juro, eles ficaram por uma hora
depois disso. Ele continuou puxando conversa, me fazendo
perguntas sobre minha vida. Eu contei a ele tudo sobre você, e
ta-da, encontro!
— Uau — você diz, olhando para o cartão novamente.
— Ah, esqueci a melhor parte! — ela diz, empurrando você
de volta para a cama, beijando você. — Ele me deixou uma
grande gorjeta.
— Hum, quão grande? — você pergunta, agarrando seus
quadris, moendo contra ela. — Tão grande?
— Maior — diz ela. — Muito maior.
— Você está tentando me deixar com ciúmes?
— Está funcionando?
Ela grita quando você a vira para a cama e se acomoda bem
entre suas pernas. Você empurra o material ao redor, e ela
engasga com o primeiro impulso.
— Você mudou nossas vidas esta noite, baby — você diz. —
Feliz Aniversonho.
Você não sabe disso, mas aquela mulher? Enquanto você faz
amor com ela, sussurrando em seu ouvido o quanto a ama,
dizendo a cada impulso que as coisas vão ficar lindas, ela está
acreditando em cada palavra. E ela está imaginando, como a
vida vai mudar, quantas portas vão se abrir para você. Seus
sonhos estão se realizando. Ela está ali, com você em cima dela,
dentro dela, e sente o peso sobre ela relaxar pela primeira vez em
quase um ano. Finalmente... finalmente... as coisas estão
melhorando. Finalmente, algumas boas notícias.
Capítulo 19
Kennedy

— Então, más notícias…


Suspirando, deixo cair o pequeno caixote no chão do
almoxarifado dos fundos da loja e empurro-o ao longo da
parede. Eu balanço minha cabeça, me recusando a olhar para
Marcus, que está parado na porta, o portador de más notícias.
— Não faça isso.
— Não fazer o quê?
— Aquela coisa toda de más notícias — digo, acenando para
ele. — Eu não quero ouvir isso.
— É apenas um pequeno problema.
— Seja o que for, não é problema meu.
— Mas isso é.
Gemendo, eu passo minhas mãos pelo rosto.
— Não faça isso comigo, Marcus.
— Bethany está passando mal, então vou mandá-la para
casa.
— Estou te implorando — eu resmungo. — Não faça isso.
— Eu preciso que você fique e administre o caixa dela.
— Sério?
— Sério.
— Eu abri esta manhã. Estou aqui desde as oito horas.
— Você saiu às três — ele aponta.
— E eu estava de volta aqui às cinco — digo. — Estarei de
volta às oito da manhã. Agora você quer que eu fique até meia-
noite?
— Eu não te perguntaria se tivesse outra escolha — ele diz
antes de se afastar, sem esperar por uma resposta. Ele nem
mesmo perguntou. Ele assumiu que eu ficaria, porque é quem
eu sou. É o que sempre faço.
— Olhe para mim, uhu, gerente assistente do Piggly Q —
resmungo para mim mesmo, empurrando mais caixas ao redor
antes de trancar o almoxarifado. — Fazendo coisas incríveis
com a minha vida.
Eu vou para a frente da loja em tempo suficiente para ver
Bethany sair correndo, parecendo o oposto de doente, mas ei,
o que eu sei? A dancinha que ela faz, no entanto, quando
encontra seus amigos no estacionamento, é um bom indicador
de que estou sendo ferrada.
Incrível.
Estou de mau humor. Eu estive o dia todo. Não tenho
certeza do que começou, mas estou no limite. Minha pequena
vida tranquila de monotonia está parecendo cada vez mais
como uma brincadeira que o universo está fazendo. O fato de
How Do I Live, de LeAnne Rimes, estar tocando na rádio da
loja prova esse ponto, eu acho.
Eu administro a caixa registradora até a loja fechar, o que
significa que fico parada a noite toda, meus pés gritando com
raiva por eu estar sobre eles.
São quinze para a meia-noite quando chego ao
apartamento, entro e tranco.
As luzes estão apagadas, mas a TV está ligada, tocando
baixinho, o brilho dela iluminando o sofá, onde Jonathan está
deitado com Maddie aconchegada contra ele. Ele está
dormindo profundamente, enquanto ela mal está cochilando,
os olhos abertos, mas tão distraídos que ela nem me notou. Ela
deveria estar na cama horas atrás, mas estou exausta demais para
ficar chateada com isso. O marcador colorido cobre o gesso
branco no pulso de Jonathan. Ele a deixou desenhar em seu
gesso.
Passeando, eu a pego em meus braços, e ela não resiste, já
roncando quando eu a coloco na cama.
Quando volto para a sala, Jonathan está sentado. Ele passa a
mão pelo rosto, grogue, enquanto pergunta:
— Que horas são?
— Depois da meia-noite.
— Jesus Cristo — ele resmunga, olhando para mim
enquanto eu me jogo no sofá ao lado dele e tiro meus sapatos.
— Você acabou de chegar em casa?
— Um minuto atrás — eu digo. — O caixa estava doente,
saiu cedo, então tive que fechar. Cheguei em casa a tempo de
dormir um pouco para que eu possa acordar amanhã e fazer
tudo de novo.
— Isso é louco.
— Sim, bem, é assim que é no mundo real.
— Você não acha que eu vivo no mundo real?
— Acho que você vive em seu próprio mundo, Jonathan.
— Você poderia sair — ele sugere.
— E fazer o que? Conseguir um emprego em outro lugar,
ganhando o salário mínimo novamente?
— Você poderia ficar em casa — diz ele. — Talvez até
escrever, o que você quiser fazer.
— Isso não vai pagar as contas.
— Mas eu posso.
Eu olho para ele quando diz isso.
Ele me encara desafiadoramente.
Parece que ele nem entende o que há de errado com o que
está sugerindo.
— Eu não vou por esse caminho com você — digo a ele. —
De novo não.
— Mas eu deveria estar apoiando minha filha. Deveria estar
contribuindo.
— Você deveria estar fazendo um monte de coisas.
— Sim, então, deixe-me.
Eu balanço minha cabeça.
— O que acontecerá quando eu deixar meu emprego e você
decidir parar de contribuir?
Ele ri dessa pergunta. Ele ri, como se eu estivesse sendo
engraçada, o som ficando sob minha pele. Argh. Eu vou me
levantar, ir embora, mas ele me para, me puxando de volta para
o sofá.
— Olha, entendi. Eu decepcionei você, mas pense um
pouco.
— Não há o que pensar. Eu não preciso de você. Nunca
precisei.
Assim que essas palavras saem dos meus lábios, quase
engasgo com a enxurrada de arrependimento que flui através
de mim. Pode ser verdade. Eu poderia dizer isso. Eu poderia não
precisar dele. Mas há crueldade em cada palavra disso, e isso não
é quem eu sou. Não importa o que acontecesse conosco, eu
nunca quis ser apenas mais uma pessoa que fez coisas para
machucá-lo.
— Desculpe — eu digo, abaixando minha cabeça enquanto
descanso meus cotovelos nos joelhos. — Não sei por que disse
isso. Estou cansada agora. Minhas emoções estão uma bagunça.
Antes que ele tenha a chance de responder, há uma batida
na porta do apartamento. Eu me forço a ficar de pé para ver
quem é, franzindo a testa quando olho pelo olho mágico e vejo
Bethany. Esquisito. Jonathan murmura algo sobre dizer boa
noite para Maddie enquanto se levanta, desaparecendo no
corredor.
Suspirando, destranco a porta quando há outra batida.
Bethany fica tensa, seus olhos arregalados encontrando os meus
quando eu abro.
— Kenney? — Sua voz está cheia de confusão. — O que você
está fazendo aqui?
— Eu moro aqui — eu digo, franzindo a testa enquanto
olho ao redor. Ela está com alguns amigos, a garota que a pegou
no trabalho e um cara, talvez com vinte e poucos anos. — Você
precisava de algo?
— Oh, hum, não — diz Bethany, forçando um sorriso
enquanto suas bochechas coram. — Desculpe. Nós apenas
pensamos, quero dizer... estávamos procurando por outra
pessoa. Deve ter sido o apartamento errado.
Ela dá uma cotovelada no cara ao lado dela com bastante
força, fazendo-o estremecer enquanto ele murmura baixinho:
— Eu juro, este é o lugar onde ele estava.
Essas palavras fazem meu estômago revirar.
— Quem é que você esta procurando? — Eu pergunto. —
Talvez eu possa ajudá-lo a encontrá-lo.
— Não é ninguém — diz Bethany. — É estúpido, esqueça
isso.
Ela foge do apartamento, arrastando seus amigos junto,
repreendendo o cara enquanto eles andam. Percebo um pouco
da conversa deles enquanto fogem, ouvindo aquele nome
temido.
Johnny Cunning.
Com cuidado, fecho a porta, certificando-me de trancá-la
novamente, e desligo a TV na sala antes de seguir pelo corredor.
Jonathan para quando paro na frente dele.
— Você, hum... você pode querer considerar ficar — digo a
ele.
Ele levanta uma sobrancelha.
— Sim?
— Sim. — Eu dou um passo em direção a ele, corro contra
ele, e fico na ponta dos pés enquanto sussurro: — Eu acho que
você foi descoberto.
Eu vou para o meu quarto, e ele hesita antes de seguir,
parando na porta.
— O que você está falando?
— A batida na porta — eu digo a ele enquanto tiro a roupa,
tirando o uniforme. — Parece que eles estavam procurando
por um certo alguém que eles ouviram que poderia estar por
aqui em algum lugar.
— Porra.
— Eu não disse nada a eles — eu digo, jogando minhas
roupas no cesto. — Foi a caixa da loja – você sabe, aquela que
foi para casa doente esta noite – e seus amigos. Acho que alguém
pensou ter visto você e a notícia voltou para ela no trabalho que
você estava na cidade por algum motivo.
Eu me viro para ele, esperando uma reação, talvez uma
explicação, mas ele nem olha para o meu rosto. Não, seus olhos
estão vagando, examinando meu corpo, enquanto estou na
frente dele em algodão branco liso, um simples sutiã e calcinha.
Eu aceno minha mão na direção de seu rosto.
— Você está mesmo me ouvindo?
Ele encontra meu olhar, sobrancelhas levantadas.
— O que?
Eu balanço minha cabeça, caminhando até o armário para
pegar uma camiseta, colocando-a. Quando me viro para ele,
não está olhando para mim novamente. Não, desta vez sua
atenção está em cima da cômoda ao lado dele, no velho caderno
que está ali.
Depois de um momento, ele tenta se concentrar.
— Então eu fui descoberto, hein?
— Parece que sim.
— Pena — diz ele, caminhando e sentando na beira da
minha cama. — Eu estava gostando do anonimato.
— Sim, bem, mundo real, lembra? Você tinha que saber que
não iria durar.
— Sim — ele murmura, embora ele não pareça gostar desse
fato, sua atenção agora nos desenhos que cobrem seu gesso. Ele
traça as linhas coloridas com a ponta dos dedos.
Agarrando um marcador permanente preto da gaveta do
criado-mudo, empurro Jonathan de volta para o colchão antes
de subir em seu colo, montando nele. Eu arranco a tampa do
marcador com meus dentes. Prendendo-o, encontro um lugar
no gesso que ainda tem um pouco de branco e escrevo
cuidadosamente as palavras: “o amor não conhece títulos”.
Ele me observa, lendo, e sorri.
— Essa linha está no filme — diz ele enquanto eu assino
embaixo dela simplesmente com um “K” e coloco a tampa de
volta no marcador. — Não estava quando recebi o roteiro de
Ghosted, mas tive um ataque, então eles incluíram.
— Eles permitem que você dê palpites?
— Claro — diz ele. — Está no meu contrato.
— Bem, nesse caso — eu digo —, você deveria mandar eles
consertarem o final para sua filha.
Ele ri.
— Verei o que posso fazer.
Eu o beijo. Eu não deveria. Não deveríamos estar fazendo
essas coisas que continuamos fazendo, mas estou tendo
dificuldade em me parar quando se trata desse homem. Ele me
deixa imprudente novamente.
Ele me beija de volta, mãos vagando, puxando roupas,
tocando, acariciando. Eu gemo contra seus lábios quando ele
começa a esfregar. Mesmo restringido por um pulso quebrado,
ele facilmente faz sua mágica.
Quebrando o beijo, suspiro quando sua boca encontra meu
pescoço. Ele está se atrapalhando com a calça, mas hesitando
por algum motivo.
— Você está tomando anticoncepcional, certo?
Eu me afasto dele, o suficiente para encontrar seu olhar.
— Nós não conversamos sobre isso — diz ele. — Eu não
tinha certeza, você sabe, e devemos ter cuidado.
Ele está tentando ter uma conversa séria. Uma legítima.
Uma que precisamos ter. Uma que provavelmente deixaria meu
pai orgulhoso. Mas ele ainda está esfregando, ele ainda não
parou, e tudo está ficando nebuloso, porque estou cada vez
mais perto, prazer formigando meu corpo.
Eu forço as palavras entre respirações enquanto o orgasmo
rasga através de mim.
— Eu tenho... ah... implante... no meu... ah... braço. — Ah,
Deus. — É bom... por mais um... ano... ahhhh...
Ele me puxa para a cama embaixo dele, me assustando, não
hesitando mais enquanto diz:
— Bem, nesse caso...

◈◈◈

— Não não não…


O barulho do alarme me acorda. O quarto ainda está escuro
e meus olhos estão queimando enquanto eu os abro, batendo
na cabeceira da cama para silenciar o barulho.
— Cale essa coisa — uma voz rouca resmunga, as palavras
abafadas, um travesseiro cobrindo sua cabeça. Aperto um
botão – algum botão, qualquer botão – para fazê-lo parar de
chiar, e tento me sentar quando os braços se enrolam ao meu
redor, me puxando de volta para baixo. — Hmm, fique.
— Eu não posso — eu murmuro. — Tenho de trabalhar.
— Saia.
— Maddie tem escola.
— Ela também pode sair.
Rindo, eu tento me libertar de seu aperto.
— Sério, Jonathan. Eu tenho que me levantar.
— Prefiro que não.
— Difícil.
Suspirando dramaticamente, ele afrouxa seu aperto, me
deixando sair da cama. Faço uma pausa e me estico, me
encolhendo, meu corpo inteiro doendo esta manhã. Até meus
ossos parecem doer. Sou muito jovem para me sentir tão velha,
mas vida real, lembra?
Olho atrás de mim para a cama, para Jonathan, enquanto ele
espia por baixo do travesseiro. É estranho, tão estranho, ele
estar aqui – emocionante, mas aterrorizante. Mas assim como
seu anonimato, sei que isso não pode durar para sempre.
— Acho que tenho que me levantar também — diz ele,
jogando o travesseiro no colchão ao lado dele enquanto se
senta. — Tenho que enfrentar o público e voltar para minha
senhoria mal-humorada.
— Você poderia ficar aqui — sugiro imediatamente – talvez
rápido demais, com base no olhar atordoado que ele me dá, mas
estou tão chocada quanto.
Eu seriamente o convidei para ficar aqui?
— Tem certeza? — ele pergunta.
— Não — digo.
Ele ri.
— Mas poderia, se você quisesse — eu continuo. — Sabe,
fique e se esconda. Seria mais fácil para você ver Maddie.
— Ok.
— Só não vasculhe minha gaveta de roupas íntimas quando
não estiver em casa.
— Nem passou pela minha cabeça — diz ele, sorrindo. —
Isso significa que eu tenho permissão para olhar quando você
está aqui?
Revirando os olhos, eu me inclino sobre a cama e o beijo –
sem me demorar, não me demorando e não respondendo a essa
pergunta – antes de sair do quarto. Tomo banho e coloco meu
uniforme para o trabalho. Jonathan já está dormindo de novo
antes mesmo de eu acordar Maddie.
Estou exausta, e a manhã se arrasta sem parar. Maddie come
Lucky Charms antes de eu deixá-la na escola, chegando ao
trabalho exatamente às oito horas. Marcus já está lá, de olhos
brilhantes, divagando sobre horários e dias de férias e
pagamento de horas extras. Eu mal presto atenção nele
enquanto chego, até ouvir as palavras “Kennedy pode cobrir o
caixa neste fim de semana”. Oh, ei, ei...
— Desculpe-me? Posso fazer o quê?
— Você não se importa, não é? — ele pergunta, nem mesmo
olhando para mim, sua atenção fixa em alguns papéis que ele
está examinando. — Bethany quer o fim de semana de folga e
não temos ninguém para substituí-la.
— Aqui está uma ideia nova – contrate alguém — eu digo.
— Os caixas estão com falta de funcionários há algum tempo,
mesmo antes de Bethany começar a solicitar todo esse tempo
de folga.
— Eu poderia — disse ele. — Só imaginei que você iria
querer as horas extras, sendo uma mãe solteira e tudo mais.
— Sendo mãe solteira e tudo mais, gostaria de ter a chance
de passar um tempo com minha filha, porque não tenho tido
muito disso ultimamente.
— É justo — diz ele, ainda sem olhar para mim. — Faça-me
um favor quando você for lá fora? Diga a Bethany que tenho
que recusar o pedido dela.
Olá, viagem de culpa.
Balançando a cabeça, eu me afasto, indo até a loja para
terminar meu trabalho para que eu possa sair daqui a tempo.
Eu me ocupo no almoxarifado, descobrindo o que precisa ser
pedido, quando há uma batida silenciosa e a porta se abre,
Bethany aparecendo.
— Ei, Kennedy.
— Ei — digo, indo direto ao assunto. — Marcus não pôde
aprovar seu fim de semana de folga.
Ela faz uma careta, mas não reclama, apenas fica parada ali,
encostada no batente da porta, me observando enquanto eu
empurro os caixotes e termino o que não pude ontem à noite
por causa de sua cobertura.
— Então, você precisa de alguma coisa? — Eu pergunto
depois de alguns minutos, sabendo que ela deveria estar na
frente, administrando uma caixa registradora, e não aqui atrás.
— Não, eu, hum… queria pedir desculpas pela noite passada
— ela diz. — Você sabe, sobre bater na sua porta. Josh – esse é
meu namorado, ele entrega pizza e jura que entregou pizza
naquele apartamento e o cara lá parecia... alguém.
— Alguém que eu possa conhecer?
— Johnny Cunning.
Ela ri sem jeito, e eu lanço um olhar para ela, vendo que suas
bochechas estão coradas de vergonha.
— Então seu namorado disse que entregou pizza para
Johnny Cunning no meu apartamento.
— Sim — ela diz. — Eu pensei que poderia não ser tão
louco, ele estar na cidade, já que ele esteve aqui antes, e ninguém
o viu ultimamente, mas Josh deve estar alucinando ou algo
assim. Deve ter sido aquele Andrew que você está vendo,
porque Johnny Cunning não estava no seu apartamento.
Paro o que estou fazendo para olhar para ela.
— Por que isso?
— Hum?
— Por que ele não estaria no meu apartamento?
Ela ri.
— Por que ele estaria?
— Eu não sei — digo com um encolher de ombros. —
Talvez nós voltemos, e ele queria recuperar os velhos tempos.
— Sim, tudo bem — diz ela, ainda rindo. — Nesse caso, diga
oi para ele por mim.
— Eu vou — digo a ela, balançando a cabeça enquanto ela
se afasta.
A tarde se arrasta como a manhã. Na hora do almoço, faço
meu intervalo trancada no almoxarifado, querendo um pouco
de paz e sossego. Sentada em uma caixa, pego meu telefone,
vendo uma mensagem de Drew.
Jantar este fim de semana?
Eu olho para ela antes de limpar a notificação e enviar uma
mensagem para Jonathan. Bethany (sua fangirl local) disse
olá.
Ele responde imediatamente. Legal. Diga a ela que eu
disse oi.
Vou dizer. ;)
Hesito depois de enviar isso antes de digitar outra.
Drew me convidou para jantar.
Eu me sinto uma idiota no momento em que aperto enviar,
desejando desesperadamente poder voltar atrás.
— Estúpida, estúpida, estúpida — murmuro. Por que eu
acabei de dizer isso a ele?
Sua pequena bolha de resposta aparece e depois desaparece
novamente, repetidamente, por pelo menos um minuto, talvez
dois, antes de receber uma ligação. Jonathan.
Em pânico, quase bato em recusar, meu dedo salta entre os
botões, antes de atender.
— Olá?
— Diga a Hastings que ele pode chupar meu pau — diz ele.
Sorrio baixinho.
— Antes ou depois do jantar?
— De qualquer jeito — diz ele. — Embora eu prefira que o
jantar não aconteça.
— Bom saber — eu digo. — Certamente passarei essa
mensagem.
— Faça isso — diz ele, com um tom áspero em sua voz
quando há um farfalhar na linha, o som de molas rangendo.
— Espere, você ainda está na cama? — Eu pergunto. —
Sério?
— Ei, não me julgue — diz ele. — Você ainda poderia estar
na cama também, mas escolheu ir trabalhar. Você fez sua
escolha. Não me odeie pela minha.
Olho a hora – quase uma hora.
— Tudo o que sei é que saio do trabalho em duas horas e é
melhor você sair da cama até então.
— Ou o que? — ele pergunta. — O que você vai fazer?
— Acho que vamos descobrir, não é?
Ele ri e diz algo, mas não ouço o que é, porque a porta do
depósito se abre novamente. Desta vez, Marcus aparece,
segurando a agenda da semana. Ele bate uma caneta contra os
lábios em contemplação, e eu sei imediatamente que o que ele
está prestes a dizer não vai ser algo agradável.
— Eu tenho que ir — eu digo baixinho. — Porcaria de
trabalho.
Não dou a Jonathan a chance de responder, desligando
quando Marcus começa a falar.
— Então eu fiz alguns truques, mudei alguns outros para
cobrir o fim de semana para Bethany…
— Sorte dela — eu digo.
— Sim, então eu preciso que você trabalhe em dobro na
quinta-feira, se você conseguir — diz ele, virando os olhos para
mim. — A menos que seja muito problemático.
Eu quero dizer a ele que é, mas eu sou muito legal. Além
disso, você sabe, dinheiro.
— Não é de todo um problema.
— Bom, bom — ele murmura, saindo enquanto meu
telefone vibra com uma mensagem. Eu olho para ele, vendo
uma mensagem de Jonathan.
Trabalhar? Pena que você não pode simplesmente...
sair.
Balançando a cabeça, não respondo a isso, em vez disso volto
para a mensagem de Drew. Preciso responder enquanto tenho
coragem. Não acho que seja uma boa ideia sairmos com
tudo o que está acontecendo.
Eu mando uma série de caras carrancudas, já destruídas pela
culpa, porque sair com ele é fácil e ele tem sido tão legal, mas eu
sei que isso só vai causar problemas, e o fato de que meus
sentimentos por ele não evoluíram é um sinal de que a
complicação adicional não vale a pena. Enfio meu telefone no
bolso para poder voltar ao trabalho, esperando que as próximas
horas passem mais rápido, mas não tive essa sorte. Cada
segundo parece arrastar e arrastar e arrastar. Quando chegam as
três horas, sinto que estou neste lugar há dias.
Ao sair da loja, encontro Bethany, demorando-se no caixa,
o rosto enterrado na última edição do Hollywood Chronicles.
Não há nada sobre Jonathan na capa.
— Alguma coisa interessante?
Ela faz uma careta, fechando o tabloide.
— Nada.
— Eu disse a ele que você disse oi, a propósito. Ele disse oi
de volta.
Ela ri.
— Ok, certo.
Dou a ela um sorriso. Pobre garota. Ela vai se arrepender.
— De qualquer forma, ouvi dizer que você teve seu fim de
semana de folga. Grandes planos?
— Apenas o de sempre — diz ela, encolhendo os ombros.
— O de sempre, como bater na porta do apartamento à uma
da manhã procurando Johnny Cunning?
— Bastante. — Ela está corando novamente. — Josh é um
idiota.
— Bem, boa sorte com isso — eu digo, saindo antes de ter
pena da garota e começar a derramar meus segredos.
Chego à casa do meu pai ao mesmo tempo que o ônibus de
Maddie, encontro-a no jardim da frente enquanto meu pai
balança em sua cadeira na varanda.
— Vovô! — Maddie diz, correndo direto para ele,
vasculhando sua mochila para tirar um desenho. — Eu fiz um
desenho para você!
— Bem, olhe para isso! — ele diz, sorrindo. — Um
dinossauro!
Ela ri.
— Não, não é, bobo! É um jacaré!
— Ah, e é de longe o maior jacaré que já vi — diz ele. —
Absolutamente perfeito!
Ela corre para dentro para pendurá-lo em algum lugar,
como de costume. Eu demoro do lado de fora, esperando que
ela ressurja, enquanto meu pai me encara.
— Então — ele diz.
— Então — eu repito.
— Então, como está indo?
— Ok — eu digo.
— Ok — ele repete.
Fica em silêncio por um momento enquanto nos
encaramos.
— Você tem correspondência de novo — diz ele. — Está na
mesa da cozinha.
— Obrigada.
— É claro.
Eu entro, passando por Maddie enquanto ela corre de volta.
Pego minha pilha de correspondência, separando-a.
Principalmente lixo, como sempre, que jogo no lixo, mas paro
quando chego ao último envelope.
Cunningham a/c Caldwell Talents
Eu o encaro por um momento antes de dobrá-lo, enfiando-
o no bolso de trás e indo para fora, onde Maddie está sentada
com meu pai, divagando sobre a diversão que ela está tendo
com seu papai.
— Você está pronta, querida? — Eu pergunto. —
Precisamos chegar em casa.
— Ok, mamãe — diz ela, pegando sua mochila para arrastá-
la para fora da varanda.
— Pensando em fazer um churrasco neste fim de semana —
diz meu pai. — Nada grande, mas espero que você possa vir.
Não tenho visto muito das minhas garotas ultimamente.
— Claro — eu digo, abraçando-o. — Estaremos aqui, pai.
— Meu papai pode vir também? — Maddie pergunta,
balançando sua mochila enquanto gira em círculos.
— Eu não… — começo, porque não sei nada disso, mas meu
pai me corta.
— Claro — diz ele. — Se ele estiver pronto para uma visita.
Ah, cara.
Voltamos para casa e, assim que chegamos ao apartamento,
Maddie entra correndo, gritando:
— Papai! Você está aqui!
Jonathan está na cozinha, vestindo apenas uma calça. A
comida está cozinhando no fogão. Consigo ouvir. Eu posso
sentir o cheiro. Ele está fritando alguma coisa, e não está
queimando no momento, seja lá o que for. Isso é um passo à
frente de como é o jantar quando eu o faço.
— Estou — diz ele, acenando com a espátula para Maddie
quando ela vai direto para ele. — Achei que você poderia estar
com fome.
— O que é isso? — ela pergunta, tentando olhar.
— Frango frito — diz ele. — Batatinhas. Macarrão e Queijo.
Fecho a porta da frente, trancando, antes de caminhar para
a cozinha. Este último veio de uma caixa, mas ainda assim, é
impressionante. Hum.
— Comece sua lição de casa — eu digo, afastando Maddie
do fogão. — Nós vamos te avisar quando a comida estiver
pronta.
Ela sai da cozinha, arrastando sua mochila.
— Então jantar, hein? — Eu olho por cima do ombro dele
enquanto ele cutuca o frango. — Você já fritou frango antes?
— Não — ele diz —, mas eu encontrei uma receita e pensei,
porquê não? Quão difícil pode ser?
Muito difícil, eu acho, mas deixo pra lá, me puxando para
cima do balcão para me sentar nele.
Pego o envelope que peguei da casa do meu pai e mexo nele,
passando a ponta dos dedos pelas bordas antes de traçar a
escrita no endereço do remetente.
— O que é isso? — Jonathan pergunta, acenando com a
espátula para ele.
Sorrio secamente e seguro para ele ver.
Ele leva um momento para reconhecer o que é. Ele o arranca
da minha mão e joga a espátula no balcão, para poder abrir o
envelope. Espreitando para dentro, ele solta um assobio baixo,
abrindo caminho entre minhas pernas e batendo o envelope no
meu peito enquanto diz:
— Se eu não soubesse melhor, diria que é mais do que
suficiente para justificar sua demissão.
Isso é. Eu sei. Nem preciso olhar.
— Bem, se eu não soubesse melhor — digo —, eu diria que
você está se gabando de quanto dinheiro está ganhando agora.
— Quem, eu? — ele diz, fingindo inocência.
— Ninguém gosta de um fanfarrão, Cunningham. É pouco
atraente.
— É mesmo? — Ele se aproxima, inclinando a cabeça. —
Isso te desanima, Garfield, ouvir sobre o meu sucesso?
Reviro meus olhos dramaticamente enquanto empurro seu
rosto para longe.
— Eca.
Rindo, ele pega minha mão e a puxa para baixo, me
puxando para ele, me tirando do balcão, mas seu corpo me
prende ali, encostado nele. Ele me beija, provocantemente, de
novo e de novo, sussurrando contra meus lábios.
— Acho que você está em negação.
— Não estou — eu digo, puxando meu braço de seu aperto.
— Eu acho que você gosta. Acho que você está orgulhosa.
— E eu acho que você está cheio de si mesmo — digo,
envolvendo meus braços em volta de seu pescoço, beijando-o
de volta. Profundamente. Forte. Apaixonada. Não dura muito,
porém, apenas alguns segundos, antes de um suspiro alto
balançar pela cozinha. Jonathan quebra o beijo, afastando-se,
deixando-me sem fôlego.
Maddie está na porta, olhando para nós, com os olhos
arregalados e o queixo caído.
— Você beijou minha mãe?
— Hum, sim — diz ele. — Eu fiz.
— Você vai levá-la em encontros agora? — ela pergunta.
— Claro, se ela quiser — diz ele, me olhando antes de se
voltar para ela e dizer: — Quero dizer, se está tudo bem?
O rosto de Maddie se abre com um sorriso largo.
— Tudo bem, mas só se você ver quando ela ficar toda
bonita, porque às vezes as pessoas não veem.
— Ela está sempre bonita — diz ele.
— Mas você tem que dizer a ela, e talvez pegar algumas flores
para ela também, porque ela fica feliz quando eu faço isso —
ela diz, andando até ele e pegando sua mão, tentando puxá-lo
com ela para fora da cozinha.
— Onde estamos indo? — ele pergunta, franzindo a testa.
— Para se preparar, dã. Você não pode namorar sem camisa.
Sorrio, pulando do balcão.
— Não vamos esta noite, querida. Papai está um pouco
ocupado agora. Ele está cozinhando o jantar.
— Ah, merda — diz ele, puxando a mão de Maddie
enquanto ele corre para o fogão, desligando as bocas e trocando
as panelas, gemendo. — Espero que você goste do seu frango
ainda mais crocante.
— Eu gosto! — Maddie diz. — É assim que a mamãe faz.
Capítulo 20
Jonathan

É estranho como é fácil cair na rotina, como é simples


encontrar um senso de normalidade. É quase instinto.
Kennedy vai trabalhar. Madison vai para a escola. Sento-me
e... bem, espero que cheguem em casa. O apartamento é
pequeno, mas não é tão apertado quanto aquele primeiro em
que moramos juntos. Fico inquieto, sim, mas não é
insuportável. Eu me distraio cozinhando e ligo para Jack
sempre que estou nervoso. Estou começando a pensar que
posso ser feito para a vida doméstica de uma cidade pequena.
Ok, ok, então foram apenas três dias, mas são alguns dos
melhores dias que tive em anos.
Há uma batida na porta do apartamento. Três horas de
sexta-feira. Kennedy e Madison não estarão em casa por mais
uma hora.
Silenciosamente indo até a porta, olho pelo olho mágico,
para ver quem está batendo, quando vejo a familiar e mal-
humorada senhora. Filha da puta. Abro, fico cara a cara com
McKleski, parada na soleira da porta, segurando uma mochila.
Minha mochila.
Antes que eu possa cumprimentá-la, ela a deixa cair aos
meus pés.
Eu olho para ele.
— Você está me despejando?
— Pensei que você pudesse querer suas coisas — ela diz,
enfatizando essa palavra, como se o que estivesse na bolsa
pudesse ser escandaloso, mas são apenas roupas. — Você não
vai ao seu quarto há dias. Dias! Estou sozinha lá fora!
— Sim, hum, desculpe por isso.
Ela zomba.
— Você não está arrependido.
Ela está certa. Eu não estou.
— Então, você sentiu minha falta?
— Como um alcoólatra sente falta do Happy Hour.
Isso pode ter sido feito para ofender, mas me faz rir.
— Vai melhorar se eu prometer visitar?
Ela faz uma careta para isso.
— Vou alugar seu quarto novamente, então não volte
rastejando — diz ela, com naturalidade. — E eu vou ficar com
o dinheiro que você pagou por isso. Sem reembolso.
— Eu não esperaria menos.
Ela acena para mim levianamente enquanto se vira para sair.
— Boa sorte com isso. Não fuja delas como fez comigo.
Ai. Esse golpe arde um pouco, mas eu aceito e pego a
mochila, fechando a porta novamente.
Tomo banho e visto um novo par de roupas, a melhor coisa
que tenho comigo – calça preta, camisa azul, sapatos pretos. Eu
me olho no espelho do banheiro depois de me vestir. Faz cerca
de um mês desde o acidente, então os hematomas
desapareceram, os arranhões e cortes também. Exceto pelo
gesso, é quase como se não tivesse acontecido. Quase.
Mas ainda vejo, às vezes, quando fecho os olhos. O clarão
dos faróis. O sangue. Eu ainda ouço, mesmo quando está
quieto. O guincho dos pneus. Os gritos. A dor pode ter
desaparecido, mas a memória está embutida dentro de mim.
Ouço a porta destrancar, ouço Madison irromper com
Kennedy seguindo. Eu as cumprimento, e Madison passa
correndo, dizendo:
— Ei, papai — enquanto deixa a mochila no caminho para
o quarto. Ela já se acostumou comigo aqui.
— Bem, bem, bem — diz Kennedy enquanto se aproxima,
agarrando meu queixo e coçando a barba que ainda não me
preocupei em fazer. Outra camada de proteção, privacidade.
Não sou tão reconhecível com pelos faciais. — Você quase
limpa bem.
— Pensei que poderíamos sair — digo a ela. — Sabe, como
um encontro.
— Um encontro — ela repete.
— Encontro! — Madison grita, correndo de volta para fora
de seu quarto. — Um encontro!
Sorrio, olhando para ela.
— Sim, um encontro.
— Eu também posso ir? — ela pergunta com os olhos
arregalados. — Por favor?
— Claro — eu digo. — Que tipo de encontro seria sem
você?
— Um péssimo — diz Madison. — Certo, mamãe?
— Certo. — Kennedy sorri para ela. — Acho que devemos
ir encontrar algo para vestir, hein?
Madison foge de novo, ainda, gritando:
— Vamos!
Elas demoram um pouco para ficarem prontas, mas eu não
me importo. Madison muda de roupa cerca de um bilhão de
vezes, optando por um vestido amarelo. Ela é uma bola de sol,
aquela garota.
E a mãe dela? Jesus Cristo.
No momento em que coloco meus olhos nela, parece que
minhas entranhas ficam retorcidas. Vestidinho azul. Porra, ela
é linda. Isso me lembra o que ela usou em nossa primeira noite
na Califórnia. Não me lembro de tudo daqueles anos, mas
nunca vou esquecer aquela noite.
Eu nunca vou esquecer o quanto ela acreditou em mim, o
quanto me amava, mesmo que eu tenha feito um trabalho
terrível mostrando a ela que era mútuo.
— Você parece... uau — digo, puxando-a para mim. — Tão
bonita.
Eu me inclino para beijá-la, mas não tenho a chance. No
segundo em que meus lábios encontram os dela, Madison grita:
— Espere! Ainda não! Não faça isso até o fim!
— O que? — Eu pergunto, olhando para ela enquanto se
empurra entre nós, me empurrando em direção à porta.
— Acho que você não pode me beijar até o final do
encontro — diz Kennedy.
Madison abre a porta da frente, me forçando a passar.
— Você tem que bater.
— Ah, tudo bem.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ela bate a porta
na minha cara, me deixando de pé na soleira da porta.
Olho em volta para ver se alguém está à espreita antes de
levantar a mão para bater, mas a porta se abre novamente,
Madison ainda está lá.
— Pegue algumas flores — ela sibila.
A porta bate novamente.
Mesmo através da madeira espessa, posso ouvir Kennedy
rindo dentro do apartamento.
Flores. Eu olho em volta. Não há uma única maldita flor nas
proximidades, então corro até um pedaço de grama e arranco
alguns dentes-de-leão perdidos.
Eu bato.
Nenhuma resposta.
Eu bato novamente.
— Quem é? — Madison pergunta do outro lado da porta.
— Sou eu — digo. — Jonathan.
— Jonathan quem?
Essa criança... ela está tentando me matar. Olho em volta
novamente antes de dizer:
— Cunningham.
A porta se abre, e Madison fica ali, sorrindo, então eu
entrego a ela a maioria dos dentes-de-leão, mantendo apenas
um deles.
— Eles são meus favoritos! — ela diz, pegando-os.
— Achei que você poderia gostar deles — digo. — São da
mesma cor do seu vestido.
Kennedy se aproxima, e eu entrego a ela o último dente-de-
leão. Ela o pega, tentando não rir.
Meu telefone toca no bolso – uma mensagem do serviço de
carro.
— Nossa carona está aqui.
Ele estaciona – um simples carro preto, nada extravagante,
o mesmo que levou Madison e eu à convenção – mesmo
motorista e tudo.
Nós nos acomodamos no carro para o passeio em Albany.
Ninguém questiona para onde estamos indo até chegarmos e o
carro nos deixar no meio-fio. O sol se pôs, nos dando uma
cobertura de escuridão, o suficiente para que eu possa, com
sorte, desaparecer na obscuridade por algumas horas.
— Um filme — diz Kennedy. — Em um parque.
— Não é qualquer filme — digo a ela, colocando meu braço
em volta dela e puxando-a para mim. — Muito possivelmente
é o maior filme de super-herói já feito.
— Breezeo! — Madison diz animadamente.
Kennedy para de repente.
— Não.
— Sim — eu digo. — A sequência.
— Diga-me que você está brincando.
— Não.
— Você nos levou para ver seu próprio filme. Sério?
— Bem, em minha defesa, eu nunca assisti — admito. — E
eu sabia que Madison iria gostar, então pensei, sabe, quem
melhor para assistir do que vocês duas?
Madison está em êxtase, pulando, enquanto Kennedy olha
para mim como se eu tivesse enlouquecido.
— Você nunca assistiu?
— Não a coisa toda — digo. — Inferno, eu mal me lembro
de filmar. Dizem que é bom, apesar de... bem...
Apesar de eu estar tão fodido durante todo o processo que
tivemos sorte de ter acontecido.
— Ouvi dizer que é decente — diz Kennedy.
Decente. Dela, eu considero isso uma vitória.
Eu não fiz um trabalho muito bom em toda a coisa de
planejamento. Eu tenho um cobertor, mas tenho que comprar
cachorros-quentes de um vendedor, porque, o que é um
piquenique sem comida? Nós nos instalamos no parque, longe
da maioria dos outros, nos dando um pouco de privacidade.
A música tema vem. Sim, temos uma música tema. Pense no
Homem-Aranha, apenas com palavras diferentes, alegre demais
para o cenário. Madison dança ao redor, cantando enquanto o
filme começa.
Madison está encantada desde o primeiro momento. Estou
sentado no cobertor, com as pernas esticadas, enquanto
Kennedy se deita, com a cabeça no meu colo. Eu me encolho
no filme, acariciando distraidamente o cabelo de Kennedy.
Eu olho para ela depois de um tempo, percebendo que ela
não está olhando para a tela, sua atenção fixa em mim.
— O que há de errado?
— Nada — diz ela. — É apenas estranho.
Eu acaricio sua bochecha corada.
— Estar aqui comigo?
— Sim — ela diz. — Justamente quando eu estava
começando a duvidar que veria você novamente.
— Você não achou que eu continuaria aparecendo de vez
em quando?
— Ah, claro, mas não é você — diz ela. — Eu sabia que
aquele cara continuaria voltando. Pensei que estaria lidando
com ele para o resto da minha vida. Bêbado, chapado, fora de
si... mas nunca pensei que veria você de novo, você de verdade,
mas você está aqui. Achei que sempre seria ele…
Sei o que ela quer dizer enquanto aponta para a tela. Eu
posso dizer que eu estava viciado. É doloroso.
— Estou aqui — digo —, e não vou a lugar nenhum.
— Quero acreditar nisso.
— Você pode.
Ela sorri, e eu não sei se acredita ainda, mas ela parece
contente no momento. Eu passo meu polegar ao longo de seus
lábios enquanto eles se separam, e eu quero muito beijá-la
agora, mas sei que vou pegar o inferno da minha filha se eu
tentar.
— Ahhh, papai! — Madison diz, chamando minha atenção,
me pegando desprevenido enquanto ela se lança na minha
direção. Rindo, Kennedy se senta, saindo da linha de fogo
enquanto Madison quase me ataca, pulando nas minhas costas
e tentando cobrir meu rosto com as mãos por trás. — Você não
deveria fazer isso!
— O que? — Sorrio. — Eu não fiz nada!
— Você está beijando ela! — ela diz enquanto eu afasto suas
mãos da minha boca quando ela tenta cobri-la. Eu de
brincadeira finjo mordê-la, fazendo-a gritar. — Pare, papai!
Ela se joga em mim, caindo no meu colo, enquanto olho
para a tela, percebendo que Breezeo está beijando Maryanne.
Eu faço uma carranca, fazendo cócegas em Madison.
— É apenas um filme. Não é real.
Ela ri, batendo em minhas mãos.
— Você realmente não a beijou?
— Bem, sim, mas isso não conta.
— Por que não?
— Porque é Breezeo, não eu.
— Ainda é nojento — diz ela, fazendo uma careta.
— Você acha que me beijar é nojento?
Faço cócegas nela de novo, e ela luta, rindo, tentando fugir,
mas não vou deixar passar tão fácil. Agarro-a, prendendo-a a
mim, eu me aninho contra sua bochecha enquanto ela empurra
meu rosto.
— Socorro, mamãe!
— Oh, não, você está sozinha nessa — diz Kennedy. —
Você se meteu nisso.
— Argh, não é justo! — Madison diz, batendo as mãos na
minha boca. — Sem beijos até o fim!
— Droga. — Solto um suspiro longo e exagerado. — Você
ganhou.
Ela mostra a língua para mim.
A garota mostra a língua seriamente, regozijando-se,
enquanto pula em sua mãe e a beija – plantando beijos grandes
e desleixados diretamente em Kennedy, certificando-se de que
eu veja. Ela se foi de novo, de volta ao filme, agora que a cena
de amor acabou.
— Inacreditável. — Eu balanço minha cabeça. — Não
tenho amor.
Sorrindo, Kennedy se deita com a cabeça no meu colo. Ela
olha para mim, estendendo a mão, as pontas dos dedos roçando
meus lábios.
— Você é bom, e eu vou fazer valer a pena para você mais
tarde.
Eu levanto uma sobrancelha para ela.
— Tem certeza?
— Sim — ela diz. — Eu vou…
Ela é cortada pelo meu celular tocando. Cliff. Eu recuso a
ligação, mas ele liga de volta imediatamente. Eu recuso essa
ligação também, mas então vem outra, esta de um chamador
desconhecido. Depois que esse número liga duas vezes, desligo
o telefone e o guardo, voltando minha atenção para Kennedy.
Não vou lidar com essa merda esta noite.
— Então, você estava dizendo...?
Ela me dá um sorriso malicioso, balançando a cabeça,
mudando de posição para encarar a tela.
Eu tento prestar atenção no resto do filme, mas isso é mais
difícil do que parece. Fico aliviado quando acaba. Nós nos
levantamos enquanto os créditos estão rolando, embora eu
saiba que não podemos sair até que as cenas pós-créditos sejam
exibidas. Pego o cobertor, dobrando-o, e no momento em que
Madison dá o ok, estamos indo embora.
Nossa carona está esperando no meio-fio para nos levar para
casa.
Madison salta quando voltamos para o apartamento. Ela
está girando em círculos, seus dentes-de-leão esmagados em seu
punho enquanto ela os segura, para não perdê-los, enquanto
ela corre à nossa frente. Eu coloco meu braço ao redor de
Kennedy, puxando-a para mim, sem hesitação, e a beijo – suave
e docemente no início antes de tentar aprofundar, mas ela se
afasta, sorrindo, pressionando o dedo indicador em meus
lábios.
— Nós vimos um filme e de repente você acha que vou
montar? — ela diz. — Que tipo de garota acha que eu sou?
— Eu acho que você é o tipo de garota que normalmente
montaria antes do filme.
Ela engasga, me empurrando de brincadeira, antes de pegar
minha camisa e me puxar de volta para ela, sussurrando:
— Talvez eu até deixe você me dobrar sobre uma mesa.
Meus passos param, e sorrio disso enquanto ela se afasta,
pegando suas chaves enquanto se dirige para a porta do
apartamento. Eu me afasto, olhando para ela e Madison,
sorrindo. Parece que meu peito quer explodir com todos os
sentimentos crescendo dentro de mim.
Não acredito que estamos aqui, que estou com ela... com
elas. Não posso acreditar que estou tendo outra chance de amá-
las. Não posso acreditar que finalmente sou um pai para minha
filha.
Inferno, eu não posso acreditar que fiz isso a noite toda sem
ser incomodado.
Eu começo a dizer alguma coisa – para dizer apenas isso –
quando uma voz corta o silêncio... feminina e familiar, e ah,
merda.
— Johnny?
Eu me viro, tenso, e a vejo alguns metros à minha direita no
estacionamento do prédio.
Serena.
— Johnny! — Ela corre, se jogando em mim, e eu cambaleio
alguns passos enquanto ela envolve seus braços em volta de
mim, apertando. — Eu estive procurando por você em todos os
lugares!
Madison suspira.
— Mamãe, é Maryanne!
— Eu sei — Kennedy diz, sua voz um sussurro. — Eu vejo.
Serena se vira, afrouxando o aperto, como se só agora
estivesse percebendo que não estou sozinho aqui. Ela coloca
um sorriso no rosto, mirando direto em Madison.
— Oh, quem você pode ser, gracinha?
Madison a encara. Ela parece em conflito, inquieta,
mexendo em seus dentes-de-leão enquanto diz:
— Eu sou Maddie.
— Bem, olá, Maddie — diz Serena. — É sempre bom
conhecer uma fã.
Madison se inquieta ainda mais.
— Vamos, querida — diz Kennedy, segurando Madison
pelo ombro para levá-la para o apartamento. — Vamos entrar
para que eles possam conversar.
Madison resiste. Ela parece confusa, como se não quisesse ir,
mas eventualmente cede. Kennedy lança um olhar na minha
direção, e dura apenas um segundo, mas é tempo suficiente
para eu ver a preocupação em seus olhos, misturando-se com
algo. Dor.
No momento em que elas se vão, a expressão de Serena
muda, seu sorriso escurece. Ela se vira para mim, gemendo,
empurrando contra o meu peito.
— Johnny, que diabos? Eu estive procurando por você a
noite toda!
— Por quê?
Ela solta uma risada incrédula. Seus olhos, Jesus Cristo, são
como pires – completamente pretos.
— Por quê? Não te vejo há mais de um mês!
— Eu sei, mas… — balanço minha cabeça, dando um passo
para longe dela enquanto passo a mão pelo meu rosto, tentando
colocar um pouco de espaço entre nós. — Eu pensei que você
estava na reabilitação.
— Eu estava — diz ela. — Mas eu não podia ficar lá. Foi um
inferno, Johnny, e essas pessoas não me pegaram. Não como
você sempre fez. E eu senti sua falta. não aguentei mais. Eu
precisava…
— Não faça isso — digo, cortando-a. — Não tente sair da
reabilitação por causa de mim.
— Você foi atropelado por um carro! Eu estava preocupada!
— Você está preocupada agora? Mas não estava preocupada
o suficiente para me checar na noite do acidente?
— Você sabe que eu odeio hospitais — diz ela.
— Eu também — digo. — E eu sei que a reabilitação parece
um hospital glorificado, mas às vezes uma pessoa precisa de
ajuda.
— Estou bem — diz ela. — Estou melhor.
— Você está chapada agora, Serena.
Ela revira os olhos.
— E?
— Então, como diabos você está melhor se ainda está
usando?
— Eu posso lidar com isso — diz ela. — Não sei se você
percebeu, mas essa cidade é deprimente pra caralho. Eu
precisava de algo. Honestamente, eu não sei como você está
sobrevivendo. Eu sei que Cliff mandou você para algum lugar
para se recuperar, mas aqui?
Estou tendo dificuldade em olhar para ela. Meu olhar se fixa
na porta fechada do apartamento, nas manchas amarelas na
soleira da porta. Os dentes-de-leão abandonados de Madison.
— Tenho família aqui.
Ela zomba.
— Você odeia sua família.
— Eu odeio meu pai. Isso não significa que eu odeie minha
família.
— Então, tanto faz, família. — Ela usa aspas no ar quando
diz essa palavra, acenando para o apartamento. — Quem era?
— Aquela era minha filha.
— Sua filha.
Posso sentir seu olhar, penetrante, julgador. Tão
malditamente zangado. Eu nem preciso olhar para ela para
saber que está furiosa com isso.
— Eu disse que era pai.
— Você me disse que engravidou aquela garota de casa, que
ela ficou com a criança.
— Sim.
— Isso não significa que você é um pai — diz ela. — Então,
o que, enquanto eu estava sofrendo em algum inferno, você
esteve aqui, brincando de casinha?
— Não estou brincando de nada. Fiquei limpo para poder
fazer parte da vida dela.
Serena solta uma risada amarga.
— Não, Johnny, você fez isso porque eles fizeram você ficar.
— Eles me fizeram ir para a reabilitação, mas não é por isso
que ainda estou limpo.
Ela balança a cabeça, passando as mãos pelo cabelo – ainda
tingido de escuro para o filme.
— Eu só... eu não sei o que está acontecendo com você, mas
esse não é o você que eu conheço.
Eu balanço minha cabeça. Mesmo que eu tentasse explicar,
ela não entenderia.
— Olha, eu não quero falar sobre isso com você. Diga-me o
que você realmente está fazendo aqui, Ser.
— Eu te disse, sinto sua falta. E já que tivemos algum tempo
separados, pensei que talvez você também sentiria minha falta.
Talvez pudéssemos tentar as coisas. Pode ser…
— Nunca daria certo.
— Poderia — ela insiste.
— Não poderia.
Ela parece magoada com isso.
— Nós éramos bons juntos.
— Não, nós não fomos — digo. — Já passamos por isso
antes. Foi uma bagunça do caralho. Quando ficávamos
chapados, tudo bem, mas no momento em que ficávamos
sóbrios, não conseguíamos nem ficar no mesmo cômodo.
— Isso não é verdade — diz ela. — Estou aqui agora.
— Você está chapada.
— Ah, foda-se! Então, estou chapada. Isso não tem nada a
ver com o que eu sinto por você.
— Tem — digo. — Tem tudo a ver com isso.
Ela me encara.
Essa conversa não vai a lugar nenhum.
Isso nunca aconteceu. Tivemos essa mesma discussão meia
dúzia de vezes no ano passado, desde que parei de usar. Ela não
entende por que as coisas tiveram que mudar, por que comecei
a tratá-la de forma diferente.
Mas ela e eu temos uma história que não é saudável. Ela é
parte do ciclo que eu tive que quebrar. Eu estava me
entorpecendo, me matando, mas não eram apenas as drogas e o
álcool que eu estava consumindo. Milhares de dólares em
contas de psiquiatria me ensinaram que o verdadeiro problema
era meu comportamento. Vá aos mesmos lugares de antes, com
as mesmas pessoas, e você acaba fazendo a mesma merda de
sempre.
Então eu cortei tudo. Tudo. Até o sexo.
Sóbrio e celibatário, tudo parecia diferente.
— Você está transando com aquela mulher, Johnny? —
Serena pergunta, sua voz mordaz. Ela está perdendo sua alta. —
Você veio aqui e começou a foder de novo? Foder ela?
— Isso não é da sua conta.
Tap.
Ardor rasga minha bochecha quando ela me dá um tapa,
forte, minha cabeça balançando. Dou um passo para trás, me
afastando dela.
— Eu não vou fazer isso com você — digo enquanto ela
cruza os braços sobre o peito. — Ligue para Cliff. Ele
provavelmente está preocupado.
Começo a me afastar, indo para o apartamento, quando ela
me chama com a voz embargada.
— Espere, Johnny. Por favor.
— Cuide-se, Serena.
Paro na frente do apartamento e olho para os dentes-de-leão
descartados, rasgados em pedaços. Suspirando, olho para trás e
encontro o estacionamento vazio, Serena se foi.
Eu me sinto um idiota.
Não consigo acertar nada.
Caminhando até o pedaço de grama, eu arranco um único
dente-de-leão do chão. Estou grato por encontrar o
apartamento destrancado. Kennedy permanece lá dentro e me
olha com cautela.
Eu olho ao redor.
Não vejo Madison.
— Ela está em seu quarto — diz Kennedy.
Sigo nessa direção, encontrando-a sentada na beirada da
cama, balançando as pernas enquanto ela tira o esmalte em suas
pequenas unhas. Eu paro quando olho para a lixeira ao lado da
mesa em seu quarto. Normalmente cheio de papel de desenhos
descartados, vejo uma boneca familiar em cima. Maryanne. Ela
a jogou fora.
Eu puxo a boneca para fora, carregando-a enquanto me
agacho na frente de Madison. Eu seguro o dente-de-leão.
— Sei que suas flores ficaram bagunçadas, então eu escolhi
outra para você.
Ela a pega com cuidado.
— Obrigada.
— De nada — digo. — Você quer me dizer o que te deixou
chateada?
Ela encolhe os ombros.
— Você se divertiu esta noite?
Ela acena.
— Eu também me diverti. Você ficou linda em seu vestido.
Ela sorri, olhando para o dente-de-leão.
Ela não olha para mim.
Suspirando, eu me sento no chão.
— Sei que essa coisa toda deve ser confusa. Eu não estava
por perto, mas agora estou, e sou Breezeo, mas também sou seu
pai. Você me vê beijando sua mãe, mas Breezeo beija Maryanne.
E então parece que Maryanne aparece e me abraça na frente de
sua mãe. Difícil acompanhar o que é real, hein?
Ela acena.
— Bem, como Breezeo, Maryanne é uma história. A mulher
lá fora, o nome dela é Serena. Eu trabalho com ela. Não vou
beijá-la como beijo sua mãe. Quando eu beijo sua mãe, é real.
Ela encontra meu olhar.
— Então eu não acho que você deveria descontar na pobre
Maryanne. — Sacudo a boneca para ela. — Breezeo a ama,
assim como eu amo sua mãe.
Ela pega a boneca.
— Mamãe te ama?
— Ela amava.
— Mas não mais?
— Eu não sei — respondo honestamente. — Mas não é
culpa dela. Eu levei o amor dela como garantido.
— O que isso significa? Levar seu amor por granito?
Eu sorrio para sua confusão.
— Significa que não mostrei a ela o quanto a amava, como
deveria.
— Você pode fazer isso agora — diz Madison. — Apenas
pegue mais flores para ela e diga que ela é bonita, e então ela
poderá amar você.
Se fosse assim tão simples.
— Vou ter que lembrar disso — digo, ficando de pé e
despenteando seu cabelo antes de me virar para sair. Dou
alguns passos antes que ela me chame.
— Espere, papai! — ela diz, se levantando e correndo,
agarrando meu braço para me puxar para baixo ao seu nível. Eu
me agacho novamente, surpreso quando ela pressiona os lábios
na minha bochecha ainda ardendo. — Você quase esqueceu
seus beijos!
“Dores de Cabeça em Hollywood

Kennedy Garfield

Clifford Caldwell, ao que parece, é um idiota sem consideração


e egoísta.
Você aparece para o seu compromisso. Você está adiantado,
mas não muito cedo. Você tem tudo o que eles pedem –
retratos, currículo e fita demo. Gastou dinheiro que não
deveria ter gasto comprando uma roupa nova e parece bem.
Quando chega a hora, a secretária leva você ao escritório de
Clifford. É limpo, elegante, com paredes de vidro e vista para
Hollywood. Clifford está sentado atrás de uma mesa de metal
elegante, digitando em seu telefone. A secretária lhe entrega sua
pasta enquanto você se senta em frente a ele.
Ele não o cumprimenta, abrindo a pasta e olhando para
dentro. Trinta segundos, é tudo o que ele leva antes de
empurrar a pasta de volta para você.
— Não.
É isso. Ele diz que não. Ele nem assiste a sua demonstração.
Você pega suas coisas e se levanta para ir embora.
— Posso perguntar por quê?
Clifford olha para cima.
— Tem certeza de que quer ouvir essa resposta?
Ele diz que não há nada para você. Seus retratos são
genéricos. Seu currículo parece com milhares de outros que
passaram pela mesa dele. Claro, você provavelmente pode
atuar, mas o que ele está procurando é alguém que chame a
atenção, alguém que ele possa fazer uma estrela, mas você? No
máximo, é apenas um amador.
Essas palavras arrancam um pedaço de sua alma.
Você já as ouviu antes.
Quando chega em casa, o apartamento parece menor do que
o normal. Você joga a pasta na lixeira da cozinha e abre a garrafa
de uísque em que gastou seus últimos dólares.
Você bebe. Fica bêbado.
Liga a TV para descobrir que o cabo foi desplugado.
Nenhum de vocês pagou a conta no mês passado.
Você bebe um pouco mais. Fica ainda mais bêbado.
Já são dez horas quando ela chega em casa depois de um
longo turno no restaurante. Você passou as últimas duas horas
sentado sozinho, no escuro, pensando em como ela ficará
desapontada quando descobrir.
Apesar de trabalhar o dia todo, ela está feliz e sorrindo, mas
isso para quando ela acende a luz da cozinha. Ela vê a pasta no
lixo e sussurra:
— Não.
Você quase esgotou toda a garrafa de uísque. Engole o resto
quando ela olha para você. Ficando de pé, você cambaleia e joga
a garrafa vazia no lixo, bem em cima da pasta. Sua respiração
está instável. Seus olhos estão injetados. Ela te olha com nojo. É
porque você está bêbado, porque mal consegue se levantar, mas
nada pode convencê-lo de que ela não está enojada porque você
é um fracasso. Um desperdício de uma vida.
— Sinto muito — você diz enquanto acaricia sua bochecha,
mas ela dá um tapa na sua mão. Ela não quer que a toque.
Afastando-se, você cambaleia até o quarto, dizendo: — Vou
arrumar um emprego amanhã.
Ela não vem para a cama. Na manhã seguinte, quando
acorda, ela já se foi. Ela desenterrou sua pasta do lixo e a colocou
no balcão.
Você não toca.
Vai procurar emprego. Você se cadastra em todos os lugares.
Semanas passam. Nada. Como seu orgulho ainda não foi
atingido o suficiente, ela consegue um segundo emprego, já que
você não consegue encontrar nada.
Ela nem te conta. Você descobre uma noite quando ela não
volta para casa. Você pensou que ela estava morta em uma vala
em algum lugar. Ela diz que você está exagerando. É apenas um
trabalho de meio período em uma loja de esquina. Você diz a
ela que é perigoso, mas ela dá de ombros. O turno da noite paga
mais.
Três semanas depois, ela é roubada.
Um cara aponta uma arma para ela. Ele quer tudo na caixa
registradora. Porque isso não é suficiente, ele leva a bolsa dela
também. Ele poderia ter tirado a vida dela, mas depois que
acabou, ela está mais preocupada com o dinheiro que ele
roubou dela.
Algo acontece com você naquele momento.
Atingiu o fundo do poço.
Você está sentado no sofá com a cabeça baixa. Ela está no
quarto, falando no seu celular. Ela tem que pegar o seu
emprestado, já que o dela estava na bolsa. Sua voz é abafada. Ela
não quer que você ouça a conversa dela.
Ela sai alguns minutos depois, entregando o telefone de
volta. Seus olhos estão vermelhos, o rosto corado. Ela tem
chorado.
— Ele está transferindo o dinheiro — diz ela. — Está em seu
nome.
Ela ligou para o pai. Ela lhe pediu ajuda. O aluguel está
atrasado. Assim como a luz. Ela tinha todo o dinheiro na bolsa.
Foi paga naquela tarde. Ela não lhe pediu uma única coisa em
mais de um ano. Ele mal falou com ela, exceto para dizer a ela
que eles estariam lá quando percebesse que amar você era um
erro.
Você acha que isso está chegando. Seu orgulho se foi. Seu
sonho está desaparecendo. Acha que está perdendo ela
também.
É difícil dizer quando você toma a decisão. Difícil
identificar o momento em que você cai tão longe.
Você consegue se lembrar da primeira mentira que contou?
A primeira vez que sorriu na cara dela enquanto a enganava?
Você diz a ela que encontrou um emprego. Não encontrou.
Mas você é um ator extraordinário, então a convence. Diz a ela
que está cuidando de carros, e o dinheiro começa a entrar. As
gorjetas são boas, você diz. Algumas noites, as pessoas são mais
generosas.
Na verdade, você está roubando. Roubando dinheiro.
Roubando coisas. Isso pesa na sua consciência, então começa a
beber mais.
Coragem líquida.
Você é pego uma noite, no entanto, pego vasculhando um
carro por ninguém menos que Clifford Caldwell. O acaso te
colocou lá. Você não corre. Não, você começa a falar. Diz a ele
que ele deixou os faróis acesos, e você estava desligando-os antes
que acabassem com a bateria. Você é tão convincente que ele
agradece. Ele pega sua carteira e te dá uma gorjeta. Você se vira
para sair quando a voz dele chama.
— Já nos encontramos antes? — ele pergunta. — Você
parece familiar.
Você hesita antes de dizer a ele:
— Nós nos encontramos uma vez.
— Refresque minha memória.
— Minha namorada foi sua garçonete. Ela conseguiu um
encontro para mim. Você me chamou de amador depois de
trinta segundos.
— Ah, a garota da lanchonete? — ele pergunta. — Eu me
lembro dela. Ela falou muito bem de você. Eu poderia dizer que
ela acreditava em cada palavra. Fez-me querer conhecer o ator
que ela disse ser, e cito, “bom demais até para você, Sr.
Caldwell”.
Você ri.
— Ela disse?
— Ela disse — ele confirma. — E devo dizer que você é um
ator decente. Você é uma pessoa natural, muito convincente
quando fala. Tão convincente, na verdade, que você quase me
fez esquecer que meus faróis eram automáticos.
Você sabe que está preso assim que ele diz isso.
Você tira o dinheiro do bolso – os vinte que ele deu de
gorjeta, bem como a pilha grossa de dinheiro que você
encontrou em um envelope de Manila escondido no porta-
luvas do carro. Você estende tudo para ele. Ele parece bastante
surpreso, mas acena.
— Fique com ele, se precisar.
Você o embolsa mais uma vez.
— Segunda-feira de manhã. Oito e meia. Meu escritório.
— Desculpe?
— Vamos tentar outra vez — diz ele. — Esteja lá.
Você vai para casa para compartilhar a notícia, mas o
apartamento está vazio – ela está trabalhando hoje à noite na
lanchonete. Então você espera até que ela chegue em casa no
meio da noite e diz a ela que ele vai lhe dar outra chance. Você
diz a ela que se encontrou com ele quando estava trabalhando.
Pega-a no colo e a balança, animado. Você está feliz e sóbrio. Já
faz um tempo desde que essas coisas coincidiram.
Você não sabe disso, e é algo que ela nunca ousará admitir,
mas aquela mulher? Ela já sabia das suas novidades. Ela sabia
que Clifford Caldwell decidiu lhe dar outra chance, porque ele
apareceu no restaurante para tomar um café depois. Ele contou
tudo a ela, incluindo como ele pegou você roubando. Então ele
disse a ela que se ela queria que você fosse bem sucedido, se ela
queria ajudar suas chances, ele sabia uma maneira de fazer isso
acontecer: tudo o que ela tinha que fazer era tirar a roupa. E
aquela mulher? Ela não hesitou... não, de jeito nenhum... não
hesitou em derramar café quente na virilha daquele porco.
Sério, que idiota!!!
Capítulo 21
Kennedy

— Eu, hum... merda.


Eu ando com o carro ao longo do meio-fio e estaciono,
olhando para a casa no quarteirão. Aparentemente, quando
meu pai diz “apenas algumas pessoas, nada grande”, ele
realmente quer dizer “todo mundo que eu já conheci e quem eles
quiserem trazer”. As pessoas cercam o lugar, socializando.
Eu desligo o motor e coloco as chaves no bolso enquanto
Maddie tira o cinto de segurança, já saindo do carro antes que
eu possa pensar em algo mais para dizer.
Olho para Jonathan no banco do passageiro. Ele está quieto
hoje, subjugado. Não tenho certeza se ele descansou. Ele ficou
no apartamento ontem à noite, mas não tentou dormir na
minha cama. Ele ainda estava sentado no sofá quando acordei
de madrugada, mexendo em seu telefone.
As primeiras palavras que ele falou?
“Eles sabem.”
Pela manhã, estava em toda a Internet... Johnny Cunning foi
encontrado! Começou apenas com sua localização, Hollywood
Chronicles relatando que ele estava se escondendo em uma
pacata cidade de Nova York, mas à medida que o dia avançava,
o mesmo acontecia com a especulação. Era apenas uma questão
de tempo até que alguém descobrisse tudo.
Seus óculos escuros estão colocados, seu chapéu puxado
para baixo. Embora esteja quente lá fora, ele está vestindo jeans
e um moletom com capuz com as mangas arregaçadas até os
cotovelos. Ele está se protegendo, se escondendo, tanto quanto
pode, o que não é muito.
Saio do carro antes que Maddie possa fugir, e ele nos segue
até a casa do meu pai. Assim que chegamos, Maddie vai direto
para dentro, enquanto eu hesito na calçada.
— Você não tem que fazer isso — digo, olhando para
Jonathan. — Maddie vai entender.
Ele suspira.
— Está bem. Eu fiz essa bagunça. Tenho que enfrentá-lo.
— Sim mas…
— Mas…?
— Eu não sei — digo. — Parece que deveria haver um mas.
Jonathan ri baixinho quando meu pai sai para a varanda,
enxugando as mãos no avental de grelhados que ele usa.
— Ei, pai — digo. — Boa festa.
— Não é uma festa — ele resmunga. — É só uma coisinha.
Mais como um teste, talvez. Um comitê de boas-vindas, só
que não tão amigável quanto um desses.
— Senhor Garfield, senhor. Jonathan limpa a garganta. —
Agradeço o convite.
— Era o que minha neta queria — diz ele. — Faço o que for
preciso para fazê-la feliz. Tenho certeza que você entende isso.
— Claro — diz Jonathan.
— Bem, então, eu deveria voltar para a minha
churrasqueira. — Meu pai olha para mim, com olhos
desconfiados, enquanto diz: — Junte-se a mim, Cunningham.
Podemos conversar.
Jonathan me oferece um pequeno sorriso, tentando ser
reconfortante, mas eu sei sem sombra de dúvida que o mundo
está prestes a virar de cabeça para baixo.
Gravidade, não me falhe agora.
Eu me misturo, evitando certas conversas, esquivando-me
de perguntas, aderindo a simples amabilidades com os vizinhos.
Maddie, ela está correndo por aí, contando a quem quiser ouvir
sobre seu papai. Eu tento orientá-la para outro lugar, mas ela é
uma criança. Ela não entende por que tudo isso é tão grande.
Só quer compartilhar sua felicidade, enquanto eu não consigo
me livrar do meu sentimento inquietante.
Está crescendo, se aprofundando, como um poço sem
fundo.
Está prestes a nos atingir como uma tempestade.
Toda vez que vejo Jonathan, ele está perto do meu pai, os
dois conversando, os dois homens tensos como se estivessem no
limite da conversa. Mas quando meu pai anuncia que é hora de
comer, Jonathan desapareceu.
Eu preparo um cachorro-quente para Maddie, colocando-a
em uma cadeira no pátio dos fundos, dizendo a ela para ficar lá
enquanto eu vou procurar seu pai. Ele não está do lado de fora,
então entro em casa, ouvindo sua voz – calma, tão quieta,
beirando o desânimo.
Ele está falando ao telefone.
— Apenas faça o que puder — diz ele. — Tente se antecipar
a isso antes que fique fora de controle.
Ele está parado na porta da frente, sozinho, olhando para
fora.
— Eu sei, eu te ouço, mas só... não posso — diz ele depois de
um momento. — Entendo, e você está certo, mas não posso
fazer isso, então faça o que puder para impedir isso.
Suspirando, ele desliga, deslizando o telefone no bolso. Eu
absorvo essas palavras, o som de sua voz, enquanto dou um
passo para mais perto. O chão range e o alerta da minha
presença, e ele olha por cima do ombro, um lampejo de pânico
aparecendo.
— Tudo certo?
— Está tudo bem — diz ele. — Tive que falar com Cliff.
— O que vai fazer?
— Vou fazer o meu cara de RP divulgar uma declaração,
pedindo minha privacidade — diz ele. — Não tenho certeza se
vai fazer diferença. Cliff acha que a única maneira de impedir
que isso se torne uma bola de neve é se eu sair, me tornar visível
em outro lugar para desviar a atenção daqui, para que a história
pareça inventada.
— Você vai?
— Não — diz ele, hesitante. — A menos que seja isso que
você quer.
Antes que eu tenha a chance de dizer a ele o que quero, ele
me puxa na frente dele na porta, envolvendo seus braços em
volta de mim, minhas costas encostadas em seu peito.
Inclinando-se, ele sussurra:
— Olhe do outro lado da rua.
Eu faço como ele diz. Tudo parece tranquilo.
Não tenho certeza do que ele quer que eu veja.
A casa em frente a nós é velha e de tijolos, com muitos vasos
de plantas ao redor do lugar. O casal que mora lá há muito se
aposentou. Eles estão atualmente no quintal do meu pai,
comendo cachorros-quentes com minha filha.
— O que você vê? — ele pergunta.
— Um monte de plantas feias.
— É isso?
— Hum, uma casa, árvores... há uma caixa de correio e uma
bandeira e… — Eu paro quando o movimento chama minha
atenção. Alguém está à espreita. — Quem é aquele?
— Ele se chamava de repórter.
Olho para Jonathan, surpreso.
— Você falou com ele?
— Não, mas seu pai sim. Ele bateu em sua porta esta manhã,
querendo falar com você.
— Eu?
— Disse que ouviu que uma garota pode estar por aqui que
sabe algo sobre mim — diz ele. — Seu pai disse a ele para dar o
fora de sua propriedade, mas então ele viu o cara espreitando os
vizinhos, então seu pai convidou os vizinhos aqui.
— Uau. — Eu não tenho certeza do que dizer. — Por que a
casa do meu pai? Por que não o apartamento onde moro?
— Eu não sei — ele diz baixinho —, mas tenho certeza que
eles vão acabar fazendo isso eventualmente.
O repórter escapa de vista, tentando passar despercebido.
— A comida está pronta — eu digo, ainda tentando
processar tudo. — Você deveria comer alguma coisa.
— Não estou com fome.
— Mas ainda assim, você deveria comer — digo, virando-
me para encarar Jonathan, dando tapinhas em seu abdômen de
brincadeira, tentando não insistir no fato de que nossas vidas
podem estar prestes a mudar. — Tenho que manter sua força,
já que tenho certeza que a parte de entretenimento desta festa
será seu interrogatório.
Saímos dos fundos e arrumamos os pratos. Jonathan mal
come, mas parece mais à vontade, mesmo quando as perguntas
começam.
Não são pessoais. Não, as pessoas não perguntam sobre a
nossa situação. Em vez disso, eles perguntam se Hollywood é
glamourosa. Perguntam se ele conhece suas celebridades
favoritas.
Ele lida com tudo com calma.
Ele é charmoso e espirituoso.
Ele é muito parecido com aquele garoto por quem me
apaixonei na Fulton Edge Academy, sem nenhuma pretensão.
Ele adora Maddie, fazendo-a rir enquanto ela se senta em seu
colo, desenhando para os vizinhos passarem o tempo. Ela
absorve o amor como se fosse o sol, e eu sei, sem sombra de
dúvida, que nenhuma dessas pessoas vai dizer uma palavra ruim
sobre ele para aquele repórter.
— Isso foi inteligente — eu digo, me aproximando do meu
pai enquanto ele se senta ao lado do pátio, nos arredores da
reunião.
— Eu não tenho certeza do que você quer dizer — diz ele.
Eu me empoleiro na beirada de sua cadeira e olho para ele.
— Você tem, sim. A coisa toda de “colocar a vizinhança do
lado dele” que você orquestrou aqui. Como pensou nisso?
— Trabalhei na política — diz. — Tenho muitos truques
na manga.

◈◈◈

— A segunda emenda existe por um motivo — diz meu pai. —


O direito do povo de manter e portar armas não deve ser
infringido. Isso é o que diz. Não há “mas” para isso, sem
estipulações ou qualificações.
— Com todo o respeito, isso é besteira — diz Jonathan. —
Ninguém quer um lunático andando por aí com um AK-47.
Não foi isso que os Pais Fundadores pretendiam.
— Oh? Isso significa que você falou com eles? Esclareça-me
– o que Thomas Jefferson disse quando você perguntou?
Porque eu odeio dizer isso a você, filho, mas assistir Hamilton
na Broadway não faz de você um especialista em suas intenções.
— É senso comum — diz Jonathan. — Melhor prevenir do
que remediar.
— Agora isso é besteira — diz meu pai. — Você não pode
infringir um direito constitucional porque acha que alguém
pode fazer alguma coisa.
Jonathan abre a boca para responder, mas eu limpo a
garganta alto, interrompendo, chamando a atenção deles. Não
tenho certeza de como começou, mas os dois estão sentados na
sala, discutindo política – o passatempo favorito do meu pai –
enquanto Maddie dorme no sofá.
— Embora esta conversa seja absolutamente fascinante —
digo —, está ficando tarde, então você pode simplesmente
concordar em discordar?
Eles se encaram.
Nenhum deles quer ser o primeiro a ceder.
Eu tenho que dizer, é meio legal ver os dois tendo uma
conversa que não tem nada a ver comigo.
— Blá, blá, blá, nós nunca vamos concordar, mas eu respeito
seu ponto de vista, embora eu ache que você é um idiota —
digo, acenando entre eles. — Pronto, resolvi isso para vocês
dois. Agora é hora de ir para casa.
Meu pai resmunga algo sobre eu arruinar sua diversão
enquanto me inclino para abraçá-lo. A noite caiu. Está escuro
lá fora. Passamos o dia inteiro aqui e estou cansada.
Eu pego Maddie. Ela murmura em seu sono, seu corpo
pesado enquanto ela descansa contra mim, sua cabeça no meu
ombro. Jonathan se levanta, estendendo a mão para meu pai.
— Senhor Garfield.
Meu pai olha para sua mão estendida por um momento
antes de acenar para ele, dizendo:
— Cunningham.
Isso é o mais próximo de uma trégua que eu acho que esses
caras vão chegar. Apenas Jonathan saindo daqui sem ser
castrado é um progresso, e ele retira a mão com tranquilidade,
rindo para si mesmo.
Saímos, e eu vou para o carro, meus passos apressados. Eu
coloco Maddie em seu assento de elevação e estou afivelando-a
quando ouço uma voz chamando muito perto de nós.
— Quem é a garota, Johnny?
— Afaste-se de nós — diz Jonathan, e eu olho para cima,
meu coração disparado quando vejo um cara lá. O repórter.
Ele está segurando seu telefone. Ele está gravando.
— Vamos, não seja assim — diz o cara, chegando ainda mais
perto. — Estou apenas fazendo meu trabalho aqui.
— Afaste-se — avisa Jonathan.
Fecho a porta do carro. O cara não está recuando. Em vez
disso, ele começa a disparar perguntas rápidas, cada uma pior
que a anterior.
— Então, quem é a mulher? Essa é a filha dela? Você andou
brincando com ela? Hum? Há quanto tempo você a vê? Há
quanto tempo você está traindo Serena? Espere... essa é a sua
filha? Você a engravidou, Johnny? Engravidou-a e o quê,
pagou-a para que ela ficasse de boca fechada? Quanto te
custou? Por que você fez isso? Não quer que ninguém saiba
sobre a bastarda?
É isso.
Isso é o que é preciso.
No segundo em que a última palavra é dita, Jonathan
retruca. Eu vejo, sua expressão endurecendo quando a raiva
toma conta. Ele avança, engessado e tudo, batendo na cara do
cara, atordoando-o. Cambaleando, o cara deixa cair o telefone,
e Jonathan pisa nele.
— Eu disse para você se afastar — diz Jonathan, encarando
o repórter. — Eu não vou te dizer de novo.
— Jonathan, pare! — Corro quando ele empurra o cara,
agarrando seu braço para tentar arrastá-lo, mas ele resiste. —
Por favor, apenas... entre no carro.
Ele dá alguns passos para trás enquanto o cara grita com ele,
algo sobre conseguir o que está vindo para ele, mas Jonathan
não se incomoda.
— Fique bem longe de mim — ele diz —, e fique longe da
porra da minha família.
— Você vai se arrepender disso! — o cara grita. — Tenho
tudo em vídeo!
Jonathan se afasta de mim e pega outro celular da calçada, a
tela agora rachada. Ainda está gravando. Jonathan aperta o
botão para parar, e acho que ele vai apagar o vídeo, ou talvez
pegar o telefone, mas em vez disso, ele joga no cara.
O repórter tenta pegá-lo, mas ele escorrega e cai na calçada a
seus pés.
— Foda-se você e seu vídeo — diz Jonathan. — Não me
deixe te pegar por aqui novamente.
Ele entra no carro. Corro para sentar ao volante quando o
repórter pega o telefone e diz:
— Ainda o mesmo velho Johnny Cunning.
Eu dirijo para casa, meus olhos piscando para o espelho
retrovisor durante todo o caminho. Maddie continua
dormindo. Ela perdeu a coisa toda. Jonathan não diz nada,
flexionando os dedos dentro e fora de um punho solto ao redor
do gesso, encolhendo-se o tempo todo.
Dirijo para uma vaga de estacionamento quando chego ao
prédio de apartamentos, desligando o motor, meus olhos
varrendo ao nosso redor, esperando uma emboscada.
Algo toca minha perna, e eu pulo, ganindo. A mão de
Jonathan está descansando na minha coxa.
— Você está bem? — ele pergunta.
— Acho que eu deveria estar perguntando isso a você.
— Estou bem.
— Sua mão está machucada.
— Está ferida.
— Mas ainda assim, aquele cara... ele era um idiota.
— Estou acostumado com isso — diz ele, hesitando antes de
acrescentar —, tanto quanto uma pessoa pode se acostumar
com isso. Mas ele disse alguma merda, sei que você não está
acostumada com isso.
— Estou bem.
Ele acena com a cabeça, mas não sei se ele acredita em mim.
Não sei se eu acredito em mim.
Estou tremendo. Tremendo.
Sua mão na minha coxa está firme.
— Devemos entrar — diz ele, apontando para o prédio —,
caso alguém apareça aqui.
Ele carrega Maddie desta vez, levando-a para o apartamento
e direto para o quarto dela enquanto eu tranco. Exausta, vou
para a cozinha, espiando nos armários e gemendo antes de
pegar um copo e enchê-lo com água da torneira, tomo um gole
antes de murmurar para mim mesma:
— Eu mataria por um pouco de álcool agora
Por que eu tive que derramar aquele uísque perfeitamente
bom?
Uma risada leve ecoa atrás de mim.
— Eu conheço o sentimento.
Jonathan está na porta.
Dou a ele um sorriso tímido.
— Não deveria ter dito isso.
— Não precisa prestar atenção em suas palavras. Eu sou um
menino grande. Posso lidar com isso. — Ele faz uma pausa,
balançando a cabeça enquanto se aproxima lentamente de
mim. — Geralmente. Passei muito tempo de reabilitação
trabalhando nisso. Palavras ruins não precisam levar a ações
ruins. Acho que ainda tenho trabalho em andamento.
— Todos nós temos.
— Não tenho certeza — diz ele, olhando para mim. — Você
parece muito bem resolvida.
— Quem, eu? Subgerente do Piggly Q?
— Você não é seu trabalho.
— Ainda bem, porque não sei se vou trabalhar muito mais
tempo. Se encontraram meu pai, provavelmente encontraram
meu emprego.
— Desculpe.
— Não é sua culpa. Eu teria desistido eventualmente.
Apenas planejei ser teimosa por mais um pouco.
Ele ri disso, encostado no balcão ao meu lado.
— Você sempre foi a pessoa mais teimosa que eu conheci.
— Sim, bem, você me deu uma corrida pelo meu dinheiro
nisso. Encontrei meu par com você.
— Casamento feito no céu.
— Ou inferno. Depende de quem você pergunta.
— Você — diz ele. — Estou lhe perguntando.
— Eu diria um pouco dos dois, então. Nós éramos fogo e
gasolina. Nós queimamos por um longo tempo.
— Passado.
— O que?
— Você disse isso no passado.
— Acho que estou acostumada a falar sobre nós dessa
maneira.
Fica silencioso.
Minhas mãos ainda estão tremendo.
Estou mexendo no copo, bebendo água, tentando entender
o que está acontecendo.
— Eu posso ir — ele diz baixinho. — Vou entender se você
preferir que eu não esteja aqui.
— Por que eu não iria querer você aqui?
— Não sei — diz ele. — Realmente não sei onde está sua
cabeça, Kennedy. Às vezes acho que sim, mas outras vezes…
Colocando o copo no balcão, agarro sua mão.
— Que tal eu te mostrar?
— Me mostrar?
Concordo.
Eu o puxo para o quarto.
Empurro-o na cama.
As roupas desaparecem, espalhadas pelo chão, enquanto
nossos corpos se enroscam nos lençóis. Estou em cima dele, e
ele está dentro de mim, minhas mãos pressionando seu peito
nu, sentindo o calor de sua pele.
O fogo? Ainda queima.
Algo me diz que sempre queimará, não importa quem tente
apagá-lo.

◈◈◈

Passos soam pelo apartamento quando acordo. É cedo. Tento


sair da cama, mas Jonathan resmunga e se agarra a mim.
Rindo, eu me afasto de seus braços e visto algumas roupas.
Estou no meio do corredor quando ouço um barulho na
cozinha antes que uma vozinha diga:
— Oh-oh.
— O que foi isso? — Eu digo, vendo Maddie sentada no
balcão, segurando a caixa de Lucky Charms, uma tigela no
chão. — O que você está fazendo?
— Café da manhã — diz ela.
Eu a puxo para fora do balcão e peço a caixa de cereal.
— Por que você não vai encontrar alguns desenhos
animados para assistir? Trarei algo para você comer em um
momento.
— Ok, mamãe — diz ela, pulando para a sala de estar. Eu
sirvo um pouco de cereal com leite para ela e me viro para sair
da cozinha quando uma batida soa pela porta da frente no
apartamento. Porcaria.
Meu coração entristece.
Dou um passo nessa direção, ficando tensa quando vejo
Maddie destrancando a porta.
— Querida, espere!
Ela puxa para abri-la.
— Uau.
— Madison Jacqueline — eu assobio, indo em direção a ela.
— Quantas vezes temos que falar sobre não abrir...?
A porta.
Não consigo dizer essas palavras.
Eu paro, estagnada. Um policial está lá, na minha porta, em
uniforme completo. Uau está certo.
— Ah, olá — digo. — Posso ajudá-lo, oficial?
— Na verdade, estou procurando por alguém — diz o
oficial, olhando além de mim, ao redor do meu apartamento.
— Quem? — Pergunto.
Uma voz áspera soa atrás de mim.
— “Quem” seria eu.
Eu giro. Jonathan está lá, ainda meio adormecido, vestindo
apenas calça de moletom.
— Você?
Ele concorda.
Volto-me para o oficial.
Ele acena com a cabeça também, confirmando.
Leva um segundo para as coisas fazerem sentido. Quando
isso acontece, entrego a Maddie a tigela de cereal.
— Leve isso para o seu quarto.
— Mas você disse que não podemos comer em nossos
quartos, porque não é para isso que servem os quartos.
— Vou abrir uma exceção. Vá brincar.
Estou grato por ela não ter lutado.
Não quero que ela veja o que eu acho que está prestes a
acontecer aqui. Eu mesma não quero ver, mesmo que não seja
a primeira vez.
— Você se importa se eu me vestir? — Jonathan pergunta,
sua voz casual. — Tenho certeza de que há curiosos.
— Vá em frente — diz o oficial. — Só não demore muito.
Leva apenas um minuto, talvez dois, antes dele voltar,
totalmente vestido com jeans e uma camiseta, jaqueta de couro,
sapatos. Fico aqui em estado de choque quando Jonathan se
aproxima do oficial.
— Para que serve o mandado? — ele pergunta. — Agressão?
O oficial assente.
— E conduta criminosa.
Jonathan se vira, colocando as mãos atrás das costas. Ele é
algemado, mas não parece incomodado com isso, nem parece
surpreso.
Ele me beija, apenas um roçar em meus lábios, antes de dizer:
— Voltarei quando puder.
Capítulo 22
Jonathan

Cliff está digitando em seu Blackberry.


Eu sempre odiei essa maldita coisa.
Ele nunca foi casado, o que não é surpresa, considerando
que grande parte de sua vida é passada colada a essa tela. Uma
série de aventuras é tudo o que ele tem tempo para fazer. Ele
sempre diz que seu trabalho é sua esposa.
Não demorou muito, depois que liguei da delegacia, para
Cliff vir da cidade, onde estava ocupado trabalhando.
Trabalhando em consertar minhas outras bagunças,
enquanto eu estava ocupado criando mais delas.
Estamos sentados em uma sala de interrogatório, só ele e eu.
Estou livre para sair há meia hora, mas Cliff queria conversar
em algum lugar privado, então a polícia ofereceu este espaço –
sabe, em troca de alguns autógrafos.
O problema é que Cliff não disse uma palavra desde que nos
sentamos, ocupado demais digitando o que quer que esteja
digitando.
— Então... boa conversa — eu digo depois de um longo
período de silêncio. — Conversa cativante essa que estamos
tendo.
— Ah, estou te entediando? — ele pergunta, ainda sem olhar
para cima. — Desculpe, estou um pouco ocupado
conversando com o RP sobre coordenar um comunicado de
imprensa para explicar sua prisão. Vou tentar fazer melhor da
próxima vez.
— Não tenho certeza se há algo para explicar — digo. — O
vídeo torna tudo bastante autoexplicativo.
Ele balança a cabeça.
— O que você estava pensando, Johnny?
— Ele chamou minha filha de bastarda.
— E? São apenas palavras. Não soque o cara enquanto ele
está gravando. Você acabou de dar a ele motivos para um
processo, o que significa um acordo, o que significa mais
dinheiro do seu bolso. — Ele abaixa seu Blackberry e começa a
mexer em sua pasta, puxando uma pilha de papéis e deslizando-
os para mim. — Seu advogado enviou isto para você dar uma
olhada.
Olho para a folha de cima.
Acordo de confidencialidade.
— Para que isso?
— Para garantir a discrição contínua da senhorita Garfield.
Eu pisco por um momento antes de olhar para ele.
— Você está brincando.
— Parece que estou brincando? — ele pergunta enquanto
pega o Blackberry.
Não, ele não está.
— Não vou pedir para ela assinar isso — digo, empurrando
tudo para ele sem nem mesmo ler nada.
— Você prefere que eu pergunte a ela?
— É desnecessário. Ela não precisa de um.
— Discordo. Melhor prevenir do que remediar.
— É ofensivo. Não tem como ela assinar essa merda.
— Por que não iria? Ela assinou o anterior.
Eu olho para ele enquanto essas palavras são absorvidas.
— O que você quer dizer com ela assinou o anterior?
— Quero dizer, ela já assinou um acordo. Esta é apenas uma
versão atualizada.
— Você a fez assinar um desses? Sério?
— Claro que sim — diz ele. — Eu o elaborei no momento
em que assinei com você.
Nem sei o que dizer.
Ele nunca mencionou isso.
Inferno, nem ela.
Dou a este homem muita margem de manobra quando se
trata de meus assuntos. Ele coordenou quase todas as partes da
minha vida por alguns anos. Eu não sei tudo o que ele fez em
meu nome. Tenho certeza que eu não gostaria de saber sobre
isso. Então não vou dizer que estou surpreso que ele tenha feito
isso.
Mas estou surpreso que ela não me contou sobre isso.
— Você também precisa estabelecer a paternidade... não
que haja qualquer dúvida. — Seus olhos piscam para mim. —
Não há, não é?
— Sem dúvida alguma.
— Independe disso, legalmente, você precisa fazer isso. E
então você precisará de um acordo de custódia elaborado com
um cronograma de visitas.
— As coisas estão dando certo.
— Por enquanto — diz ele —, mas você não quer se
encontrar em uma posição em que não possa ver sua filha
quando a senhorita Garfield te expulsar da vida dela
novamente.
Quando. Não se.
— Isso não vai acontecer.
— O passado conta uma história diferente.
— Sabe, tenho certeza de que você é pago para gerenciar
minha carreira, não para julgar minha vida pessoal.
— É tudo a mesma coisa com você, Johnny. Goste ou não,
sua vida pessoal afeta sua carreira.
— Eu não gosto.
Ele olha para mim, pegando aquela pilha de papéis e
enfiando-os de volta em sua pasta.
— Tenho outros clientes para atender hoje, os quais tenho
negligenciado ultimamente por sua causa. Você precisa de uma
carona para a pousada?
— Eu não vou ficar lá.
— Onde você está ficando?
— Com ela.
— No endereço em Elm?
Eu hesito. Elm. É onde seu pai mora, a casa em que ela
cresceu.
— Ela não mora lá.
— Tem certeza? Porque é para lá que os cheques ainda estão
sendo enviados todos os meses.
— Positivo — eu digo. — Você não sabe sobre o
apartamento dela?
— Como eu saberia? Você não me diz nada.
Ele parece genuinamente frustrado com isso.
— Como Serena sabia? Ela apareceu no apartamento.
— Quem sabe como alguém sabe alguma coisa? — ele
resmunga, empurrando a cadeira para trás para ficar de pé. —
Vamos lá, vou te dar uma carona para onde quer que você vá.
pelo menos até que isso acabe, mas você é quem tem que viver
com isso, então... Faça sua parte, Johnny, e eu farei o que puder
para contornar isso.

◈◈◈

Fico na frente da porta do apartamento, dividido entre bater e


entrar. Não é meu apartamento, mas me sinto em casa aqui. Eu
vou e volto por um momento antes de alcançar a maçaneta,
meu estômago revirando quando não gira.
Bom, isso resolve meu problema.
Trancada.
Hesitante, bato na madeira grossa.
Passos se aproximam, parando ali por um longo momento
antes de as fechaduras tilintarem e a porta se abrir. BAM.
Kennedy está em cima de mim, batendo em mim com tanta
força que quase caio para trás. Ela me abraça, sussurrando:
— Você está de volta.
Sorrio.
— Só se passaram seis horas.
— Parecia mais seis anos — diz ela, me arrastando para
dentro para que possa trancar a porta. — Eu continuo
esquecendo de te dar uma chave.
— Uma chave.
— Sim, para que você não precise bater na próxima vez —
diz ela. — A menos que você não queira. só achei…
— Por favor — digo. — Gostaria disso.
Ela sorri suavemente, entrando na cozinha e tirando uma
chave de uma gaveta. Ela a estende para mim, a chave na palma
da mão, mas eu agarro sua mão inteira e a puxo para mim.
— Obrigado — digo. — Por ainda me deixar ficar, apesar...
você sabe.
— Apesar de você bater em um repórter? — Ela me beija,
um beijo suave. — Apesar de você ser preso? — Outro beijo.
— Apesar de sua esposa de tabloide aparecer e estragar nossa
chance de privacidade?
Mais um beijo, e sorrio contra seus lábios.
— Apesar disso.
Eu deslizo a chave de sua palma, guardando-a no bolso. No
momento em que faço isso, ouço Madison em seu quarto
conversando com alguém.
— Ah, a propósito — Kennedy diz —, sua irmã está de
visita.
Eu fico ali, na sala de estar.
Essa é a última coisa que eu preciso.
— Ela ouviu sobre o vídeo — explica Kennedy —, então
veio ver você.
— E o que, gritar comigo sobre crescer? Me dar um sermão
sobre responsabilidade?
Ouço um limpar de garganta por perto, sei que é ela antes
que fale.
— Mais como eu vim para cumprimentá-lo, mas você sabe,
isso também. Você deveria fazer tudo isso.
— Crescer e ser responsável?
— Ding, ding, ding.
Eu balanço minha cabeça.
— Estou tentando.
Ela parece querer dizer alguma coisa, mas morde a língua
quando Madison entra. Madison engasga e corre, batendo em
mim como sua mãe fez, abraçando minha cintura.
— Papai, você está aqui!
— Eu estou — digo, despenteando seu cabelo. — Nossa, eu
não tinha pessoas tão animadas para me ver desde meu último
tapete vermelho.
— Posso ir aos tapetes vermelhos? — Madison pergunta.
— Algum dia — digo a ela. — Se sua mãe disser que está
tudo bem.
— Mamãe? Eu posso?
— Vamos ver — diz Kennedy.
Madison olha para mim, sorrindo.
— Ela disse tudo bem!
Eu sorrio.
— Tenho certeza que não foi isso que ela disse, mas boa
tentativa.
Madison está pronta para brincar novamente, e eu me sento
no sofá, passando a mão pelo cabelo.
— Vou dar a vocês dois algum tempo para conversar — diz
Kennedy antes de desaparecer em seu quarto, deixando-me
sozinho com minha irmã.
— Oh, meu bem — eu digo. — Como a prisão não foi
divertida o suficiente, tenho algum tempo de qualidade com a
família em compensação.
Meghan ri, chutando minha canela para me mover
enquanto ela passa para se sentar no sofá.
— Falando em família — diz ela, pegando o telefone.
Eu abaixo minha cabeça com um suspiro.
— Podemos não fazer isso?
— Foi o papai que me falou sobre a situação — diz ela. —
Ele me enviou uma mensagem esta manhã.
— Incrível.
Ela limpa a garganta, sua voz baixando zombeteiramente
enquanto imita a voz de nosso pai, lendo sua mensagem.
— Minha querida Meghan, foi trazido ao meu
conhecimento que seu irmão estava envolvido em mais uma
briga com a mídia. Como um acérrimo defensor da liberdade
de imprensa, defensor da Primeira Emenda, alguém
provavelmente entrará em contato comigo para um comentário.
Achei justo avisar antes. Grant B. Cunningham.
— Tenho certeza que James Madison não queria proteger o
direito de alguém de atacar verbalmente uma criança.
— James Madison nem acreditava na Primeira Emenda —
diz Meghan. — Para ele, tratava-se de responsabilizar os
políticos.
— Aí está — eu digo. — Envie-lhe uma mensagem de volta
e diga que James Madison diria a ele para enfiar sua opinião no
rabo.
— Sim, infelizmente, é tarde demais para isso. — Meghan
acena com o telefone para mim, mostrando-me um artigo antes
de ler parte dele. — O ex-presidente da Câmara, Grant
Cunningham, emitiu um comunicado dizendo que está
profundamente preocupado com o comportamento de seu
filho. A imprensa livre é essencial para uma sociedade livre, diz
o comunicado. A violência contra membros da mídia não deve
ser tolerada. Embora John tenha um histórico de explosões,
espero que essa situação sirva como um alerta para ele.
— Isso é generoso, vindo dele. Ele provavelmente não dá a
mínima para como isso afeta minha filha.
Meghan continua a ler.
— Quando perguntado sobre sua suposta neta, o ex-
presidente Cunningham comentou que nunca fala sobre
assuntos familiares.
— A menos que seja para me arrastar pela lama.
— Bem, em sua defesa, você torna isso tão fácil — diz ela.
Eu viro meus olhos para ela, sem achar graça, e ela levanta as
mãos. — Estou brincando.
— Eles ligaram para você para um comentário? —
Pergunto.
— Claro que não. — Ela revira os olhos. — Duvido que
tenham ligado para ele. Ele provavelmente entrou em contato
com eles, desesperado para ser relevante.
— Pena — digo. — Você poderia ter dito a eles o quão
irresponsável eu sou.
— Isso não é o que eu teria dito. — Ela enfia o telefone no
bolso de trás enquanto se levanta. — Eu teria dito a eles para
saírem do seu pé. Você está tentando.
“Vozes Perdidas & Tempo Roubado”

Kennedy Garfield

A segunda vez que você se encontra no escritório de Clifford


Caldwell, ele novamente dá trinta segundos de atenção à sua
pasta antes de fechá-la.
Ele olha para você. Realmente olha para você.
— Fale-me sobre você — diz ele.
Você hesita.
— O que você quer ouvir?
— Não quero ouvir nada disso, mas preciso saber tudo.
— Está tudo no meu currículo.
Um leve sorriso toca seus lábios.
— Não é seu trabalho. Não sou agente. Eu sou um
empresário. Meu trabalho é você. Então, que tal me dizer quem
você pensa que é, e eu lhe direi quem você vai ser.
Você diz a ele o básico de Jonathan Cunningham. Não há
muito além de sua família disfuncional. Conta a ele sobre a
mulher que espera por você em casa, mesmo que ele já saiba
tudo sobre ela.
Você fala por alguns minutos e, quando para, ele diz:
— Então agora vamos falar sobre Johnny.
Johnny Cunning.
É quem você se torna.
Johnny parece mais acessível do que Jonathan.
Cunningham faz as pessoas pensarem em seu pai, então você
descarta a última sílaba. O ajuste de nome por si só leva você de
ser o garoto rico em uma família política para o cara misterioso
que de alguma forma parece familiar. Você os mantém
adivinhando, não responde a perguntas... mas segue um
caminho que mantém você em suas mentes o tempo todo.
Esse é o plano.
Ele diz que pode fazer de você o maior nome de Hollywood.
Tudo que tem a fazer é ouvi-lo e fazer o que ele diz.
Um contrato é elaborado antes mesmo de você sair do
escritório. Você o leu. Deveria ter um advogado para ler, mas
quando a oportunidade bate, você tem o hábito de
simplesmente abrir a porta.
Você assina, ali mesmo.
Em vez de ir para o apartamento depois, você se desvia para
a lanchonete, onde ela está. Ela está trabalhando, esvoaçando
em seu pequeno uniforme rosa, rindo, brincando e flertando.
Você fica do lado de fora na calçada, observando-a. Ela percebe
você e sorri.
Escorregando para fora, ela pergunta:
— Como foi?
— Você está olhando para um homem sob gestão.
Seus olhos se arregalam.
— Você está brincando.
— Não.
Ela grita, dando um salto voador direto para seus braços,
envolvendo as pernas em volta da sua cintura, agarrando-se a
você. Você a abraça e ri enquanto ela beija freneticamente todo
o seu rosto.
— Estou tão orgulhosa, Jonathan — diz ela. — E tão, tão
feliz por você.
— Por nós — você diz. — Isso é para você também.
Ela afrouxa seu aperto, seus pés de volta na calçada.
— É melhor você não esquecer isso quando tiver todas
aquelas fangirls raivosas tentando abaixar suas calças.
— Não se preocupe, você sempre será a única fangirl raivosa
para mim.
Ela sorri, cutucando você.
— Bem, senhor figurão, eu preciso voltar ao trabalho...
Ela volta para a lanchonete. Você vai para casa.
E você não sabe disso, mas alguns minutos depois de sair,
Clifford Caldwell entra na lanchonete. Ele quase roubou seu
momento novamente. Ele se senta em sua seção, pedindo café
descaradamente, e desliza um papel para ela.
— Assine.
Acordo de confidencialidade.
Ela hesita.
— Não.
— Assine, ou a carreira dele já acabou.
Ela não entende o ponto.
Então ela chama de blefe e ele sai.
Ela não vai assinar nada.
Tudo volta ao normal. Semanas passam. Você está ficando
preocupado. Não sabe porquê seu novo empresário não está
atendendo suas ligações.
Ela sabe porque, no entanto.
Então ela aparece no escritório de Clifford Caldwell e assina
aquele papel estúpido, jurando que nunca divulgará
publicamente nada sobre você ou nada disso. Não que ela fosse
fazer isso alguma vez, mas ela se preocupa com o motivo do
homem estar tão obcecado em mantê-la em silêncio.
No dia seguinte, seu telefone finalmente toca no meio da
noite e as coisas decolam. Encontros. Tantas reuniões. Você
precisa assinar com um novo agente. Precisa falar com alguns
publicitários. Precisa de fotografias melhores. Há aulas para
assistir e treinadores vocais para ver, sem mencionar a
preparação para audições e a criação de uma demonstração
mais atraente.
Você não é pago por nada disso. Não, você é cobrado.
Clifford cobre todos os custos antecipadamente, mas será
cobrado de você. Longas horas, dia e noite. Sua agenda fica tão
louca que você não consegue acompanhar.
Ela faz, no entanto. Um calendário na parede da sala tem
tudo rabiscado. Ela mantém você no caminho certo, mesmo
quando trabalha horas extras. Ela está cobrindo as contas. Está
comprando a comida. Ela cozinha, limpa e espera por você nas
noites em que se atrasa, mesmo que esteja exausta. Mesmo
quando ela só quer dormir um pouco.
Ela sorri e diz que está tudo bem quando sua primeira
grande audição cai em seu décimo nono aniversário.
Meses passam, meses de caos. Os dias todos se fundem. O
tempo se esvai. Você sente falta das férias, mas ela também.
Você comemora o Natal em janeiro.
Você reserva seu primeiro filme. É uma daquelas comédias
românticas adolescentes. Você interpreta o melhor amigo. Não
há mais Cara #3 ou Traficante de Heroína. Seu personagem
tem um nome – Greg Barlow. Ele filma localmente. Ela visita
você no set algumas vezes, mas os dois estão tão ocupados que
ela só pode ficar alguns minutos.
O filme termina em seu segundo Aniversonho. Você a leva
para comemorar, mas cada centavo que você ganhou com o
filme foi reembolsado, então comemorar envolve sair juntos
em um parque.
— Você ainda me ama? — ela pergunta, sentada à sua frente
em uma mesa de piquenique. Você está segurando as mãos dela,
acariciando suavemente sua pele com os polegares.
— Claro que eu amo.
— Mais que tudo?
— Mais que tudo — diz ele. — Porque pergunta?
— Só sinto falta de ouvir isso — diz ela.
Você a encara. Já faz um tempo desde que disse isso. Não foi
intencional. A vida ficou louca, mas ela entende. Até o tempo
de escrita tem sido escasso. Sempre que ela tem a chance, seus
pensamentos são uma bagunça confusa, as palavras um borrão.
A poesia acabou. As metáforas. O simbolismo. Eles
desapareceram. Tudo se tornou uma massa nebulosa de sílabas
despojadas no papel.
— Eu te amo — você diz. — Mais do que tudo neste parque.
Mais do que todas as linhas de diálogo que já falei. Mais do que
amo Hollywood. Isso ainda é suficiente, K? Meu amor?
Ela sorri.
— É claro.
Você não sabe disso, mas aquela mulher? Mesmo enquanto
ela sorri, está totalmente aterrorizada. Seu amor é mais do que
suficiente para ela, mas ela sente pedaços dele se esvaindo. Algo
dentro dela está se desintegrando. O sonho dela. Ela está
perdendo. Ela veio aqui com você, sem perceber o que você
estava passando. Você se sentiu invisível e estava desesperado
por uma audiência, mas onde isso deixa seu amor? Porque
quanto mais pessoas te veem, parece, menos você a vê. E ela não
pode nem contar sua história agora, não do jeito que ela quer,
porque sua voz foi roubada e ninguém nunca terá a chance de
ler suas palavras.
Capítulo 23
Kennedy

Marcus me encara.
Ele me encara. E encara. E encara.
Um silêncio constrangedor enche o escritório, denso e
sufocante. É logo depois do amanhecer. Ninguém mais está
aqui ainda. Eu queria fazer isso antes que alguém aparecesse,
pensando que seria mais fácil, mas não... estranho.
Ele continua encarando.
— Então, sim — murmuro. — É isso.
Entreguei meu aviso de duas semanas.
Como vou durar tanto tempo, não sei. É segunda-feira de
manhã, e os rumores tiveram todo o fim de semana para se
espalhar. O vídeo se tornou viral nas primeiras vinte e quatro
horas. O cara, ao que parece, trabalha para o Hollywood
Chronicles.
Marcus limpa a garganta e diz:
— Eu gostaria que você reconsiderasse.
— Eu sei — digo —, mas não tem como isso dar certo.
Posso dizer pela expressão dele que não está feliz, mas é o
melhor, e no fundo, ele sabe disso. Já há uma viatura policial
posicionada no estacionamento, uma nova placa na porta da
loja que diz “somente clientes”.
— Essa coisa toda vai acabar, você sabe — diz ele, acenando
para a porta aberta do escritório. — Eles ficam entediados e vão
embora.
— Eu sei, mas ainda assim... está na hora.
Hora de descobrir o que diabos eu quero fazer com o resto
da minha vida, porque não é isso. Isso nunca foi o “algo
especial” que meus pais queriam para mim, nem era meu
sonho.
— É justo — diz Marcus. — Estou decepcionado, mas não
vou fingir estar surpreso. Eu sabia que perderíamos você algum
dia. Só esperava que eu estivesse aposentado quando você se
tocasse.
— Que azar.
— É — diz ele, acenando para mim, me dispensando,
simples assim. Eu saio do escritório e vou para o almoxarifado
dos fundos para começar o trabalho, pegando meu telefone
enquanto ando. Tantas notificações. Tantas chamadas
perdidas. Limpo todas elas e mando uma mensagem para
Jonathan. Tem como levar Maddie para a escola esta
manhã?
Sua resposta vem rapidamente. Claro.
Encaro sua resposta antes de acrescentar: Sem agredir
nenhum repórter?
Olha, agora vamos precisar conversar sobre essas
expectativas irreais.
Você está totalmente certo. O que eu estava pensando,
esperando que você fosse civilizado?
Realmente não sei. Mas não se preocupe. Eu vou levá-
la para a escola... por qualquer meio necessário.
Ele adiciona um demônio sorridente e um emoji de pistola
d’água à sua mensagem, então eu devolvo a ele o emoji de
revirando os olhos em resposta.
O tempo passa.
Eu trabalho no almoxarifado.
Ouço pessoas se movimentando pela loja após a abertura,
mas ninguém me incomoda. Eu sei que está chegando, no
entanto. É só uma questão de tempo.
São nove horas, mando uma mensagem para Jonathan.
Você a levou para a escola bem?
Defina “bem”.
Ninguém levou um soco e ninguém chorou.
A ajudante da professora conta?
O que…?
Você deu um soco na ajudante da professora???
Não, ela chorou. Pediu um autógrafo. Grande fã
minha.
Envio outro emoji revirando os olhos antes de embolsar o
telefone. Eu tento me concentrar no trabalho depois disso, mas
estou muito distraída.
Dez horas, eu mando uma mensagem para Jonathan
novamente. Ela tomou café da manhã?
A assistente da professora?
Maddie. Ela comeu esta manhã?
Ah sim, uma tigela de Lucky Charms.
Satisfeita, volto ao estoque, mas não dura muito.
São onze horas, envio mais uma mensagem. Ela se lembrou
de escovar os dentes, certo? Às vezes, ela esquece.
Nenhuma resposta.
Em vez disso, o telefone toca.
Ele está me chamando.
Eu respondo.
— Olá?
— Você não tem outra coisa que deveria fazer em vez de me
perguntar vinte coisas esta manhã?
Suspirando, eu me empoleiro em uma das caixas.
— Ao contrário de você, eu posso fazer várias tarefas.
— Ela escovou os dentes — diz ele. — Escovei o cabelo dela
também. E ela usava algum tipo de coisa de peça única. Uma
jardineira? Macacão? Azul, talvez? Pode ser preto.
— E ela se lembrou de sua mochila?
— Claro — diz ele com uma risada. — Até mesmo de
colocar sapatos antes de sairmos do apartamento.
— Desculpe, eu sei que estou fazendo muitas perguntas,
mas argh, sempre estive aí de manhã. Esta é a primeira vez que
eu não estava lá para preparar seu café da manhã ou amarrar
seus sapatos.
— Ela estava bem — diz ele. — Quando a acordei, eu disse
a ela que você tinha que chegar cedo ao trabalho, então ela
chamou o papai. E tenho certeza de que, quando a deixei, ela
ainda tinha todos os dedos das mãos e dos pés.
— Obrigada — digo. — Eu deveria trabalhar agora. Vejo
você daqui a pouco.
Desligo, voltando ao trabalho quando há uma batida na
porta. Ela se abre lentamente e Bethany aparece, hesitante do
lado de fora. Ela não diz nada a princípio. Ela olha para mim
como Marcus fez. Olhando, e olhando, e olhando...
— Precisa de algo? — Eu pergunto.
Ela balança a cabeça enquanto o silêncio sufocante do
escritório entra aqui.
— Eu estava apenas…
— Apenas o quê?
— Apenas... é verdade? Tipo, sério, ele estava no seu
apartamento?
— Sim.
Sua expressão pisca com mágoa.
— Você conhece Johnny Cunning? E não me contou?
— Eu te disse — digo. — Até disse que ele disse oi no outro
dia.
— Estávamos brincando. Ou eu pensei que você estava
brincando. Estava falando sério?
Dou de ombros enquanto a culpa se instala, porque talvez
eu esteja sendo injusta.
— Ele realmente disse oi. Ele se lembrou de você.
Seus olhos se arregalam, o rosto empalidece.
— Ah, meu Deus, sério?
— Sério — digo. — E sinto muito por ter deixado você
pensar que era uma piada, mas honestamente, você acreditaria
que eu realmente o conhecia? Eu não acho.
— Mas você poderia, eu não sei, ter trazido ele? Ah, meu
Deus, Kennedy, eu teria acreditado assim!
— Eu não podia.
— Por que não?
— Olha, é complicado. Eu o conheço há muito tempo,
desde que eu era mais jovem que você. Eu o conhecia antes
mesmo de haver um Johnny Cunning. O que temos... é
complicado.
— Temos…? Ah meu Deus, você e Johnny, você sabe?
Juntos?
— Fizemos o quê?
— Você sabe... vocês fizeram aquilo?
Dou a ela um olhar incrédulo.
— Você sabe de onde vêm os bebês, certo?
— Eu sei, mas tipo... ah meu Deus. É verdade? Ela é filha
dele?
— Sim.
— Ah meu Deus.
— Bethany, eu juro, se você disser ah meu Deus mais uma
vez.
— Desculpe! Simplesmente não consigo entender o fato de
que você tem um bebê com o maldito Johnny Cunning! Como
é essa vida real?
— Bem, ela não é mais realmente um bebê. E como eu disse,
foi há muito tempo.
— Então vocês não tem, sabe, desde que ele está por aí?
Vocês dois não... juntos?
Eu não digo nada, porque realmente não quero responder
isso, mas meu silêncio é suficiente para dar a ela o que ela quer.
Ela engasga, os olhos de alguma forma ainda mais
arregalados quando solta um grito e diz:
— Você fizeram!
Eu tremo.
Ela grita novamente, entrando no almoxarifado.
— De jeito nenhum! Você tem que me contar tudo. Preciso
de detalhes!
Eu posso sentir meu rosto esquentando.
— Eu não gosto de beijar e contar.
— O que? Não! Você tem que contar! Você não pode me
dizer que está dormindo com Johnny Cunning e não me dar
mais. Tipo, como foi? Quão grande é? Como é? Descreva-o!
Sorrio.
— Não vou descrever. E ele é, bem... eu não sei. Ele não é
pequeno, se é isso que você está perguntando.
— Ah meu Deus!
Eu deixo esse de lado.
— Apenas... uau — ela diz. — Isso está explodindo minha
mente. Eu não estou sendo enganada, estou? Isso é real, certo?
— Certo.
Pego meu telefone, hesito antes de abrir o FaceTime e discar
o número de Jonathan. Eu nunca fiz FaceTime com ele, então
não tenho certeza se ele vai mesmo responder, mas depois de
um momento ele atende, seu rosto piscando na tela na minha
frente.
Tudo o que vejo é pele – ele não está vestindo uma camisa.
Seu cabelo está desgrenhado. Ele ainda não se barbeou. Leva
apenas um segundo antes de eu perceber que ele está na minha
cama.
— Você está brincando comigo? — digo imediatamente. —
Estava realmente dormindo?
— Estava tentando — diz ele. — Mas alguém continua
interrompendo minha soneca.
— Inacreditável. — Eu balanço minha cabeça, me afastando
do caixote para caminhar até uma chocada Bethany. Eu sei que
ela ouviu a voz dele. Sei que ela o reconhece. Eu empurro meu
telefone para ela, forçando-o em sua mão enquanto digo: —
Divirta-se com isso. Talvez ele descreva para você.
Eu saio do depósito, ouvindo-a gritar.
— Ah meu Deus!
A loja está ocupada por ser uma tarde de segunda-feira. Eu
preciso andar pelos corredores para poder colocar o estoque,
mas as pessoas estão por toda parte, fazendo compras.
Ou, bem, fingindo fazer compras.
Eu posso sentir olhos me seguindo.
A voz de Marcus vem pelo alto-falante, chamando:
— Gerente assistente de atendimento ao cliente.
Eu gemo. Sou a única gerente assistente ao redor. Quando
chego à frente da loja, meus passos param, os olhos vão para um
homem parado no balcão de atendimento ao cliente.
Clifford Caldwell.
Seu rosto é um que eu não vejo há algum tempo, um rosto
que eu ficaria bem se nunca mais visse na minha vida.
Cinquenta anos, meio bonito no estilo Mad Men. Ele sempre
me lembrou de um executivo de publicidade vintage.
Confiança escorre de seus poros, e provavelmente é merecido.
Ele é bom no que faz. A indústria o trata como se fosse um
deus, mas há muito tempo percebi que ele era o diabo
disfarçado.
Clifford se inclina contra o balcão, esperando por algo.
Eu, percebo.
— Senhor Caldwell — digo quando me aproximo. — Posso
te ajudar com alguma coisa?
Ele sorri enquanto me olha. Faz minha pele arrepiar.
— Eu esperava que pudéssemos conversar.
— Conversar — digo. — Não tenho certeza se este é o lugar
certo para isso.
— Você pode usar meu escritório — Marcus oferece.
Eu nunca quis tanto estrangular alguém quanto quero
estrangular meu futuro ex-chefe. Uma conversa com Clifford
não será uma conversa sobre o clima. Eu estava temendo que
ele aparecesse, embora soubesse que era inevitável. Fazer parte
da vida de Jonathan significa que esse homem está disputando
o controle, e isso é algo que eu evito pensar, porque não tenho
certeza se é algo que posso aceitar. Não mais. Eu tolerei isso
muito anos atrás, vendo como um mal necessário de
Hollywood, mas as coisas são diferentes agora.
— Depois de você — diz Clifford, apontando para o
escritório vazio.
Suspiro tão alto que todos na loja provavelmente ouvem,
cruzando os braços enquanto entro no escritório, sentando-me
na cadeira atrás da mesa.
Clifford fecha a porta.
Ele não senta.
Em vez disso, ele se eleva sobre mim, observando, como se
estivesse me avaliando, antes de colocar um papel na mesa na
minha frente.
— Assine.
Acordo de confidencialidade.
— Eu já assinei um.
— Esta é uma versão atualizada. Ele era um “ninguém”
quando você assinou. As expectativas são diferentes ao lidar
com uma celebridade.
— Isso significa que o que eu assinei não é mais válido?
Ele sorri concisamente.
Eu tomo isso como um “sim” descontente.
— Eu deveria ter atualizado o seu anos atrás, mas
honestamente não vi necessidade. Eu não esperava que você se
tornasse um problema novamente.
— Um problema... é isso que eu sou?
— Talvez complicação seja uma palavra melhor para você,
porque sim, você complica as coisas. Você complicava naquela
época, e complica ainda mais agora. Então assine, Srta.
Garfield. Acabe com isso.
Eu leio o acordo, para ver o que é tão diferente. Não se trata
mais de proteger sua privacidade e preservar sua reputação.
Agora, trata-se de proteger seu direito de monetizar as
informações.
Seu nome tem valor. Sua história vale dinheiro. Os tabloides
pagariam um pouco por isso. Deixou de ser uma pessoa,
tornou-se uma marca, trocando sua privacidade por
notoriedade ao vender sua alma ao diabo.
E este pequeno papel diz que não posso sussurrar uma
palavra do que sei, porque fazer isso é como roubar sua
propriedade e penhorar como minha.
— Ele sabe sobre isso? — Eu pergunto, curiosa, porque não
consigo imaginar que Jonathan esteja bem com sua existência
sendo equiparada a uma coisa, como se ele fosse um fantoche
para ganhar dinheiro e não um humano.
— Ele está ciente — diz Clifford. — Seu advogado aplicou
algumas em seu nome.
Arbitragem, diz ele, o que significa que não há tribunal,
apenas um julgamento rápido, o acordo mantido em sigilo.
— Ok, mas ele já leu?
Clifford não responde a isso, dizendo:
— Espero que você saiba que isso não é pessoal.
— Claro que é — eu digo. — Sempre foi pessoal. Caso
contrário, você teria feito Serena Markson assinar um desses.
— Eu faço todo mundo assiná-los.
— Bem, muito bem isso fez, hein? Você vai levá-la à
arbitragem por enviar os tabloides para a porta da frente do
meu pai?
Ele me encara.
Eu posso sentir seu olhar.
Estou cansada de pessoas olhando.
— Por que você tem tanta certeza de que é Serena? — ele
pergunta. — Poderia ser porque você foi treinada para culpar a
outra mulher?
— Não há outra mulher — eu digo, a maneira como ele disse
isso eriçou minhas penas, por assim dizer. Ele está tentando
ficar sob minha pele, e argh, está funcionando. — Ele me disse
que são apenas amigos.
— E o que você e ele são?
Abro a boca para responder, mas não tenho a menor ideia
do que dizer. Ele é o pai da minha filha. Ele é o homem que
dorme ao meu lado, que faz amor comigo, que jura que ainda
me ama, mas não tenho certeza do que isso significa.
— Johnny é talentoso — diz Cliff, meu silêncio seduzindo-
o a continuar sua pequena palestra. — Mas esse negócio é
implacável e é preciso mais do que talento para progredir. Eu
trabalho duro para mantê-lo no topo. Ele não vai desaparecer
na obscuridade no meu relógio. Então, novamente, isso não é
nada pessoal. Estou fazendo o que é necessário para garantir
que ele nunca mais se torne um ninguém.
Há tanta coisa que eu quero dizer agora. Ele pega uma
caneta, estendendo-a para mim, mas eu a ignoro. Em vez disso,
amasso o papel e empurro a cadeira para trás, dizendo:
— A questão é, Sr. Caldwell, Jonathan nunca foi um
ninguém. Mantenho o que te disse anos atrás. Ele é bom demais
para você.
Saio do escritório, dando alguns passos para dentro da loja
antes de ouvir vozes altas. Olhando para os registros, vejo
Bethany.
Ao lado dela está Serena Markson.
— Incrível — eu murmuro.
Exatamente o que eu preciso.
A dupla tira selfies como se fossem amigas há muito tempo
perdidas, e Bethany se emociona enquanto ela dá autógrafos.
Clifford sai do escritório atrás de mim, limpando a garganta,
chamando a atenção de Serena.
— Cliff, onde você estava? — Serena pergunta,
aproximando-se do balcão de atendimento ao cliente.
— Cuidando de um problema — diz ele. — Nós podemos
ir agora.
Eu tento passar por eles, tento contorná-los, querendo nada
mais do que sair do palco antes que isso fique feio, mas Serena
percebe minha presença.
— Kennedy — diz ela, lendo meu crachá. — A Kennedy?
Você parece diferente.
— Diferente — eu digo, me perguntando o que ela quer
dizer com isso, porque não está soando como um elogio.
— Da outra noite — diz ela. — Com Johnny, você estava
toda arrumada, usando um vestido? Quase não percebi que era
você. Sempre parece tão diferente em seu uniforme de trabalho.
Sim, definitivamente não é um elogio.
Mesmo em uma mercearia, ela parece estar preparada para
uma sessão de fotos, nem um fio de cabelo fora do lugar.
— Sim, bem, você sabe como é — murmuro. — Mundo real
e tudo isso.
Seus olhos se estreitam.
— Um prazer como sempre, senhorita Garfield — diz
Clifford antes de pressionar a mão nas costas de Serena e dar-
lhe uma cotovelada. — Tenho certeza de que nos veremos em
breve.
— Estou ansiosa por isso.
Cara, vou ter que ajudar um monte de velhinhas a atravessar
a rua para recuperar um bom carma por aquela grande e gorda
mentira.
Serena lança um olhar por cima do ombro para mim
enquanto os dois saem da loja. No segundo em que estão do
lado de fora, ela joga as mãos para cima e começa a reclamar. Eu
observo pelas portas de vidro enquanto Clifford a força a entrar
em um carro esperando antes que ela possa fazer uma cena.
Suspirando, me aproximo de Bethany, que está tão animada
que está pulando. Assim que estou ao alcance do braço, ela me
abraça.
— Ah meu Deus! Você é a melhor!
— Acho que vocês tiveram uma boa conversa?
— A melhor! — Ela devolve meu telefone. — Por sua causa,
eu falei com meus dois ídolos!
— Ah, bem, não tenho certeza se a coisa da Serena foi
minha.
— Mas quando ela apareceu no outro dia, ela estava
perguntando sobre você, então vou te dar o crédito.
— O outro dia? — Ocorre-me quando pergunto – na noite
em que ela apareceu no meu apartamento. — Espere, ela estava
perguntando sobre mim?
— Sim, ela perguntou se alguém conhecia uma senhora
chamada Kennedy. É meio engraçado, porque ela nem sabia
que você trabalhava aqui! Ela só sabia que você era de Bennett
Landing, e a loja era realmente a única coisa aberta. Ela queria
saber onde poderia encontrá-la, então eu a mandei para os
apartamentos. — Os olhos de Bethany se arregalam. — Espere,
eu não deveria ter feito isso? Eu não sabia... não tinha certeza...
estava tão animada, e ela nem mencionou Johnny, então eu não
percebi... ah meu Deus, você está tendo algum caso com o
marido dela?
Eu balanço minha cabeça, meu punho apertando em torno
do acordo de confidencialidade destruído. Eu nem sei o que
dizer sobre isso, então simplesmente vou embora.
Antes que eu possa colocar o telefone no bolso, ele vibra
com uma mensagem.
Olho para a tela.
É de Jonathan.
Essa menina é louca. Ela me pediu para descrever meu
pau.
Sorrio disso, apesar de tudo o mais acontecendo. O que
você disse a ela?
Sério? O que você acha que eu disse a ela?
Começo a digitar “que ela enlouqueceu” quando outra
mensagem chega.
Eu disse a ela que era o mais bonito de 22cm do mundo,
baby. ;)

◈◈◈

— Papai! Papai! Adivinha!


Maddie corre direto para ele no segundo em que estamos em
segurança dentro do apartamento, animada demais para notar
o policial à espreita do lado de fora, um carro de patrulha
estacionado torto não muito longe da minha porta da frente
para manter todos à distância.
Jonathan está na cozinha cozinhando de novo – ou bem, ele
está tentando. Sinto cheiro de algo queimando. Não acho que
ele seja melhor nisso do que eu. Ele desliga a boca do fogão,
empurrando a panela para o lado antes de olhar para nós.
— O que?
— Hoje, na escola, a Sra. Appleton disse que vamos fazer
uma peça!
Ele levanta uma sobrancelha.
— Uma peça?
Ela acena animadamente.
— É sobre o clima lá fora e água e outras coisas! Nós
escolhemos as partes, mas fizemos isso com um chapéu, porque
todo mundo queria ser o sol, mas não eu! Eu posso ser um floco
de neve!
— Uau, isso é incrível — diz ele, sorrindo para ela. — Acho
que também gostaria de ser um floco de neve.
— Não é até o fim da escola — diz ela. — Você vem assistir?
— Claro — diz ele. — Eu estarei lá.
Ela foge, dizendo algo sobre a necessidade de praticar,
mesmo que o “fim da escola” ainda esteja a mais de um mês. Eu
me inclino contra o balcão da cozinha ao lado do fogão, meus
olhos pousando na comida.
— Cachorros-quentes.
— Sim, eu fodi com todos eles — ele diz com uma risada. —
Eu me afastei por um segundo e todo o inferno se soltou na
panela.
— Nós gostamos de nossos cachorros-quentes assim por
aqui — eu digo. — Quanto mais queimado, melhor.
— Bom — diz ele. — Porque eles estão tão queimados que
são praticamente pretos.
Ele começa a vasculhar os armários, tirando uma caixa de
macarrão com queijo para fazer com eles. Além do fogão, o
apartamento está limpo e impecável. Eu posso dizer que ele está
limpando, mesmo que não tenha sido bagunçado, para início
de conversa. A domesticidade, embora apreciada, desperta um
sentimento inquietante.
Ele está ficando inquieto.
— Você está bem? — Eu pergunto.
— Por que eu não estaria?
— Muitos motivos.
Ele começa a cozinhar o macarrão e ignora minha pergunta
por tanto tempo que acho que não vai responder.
Eventualmente, porém, ele diz:
— Foi um daqueles dias.
— Você quer uma bebida.
Ele vira os olhos para mim.
— Não me entenda mal. Não é que eu não esteja bem. É
apenas…
— Você quer uma bebida.
— Sim. — Seus olhos voltam para o fogão, como se ele não
quisesse olhar para mim. — Desapontada?
— Depende — digo. — Você ficou bêbado enquanto eu
estava trabalhando?
— Claro que não — diz ele.
— Então não tenho motivos para me decepcionar.
— Não te incomoda que eu seja fraco? — ele pergunta. —
Tudo a perder, e ainda assim, eu daria minha bola esquerda por
apenas um gole.
— Isso não é ser fraco, Jonathan. Eu vi você fraco. Eu vi você
tão bêbado que não conseguia ficar de pé, tão alto que duvidei
que você descesse, mas aqui está você.
Ele olha para mim novamente.
— A única maneira de você me decepcionar é se você
aparecer aqui bêbado — digo. — Ou, você sabe, se você não
aparecer.
— Não precisa se preocupar com isso — diz ele, mudando
de assunto. — Então, como foi seu dia?
Meu dia?
— Honestamente, eu daria suas duas bolas para uma bebida
depois da tarde que tive.
Ele se encolhe.
— Tão ruim?
Enfiando a mão no bolso de trás, tiro o papel que carreguei
o dia todo. Está dobrado em um pequeno quadrado agora,
enrugado e rasgado. Eu alisei e amassei várias vezes, lendo as
palavras repetidamente até o ponto de memorizar passagens.
Eu agonizo sobre se estou fazendo a coisa certa e ainda não
tenho certeza.
— O que é isso? — ele pergunta.
Eu entrego o papel para ele.
Franzindo a testa, ele o desdobra, seus olhos examinando o
acordo de confidencialidade não assinado.
— Eu assino — digo a ele —, se é disso que você precisa.
— Não se preocupe com isso.
— Espero que você saiba que eu nunca te venderia — digo.
— Eu nunca venderia sua história. Nunca contaria sua história.
Não é minha para contar.
Ele me lança um olhar incrédulo, um que fere, antes de
dizer:
— Também é sua história, Kennedy. Você tem todo o
direito de contar.
— Mas eu não faria isso com você.
O olhar incrédulo dá lugar a outra coisa. Suspeita.
— É por isso que você parou de escrever? Eu sei que Cliff
fez você assinar um desses há muito tempo. — Ele sacode o
papel amassado para mim. — Foi isso que fez você parar de
contar nossa história?
Eu hesito. Quero dizer não, porque não é – não do jeito que
ele está pensando. Mas ainda assim, é. É uma das muitas coisas
que mudaram nossa história na direção em que ela foi, fazendo
com que terminasse do jeito que terminou. Mas não sei explicar
isso.
Sua expressão muda novamente, meu silêncio o
perturbando. Há raiva em seus olhos e tensão em sua
mandíbula, quase como se alguém tivesse batido nele – alguém
em quem ele confiava, alguém que deveria cuidar dele, alguém
que nunca deveria machucá-lo. Meu peito fica mais apertado
quando meus olhos começam a queimar, minha visão embaça.
Estou tentando não chorar, mas sua expressão está me
quebrando.
Ele destrói o papel, rasgando-o em pedacinhos antes de jogá-
lo na lata de lixo.
— Eu não preciso que você assine.
Eu o alcanço, preocupada, porque já o vi fazer isso antes. Eu
vi isso tantas vezes quando éramos mais jovens, ele se retraindo.
Eu toco seu braço, mas ele se afasta, colocando espaço entre
nós.
— Jonathan…
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, antes que ele
possa reagir, Maddie corre para a cozinha, anunciando que está
com fome. A expressão de Jonathan muda novamente, a
mudança tão abrupta que quase me tira o fôlego. Ele sorri, não
deixando que ela veja que ele está chateado, o ator chutando.
Ele pega um cachorro-quente para ela, terminando de fazer o
macarrão com queijo, acomodando-a na mesa e beijando o
topo de sua cabeça antes de se virar para mim, a mudança
acontecendo novamente. Raiva.
Ele passa por mim, saindo da cozinha, dizendo:
— Preciso dar uma volta — enquanto se dirige direto para a
porta da frente.
Eu o sigo.
— Espere — digo baixinho, não querendo que Maddie
ouça. — Por favor, não saia quando estiver assim.
— Estou bem — diz ele. — Eu só preciso de um pouco de
ar.
Ele se foi então, e eu fico lá, olhando para a porta da frente,
até que Maddie termina seu cachorro-quente e sai da cozinha,
perguntando:
— Onde papai foi?
— Ele teve que fazer algumas coisas de adulto. Ele vai voltar
mais tarde.
Mais tarde. Muito tarde.
Estou colocando Maddie na cama, lendo para ela, e ela
parece um pouco preocupada porque o pai não voltou, quando
a porta do apartamento se abre. Maddie sai da cama, me
abandonando no meio do livro para correr até ele. Eu ouço sua
risada ecoando pelo apartamento e vejo seu sorriso enquanto
ele a carrega de volta para o quarto dela. Eu observo enquanto
ele a aconchega, sem dizer uma palavra para mim.
De repente me sinto invisível.
Eu entrego o livro para Jonathan, murmurando:
— Você pode terminar — antes de sair do cômodo.
Estou trocando meu uniforme quando Jonathan entra no
quarto, suspirando enquanto se senta na minha cama. Eu posso
sentir seus olhos me observando enquanto eu coloco o pijama.
Não sou mais invisível. Não, eu me sinto surpreendentemente
nua no momento, mesmo coberta por roupas.
— Eu não deveria ter tocado no assunto — digo, precisando
dizer alguma coisa, porque a tensão está me corroendo. — Você
estava tendo um dia difícil. Eu só piorei.
— Você não fez nada de errado — diz ele. — Eu disse para
você não pisar em ovos perto de mim.
— Você está chateado.
— Mas não com você — diz ele. — Eu só... estou chateado
com a situação. Estou bravo por causa do que minha besteira
fez com você. Sempre que tento melhorar as coisas, você acaba
sofrendo.
— Eu não estou sofrendo.
Ele ignora isso e continua falando.
— Dizem para fazer as pazes – é a única maneira de ser uma
pessoa melhor, de ter uma vida melhor, mas não se me consertar
significa machucar outra pessoa. Faça as pazes, a menos que
cause mais danos. Passei o ano passado me dizendo para não vir
aqui, não fazer isso, porque acabaria fodendo o que você
construiu, mas pensei que talvez estivesse tudo bem. Eu pensei,
ei, talvez dê certo, mas aqui estamos – você não pode nem sair
sem ser importunada, e meu empresário está jogando acordos
de confidencialidade em você porque Deus me livre que você
seja livre para existir em sua própria maldita história.
— Não estou sofrendo — digo novamente. — Você não
está me machucando por estar aqui. Não está nos machucando
sendo pai. Tudo o que você está machucando, Jonathan, é a sua
imagem.
— Não dou a mínima para a minha imagem.
Mas ele dá. Ele é essa pessoa há muito tempo.
— Johnny Cunning não tem família, assim como não tem
namorada — digo. — Johnny Cunning tem uma famosa
modelo-atriz que pode ou não ser sua esposa. Johnny Cunning
não frequenta cidades pequenas ou vai a peças da escola para
ver uma garotinha fingir ser um floco de neve. O único floco
branco que Johnny Cunning já ligou foi para cocaína.
Ele não diz nada, olhando para o chão.
— Talvez você não veja, porque anda no lugar dele todos os
dias. Talvez você esteja muito perto, mas do lado de fora, onde
estou, é óbvio. Vocês são duas pessoas diferentes. Tem duas
vidas diferentes. Eu compartilho uma história com um deles. E
até que decida quem você realmente é, quem você quer ser,
nada vai mudar.
— Não quero continuar machucando você — ele sussurra.
— Eu nunca quis te machucar.
— Eu sei. — Empurro-o de volta na cama apenas o
suficiente para rastejar em seu colo. Minhas mãos emolduram
seu rosto enquanto eu o faço olhar para mim. — Eu sei,
Jonathan. Você sempre quis me fazer sentir bem.
— Porque eu te amo — diz ele.
— Mais do que uísque? — Pergunto.
— Mais do que uísque — ele concorda. — Mais do que
cocaína.
— Mais do que modelos-barra-atrizes?
— Eu nem gosto delas na maioria dos dias. Mas eu te amo.
Juro pra caralho, eu te amo desde antes do meu aniversário de
dezoito anos, quando sentamos no sofá do seu pai e assistimos
fingir de mortos na televisão.
— Minha coisa favorita que você já fez — sussurro,
beijando-o. — Você ainda me deve aquele autógrafo, Garoto
Morto em Law & Order.
Capítulo 24
Jonathan

— Vamos, querida! — Kennedy grita, olhando para o relógio


enquanto está na porta da frente. — Hora de ir! Eu preciso
começar a trabalhar.
— Vou levá-la — digo —, se você quiser.
— Não precisa fazer isso.
Madison vem correndo, arrastando sua mochila atrás dela.
— Quero que papai me leve para a escola de novo! Por favor?
Kennedy pisca algumas vezes, murmurando:
— Ou talvez você precise.
— Eu entendi — digo. — Sem problemas.
Ela hesita antes de dar um suspiro resignado quando
Madison pega minha mão.
— Você tem tudo o que precisa?
Madison assente.
— Sim.
— É terça-feira — diz Kennedy. — Você tem algo para
Mostre e Conte?
Outro aceno.
— Sim.
— Breezeo? — Kennedy adivinha.
Um sorriso desta vez.
— Sim.
— Claro — ela murmura, curvando-se para beijar Madison
na testa. — Tenha um bom dia. Te amo.
— Amo você, mamãe — diz Madison. — Mais do que
Mostre e Conte.
— Mais do que os cachorros-quentes queimados do seu pai
— Kennedy diz brincando, levantando-se. Inclinando-se, ela
me beija, demorando-se ali enquanto sorri suavemente,
sussurrando: — Te vejo depois do trabalho.
Ela sai então, para fora da porta, enquanto Madison puxa
minha mão.
— Vamos, papai. Hora de ir para a escola.
É complicado levar essa garota para a escola de manhã. Há
um policial estacionado em frente ao apartamento. Haverá um
na frente da escola, também. Mas o meio-termo é onde as coisas
são um pouco incompletas. São apenas alguns quarteirões, mas
na nossa situação é como jogar uma porra de um jogo de
Jumanji.
Jogue os dados e torça para que as sanguessugas não
apareçam e entrem na sua bunda.
Tivemos sorte ontem, mas hoje nem tanto. A um quarteirão
da escola, alguém chama meu nome do outro lado da rua e
corre, tentando me fazer parar.
Eu o ignoro e continuo andando.
— Papai, esse cara está falando com você — diz Madison.
— Eu sei — digo. — Finja que ele não está lá.
— Como se ele fosse invisível? — ela pergunta. — Como
Breezeo?
— Exatamente assim — digo. — Não importa o que ele diga
ou faça, aja como se ele não fosse nada além de ar.
— Eu posso fazer isso — diz ela com um aceno de cabeça.
— E agora, como sou um floco de neve, nem tenho ouvidos.
Eu não ouço nada.
— Boa menina.
O cara tenta. Jesus, ele tenta.
Mais de uma vez eu quero dar um soco na porra da boca dele
pelo que diz na frente da minha filha. Você está bebendo de
novo? Ainda está ficando chapado? Por que você agrediu
aquele repórter? Você está chateado porque o mundo
descobriu seu pequeno segredo sujo? Garota bonita, por que
você tentou escondê-la? Você tem vergonha da mãe dela ou
algo assim?
Meus passos param na frente da escola, e eu olho para
Madison.
— Vá para dentro.
Eu tento soltar sua mão, mas ela resiste, me apertando mais
forte, puxando-me.
— Não, você tem que vir também.
— Eu tenho que entrar?
— Sim.
— Por quê?
— Só porque sim — diz ela, puxando o mais forte que pode,
tentando me fazer ceder. Eu concedo, seguindo-a para dentro,
deixando-a me levar para sua sala de aula.
— Eu não deveria ter que assinar no escritório ou algo
assim? — Pergunto. — Mostrar identificação? Eles não deixam
os adultos vagarem pelos corredores, deixam?
— Eu não sei — diz ela, encolhendo os ombros.
— Bem, isso esclarece...
Ela me puxa para a sala de aula, parando bem na porta.
— Ta-da!
Eu olho para ela, confusa, enquanto todos na sala de aula
olham para nós.
— É o dia da carreira ou algo assim?
— Não, bobo — diz Madison. — Mostre e Conte!
— O que?
— Podemos trazer uma coisa favorita para que possamos
mostrar um ao outro — diz ela, explicando Mostre e Conte
para mim, como se ela achasse que eu não estava entendendo.
— Mas nada muito caro, porque pode ser roubado, mas eu não
paguei nada por você.
— Você me trouxe para o Mostre e Conte? — pergunto,
incrédulo. — Eu pensei que você trouxe Breezeo.
No momento em que digo isso, entendo.
Eu sou o Breezeo que ela trouxe hoje.
— Dã — diz Madison. — Sra. Appleton, posso fazer meu
Mostre e Conte agora? Porque eu não posso mantê-lo na
minha mochila até o almoço.
A professora parece não ter ideia do que dizer, então ela
apenas acena para Madison, dando sua permissão. Madison me
puxa para a frente da sala de aula quando o sinal toca.
— Este é meu papai, mas ele não é apenas meu papai. Ele
também é Breezeo. O verdadeiro Breezeo!
Há alguns ohhs e ahhs, mas um garotinho atrás zomba.
— Ele não se parece com Breezeo.
— Bem, ele é — diz Madison antes de olhar para mim. —
Certo, papai?
Isso é tão estranho.
— Certo.
A professora limpa a garganta.
— As perguntas vêm depois, pessoal. Não durante a
apresentação.
Olho para a mulher com incredulidade.
— Perguntas?
Ela assente, levemente divertida.
— Primeiro, eu tenho meu papai... não sei desde quando —
diz Madison, franzindo a testa enquanto pensa sobre isso. Acho
que não me encaixo no formato. — Quando eu era bebê, acho,
mas não sabia até os cinco anos. E, hum, acho que minha mãe
o deu para mim.
A professora está se esforçando muito para não rir.
— Segundo, ele foi feito por sua mamãe e papai, mas eu não
os conheço — diz Madison. — E terceiro, ele é uma das minhas
coisas favoritas porque ele é meu papai. E porque ele é Breezeo.
Então, obrigado por ouvir e levante a mão se tiver dúvidas.
Muitas mãos se levantam, incluindo a ajudante da
professora à espreita no fundo da sala de aula. Madison sorri,
borbulhando de excitação por ser o centro das atenções.
— Posso pegar uma cadeira? — Pergunto. — Tenho a
sensação de que vou ficar aqui por um tempo.
Depois que minha bunda está plantada em um assento, as
perguntas começam. O Breezeo é mesmo de verdade? Ele pode
ficar invisível? Quando ele se tornou Breezeo? Como ele não se
parece com ele? Madison responde-lhes o melhor que pode, mas
de vez em quando eu apareço para esclarecer que, na verdade,
não sou um super-herói.
— Mas os super-heróis são reais? — um garotinho pergunta.
Madison olha para mim com expectativa, cedendo à minha
experiência nisso, mas não tenho nada. Não vou matar a
imaginação de uma sala cheia de crianças com essa realidade. Os
paparazzi que vêm atrás de mim são ruins o suficiente. Mães
com tochas? De jeito nenhum.
— Os heróis são certamente reais — diz a assistente da
professora. — Senhor Cunning realmente salvou uma jovem
de ser atropelada por um carro recentemente.
Lá se vão os ohhs e ahhs, um “uau” ou dois ditos em boa
medida.
— Não foi grande coisa — eu digo, olhando para o meu
pulso. — Aconteceu de eu estar lá.
A Sra. Appleton entra na conversa.
— Eu odeio encurtar isso, mas precisamos começar a lição
de hoje.
Parece que sou o único que não se decepcionou com isso. A
professora me agradece e Maddie me abraça e eu saio pela porta
e vou pelo corredor antes que a auxiliar da professora possa
chorar esta manhã.
Saindo, vejo o maldito cara ainda à espreita que nos seguiu
até aqui. Abaixando a cabeça, passo por ele enquanto pergunta:
— Johnny, o que sua esposa pensa sobre tudo isso?
— Não tenho esposa.
— Não tem?
— Não.
Eu me afasto, mas ele não segue.
Acho que o trabalho dele também não é tão divertido sem
um público.

◈◈◈

O carro da polícia não está mais na frente do apartamento


quando chego lá, mas um sedã preto está. Cliff está ao lado dele,
recostado, ocupado com seu Blackberry.
Ele nem olha para cima quando me aproximo.
— Você esqueceu seu compromisso hoje — ele pergunta —
, ou decidiu que não se importa?
— Compromisso?
— Para o seu pulso — diz ele. — Você pelo menos lembra
que está quebrado, não é?
— É claro.
— Bom — diz ele. — Eu estava me perguntando – o que,
com você correndo por aí, socando as pessoas. Achei que você
esqueceu que era para estar curando para poder voltar ao
trabalho.
Ele está com um humor infernal. Está até digitando
agressivamente, seus dedos batendo contra a tela com tanta
força que não me surpreenderia se ela quebrasse.
— Liguei para o seu médico e disse que você se atrasaria —
diz ele. — O que é algo que seu assistente deveria estar fazendo.
— Não me incomodei em comprar outro desses.
— Estou ciente — diz ele. — É por isso que estou preso
fazendo isso.
— Ninguém disse que você tinha que fazer isso — eu
aponto. — Minha vida pessoal é meu próprio problema.
— E eu já te disse muitas vezes, Johnny, não há como separar
os dois. Você voltar ao trabalho depende de autorização
médica, e se você não se incomoda em manter uma merda de
consulta médica, bem, a porra do filme inteiro está ferrado.
Eu o encaro. Em todos os anos que conheço esse homem,
nunca o ouvi dizer “merda” antes, muito menos aquele “porra”
que ele jogou depois.
— Olha, isso me escapou — digo. — Eu levei minha filha
para a escola. Não estava tentando te irritar.
— Está tudo bem — diz ele, balançando a cabeça. — Não é
nada tão grande. Eu estava frustrado antes de chegar aqui.
— O que te deixou tão chateado?
— Sua namorada.
— O que?
— Ou sua ex-namorada, devo dizer. — Ele guarda o
Blackberry antes de olhar para mim. — Serena, não senhorita
Garfield. Se ela é uma ex, ainda estou por fora do que está
acontecendo.
— Nós somos, hum eu não sei. Mas o que Serena fez?
— Ela teve uma overdose.
Meu estômago parece cair aos dedos dos pés quando ele diz
essa palavra. Overdose.
— Ela está bem?
— Vai ficar — diz ele. — Você sabe como ela fica. A
assistente dela a encontrou, me ligou... eu cuidei disso.
Eu sei que tem que haver mais, sempre há, mas Cliff não vai
me dizer.
— Devemos ir — diz ele —, antes que tenhamos que adiar
seu compromisso novamente.
Subo no banco do passageiro.
Cliff dirige em silêncio.
— Estou surpreso que você não me ligou — eu digo —, me
avisando que estava vindo.
— Eu tentei — diz ele. — Seu telefone está desligado.
Franzindo a testa, enfio a mão no bolso e pego meu telefone,
pressionando um botão. Nada. Quando tento ligá-lo, o
símbolo da bateria pisca na tela. Descarregado. Com toda a
merda que aconteceu ontem à noite, entre o acordo de
confidencialidade e eu saindo, ligando para Jack e levando
minha bunda para uma reunião antes de ir para casa e conversar
com Kennedy, eu nem pensei na minha bateria.
— Você não tem um carregador de iPhone, tem?
Ele vira os olhos para mim.
Blackberry, lembra?
— Deveria ter carregado ontem à noite — diz ele.
— Deveria — eu concordo. — Esqueci.
— Tem esquecido muito ultimamente.
— Deve ter sido todas aquelas drogas que eu usei.
Ele não acha isso engraçado.
Ele me lança um olhar irritado.
Quando chegamos ao prédio médico, Cliff deixa o carro
com o manobrista e somos conduzidos para dentro do prédio
como da última vez, contornando as salas de espera enquanto
nos dirigimos para a ortopedia.
O médico está me esperando em seu consultório.
— Johnny Cunning — diz ele, sorrindo, enquanto se
levanta e me oferece sua mão – de novo, como da última vez.
— Bom te ver.
Pessoas como ele sabem meu nome verdadeiro. Está escrito
em toda a papelada. Jonathan Elliot Cunningham. Eu nunca
mudei legalmente. Mas sempre sou Johnny Cunning para eles.
Eu aperto sua mão desta vez e vamos ao que interessa.
Raios X. Exames.
Lamento um pouco quando eles cortam o gesso do meu
pulso, a serra cortando o local onde Kennedy assinou,
aniquilando suas palavras.
— Como está o seu pulso? — o médico pergunta.
— Uma merda — eu admito enquanto o dobro. Parece uma
merda também. — Está rígido. Parece fraco, como se pudesse
quebrar ao meio.
— Eu garanto que isso não vai acontecer. Vai doer por um
tempo, mas posso receitar...
— Não.
— Ok. — O médico ri sem jeito. — Caso contrário, está
bem curado. Nenhum novo dano. Não deve ter sido um soco
forte que você deu.
Cliff, sentado no canto do escritório, balança a cabeça.
— Forte o suficiente para tornar minha vida um pesadelo.
O médico acha isso hilário.
— Então é isso? — Eu pergunto, flexionando meus dedos.
— Vou te dar um suporte. Use-o por algumas semanas, até
que você recupere um pouco de força. Mas ele pode ser
removido conforme necessário, então não há motivo para você
não poder voltar às atividades. Apenas sem acrobacias.
— Sem socos também — Cliff entra na conversa.
— Sem socos — o médico concorda. — Acalme-se até que
sua força volte.
O médico coloca uma cinta preta no meu pulso, apertando-
a para que fique confortável, e então vamos embora.
— O estúdio ficará feliz — diz Cliff enquanto nos afastamos
do centro médico no carro. — Vou fazer algumas ligações, fazer
as coisas rolarem hoje à noite para você voltar a filmar
— E quanto a Serena?
— Vamos dar-lhe alguns dias — diz ele. — Deixá-la se
recuperar antes de puxá-la para o set.
— Ela precisa de mais do que alguns dias — digo. — Ela está
uma bagunça.
— Estou bem ciente. — diz ele. — Acabei de mandá-la para
a reabilitação. Vou mandá-la novamente assim que a produção
terminar.
Ele diz isso com tanta naturalidade.
Como se fosse apenas isso.
— Você ao menos se importa? — Eu pergunto.
Ele vira os olhos para mim.
Eu toquei um nervo com isso.
— Você é a última pessoa que deveria estar falando — diz
ele. — Você estava morando com sua namorada fugitiva e
roubando das pessoas quando eu contratei você, e olhe para
você agora. Então, se me importo? É claro. Mas as carreiras não
acontecem por acaso. Tenho um trabalho a fazer.
Não sei como responder a isso, quero refutá-lo, mas não
posso. Então eu sento em silêncio enquanto ele dirige,
percebendo que algo está errado depois de alguns minutos no
trânsito.
— Você está indo na direção errada — digo. — Está indo
para Midtown.
— Vou deixar você em um hotel. Eu preciso cuidar das
coisas.
— Bem, preciso voltar para casa.
Ele leva o carro até o hotel St. Regis antes de olhar para mim.
— Casa? Onde é isso? Los Angeles? É onde fica sua casa, não
é?
— Você sabe o que eu quis dizer.
— Aquele apartamento ainda estará lá quando você voltar
— diz ele. — Assim como as pessoas que vivem nele. Mas este
filme foi adiado por semanas por sua causa, então preciso de
algumas horas, ok? Apenas algumas horas do seu tempo para
que eu possa fazer sua carreira progredir. É pedir muito?
— Tudo bem, tudo bem — eu digo, saindo do carro. —
Faça o que precisa fazer.
Ele vai embora antes mesmo de eu entrar no prédio.
Eu faço check-in, sem me incomodar em usar um
pseudônimo. Já é final de tarde, chegando ao início da noite.
Eu não vou para cima. Não tenho nenhuma bagagem para
deixar, então coloco o cartão-chave no bolso e saio.
É a cidade de Nova York. Você pode obter qualquer coisa
aqui. Mas ainda assim eu nunca consigo encontrar o que estou
procurando, perdido no caos. Demora quase uma hora para
encontrar um carregador de telefone. Pego um lanche depois,
já que não comi, e chego ao quarto às cinco e quinze.
Ligo meu telefone e como meio sanduíche antes que a tela
se acenda. Imediatamente, as notificações chegam, ping após
ping após ping.
A primeira coisa que vejo é uma série de mensagens de
Kennedy.
Estou no trabalho há apenas dez minutos e este dia já é
um desastre.
Quão idiota faria de uma pessoa se parasse dois dias em
um aviso de duas semanas?
Você pode pegar Maddie na escola? Eu tenho que
trabalhar em dobro.
Argh, você está cochilando?
Deixa para lá.
Que se foda.
Essa última veio duas horas e meia atrás. Um “que se foda”
de Kennedy nunca é bom.
Jogando a outra metade do meu sanduíche, meu apetite
acabou, eu mando uma resposta, porque ela provavelmente
pensa que eu a estou ignorando.
Desculpe, surgiu algo. Telefone estava morto. Acabei
de receber todas as suas mensagens. Tudo bem?
A bolha de resposta aparece imediatamente, mas desaparece
novamente, repetidamente por quase cinco minutos antes de
uma mensagem chegar.
Defina “bem”.
Ela está usando minhas palavras. Isso me diz tudo o que
preciso saber, mas respondo de qualquer maneira, devolvendo
a ela sua própria definição. Ninguém levou um soco e
ninguém chorou.
Está tudo bem.
Claramente não está, então eu aperto o botão para enviar a
ela um pedido para o FaceTime, porque a merda das mensagens
de texto não é suficiente. Eu quero olhar para ela.
Ela não aceita de imediato. Parece que toca para sempre
antes que ela atenda, seu rosto aparecendo na tela – cercado por
lençóis, cobertores e travesseiros.
— Você está na cama? — Eu pergunto, confuso. — Pensei
que estava trabalhando em dobro.
— Eu me demiti.
— Uau.
— Sim — ela murmura, olhando para mim da tela. Mesmo
pelo telefone, o olhar que ela dá é penetrante. — Parece que eu
não sou a única atualmente em um quarto.
— Quarto de hotel, tecnicamente.
— Parece uma fantasia. Qual é a ocasião?
— Tive uma consulta médica. — Eu seguro meu pulso para
que ela possa ver. — Eu passei para uma cinta.
— Bem, bom para você — ela diz, fazendo uma pausa antes
de acrescentar —, eu sei que isso soou sarcástico, mas falo sério.
Bom para você.
— Obrigado. — Eu abaixo meu braço. — Então, está tudo
bem?
— Está tudo bem.
— Não parece.
Parece estranho agora, como se algo estivesse sendo
colocado entre nós, afastando-a lentamente de mim quando eu
estava desesperado para encontrar uma maneira de aproximá-
la.
— Apenas tendo um daqueles dias — diz ela.
— O tipo onde você quer uma bebida?
— Mais como o tipo em que eu questiono tudo.
— Deixe-me adivinhar – você largou o emprego apenas para
voltar para casa, o que assustou você, porque não gosta da ideia
de depender de ninguém, muito menos de alguém tão pouco
confiável?
— É um palpite muito bom.
— Também achei.
— Acho que talvez devêssemos ter começado devagar. Te
dar um cacto para cuidar primeiro.
Sorrio.
— Jack teria apreciado isso. Ele me disse para comprar uma
planta.
— Jack é seu padrinho, certo?
— Certo.
— Você o conheceu em uma reunião?
— Não, eu o conheci na reabilitação. Tínhamos sessões em
grupo, e ele sempre me chamava de alguma besteira e levava
gritos por perturbar o ambiente. Eu estava lutando depois que
saí, e eu o procurei. Ele me lembrava você.
Ela parece surpresa.
— Eu?
— Sim, ele não se conteve comigo como todo mundo. Às
vezes ainda sinto que estou preso em Fulton Edge, cercado por
todos os sorrisos falsos, todas as pessoas perfeitas neste mundo
perfeito. Mas Jack não finge. Você também nunca fez isso.
— Estou gostando desse cara. Ele é bonito?
— Ele não é o seu tipo.
— Como você sabe?
— Ele não se parece em nada comigo.
Ela faz uma careta.
— Quem disse que eu gosto de você?
— Eu digo que você gosta — digo a ela. — Além disso, sua
boceta parece gostar muito de mim ultimamente também.
Seus olhos rolam com tanta força que sorrio.
— Falando nisso, já fizemos sexo por telefone antes?
Ela está tentando não sorrir, mas posso ver a diversão em
seus olhos.
— Eu vou desligar agora.
— Ah, vamos. Toque-se por mim.
A tela fica preta.
Eu jogo o telefone na cama. Apenas um minuto se passa
antes que ele toque, e eu sorrio para mim mesmo.
Talvez ela tenha mudado de ideia.
Talvez ela simplesmente não quisesse que eu visse.
Pego o telefone de volta para atender, mas congelo quando
vejo o nome que me cumprimenta. Serena.
Eu quase respondi sem olhar.
Hesitando, aperto o botão para recusar.
Passo meus dedos ao longo da borda do meu telefone, algo
me incomodando, mas tento ignorar. Ainda não ouvi falar do
Cliff. Vai ser uma longa noite.
Abrindo minhas mensagens, envio uma para Kennedy.
Diga a Madison que eu a amo, e que eu disse boa noite. Eu
não vou voltar antes que ela vá para a cama.
A resposta vem um ou dois minutos depois.
Ela diz que também te ama.
Eu sorrio quando outro texto aparece abaixo dele.
Que pena, ela diz que te ama mais do que ama aquela
versão assustadora de papelão de você no quarto dela. (Ela
me fez especificar)
E outro depois disso.
Ela diz que NÃO é assustador e quer que você saiba que
eu chamei de assustador, não ela. Ela adora a coisa.
E outro.
Mas não tanto quanto ela te ama.
Rindo, eu respondo. Bom saber.
Então você vai voltar para cá esta noite?
Vai ser tarde, mas estarei aí.
Ela responde com um simples sorriso. :)
Hesito antes de digitar: Eu te amo, K. Espero que acredite
nisso.
Nada por alguns minutos. Eu olho para o nosso vai e vem
em silêncio. Quando estou prestes a desistir, surge uma
resposta. Eu acredito.

◈◈◈

BANG. BANG. BANG.


Assustado, sento-me na cama enquanto os ecos latejantes
em meus ouvidos me tiram do sono. Meus olhos embaçados
examinam o quarto iluminado pela lua. Levo um momento
para me lembrar onde estou, para perceber que alguém está
batendo na porta do meu quarto.
Ficando de pé, eu cambaleio, quase derrubando a porra de
uma lâmpada quando tento ligá-la. Eu desisto, navegando pela
escuridão. As batidas não param até eu chegar à porta.
Olho pelo olho mágico.
Cliff.
Eu a abro, franzindo a testa enquanto o considero.
— Como você sabia em que quarto eu estava?
— Perguntei na recepção.
— E eles te contaram?
— Sim.
— Inacreditável — murmuro enquanto ele entra.
— O inacreditável é que você usou seu nome verdadeiro
para fazer o check-in — diz ele, acendendo a lâmpada que eu
não conseguia encontrar. — Levei meia dúzia de tentativas para
descobrir. Tentei todos os pseudônimos que você já usou, mas
não, era Jonathan Cunningham.
— Sim, bem, não pensei que ficaria por aqui tempo
suficiente para que isso importasse.
— Certo — diz ele, prolongando a palavra enquanto se
inclina contra a mesa ao lado da sala. — Você ia para casa hoje
à noite.
— Eu vou.
— Eu teria voltado mais cedo, mas fiquei ocupado lidando
com Serena — diz Cliff, pegando seu Blackberry, fazendo algo
nele. Um momento depois, meu telefone carregando do outro
lado da sala toca. — Eu te enviei um cronograma de filmagem
provisório. Cobre a próxima semana.
Semana que vem.
— Tipo em, apenas alguns dias a partir de agora?
— Isso, de fato, seria na próxima semana — diz ele. — Eles
ainda estão trabalhando no cronograma completo, mas parece
que será um mês de longas horas e não muito sono para você,
então descanse um pouco enquanto pode. Vai precisar.
Eu o encaro enquanto essas palavras são absorvidas.
— Um mês.
— Você pode lidar com isso — diz ele. — Já teve horários
piores.
— Sim, mas eu não tinha uma filha para me preocupar na
época.
No segundo em que digo isso, no momento em que essa
afirmação sai da porra dos meus lábios, me sinto doente.
Porque eu fiz. Eu tive uma filha. Tenho ela há anos. Através de
todas as minhas participações especiais na televisão, através
daquelas comédias adolescentes ridículas, através dos filmes
aclamados pela crítica, mas não de merda, através dos filmes
Breezeo... ela estava lá. Vivendo. Respirando. Existindo.
Eu tinha uma filha para me preocupar na época, mas estava
preocupado demais comigo mesmo para fazer qualquer coisa a
respeito.
Balançando a cabeça, esfrego as mãos no rosto, com força,
como se estivesse tentando limpar a porra da vergonha. Faz
meu pulso arder e minha cabeça doer, mas a dor é quase um
conforto.
— É apenas um mês — diz Cliff, como se um mês não fosse
nada. — Não é o fim do mundo.
— Eu sei que não é — digo —, mas para minha filhinha,
pode parecer.
Cliff se afasta da mesa. Ele não responde a isso. Em vez disso,
ele se dirige para a porta, sua voz totalmente profissional
enquanto diz:
— Contrate um assistente pessoal. E talvez ligue para o seu
terapeuta. Resolva isso. A preparação é na segunda-feira, às seis
da manhã, bem em frente a este prédio. Enquanto isso, preciso
descobrir para onde Serena foi, porque enquanto eu tentava
encontrar seu quarto, ela desapareceu do dela. Então, se
acontecer de você vê-la, me avise.
Ele sai, claramente não vai me levar para onde eu quero ir.
Pegando meu telefone da cama, olho para a hora. Meia-noite.
Que se foda.
Eu jogo os cartões-chave na mesa, deixando-os lá, e saio,
indo para o saguão.
Dei-lhe algumas horas. Hora de ir.
Passeando pelo saguão, peço um carro. Dez minutos de
distância. Olho ao redor, parando quando olho para dentro do
bar do lobby.
— Você deve estar brincando.
Serena.
Ela está sentada em um banquinho no bar, sozinha, os olhos
fixos em um copo de algo na frente dela. Parece muito com
uma daquelas misturas frutadas, do tipo que geralmente é cheia
de licor.
Eu me sinto um idiota fazendo isso, mas mando uma
mensagem para Cliff. Serena está no bar do lobby.
Ele responde: Distraia-a. Estou indo.
Eu resmungo para mim mesmo enquanto entro no bar,
indo em direção a ela. Este é o último lugar que eu quero estar.
Serena toma um gole de sua bebida enquanto olha para cima,
me vendo.
— Johnny.
— Você perdeu a cabeça, Ser? Está sentada aqui bebendo?
Um sorriso torce seus lábios enquanto ela segura o copo,
apontando o canudo para mim.
— Se você queria um gole, tudo que tinha que fazer era
pedir.
— Você sabe muito bem que eu não quero nenhum.
— Ah, relaxe — diz ela com uma risada, acenando para mim
enquanto toma outro gole do copo. — Não é alcoólico.
— Sério?
Ela me oferece novamente.
— Experimente, você vai ver.
— Obrigado, mas não — eu digo —, não vou arriscar minha
sobriedade por alguma merda com um guarda-chuva
minúsculo.
— Você que perde. — Serena dá de ombros. — Mas estou
te dizendo, é tão virgem quanto aquele seu amigo nerd sóbrio.
Qual o nome dele? Josh?
— Jack — digo. — E eu tenho certeza que ele não é virgem.
— Alguém dormiu com aquele cara?
— Com certeza.
— Bem, então… minha bebida é mais virgem, o que
realmente me faz desejar que tenha álcool nela.
Eu me inclino contra o bar enquanto olho para ela.
Ela parece estar de bom humor.
— Você usou hoje? — Pergunto. — O que você tomou?
Seu sorriso escurece, o bom humor se foi, um tom amargo
em sua voz quando ela diz:
— Por que você está aqui? Não tem outro lugar para estar?
Meus olhos passam por ela, para fora das janelas do bar que
revestem a rua, vendo um sedã preto parando enquanto meu
telefone toca.
— Engraçado você perguntar isso, porque minha carona
acabou de chegar.
Eu a deixo sentada no bar e passo por Cliff no saguão
enquanto saio para entrar no carro. Dou ao motorista um
endereço em Long Island e faço algumas ligações no caminho,
certificando-me de que alguém vai me encontrar lá. Quando
chegamos, um homem está parado do lado de fora da enorme
cerca que cerca a propriedade. Ele me cumprimenta, abrindo
os portões para me deixar entrar, antes de entregar um molho
de chaves.
— Primeira garagem.
A garagem é climatizada, coberta por camadas de segurança
como se estivessem guardando a porra do diamante Hope –
depósito de carros de luxo. A porta da garagem se abre e as luzes
acendem enquanto entro, passando a mão pela pintura azul
brilhante do Porsche.
Comprei depois da reabilitação por insistência de Jack.
Bem, quero dizer, Jack me disse para me dar um presente
comemorativo para marcar o marco. Foi o meu maior período
de sobriedade em uma década. Então comprei um novo
Porsche 911 conversível, muito parecido com o que vendi
quando me mudei para Hollywood.
Quando contei ao Jack, ele me chamou de filho da puta
imundo. Aparentemente, para seu presente comemorativo, ele
acabou enviando flores para si mesmo.
Assino alguns papéis para liberar o carro e subo atrás do
volante. Menos de 1.600 quilômetros nele, de acordo com o
hodômetro, e estou prestes a adicionar mais trezentos.
É uma longa viagem. Esta noite, parece ainda mais longa.
Chego ao apartamento pouco antes das quatro horas da
manhã. A porta está trancada, mas uso a chave que Kennedy
me deu para entrar.
Silenciosamente, desço o pequeno corredor, olhando para o
quarto de Madison ao longo do caminho, vendo-a dormindo
pacificamente. Eu continuo, não querendo perturbá-la. A
porta do quarto de Kennedy está entreaberta, a luz fraca de
uma pequena lâmpada iluminando parte do quarto. Sinto um
aperto no peito quando abro a porta e a vejo, profundamente
adormecida na cama, segurando um velho caderno familiar,
aquele que contém sua versão da nossa história.
Li partes dele. O início. Estou com muito medo de ver como
tudo foi para o inferno na Califórnia. Ela escreveu como se
fosse para mim, mas eu me lembro das coisas de forma
diferente. Para mim, ela era o centro do universo, a luz do sol
que brilhava tanto, mas ela se escreve nas sombras, secundária
em sua própria vida. Em vez disso, ela me fez o herói, o centro
desse universo alternativo que ela inventou ao seu redor.
Eu sempre soube disso, sim, mas nunca entendi realmente
que eu era o Breezeo dela.
E então eu lentamente desapareci.
Com cuidado, puxo o caderno de suas mãos e o coloco de
lado antes de desligar a lâmpada e me deitar ao lado dela. Ela se
mexe quando a cama se move, seus olhos se abrindo. Ela pisca
em confusão antes de um pequeno sorriso preguiçoso brincar
em seus lábios, sua voz um sussurro sonolento quando ela diz:
— Você está aqui.
— Eu disse que estaria, não disse?
— Sim, bem, você diz muito — ela murmura, empurrando
contra mim, aconchegando-se a mim.
Coloco meu braço ao redor dela, puxando-a ainda mais
perto enquanto eu desabotoo minha cinta, puxando-a para
jogá-la em algum lugar na escuridão. Minha mão desliza sob sua
camisa, sua pele quente contra minha palma enquanto eu
acaricio suas costas, dedos traçando sua espinha. Um gemido
suave escapa dela.
O som, porra, faz algo comigo. Arqueando as costas, ela
move seu corpo, e é por instinto que eu me movo, puxando-a
para baixo de mim enquanto pairo sobre ela.
Ela olha para mim e solta um suspiro trêmulo antes de eu
me inclinar e beijá-la.
— Eu quero dizer tudo — sussurro contra seus lábios
enquanto minhas mãos vagam, me livrando daquelas roupas
irritantes. — Cada palavra.
— Você disse uma porcaria horrível — ela me lembra.
— Isso foi a cocaína falando — digo, beijando seu pescoço
enquanto ela inclina a cabeça. — O uísque também.
— Diga a alguém que se importa, porra.
Sua voz é calma, não ameaçadora, mas há aquela palavra
“porra”. Puxando para trás, eu olho para ela.
— O que?
— Essas foram as últimas palavras que você me disse.
— No dia em que você foi embora?
Ela acena.
— Você estava sóbrio quando disse isso.
Diga a alguém que se importa, porra.
Se foi assim que nossa história terminou para ela, eu
realmente temo saber o que está escrito nas últimas páginas
daquele caderno.
Eu tento me sentar, mas ela envolve seus braços em volta de
mim.
— Ah, não, acho que não. Você termina o que começou,
senhor Grande Shot.
Ela me beija, forte, e assim, eu desisto, empurrando meu
caminho entre suas coxas. De uma só vez, estou dentro dela, e
caramba se não estou em casa novamente, então eu mostro a
ela, repetidamente, enquanto ela se contorce, que eu não quis
dizer isso quando disse essa besteira.
“Vício Fatal do Herói Trágico”

Kennedy Garfield

Os sonhos nem sempre são apenas sonhos. Às vezes, eles se


transformam em pesadelos de olhos arregalados, do tipo em
que você está gritando, mas ninguém pode ouvi-lo. Eles não
querem ouvir. Eles estão te afogando.
A primeira vez que você cheirou cocaína foi em um clube
em Los Angeles. Foi um presente da modelo Markson. Serena
é o nome dela. É seu vigésimo primeiro aniversário. Clifford dá
uma festa em sua homenagem e convida quem é alguém em
Hollywood, mas a mulher que você ama fica em casa. Clifford
diz que não tem idade suficiente para vir. O local é de vinte e
um para cima. Então você diz a ela que não é nada de especial,
apenas conexões. Parte do seu trabalho é fazer conexões. Isso é
“trabalho”.
Mas as fotos que chegam aos tabloides não parecem que
você está trabalhando, não quando na maioria delas você está
cheirando pó de uma mesa. Toda a comitiva de Clifford está lá.
Garotas cercam você. Mas algumas delas ainda não têm vinte e
um anos. Algumas são apenas legais.
Você se desculpa. Isso foi um erro. Você pede uma segunda
chance. Mas só faz isso depois que a evidência sai. E quando
você começa a filmar seu segundo filme – outra comédia
adolescente, onde faz o papel principal desta vez – o mundo se
inclina um pouco. Seu primeiro filme ainda nem foi lançado e
já há rumores. O mais novo cliente de Clifford Caldwell pode
ser alguém a ser considerado. Você recebe mais entrevistas.
Você está fazendo muito malabarismo. A promoção vai
começar em breve. Você precisa me segurar um pouco.
Isso é o que você diz a si mesmo. Nenhum dano em um
pequeno impulso. E você acredita, porque meu Deus, isso faz
você se sentir tão bem. Faz você sentir que pode enfrentar o
mundo. Você chega em casa à noite, e aqueles olhos azuis
brilhantes se foram. Ela olha para uma poça turva e desliza
lentamente para o vazio, mas você sorri e diz a ela que está tudo
bem onde você está. Ela se pergunta onde é e como pode chegar
lá, porque você não está com ela. Está desaparecendo.
Quando ela diz que está preocupada, você diz que a ama.
Diz a ela que vai parar, você vai, mas oh Deus, se ela pudesse
sentir isso.
Então você se entrega a ela. Você a faz se sentir bem. Quando
está dentro dela, quando está fazendo amor com ela, ela
realmente acredita que pode enfrentar esse mundo instável.
Mas o amor é tão forte quanto as pessoas que o alimentam.
E você? Você é o Super-Homem, pensa que a Kriptonita o
torna invencível.
E a mulher que você ama? Ela... não pode continuar
fingindo que algo disso é normal. Ela não pode continuar
escrevendo isso como se em algum lugar ao longo do caminho
o enredo fosse se consertar. Ela não pode continuar agindo
como se essa não fosse sua história.
Você está em rota de colisão, Jonathan. Está arremessando
em direção a algo que nenhum de nós pode ver na escuridão,
mas seja o que for, vai doer. Você acha que está no controle,
que está subindo, mas está em queda livre e não me ouve
quando tento avisá-lo.
Enquanto escrevo isso, você está a 4.000 quilômetros de
distância. Está em Nova York, tão perto de casa... ou onde casa
costumava ser. Está trabalhando em outro filme. Ainda está
escuro aqui em Los Angeles, mas o sol já terá nascido onde você
está agora, outro dia amanhecendo. Ontem foi nosso terceiro
Aniversonho. Passei aqui sem você.
Tem sido um ano ruim. Não há como adoçar, não há
palavras bonitas que eu possa evocar para transformá-lo em
algo doce, não quando estou tão amarga. Você é a lagarta que
entrou no casulo e emergiu como uma gloriosa borboleta, mas
eu sou o lembrete de que as borboletas não permanecem por
muito tempo, algumas semanas no máximo antes de irem
embora.
Não vou perder tempo detalhando tudo. Preciso mudar
muito para o encaixar na minha versão de você, aquela que
entrou naquela sala de Política Americana há quase quatro
anos e roubou meu coração, mas esse cara não está mais aqui.
Onde ele foi? Ele levou meu coração com ele quando partiu,
mas vou precisar dele de volta. Vou precisar dele para o que está
por vir, então eu posso tentar protegê-lo, para que não quebre
quando esta nova versão de você chegar ao fundo.
Porque está chegando, Jonathan. Seu sonho se tornou meu
pesadelo, e eu estou implorando para você me deixar acordar.
Você não sabe disso, mas a mulher que você ama? Aquela
por quem você andava em Nova York quando ela ainda era
apenas uma menina, embora estivesse sofrendo e querendo ir,
mas ficou por causa do amor? Essa mulher, agora, está fazendo
a mesma coisa por você.
Capítulo 25
Kennedy

— Respire fundo. Fale alto e claro. Se você esquecer alguma


coisa, improvise. Entendido?
— Entendido! — Maddie exclama, pulando de um pé para
o outro e sorrindo para seu pai enquanto ele se senta na frente
dela no chão da sala. Os dois estão “ensaiando”, como Jonathan
chamou. Ela está vestida como Breezeo no momento – disse
que se ela fosse ser atriz, precisava de uma fantasia.
— Ok — Jonathan diz, olhando para a pequena pilha de
papéis em suas mãos, limpando a garganta enquanto lê: — O
clima...
— Espere! — Maddie grita, cobrindo os papéis com as mãos.
— Não estou pronta ainda!
— Eu pensei que você disse que estava.
— Estava, mas… — Ela faz uma pausa, franzindo a testa. —
O que é improvisar?
Ele ri.
— Significa inventar alguma coisa. Diga qualquer coisa.
Você só não quer que haja nenhum silêncio constrangedor.
— Ah, tudo bem. — Ela move as mãos. — Entendi!
— Hum, você tem certeza que é realmente o que você quer
sugerir? — Eu pergunto, sentando no sofá, passando pelos
canais. A TV está ligada, mas no mínimo. — Não tenho certeza
se esse é o melhor conselho.
Jonathan olha na minha direção.
— Ei, quem é o ator aqui – eu ou você?
— Eu — diz Maddie, apontando para si mesma.
— Só estou dizendo, você sabe, a improvisação pode ser um
pouco avançada para a situação.
— Está tudo bem, mamãe — diz Maddie, agarrando os lados
do rosto de Jonathan, apertando suas bochechas enquanto ela
o força a olhar para ela. — Estou pronta agora, mas não faça
essa parte. Faça a minha parte.
Jonathan folheia papéis, pulando adiante.
— Uma vez uma nuvem linda e fofa, estou começando a me
sentir tão pesada e fria. Brrr. Ah não! Acho que vou nevar!
Eu tento não rir quando ele fala essa linha.
— Ei pessoal! — Maddie diz em voz alta. — O que tem seis
braços e não tem nada igual no mundo todo?
— Um floco de neve — diz Jonathan.
— Este sou eu! — Maddie joga os braços para os lados e gira.
Isso não está no roteiro. Improvisando. — Estou caindo e
caindo e caindo. Para onde vou?
— Para o chão — diz Jonathan.
Maddie tropeça em seus próprios pés enquanto gira, caindo,
mas Jonathan a pega enquanto ela ri, caindo em seu colo.
É isso. Essas são todas as falas que ela tem até o final, quando
ela diz “Flocos de neve não são as únicas coisas especiais – vocês são
todos especiais!” Ela passou o dia todo memorizando-as na
escola.
— De novo! — ela diz, voltando a ficar de pé.
— Mais tarde — diz ele. — Agora, devemos fazer algo sobre
o jantar
— Eu posso fazer alguma coisa — eu digo, começando a me
levantar, mas ele me impede.
— Eu posso cuidar disso — diz ele. — Apenas relaxe.
Relaxar. É a primeira vez que não trabalho em um dia de
semana há algum tempo. Passei o dia todo sem fazer nada,
sentada. Eu até cochilei enquanto Maddie estava na escola. Não
estou acostumada a não ter nada para fazer. É estranho.
Ele vai para a cozinha.
Maddie vai para seu quarto.
Eu percorro mais canais.
Faço quase um ciclo completo, de volta ao ponto de partida,
quando mudo para algo que me faz parar. Um daqueles
programas de entretenimento noturno, o equivalente a um
tabloide de TV. O rosto de Jonathan está estampado na tela de
uma foto antiga do set.
“Breezeo está em alta! Depois de ser descarrilado quando o
astro Johnny Cunning sofreu ferimentos em um acidente, as
filmagens do aguardado terceiro filme de Breezeo estão
programadas para serem retomadas na próxima semana.
Fontes nos dizem que Cunning retornará ao set na segunda-
feira, enquanto sua co-estrela e namorada Serena Markson está
programada para se juntar a ele quando a produção for para a
Europa.”
— Eu, hum — A voz de Jonathan atravessa a sala de estar,
seus olhos indo direto para a tela. — Pedi pizza.
Eu mudo o canal, uma sensação de afundamento
balançando a boca do meu estômago.
— Ok.
Ele desliza o telefone no bolso antes de passar a mão pelo
cabelo. Eu sei que ele viu. Ouviu também. Não que isso
importe, porque ele já saberia.
Eles teriam contado a ele.
Paro em outro canal, alguma reprise de sitcom inútil,
enquanto Jonathan solta um suspiro profundo.
— Eu ia falar com você sobre isso.
— Quando? Enquanto você estava saindo pela porta?
— Eu teria feito isso antes deste fim de semana — diz ele. —
Eu não sabia até ontem à noite. O médico me liberou e o
estúdio quer dar um salto nisso para que eles não precisem adiar
as datas.
Concordo com a cabeça, para que ele saiba que o ouvi, e
puxo minhas pernas para cima, colocando-as debaixo de mim
enquanto deito contra o braço do sofá, olhando para a
televisão.
— Você está zangada — diz ele.
— Não estou.
— Incomodada.
— Não.
— Então o que? Indiferente? Porque você com certeza não
está feliz.
Eu olho para ele enquanto está lá, me observando, testa
franzida como se ele estivesse esperando algum tipo de reação
que eu não estou dando a ele.
— Eu não estou brava — digo a ele novamente. — Acho
que estou apenas... triste. Eu sabia que isso aconteceria mais
cedo ou mais tarde. Sabia que isso não duraria, que você teria
que ir, mas achei que teríamos um pouco mais de tempo.
Ele franze a testa, aproximando-se.
— É apenas um mês. Depois disso, as filmagens devem
terminar e…
— E o que? — pergunto quando ele para. — O que
acontece depois?
— Depois eu volto.
— Então você vai voltar — murmuro. — Por quanto
tempo? Um par de dias? Mais seis semanas, talvez? Mas então
você estará de novo – filmando, promovendo, fazendo
entrevistas… reuniões, audições, aulas… sem mencionar os
tapetes vermelhos, as festas no estúdio, as conexões.
Ele faz uma careta quando digo essa última, reagindo como
se fosse uma acusação. E talvez seja, não sei. Além de triste, não
sei como estou me sentindo. Eu sou uma bagunça retorcida,
uma romântica, antes esperançosa, quebrada, segurando meu
coração em um punho fechado e implorando para que ele o
aceite, mas tenho medo de deixá-lo ir e dar a ele esse tipo de
controle.
Porque a última vez que dei meu coração a ele, ele o
esmagou.
— Por quanto tempo você me quiser — ele diz —, então
isso depende de você.
Eu balanço minha cabeça. Essa é uma resposta de fuga.
— Você não quer dizer isso. Pode pensar que sim, mas não.
Nós não vivemos em uma caixa, Jonathan. O mundo ainda
existe fora dessas paredes. E esse mundo, nunca vai embora.
— Eu sei.
— Você? — Eu pergunto, genuinamente me perguntando
se ele entende no que está se metendo. — Quando foi a última
vez que ficou em um lugar por mais de uma semana? Quando
foi a última vez que você dormiu na mesma cama, noite após
noite? Porque não tenho certeza se você se lembra como é isso.
— Não é isso que eu tenho feito? Estive aqui, não estive?
— Isso não conta.
— Por que não?
— Porque simplesmente não funciona.
Ele balança a cabeça, passando a mão pelo cabelo enquanto
diz:
— Isso é ridículo.
O que é ridículo, eu acho, é o quanto meu peito dói quando
olho para ele. Quanto minhas entranhas se contorcem quando
ouço sua risada. O quanto seu sorriso incendeia minha alma. O
ridículo é como me sinto perdida quando penso no futuro.
Jonathan sempre foi um sonhador, andando por aí com
estrelas nos olhos. Ver aquela luz fraca enquanto as drogas
tomavam conta era uma das piores sensações do mundo. Não
havia nada que eu pudesse fazer para detê-lo. Eu tentei e falhei
todas as vezes.
Mas se há uma coisa que aprendi com tudo isso, é que temos
que ser nossos próprios heróis. Nenhum cara fantasiado vem
nos salvar. Temos que nos salvar.
— Eu te perdoo — digo a ele, não tenho certeza se ele sabe
disso, mas acho que precisa ouvir. — E eu sei que veio aqui para
fazer as pazes, mas você não me deve nada. A única pessoa a
quem você deve alguma coisa é aquela garotinha no quarto
dela. Ela merece um pai, e você partir vai assustá-la, porque ela
se acostumou a ter você por perto.
— Então venham comigo — diz ele. — Vocês duas.
— Não podemos.
— Por que não? Nós podemos estar juntos.
— Desisti de tudo para te seguir uma vez. Eu não posso fazer
isso de novo.
Gemendo, ele passa as mãos pelo rosto.
— Eu não sei o que você quer de mim, Kennedy.
— Quero que seja o homem que ela precisa que você seja —
eu digo. — Porque quando disser a ela que vai voltar, ela vai
acreditar em você.
Ele me encara por um momento antes de perguntar:
— E você? Acredita em mim?
— Sim.
Ele parece surpreso com isso.
— Mas essa não é a questão — eu digo. — Não duvido que
você volte. A questão é se você ainda vai querer estar aqui.
— Por que eu não iria querer?
— Porque o mundo real nunca poderia competir com o que
o espera lá fora. E talvez você me ame...
— Eu amo.
— Mas o amor não te dá um passe livre para ir e vir. Não
posso morar em um lugar com uma porta giratória.
Ele se senta no sofá, com os ombros caídos enquanto cobre
o rosto com as mãos.
— Você quer que eu pare de atuar? É isso que você quer?
— Claro que não — eu digo. — Eu não estou pedindo para
você desistir do seu sonho. Estou pedindo que você
compartilhe. Seu trabalho é importante, eu sei, mas ela
também é importante. Você não pode ser pego e esquecer que
ela está sentada em casa esperando por você. Porque você vive
em um grande, grande mundo agora, mas o dela é muito
pequeno. Um dia sem você será como um dia sem o sol. Não
deixe os dias dela ficarem escuros.
Eu me levanto, porque não quero fazer isso agora.
— Foi assim que eu fiz você se sentir? — ele pergunta.
— Foi.
— Sinto muito.
— Não sinta — eu digo. — Isso me ensinou algo
importante.
— O que?
— Nunca faça de outra pessoa o personagem principal de
sua própria história.

◈◈◈

— Estou indo para o trabalho.


Jonathan me olha de maneira peculiar quando digo isso,
parando na porta do quarto enquanto veste o paletó.
— Trabalho.
— Bem, quero dizer, o que costumava ser meu trabalho —
murmuro enquanto dobro os uniformes recém-lavados.
Acordei esta manhã com uma lavadora e secadora novinha
instalada no apartamento, cortesia do cara que está me olhando
como se eu tivesse enlouquecido. Eu disse a ele que não
precisava fazer isso, mas eram chiques, com seus botões e sons
e configurações, então, naturalmente, passei o dia todo
brincando com meus novos brinquedos. Nossa, estou ficando
velha. — Preciso devolver esses uniformes.
— Eu posso deixá-los para você — diz ele, olhando para o
relógio. — Tenho algum tempo antes de tirar Maddie da escola.
Ele vem em minha direção e tenta pegar os uniformes, mas
eu os puxo, segurando-os protetoramente.
— Não.
Ele ri, levantando as mãos.
— Tudo bem, eu não vou.
— É só que... argh, eu não vejo o mundo exterior há muito
tempo. Estou começando a esquecer como é o sol.
— Você está sendo dramática.
— Não estou.
— Faz dois dias.
Ele tem razão. Faz apenas cerca de quarenta e oito horas, mas
estou ansiosa para não fazer nada.
— Ainda assim, posso levá-los eu mesma.
Jonathan está tentando não rir.
— Kennedy, baby, acho que você pode ser viciada em
trabalhar.
— Não sou.
— Há reuniões para isso, sabe — diz ele, ignorando minha
negação. — Ajuda a canalizar sua energia para outra coisa – ler,
talvez escrever.
Eu reviro os olhos.
— Vou manter isso em mente.
— Venha aqui — diz ele, estendendo a mão para mim, me
puxando em direção à porta. — Caminhe lá fora comigo.
Eu não resisto, porque é exatamente isso que estou tentando
fazer. Ir para fora. Carrego os uniformes e o sigo pela porta da
frente do apartamento. Assim que estou prestes a perguntar a
ele para onde estamos indo, ele tira um molho de chaves do
bolso da jaqueta e aperta um botão, fazendo algo apitar, as luzes
piscando no estacionamento.
Olho além dele, quase tropeçando em meus próprios pés
quando vejo um Porsche azul estacionado bem ao lado do meu
Toyota.
— Puta merda.
Jonathan sorri, colocando o braço em volta de mim
enquanto me conduz em direção a ele.
— Deve ser uma surpresa e tanto se você está xingando.
— É exatamente como o seu carro antigo.
— Bem, é um pouco mais novo, mas sim… — Ele empurra
as chaves para mim, deixando-as em cima dos uniformes. —
Você sabe como dirigir com marcha, certo?
— Eu, hum, o quê? — Eu pego as chaves quando elas
começam a cair. — Quero dizer, eu posso, mas não posso dirigir
seu carro.
— Por que não?
— É um maldito Porsche! E se eu riscar? Arranhá-lo? E se
eu destruí-lo? Não vou poder consertar!
Ele ri. Novamente. Ele está rindo muito esta tarde.
— Eu raramente dirijo, então você também pode usá-lo.
Caso contrário, ele vai ficar em uma garagem na cidade. Além
disso, sem ofensa, mas não tenho certeza de quanto tempo seu
pedaço de lixo vai continuar funcionando.
Olho para o meu carro, carrancuda, antes de olhar para
Jonathan. Ele tem boas intenções, eu sei que sim, e sou grata.
Mas ele está me preocupando com isso.
— Isso é demais, Jonathan. Você acabou de me dar uma
lavadora e secadora esta manhã. Agora você está me entregando
as chaves do seu carro. Quero dizer, o que vem a seguir?
— Uma máquina de lavar louça — diz ele. — Deve ser
entregue amanhã de manhã.
Eu pisco para ele.
— Você sabe que eu não preciso de coisas, certo?
— Eu sei — diz ele antes de me empurrar em direção ao
carro. — Agora vá, entregue seus uniformes. E certifique-se de
abaixar a capota, sabe, para que você possa sentir o sol.
Ele volta para dentro, deixando-me lá.
Olho para o carro por muito tempo antes de desistir. Não é
meu, mas é um brinquedo novo, e é um pouco difícil resistir
quando sou tomada por uma sensação de nostalgia. Isso me
lembra muito de quando nossos sonhos ainda eram lindos.
Então eu fico atrás do volante e dirijo até a loja. Ou bem, eu
dirijo pela loja, circulando o quarteirão algumas vezes, antes de
reunir coragem para estacionar e entrar, indo para o escritório
da frente.
— Kenney. — A voz de Marcus é toda profissional
enquanto ele se senta atrás de sua mesa, me cumprimentando
assim que entro. — O que posso fazer por você?
— Eu parei para entregar meus uniformes — digo,
segurando a pilha de roupas para mostrar a ele.
— Você pode colocá-los lá — diz ele, acenando para mim.
— Obrigado.
— Claro — eu digo, colocando-os em cima de uma caixa
perto da porta. Eu demoro lá, observando-o resolver a
papelada, me sentindo culpada porque sei que ele está fazendo
meu trabalho.
— Você precisa de mais alguma coisa? — ele pergunta,
levantando uma sobrancelha enquanto olha para mim.
— Não — digo, hesitando. — Bem, eu queria te dizer que
sinto muito.
— Sente o suficiente para querer seu emprego de volta?
— Não exatamente.
Ele ri, voltando-se para a papelada.
— Tive que tentar.
— De qualquer forma — eu digo. — Obrigada por dar uma
chance a mim quando você fez.
Saio do escritório, não querendo que as coisas fiquem muito
sentimentais. A loja está bem movimentada, o que não é
incomum para uma sexta-feira.
Estou indo para a saída enquanto o entregador troca as
revistas pelos registros. Instintivamente, meus olhos se voltam
para eles, atraídos por um certo – Hollywood Chronicles. Meus
passos param enquanto eu inalo bruscamente. Parece que levei
um soco.
Eu pego a cópia de cima. O mundo ao meu redor está
tentando se inclinar. Meu coração bate forte. Enquanto o
pânico inunda meu sistema, minhas mãos começam a tremer.
Afastando-me, saio da loja, levando-a comigo enquanto
dirijo direto para casa. O apartamento está tranquilo. Jonathan
está levando Maddie para casa da escola, então estou sozinha no
momento.
Vou direto para o meu quarto.
Sentada na cama, olho para a primeira página do tabloide.

A VIDA DUPLA DE JOHNNY CUNNING

No topo, há uma foto nossa – eu, Jonathan e nossa filha.


Nossos rostos estão estampados na capa do Hollywood
Chronicles. É inevitável, eu sei. Ele vive sua vida sob um
holofote escaldante. Nós inevitavelmente seríamos atraídas
para isso.
E é estranho, mas ele parece feliz.
É uma das únicas vezes que eles imprimiram uma foto dele
sorrindo.
Abaixo disso, porém, conta uma história diferente.
Há uma foto dele em um bar, a legenda afirma que foi há
alguns dias. Ele está ao lado de Serena, e ela está segurando sua
bebida, oferecendo a ele.
Eu folheio, encontrando mais fotos. Mais de nós. Mais deles.
Perto da meia-noite de segunda-feira – o dia de sua consulta.
Diz que eles se encontraram em um hotel na cidade, quando
horas antes, ele finalmente quebrou o silêncio sobre o
relacionamento deles enquanto levava a filha para a escola.
Fechando o tabloide, eu o jogo de lado.
Alguns minutos se passam antes de eu ouvir a porta da
frente, a risada de Maddie chegando. Ela corre pelo
apartamento, pelo corredor, gritando:
— Oi, mamãe! Tchau, mamãe! — antes de desaparecer em
seu quarto.
Jonathan chega ao quarto, perguntando:
— Então, como foi na loja?
Eu olho para ele em silêncio por um momento antes de
dizer:
— Foi como eu pensei.
— Bom? Mau?
Eu dou de ombros.
Sua testa franze quando ele se aproxima, notando o tabloide
na cama. Agarrando-o, ele geme e se senta ao meu lado.
— Você comprou essa merda?
— Não, eu meio que peguei.
— Você pegou.
— Sim.
Seus olhos examinam a capa antes de folheá-la, indo direto
para o artigo. Ele o lê, carrancudo, antes de jogá-lo de lado.
— Desde quando você furta?
— Não furto — eu digo. — Isso foi um erro.
— Um erro — diz ele. — Já cometi minha cota deles.
— Você cometeu algum ultimamente?
— Talvez alguns.
— Tipo?
— Bem, para começar, aquele artigo que acabei de ler.
— Qual parte foi o erro?
— A parte em que desperdicei células cerebrais lendo — diz
ele. — Para constar, eu não bebi naquela noite. Sei que parece
ruim, mas eu estava esperando meu carro e ela estava lá. Não há
nada acontecendo entre nós, que é o que eu disse àquele idiota
quando ele alegou que eu quebrei meu silêncio.
— Bom saber.
Estendendo a mão, Jonathan agarra minhas mãos,
colocando as suas sobre as minhas. Estou inquieta, percebo.
— Não faça isso — diz ele. — Por favor. Nunca duvide de
mim sobre algo que eles imprimem.
— É só, você sabe... as fotos.
— É uma foto instantânea — diz ele. — Qualquer coisa
pode parecer ruim se for tirada do contexto. E eles vão fazer
isso, sempre que puderem.
— Eu sei.
— Mas voltando ao assunto. Outro erro é gastar até mesmo
um grama de energia entretendo suas besteiras quando há
coisas muito melhores que poderíamos estar fazendo.
Eu fecho meus olhos enquanto ele me empurra de volta para
a cama. Sua boca encontra a minha, e ele me beija, as línguas se
misturando. Suas mãos vagam, acariciando meu lado, uma
deslizando sob minha camisa. Ele apalpa um seio, apertando-o,
deslizando por baixo do meu sutiã. Eu gemo quando os dedos
dele roçam o mamilo, enviando faíscas pelo meu corpo, mas ele
se foi novamente, indo para o sul.
Seus dedos trilham ao longo do meu abdômen antes de
deslizar pelo cós da minha calça. Eu inalo bruscamente quando
ele começa a esfregar, acariciando-me através do algodão macio
da minha calcinha. O calor corre através de mim.
Formigamento me consome. Apenas um toque deste homem
incendeia meu mundo.
— Ah, Deus — sussurro, arqueando minhas costas
enquanto seus dedos trabalham sua magia, faíscas fluindo pela
minha espinha. já estou chegando perto. Eu posso sentir isso se
acumulando, apertando minha barriga. Eu mordo meu lábio
para não fazer muito barulho.
Tão perto…
Tão perto…
Ah Deus, então…
— Papai!
A voz de Maddie grita no corredor enquanto passos vêm em
nossa direção. Imediatamente, Jonathan se afasta, levantando-
se.
— O que?
Ela irrompe enquanto eu me forço a me sentar, ainda
respirando pesadamente. Sinto meu rosto esquentar. Estou
tremendo, doendo... apertando minhas coxas para tentar fazer
isso parar.
— Estou pronta para fazer algumas falas! — ela diz,
sorrindo, novamente vestindo sua fantasia de Breezeo.
Jonathan ri.
— Pronta para ensaiar, você quer dizer.
Sua testa franze.
— Foi o que eu disse.
— Não, você disse… — Ele para. — Deixa para lá.
— Você vai ensaiar de novo? — Olho entre eles enquanto
Jonathan vai até a mochila com a qual vive e começa a vasculhá-
la. — Isso vai levar, o que... cinco minutos? Dez?
Estou tentando avaliar quanto tempo ele vai me deixar
esperando.
Jonathan pega uma pilha grossa de papéis, acenando para
mim.
— Provavelmente um pouco mais do que isso.
O roteiro de Breezeo. Ghosted.
— Uau — digo, pegando-o, mas ele o puxa de volta, longe
do meu alcance.
— Sem toque — diz ele antes de entregá-lo a Maddie. — É
um material ultrassecreto.
— O que? — Eu faço uma careta para ele. — Como ela pode
ler isso?
— Porque eu sou Breezeo, dã — ela diz antes de sair
correndo com o roteiro, não me deixando chegar perto dele.
— Sim — diz Jonathan, inclinando-se para me beijar, apenas
um roçar em meus lábios. — Dã.
Ele tenta se mover, mas eu não terminei com ele, puxo-o
para cima de mim.
Rindo, ele me beija um pouco mais, beijos reais desta vez, e
se pressiona em mim. Ele está duro.
— É isso que você quer, baby?
Baby. Ouvi-lo me chamar assim me faz estremecer em seus
braços.
— Ah Deus, sim...
— Papai! — Maddie choraminga da sala de estar. — Se
apresse!
— Pena — Jonathan diz, mordendo meu lábio inferior
antes de se afastar. — Acho que teremos que remarcar.
Eu fico boquiaberta para ele enquanto se dirige para a porta.
— Seu filho da…
— Puta?
Ele ri.
— Isso é cruel — digo. — Punição cruel e incomum!
— Não fique brava, mamãe! — Maddie grita pelo
apartamento. — Talvez o papai dê para você mais tarde.
Ela está falando sobre o roteiro, eu sei, mas caramba, eu coro
quando Jonathan olha para mim do corredor, erguendo uma
sobrancelha.
— Talvez o papai dê.
Eu lhe dou o dedo do meio.
Ele ri novamente.
Estou nervosa, sem dúvida, e partes de mim ainda doem,
mas quando ouço a empolgação de Maddie quando eles
começam a ler, sou tomada por uma sensação de paz.
Não posso deixar de sorrir.
É tudo que eu queria há anos.
Levanto-me, vou para a cozinha e preparo o jantar. Quando
termino, eles fazem uma pausa. Nós três comemos juntos à
mesa. Depois, eles pulam de volta, e caminho para o meu
quarto.
Pego a cópia descartada de Hollywood Chronicles, arranco
uma foto da capa, aquela em que Jonathan está sorrindo. O
resto do papel, eu jogo no lixo. Puxando minha caixa quebrada
de lembranças antigas, coloco a foto. Por mais estranho que
possa parecer, é nossa primeira foto juntos como uma família.

◈◈◈

— Você quer ensaiar um pouco comigo?


Já está escurecendo quando Jonathan reaparece na porta do
quarto, encostado no batente da porta, segurando o roteiro.
Estou sentada na cama, encostada na cabeceira, joelhos
dobrados e caderno no colo.
— Você não tem uma filha para isso?
— Ela adormeceu — diz ele. — Deve ter entediado o
inconsciente dela.
— Deve ter — eu concordo. — Então, o que, você acha que
pode simplesmente voltar rastejando de volta para mim? Acha
que vou recebê-lo de braços abertos? Te dar mais uma chance?
— Estava com certeza esperando que sim. Estou apostando
no fato de que uma parte de você realmente gosta de mim.
— A maior parte de mim gosta de você.
— Que parte não?
— Meu cérebro, geralmente.
Ele ri, se aproximando, franzindo a testa quando vê o que
estou segurando.
— Você está escrevendo?
— Só pensando — eu digo, fechando o caderno quando ele
se senta ao meu lado na cama. Eu pego o roteiro dele, e ele não
resiste desta vez, deixando-me folhear.
— Eu costumava me perguntar o que poderia ser pior do que
ser invisível — diz ele, e eu sei que ele está recitando uma fala,
porque é palavra por palavra dos quadrinhos. — O que poderia
ser mais solitário do que estar sempre sozinho?
— Acho que agora sei — sussurro, virando algumas páginas
até chegar à cena.
— Pior é amar alguém que desaparece e nunca saber se
voltará. Porque como você segue em frente se nem tem certeza de
que se foi? A resposta é: você não segue. Quando você passa a maior
parte de sua vida perseguindo fantasmas, eventualmente, você se
torna um.
Sorrio.
— Sempre gostei dessa parte.
— Eu sei — diz ele enquanto se aproxima, agarrando
minhas pernas. Eu grito quando ele me puxa para baixo na
cama, subindo em cima de mim quando estou deitada de
costas. — Essa é a parte que vamos filmar na segunda-feira.
Quero fazer perguntas a ele sobre isso, mas então ele começa
a tirar minha calça e não consigo pensar em muito além de suas
mãos. Estão em cima de mim, seguidas por seus lábios
enquanto ele beija, toca e ama, indo cada vez mais baixo e...
— Ah, Deus — suspiro, jogando tudo de lado para segurar
um punhado de seu cabelo quando sua boca encontra o
caminho entre minhas coxas. Ele não provoca. Ele não está
brincando. Vai direto ao âmago da questão, quase agressivo
sobre isso.
Estou me contorcendo, ofegante, gemendo seu nome,
sentindo a tensão aumentando, segurando com força enquanto
tento puxá-lo para mais perto. Ele atinge aquele ponto, o que
eu preciso desesperadamente, e sinto a súbita onda de prazer.
As costas arqueadas, minha respiração fica presa quando o
orgasmo rasga através de mim. Ele não para até que eu relaxe
contra a cama, a sensação desaparecendo.
Sentando-se, ele tira a camisa, tirando a roupa. Em um piscar
de olhos, ele rasteja entre minhas pernas, levantando meus
joelhos, seus lábios colidindo com os meus enquanto ele
empurra para dentro. Eu grito em sua boca, seus beijos
engolindo o barulho enquanto ele empurra fundo, batendo
forte, de novo e de novo.
Minhas mãos estão tremendo, a terra ao nosso redor
tremendo, enquanto cada centímetro de mim é consumido por
ele. Nossos corpos estão emaranhados e meu coração está tão
destroçado que não sabe mais como bater do jeito certo, mas
uma parte de mim deve saber alguma coisa, porque tudo sobre
isso parece tão perfeito. Eu e ele, aqui, assim, e não quero
admitir, mas argh…
Argh…
Argh…
Eu o amo.
Ele se move, recuando um pouco para olhar para mim,
como se o homem fosse vidente e soubesse que acabei de pensar
nas palavras que ele estava tentando ouvir, mas não posso dizê-
las, ainda não, não até que eu saiba que não é algo casual.
Estou apaixonada por esse tolo imprudente de olhos
estrelados que, em dois dias, vai sair pela minha porta da frente,
e tudo o que posso fazer é confiar que ele voltará com o mesmo
olhar de amor em seus olhos, porque se ele não fizer isso, vai
partir mais corações do que apenas o meu.
E se ele partir o dela, eu nunca vou perdoá-lo.

◈◈◈

Noite de domingo.
O sol está se pondo lá fora.
Cada segundo que passa faz meu peito parecer mais
apertado, meus ombros mais pesados enquanto o peso do
mundo exterior cai sobre mim. Jonathan tem que ir logo.
Ele não contou a ela.
Maddie não tem ideia.
Ela está sentada à mesa da cozinha, cercada de giz de cera,
fazendo um cartão para sua tia Meghan – é seu aniversário
amanhã. Balançando as pernas, ela cantarola para si mesma,
alheia no momento.
— Mamãe, quantos anos a tia Meghan vai fazer? — ela
pergunta, enquanto estou na pia lavando pratos... esfregando o
mesmo copo nos últimos dez minutos.
— Trinta — digo.
— Uau — Maddie diz antes de murmurar: — Isso é muito.
Eu me viro, olhando para ela por isso. Não estou longe dos
trinta. Eu não digo nada, porém, porque meus olhos avistam
Jonathan enquanto entra na cozinha, carregando sua bolsa.
Maddie olha para cima, ouvindo seus passos. Suas pernas
param de balançar. Ela pisca para ele com confusão antes de
perguntar:
— Vamos embora?
Ele não responde de imediato. Ele congela, então ela olha
para mim, como se confiasse que eu vou dizer a ela, já que ele
não vai.
— Não, querida, nós não vamos embora — digo, querendo
colocar algum juízo nele, porque o silêncio não vai ajudar. —
Mas seu pai vai.
— Papai vai o que? — ela pergunta, e eu sei que ela já sabe a
resposta, porque agarra o lápis com tanta força que se parte.
— Vou para o trabalho — ele diz, finalmente entrando na
conversa. — Eu tenho que terminar de fazer o filme, então
tenho que me ausentar por um tempinho.
— Quanto é um tempinho? — ela pergunta. — Até
amanhã?
— Mais do que isso. — diz ele.
— O dia depois de amanhã? — ela pergunta. — Você vai
voltar nesse dia?
— Hum, não — diz ele. — Vai demorar cerca de um mês?
— Um mês? — Ela engasga, olhando para mim novamente
quando pergunta: — Quantos dias são isso?
— Cerca de trinta — digo a ela.
Eu vejo isso, o pânico que flui através dela. São muitos dias
para uma menina tão pequena. Ela balança a cabeça
freneticamente, jogando o giz de cera para baixo.
— Não, isso é demais! Não quero que você faça isso!
— Desculpe — diz Jonathan, mas “desculpe” não é o que
ela quer ouvir, então não faz nada além de aborrecê-la ainda
mais.
Empurrando-se para fora de sua cadeira, ficando de pé, ela
balança a cabeça novamente enquanto corre em direção a ele,
pegando sua bolsa. Ela a puxa com força, tentando arrancá-la
da mão dele.
— Não, não vá! Eu quero que você fique!
— Sei que você quer — diz ele —, eu quero ficar também,
mas tenho que ser Breezeo, lembra?
— Eu não me importo! — ela diz, cavando em seus
calcanhares, puxando a bolsa com tanta força que ele afrouxa
seu aperto, se rendendo. Ela quase cai, mas ele a segura. A bolsa
cai no chão, e ela tenta chutá-la para longe. Ele não se move,
então ela o empurra, querendo colocar distância entre ele e
aquela bolsa. — Você não precisa ser Breezeo! Você pode ser
apenas papai, e vai ficar tudo bem! Vai ser o aniversário da tia
Meghan, e pode me acompanhar até a escola, nós temos que
fazer as falas juntos para que eu possa praticar, porque eu vou
ser um floco de neve! E como posso ser um floco de neve se você
não ficar?
Sua voz falha enquanto as lágrimas enchem seus olhos. Ela
ainda está empurrando contra ele, tentando fazê-lo se mover,
mas ele não se mexe.
Ela está ficando furiosa.
Suspirando, ele se abaixa ao nível dela, gentilmente
agarrando seus braços quando ela furiosamente tenta empurrar
seu rosto para longe do dela.
Quero muito intervir. Eu quero agarrá-la, abraçá-la e fazer
tudo ir embora, mas não posso. Então apenas fico contra o
balcão, tentando me manter sob controle, porque eu
desmoronar não vai ajudar ninguém agora.
— Você ainda pode ser um floco de neve — diz ele. — Você
vai ser o melhor floco de neve de todos os tempos.
— Mas como vai saber? — ela pergunta, as primeiras
lágrimas começando a cair. — Você ainda virá ver?
— Claro — diz ele. — Não perderia por nada.
— Promete?
Eu inalo bruscamente, mas ele não perde o ritmo.
— Prometo — ele sussurra, enxugando suas bochechas. —
Eu voltarei para isso. É só que, agora, o filme precisa que eu seja
Breezeo.
— Mas preciso que você seja meu pai — diz ela.
— Ainda serei seu pai, mesmo quando eu for Breezeo.
— Não, você não vai! — ela grita. — Você vai embora, e
então não estará mais aqui, e será como antes!
— Não será como antes — ele diz a ela.
— Será! Você não queria ser meu papai na época, e agora
você não quer de novo! Quer ir embora e não vai mais morar
aqui, porque você tem todas as suas coisas e elas vão embora e
você não estará aqui para dizer à mamãe que ela é bonita, então
agora ela não pode nunca mais te amar!
Uau. Ela deixa escapar tudo isso em uma respiração
frenética antes de passar por ele e sair correndo, a porta do
quarto batendo.
Um silêncio estrangulado varre a sala com sua ausência,
antes de Jonathan se levantar lentamente e dizer:
— Eu provavelmente mereço isso.
Franzindo a testa, afasto-me do balcão, parando-o antes que
ele possa ir atrás dela.
— Deixe-me falar com ela.
Vou para o quarto dela, parando do lado de fora para bater
na porta.
— Quem é? — ela grita.
Agora ela quer saber quem está batendo antes de responder.
— É a mamãe.
— Mamãe quem? — ela murmura.
Sorrio para mim mesma, endireitando minha expressão
antes de abrir a porta, dizendo:
— A única mamãe que você tem.
— Só uma mamãe — ela murmura —, e nenhum papai
agora.
Andando, eu me sento ao lado dela na beirada de sua cama.
— É isso que você realmente pensa?
Ela encolhe os ombros.
— Olha, sei que você não quer que ele vá embora, porque
vai sentir falta dele, mas você sabe como Breezeo é especial. E
eu sei que não é justo com você, e é realmente uma merda,
porque você finalmente conseguiu tê-lo como seu pai e agora
ele tem que ir, mas você pode escrever para ele, ligar para ele e
desenhar todas as imagens que quiser.
Ela balança as pernas, os olhos nos pés.
— Não é o mesmo.
— Eu sei, mas ele prometeu que voltará — digo, me
levantando. — Você quer vir se despedir dele? Talvez desejar
sorte a ele?
Ela balança a cabeça.
Eu a deixo lá, em seu quarto, deixando a porta aberta
quando saio. Jonathan permanece na sala de estar, segurando
sua bolsa. Ele franze a testa quando me vê. Eu não levo isso para
o lado pessoal.
— Ela está bem? — ele pergunta.
— Ela vai ficar bem — digo a ele. — Não se preocupe.
Ele olha para o relógio, suspirando.
— Eu tenho que ir. O carro está aqui para me pegar.
— Ok — sussurro enquanto ele se inclina, me beijando. —
Fique seguro. Seja inteligente. Não beba. Sem drogas. Chega de
pular na frente de carros em movimento.
— Você com certeza sabe como tirar a diversão das coisas —
ele brinca. — Vejo você quando puder.
Ele abre a porta da frente para sair, dando apenas um passo
sobre a soleira quando a voz de Maddie guincha pelo
apartamento, alta e frenética.
— Espere, papai! Espere! Não vá ainda!
Ele faz uma pausa, e ela corre direto para mim, quase me
atropelando enquanto corre em direção a ele, segurando o
caderno que ela desenha.
Ela o empurra para ele, acertando-o no peito.
— Você esqueceu de pegar isso.
Ele pega.
— O que é isso?
— As fan-fics que fiz para você — diz ela. — Lembra? Eu
consertei. Se você vai ser Breezeo agora, deveria tê-lo, porque é
melhor.
Ele sorri.
— Obrigado.
Ela acena com a cabeça e hesita, os dois se encarando sem
jeito, antes que ela se jogue nele, abraçando-o.
— Amo você, papai. Mais do que todos os filmes de Breezeo
de todos os tempos.
— Eu também te amo — diz ele, abraçando-a de volta. —
Mais do que tudo no mundo.
Capítulo 26
Jonathan

É estranho quanta perspectiva pode mudar em tão pouco


tempo.
Eu queria ser ator desde que me lembro, mas em algum lugar
ao longo do caminho, perdi a faísca. Entre as farras de cocaína
e relacionamentos difíceis, entre as passagens pela reabilitação e
os confrontos com paparazzi, entre lutar com a sobriedade e
enfrentar a notoriedade, esqueci o que eu amava em tudo isso.
E é engraçado que uma criança de quase seis anos possa me
lembrar em apenas dois meses.
Sorrio, sentado nos degraus do trailer de Cabelo e
Maquiagem no set. Mal amanhece, e todo mundo está reunido
na barraca do bufê para o café da manhã, enquanto estou
sentado aqui, lendo o caderno de Madison. É engraçada, essa
história que ela inventou. São principalmente desenhos com
apenas algumas palavras e parece um crossover de Scooby Doo,
um mistério literal de fantasma sendo resolvido por Breezeo.
Porque ele é invisível, ela diz que isso significa que ele deveria
poder sair com fantasmas. Faz sentido.
Então, no final, Maryanne é explodida no armazém.
BUM.
É um final feliz, porém, de uma maneira distorcida, porque
agora ela também é um fantasma, e eles vivem felizes para
sempre, invisíveis juntos.
A lógica de uma criança.
— Bem, bem, bem... se não é Johnny Cunning. — A voz de
Jazz chama quando ela se aproxima do trailer. — Isso é colírio
para olhos doloridos.
Eu olho para ela, sorrindo, enquanto fecho o caderno.
— Jazz.
— Isso é…? — Ela agarra o peito, fingindo choque. — Isso é
um sorriso no seu rosto?
— Talvez — digo. — O quê, não se lembra da última vez
que viu um desses?
— Ah, não, eu me lembro — diz ela. — Cinco anos atrás,
seu primeiro dia no set de Breezeo. A única vez que eu vi você
sorrir de verdade foi a primeira vez que vestiu o traje.
Eu a encaro sem expressão.
— Jesus, o que você fez, escreveu em seu calendário como
um feriado anual?
— Johnny Cunning não é um idiota todo dia.
Costumávamos comemorar com uma garrafa de bebida forte,
mas agora só dormimos o dia todo e evitamos ficar perto de
idiotas.
— Parece bom.
Ela sorri.
— Então, por que você está sorrindo às seis da manhã?
Eu seguro o caderno.
— Alguém escreveu uma história para mim.
— Alguém, hein? — Ela me enxota dos degraus do trailer
para que possa entrar, gesticulando para que eu me junte a ela.
— E quem seria esse alguém?
— Minha filha.
— Sua filha — ela repete, não parecendo surpresa. Ela dá
um tapinha em uma cadeira na frente de seu grande espelho,
sem dizer nada, me dizendo para sentar. Cabelo, primeiro,
então Jazz se encosta em uma penteadeira para assistir
enquanto um dos cabeleireiros começa a trabalhar. — Então é
verdade? O que o Hollywood Chronicles disse?
— Duvido — digo a ela. — A maior parte do que eles
imprimem é besteira.
Eles começam a trabalhar, porque bem, eles têm muito
trabalho esta manhã. Eu preciso de um corte de cabelo, além de
me barbear, e isso é apenas a ponta do iceberg de como me
deixei ficar desde o acidente.
Não fui a uma única aula de atuação. Certamente não
participei de nenhuma audição.
Não me lembro da última vez que vi o interior de uma
academia, e tenho certeza de que não tenho seguido a dieta.
Inferno, eu nem falei com meu terapeuta.
— Disseram que você conheceu uma garota em alguma
escola preparatória que frequentou — diz Jazz. — Vocês dois
fugiram juntos, e você era um pequeno criminoso sorrateiro até
que o Sr. Caldwell o descobriu.
Franzo minha testa.
— Ele disse que eu era um criminoso?
— Bem, em outras palavras. — Ela ri. — Disse que você
estava roubando para sobreviver, o que é inacreditável, já que
sua família é rica. Mas dizia que você teve sua grande chance e
a garota engravidou, mas ela se ressentiu de sua fama e deixou
você sem lhe contar sobre o bebê, então agora você está
conhecendo sua filha.
Há tanta coisa errada com o que ela acabou de dizer que não
sei por onde começar. Minha mente continua indo para o
roubo – que, ironicamente, é a parte verdadeira. Mas poucas
pessoas sabem disso. Eu mantive esse segredo bem guardado
por medo de que isso provasse que eu era o fracasso que meu
pai disse que eu seria. Então, quem diabos disse a eles?
Jazz não espera por uma explicação. Eu nunca dou a ela.
Então ela parece muito surpresa quando digo:
— Eu sabia sobre minha filha.
Ela levanta as sobrancelhas.
— Sabia?
— Sim — digo. — E ela não se ressentiu da minha fama –
ela se ressentiu do que a fama me transformou.
Ela me encara.
— Então, espere, você sabia que tinha uma filha?
— Sim.
— O tempo todo que eu te conheço, você tem sido pai?
— Sim.
TAP.
Estremeço quando ela pega uma escova de cabelo e me bate
com ela.
— Jesus, Jazz, que porra é essa?
— Por que diabos você estava desperdiçando sua vida com
todos aqueles desprezíveis quando tinha uma família com
quem poderia estar?
Eu apenas pisco para ela.
Não tenho uma boa resposta.
— Inacreditável — diz ela, balançando a cabeça. — Então,
como é sua filha?
— Ela é inteligente. Criativa. Engraçada. Linda. Ela é muito
parecida com a mãe, na verdade.
— A mãe dela, hein? — Jazz sorri. — Odeio dizer isso, mas
parece que você pode se apaixonar.
— Nenhuma dúvida sobre isso — digo. — Eu a amo.
Jazz suspira. TAP. Ela me bate novamente.
— Cala a sua boca!
Não tenho chance de responder antes que alguém limpe a
garganta, entrando no trailer. Eu olho, vendo Cliff. Jazz está de
repente em alerta máximo, completamente profissional.
— Johnny — diz Cliff. — Estou feliz em ver você. Você não
estava no hotel esta manhã para buscá-lo.
— Não conseguia dormir. Achei que poderia me preparar
mais cedo.
— Isso é bom — diz ele, uma pontada em sua voz que me
diz que ele não acha que é algo bom. Qualquer quebra de
hábito é preocupante. — Apenas me diga da próxima vez.
Ele espreita, demorando-se, sentando-se para fazer algum
trabalho em seu Blackberry, então Jazz não traz nada de novo,
todo mundo apenas fazendo seu trabalho.
— Bem, você poderia olhar para isso — diz Jazz depois de
meia hora. — Você parece Johnny Cunning novamente.
Encaro meu reflexo.
— Não tinha certeza de que isso aconteceria — diz Cliff. —
Ele estava ficando irreconhecível.
As pessoas entram e saem do trailer, me cumprimentando e
me dando as boas-vindas, sendo excessivamente amigáveis. Eu
não me importo. É meio legal estar de volta, especialmente
depois de vestir o traje. O material parece mais apertado do que
o normal, e o guarda-roupa trabalha duro para fazê-lo parecer
como deveria. Eu fico lá, cercado por espelhos, e sorrio.
— Rapaz, se você continuar fazendo essa cara, é provável
que fique preso — diz Jazz, girando em uma cadeira de
escritório enquanto me observa.
— Você não tem trabalho a fazer? — Eu pergunto a ela. —
Alguém mais para consertar?
— Não, apenas você, superstar.
Às oito e meia, sou chamado para o set. Estamos filmando
lá dentro hoje, então não preciso me preocupar com a multidão
reunida. Excitação se agita dentro de mim. Eu me sinto
esperançoso. No topo do meu maldito jogo. Estou pronto para
enfrentar o mundo e conquistá-lo... até que a câmera comece a
rodar.
Ela se move em um borrão. Temos muito a cobrir. Pulando
de cena em cena, de momento em momento, tentando acertar
minha cabeça e canalizar as emoções. Estou descontrolado, sem
fôlego, completamente exausto quando terminamos o dia.
— Vá para a academia hoje à noite — diz Cliff, andando ao
meu lado no caminho de volta ao guarda-roupa para tirar o
traje. — Aumente essa resistência, ou você terá o mês mais
longo de sua vida. Não vai ficar mais fácil.
— Eu sei — murmuro, indo para o trailer.
Levo mais uma hora antes de eu estar de volta com minhas
roupas, pronto para sair, mas não posso porque o diretor está
solicitando uma reunião e um produtor quer uma palavra
rápida e meu roteiro precisa ser alterado depois que minha
agenda for atualizada. A emoção está desaparecendo à medida
que a pressão aumenta. Pego um muffin do bufê antes que ele
possa guardar tudo e aguento alguns olhares de reprovação
porque devo ficar em forma e isso não deixa espaço para merdas
como carboidratos.
Cliff, enquanto isso, está conversando com o RP, e eu quero
dar uma palavrinha com eles, mas eles vão embora antes que eu
possa.
— Você já contou a alguém como você me descobriu? —
Pergunto a Cliff quando nos dirigimos para o carro. — Já falou
sobre isso?
— Não — diz ele. — Por que eu deveria?
— Não sei. Talvez tenha acabado de surgir.
— Isso é sobre o quê? — ele pergunta.
— Chronicles mencionou algo sobre eu ser um ladrão.
Ele suspira alto.
— Quantas vezes eu tenho que dizer para você não ler isso?
Você nem deveria estar olhando. Pare de se preocupar com eles.
— Não estou preocupado — digo. — Eu só achei estranho
que eles soubessem.
— Essa indústria gera mais vazamentos do que o Titanic. As
pessoas gostam de falar. É por isso que defendo os acordos de
confidencialidade – para que nós possamos controlar a
narrativa o máximo possível.
— Mas muitas pessoas não sabiam o que eu fazia naquela
época — digo. — Eu. Você. Minha terapeuta.
— Sua namorada — diz ele, nem mesmo olhando para cima
de seu Blackberry.
— Eu nunca disse a ela.
— Vamos lá, acha que ela não descobriu?
— Mesmo se ela tivesse, não teria dito nada — digo —, e
meu terapeuta não pode.
— Ok, então, eles deram um palpite de sorte — diz ele,
aquela pontada de volta à sua voz novamente. — Eles acusaram
você de muito. Jogue um monte de dardos e algo vai ficar preso.
Mas não sei por que está estressado. Você tem pessoas para isso.
Deixe os adultos lidarem com isso.
Poucas coisas são mais irritantes para um homem adulto do
que ter alguém me dizendo para deixar os adultos cuidarem das
coisas.

◈◈◈

— Você fodeu tudo? — A voz de Jack soa incrivelmente


esperançosa. — Aposto que fodeu tudo, não foi?
— Desculpe desapontá-lo — digo a ele —, mas mesmo
quando sou péssimo, sou muito bom.
Ele ri, sem se preocupar em se conter. Percebo como essas
palavras soam no momento em que as digo, e Jack sendo Jack
não vai deixar passar.
— É assim que você continua conseguindo esses papéis?
Explodindo seu caminho direto para o estrelato?
— Vai se foder.
— Sabe, agora que penso nisso, você fala muito sobre as
pessoas montando sua bunda.
Sorrio com isso, passeando pelo saguão do hotel, vestindo
uma camiseta branca velha e moletom, parecendo que deveria
estar na cama. Gostaria de poder, francamente. Tentei ligar
para Kennedy, mas não obtive resposta, então liguei para Jack
e bem, você sabe como é.
— Sim, sim, ria — digo a ele. — Pelo menos estou fazendo
alguma coisa.
— Quero que você saiba que estou fazendo algo enquanto
falamos.
— O que? Acabando com pornografia de tentáculos?
— Cristo, você está me espionando, cara? Como diabos
sabia?
— Achei que era isso ou você estava trollando sites de
namoro usando minha foto.
— Ha-ha, você é a última pessoa que eu usaria para pegar
mulheres — diz ele. — Eu não tenho certeza de como você
consegue elas, correndo por aí com essa aparência.
— Tipo o quê?
— Calça de moletom — diz ele. — Tenho certeza que essa
camiseta tem buracos. E esses Nikes estão imundos.
Com a testa franzida, olho para mim mesmo.
— Você está me espionando?
— Eu faria isso?
— Sim. — Olho ao redor do saguão, meu olhar se
deslocando para fora das portas da frente, localizando-o de pé
ao longo do meio-fio. Ele acena. — Isso é assustador como o
inferno, Jack.
— Assustador é meu nome do meio.
Desligando, deslizo meu telefone no bolso do meu moletom
antes de sair do hotel, encontrando-o na calçada.
Eu não o vejo há um tempo. Nós só saímos pessoalmente
algumas vezes. Nossas vidas são tão diferentes que a
oportunidade não acontece com frequência.
— Eu vou ter que obter uma ordem de restrição?
— Provavelmente — diz ele. — Eu estava na vizinhança,
sabia que você estaria aqui, então pensei que talvez quisesse
fazer alguma coisa.
— Bem, eu estava indo para a academia, mas qualquer
desculpa para não malhar esta noite é boa para mim — digo. —
O que você tem em mente? Videogames? Fast-food? Eu vou ter
que traçar o limite para as prostitutas.
Ele sorri.
— Algo muito mais emocionante.
— O que é mais emocionante do que isso?
Uma reunião, ao que parece. Só pode ser brincadeira. Trinta
minutos depois, estou sentado em um porão escuro, ouvindo a
história triste de outro alcoólatra. Eles se revezam
compartilhando antes que a sala fique quieta. Um silêncio
constrangedor. Esses são um pesadelo para um ator.
Porra.
Eu fico.
— Meu nome é Jonathan e sou alcoólatra.
Eles me acolhem. Metade deles provavelmente me reconhece,
mas eu não me importo. Por mais que já tenha participado, esta
é a primeira vez que falo, sempre muito preocupado com a
minha maldita imagem.
Então eu conto minha história, não açucarando. Digo a eles
o quão fodido eu fui. Minha filha passou os primeiros anos de
sua vida sem pai porque escolhi tudo em vez dela. As drogas. O
álcool. Os filmes. Os tapetes vermelhos e as festas e as pessoas
que eu nem gostava, mas eu fazia graça porque eram famosos.
A reunião termina alguns minutos depois que eu termino.
Quando estamos saindo, Jack se vira para mim e diz:
— Então, que tal uma bebida?
Sorrio, empurrando-o.
— Acho que não poderia ter escolhido um padrinho pior.
— Sim, você é péssimo em tomar decisões.
— Mas estou melhorando.
— Você está?
Meu telefone começa a tocar. Eu olho para ele. Kennedy.
— Vou provar isso agora — digo, balançando o telefone
para ele —, escolhendo minha família em vez de uma bebida
com um idiota.
Nós seguimos nossos caminhos separados enquanto eu
atendo a chamada.
— Olá?
— Ei — Kennedy diz, sua voz calma. — Como foi seu dia?
— Longo — eu digo. — Seu?
— Estava tudo bem — diz ela. — Desculpe, não respondi
quando ligou mais cedo. Eu queria, mas Maddie insistiu que
não.
Meu estômago revira.
— Ela ainda está brava?
— Não. — Ela suspira. — Ela ouviu Meghan dizer que se
deve sempre jogar duro para conseguir, porque isso fará um
cara te querer mais se ele tiver que esperar. Então ela disse para
não responder ainda e então você vai nos amar ainda mais.
— Bem, quem pode argumentar com isso?
— Certo? O que significa que não posso falar muito. Eu só
queria ver como você estava.
— Eu aprecio isso — digo. — Na verdade, vou voltar para o
hotel para dormir um pouco. Acabei de sair de uma reunião.
— Uma reunião-reunião ou tipo... uma reunião?
— Qualquer uma dessas é para alcoólatras.
— Ah, bem, isso é bom. — Ela faz uma pausa. — Eu vou
antes que ela me pegue. Tenha uma boa noite.
— Boa noite, baby.
Olho para cima quando chego ao hotel, guardando o
telefone no bolso, meus passos diminuindo quando vejo um
punhado de pessoas à espreita. Eles me avistam, então eu paro,
dando alguns autógrafos e conversando, tirando algumas fotos
antes de entrar.
Instintivamente, olho em volta, sempre alerta. E pela
segunda vez em uma semana, vejo um rosto familiar no bar do
lobby.
Desta vez, porém, é Cliff.
Ele está sentado sozinho em uma pequena mesa com o que
parece ser um copo de uísque. Nunca vi Cliff beber álcool. Dou
alguns passos naquela direção, curioso, quando um cara desliza
na cadeira em frente a ele e pega o copo.
Algo me parece familiar sobre ele, mas eu vi muitos rostos na
minha vida, então nem sempre é fácil identificá-los. Observo
por um momento, os dois homens conversando casualmente,
antes de o cara beber o resto do uísque e se levantar para sair.
Ele chega na metade do saguão antes de seus olhos piscarem
na minha direção. Ele parece surpreso ao me ver, o que é
engraçado, porque nesse momento lembro de onde o vi.
Ele me seguiu na manhã quando acompanhei Madison até
a escola. Ele trabalha para o Hollywood Chronicles.
O cara se vira e continua, o que deixa tudo ainda mais
estranho, porque nunca vi nenhum deles perder a chance de me
provocar.

◈◈◈

— Ei, papai!
O rosto sorridente de Madison ocupa toda a tela do meu
telefone. Acho que a estratégia auto-imposta de “faça-o
esperar” foi abandonada, considerando que ela está falando
comigo no FaceTime às sete e meia da manhã.
— Bom dia, linda — eu digo. — Você está se preparando
para a escola?
Ela balança a cabeça, balançando o telefone enquanto faz
isso.
— Já vesti minhas roupas e mamãe disse que tínhamos
alguns minutos, porque preparei minha mochila mais cedo.
— Então você decidiu ligar?
— Aham, para lembrá-lo para que você não esqueça.
— Esquecer o que?
— Eu, dã.
— Você não precisa se preocupar com isso, mas estou feliz
que você ligou. Eu sinto sua falta.
— Também sinto sua falta — diz ela. — Adivinha! Ontem
foi aniversário da tia Meghan e a mamãe ganhou os cupcakes
dela, mas a tia Meghan não comeu nenhum, porque ela diz que
bolo não gosta das coxas dela, não sei por quê. Então ficamos
com todos eles, e eu guardei um para você, mas mamãe disse
que não vai ficar bom em trinta dias, então eu comi.
— Você comeu.
Ela acena.
— Para o café da manhã.
Sorrio, porque não tenho ideia do que dizer sobre isso. Seus
olhos se estreitam, como se ela não soubesse o que eu acho tão
engraçado.
Ao fundo, ouço Kennedy gritando, algo sobre ser terça-
feira.
— Oh-oh — diz Madison, seu rosto piscando com pânico
segundos antes dela largar o telefone no chão e fugir.
Eu olho para uma vista do teto.
— Madison? Madison! Pegue o telefone de volta!
Há uma batida na porta do meu trailer atrás de mim. Ela
abre sem convite. Cliff entra, olhando para mim incrédulo.
Estou sentado aqui com os pés apoiados, relaxando.
— O guarda-roupa está esperando — diz ele. — Você
deveria estar fantasiado.
— Diga a eles que estarei lá em um minuto.
— Sabe, talvez se você contratasse um assistente pessoal...
Ele termina a frase, dizendo alguma coisa, mas não presto
atenção, porque Madison volta.
— Desculpe, papai. Esqueci que era terça-feira e eu tinha
que pegar algo para Mostre e Conte.
— Está tudo bem — digo a ela. — O que você escolheu?
— Adivinhe!
— Breezeo?
— Não! — Ela puxa sua boneca Maryanne para me mostrar.
— Ta-da!
— Uau, algo novo, hein?
— Sim — ela diz.
— O que fez você mudar?
— Eu não queria que mamãe ficasse triste porque você se
foi, então ela ficou com meu Breezeo por enquanto. Ele está na
cama dela, tirando uma soneca!
— Uau — eu digo, tentando não rir do fato de que ela está
dormindo com uma pequena versão de boneco minha na
minha ausência. — Muito gentil da sua parte.
Kennedy grita novamente ao fundo, perguntando a
Madison se ela viu seu telefone.
— Oh-oh. Tenho que ir!
Ela desliga.
Eu balanço minha cabeça, percebendo que Kennedy
provavelmente nem sabe que ela me ligou.
Levantando-me para ir ao guarda-roupa, vejo Cliff ainda à
espreita.
Ele olha para o relógio.
— Você deve estar no set em quinze minutos.
Merda. Vou me atrasar.
“Promessas Quebradas”

Kennedy Garfield

Eles estão fazendo um filme do Breezeo.


Você sussurra isso enquanto rasteja para a cama com a
mulher que ama pela primeira vez em semanas. É o meio da
noite. Você acabou de chegar de Nova York. Esteve indo e
voltando durante todo o verão, até o outono. Você deveria
voltar dias atrás, primeiro de outubro, mas continuou adiando
seu retorno.
Seus braços deslizam ao redor dela por trás enquanto a puxa
para você, suas costas contra seu peito. Você cheira como sua
colônia. Muitas vezes, chega em casa cheirando a bebida ou
perfume. Ela faz você tomar banho toda vez que isso acontece
antes mesmo de poder tocá-la.
— Está falando sério? — ela pergunta. — Um filme do
Breezeo?
Você cantarola em resposta enquanto puxa as roupas dela,
afastando apenas tecido suficiente para fazê-la se sentir bem.
Ela está apenas vestindo calcinha e uma de suas camisetas. Ela
geme quando você desliza nela por trás. Seus lábios estão no
pescoço dela. Não leva tempo algum antes que ela esteja
gritando de prazer.
Você se move então, deitando de costas enquanto a puxa
para cima. Suspirando, você agarra seus quadris e desliza de
volta para dentro, fechando os olhos.
— Você faz eu me sentir tão bem, baby. Eu só quero deitar
aqui e sentir você. Estou tão exausto agora.
— E você acha que eu não?
Você abre os olhos novamente quando ela diz isso. Há uma
alfinetada nessas palavras. Ela não está se movendo, olhando
para você. Está escuro no quarto, mas não tão escuro que ela
não possa ver seus olhos azuis claros. Você chegou em casa
sóbrio.
— Eu não disse isso.
— Também não pensou nisso, hein?
Lá está aquela alfinetada novamente.
— Vamos, podemos não brigar agora? — você pergunta, e
até parece exausto. Não há um pingo de raiva em sua voz. —
Acabei de chegar em casa dez minutos atrás. Não te vejo há mais
de um mês. Eu... porra, eu só quero estar dentro de você agora.
Podemos brigar amanhã, se quiser.
Ela faz uma careta para você, mas lentamente começa a se
mover. Você fecha os olhos novamente, relaxando. Não
demora muito antes de puxá-la para você, segurando-a
enquanto empurra. Você sussurra no ouvido dela, sussurrando
o quanto sentiu falta dela, como não conseguiu dormir sem ela
ao seu lado.
Depois que você termina, ela fica lá, ainda em cima. Suas
mãos vagam por baixo da camiseta, acariciando suas costas.
Está quieto. Antigamente, o silêncio entre vocês era
confortável, mas agora é como uma barreira invisível que é
difícil de contornar.
— Fiz algumas reuniões para isso — você diz a ela. — Para
Breezeo. Ainda não anunciaram. Eu nem deveria falar sobre
isso. Ainda é muito cedo.
— Espere, você vai ser ele? — Ela se move, rolando para
olhar para você. — Você?
— Não sei. Devo passar o dia de amanhã discutindo com
Cliff. Mas é por isso que não voltei para casa imediatamente.
— Isso é... uau. Você tem que fazer! Ou pelo menos tem que
tentar. Você seria brilhante como Breezeo.
— Agora está indo longe demais. Se eu for para o filme, não
há como conseguir o papel principal. Eu não posso ter uma
franquia.
— O que? Claro que pode! Você seria perfeito, Jonathan.
Estou falando sério! Quero dizer, vamos lá, ninguém conhece
Breezeo como eu, e tenho um bilhão por cento de certeza de
que tem que ser você. Então você tem que tentar, ok? Por mim?
Por favor?
— Você só quer me ver vestindo a fantasia, não é?
— Bem, quero dizer, eu não quero...
Você ri, beijando-a.
— Vou ver se consigo fazer isso acontecer para você.
— Promete?
Você nunca promete coisas. Ela espera que você sorria, mas
em vez disso, diz:
— Eu prometo. Vou tentar.
Pela primeira vez em um tempo, ela vai dormir com um
sorriso... e esse é o último sorriso que ela recebe.
Argh, isso é muito dramático. Também não é verdade. O
que eu realmente quero dizer é que é a última vez que ela sorri
com você.
Olha, estou fazendo isso errado de novo. Eu não posso
continuar me distanciando da realidade... mas, novamente, o
que acontece depois daquele último sorriso não parece real.
Quando acordo naquela cama algumas horas depois, estou
sozinha. Por um momento, deitada ali, acho que sonhei, mas o
cheiro da sua colônia ficou. Enquanto eu inspiro, me pergunto
onde você está. Ainda nem amanheceu e você já se foi.
Eu descubro naquela tarde. Você foi visto nas primeiras
horas da manhã do outro lado da cidade, sentado sozinho em
um teatro, assistindo a um ensaio para a estreia de Serena
Markson no palco.
Quando finalmente chega em casa naquela noite, bem
depois de escurecer, a primeira coisa que você faz é me beijar.
Mas você tem gosto de uísque e cheira como uma prostituta,
meu peito desmorona por causa disso, então eu te empurro.
Ambas as mãos pressionadas contra seu peito, eu te empurro
com tanta força que você bate na parede. Você olha para mim,
e eu não posso dizer se está chocado, ou magoado, ou mesmo
confuso, porque você parece entorpecido. Seus olhos estão
vazios.
“Você está exagerando”, você diz quando eu o confronto.
“Não é nada”, mas não é “nada”, eu sei, porque já fui eu. Você
não se lembra? Eu sei como é ser o único público cativo de
alguém. E talvez estivesse tudo bem se você tivesse me contado,
se não tivesse voltado para casa bêbado, coberto de perfume,
quando eu trabalhei o dia todo para garantir que você ainda
tivesse um lar para onde ir. Em três anos, a única coisa que seu
sonho parece ter pago é coca.
Estou gritando, e as lágrimas começam a cair, você continua
sussurrando:
— Desculpe — repetidamente, e quando eu digo
“desculpe” não resolve, você diz: — Eu te amo, mais do que
tudo, baby.
E eu acredito em você, porque você é bom, Jonathan.
Algo tóxico cresceu entre nós. Eu pensei que as drogas
fossem sua Kriptonita, assim como o Superman, mas estou
começando a pensar que poderia ser eu. Estou destruindo seu
sonho? Você está em queda livre porque está sendo
sobrecarregado por mim? Se eu não estivesse aqui, você estaria
voando?
Nós gritamos, e eu choro, e você fica chapado,
repetidamente enquanto as semanas continuam, um ciclo
perpétuo alimentado por todo esse estresse. As menores coisas
começam a me provocar, e isso está me deixando doente, tão
doente que não consigo sair da cama em algumas manhãs. E eu
só quero falar com você, conversar de verdade, e não discutir.
Eu sinto sua falta. Sinto falta de nós. Então eu pergunto sobre
o filme Breezeo, tentando nos trazer de volta a um terreno
comum, de volta para onde nós dois ainda existimos, e você diz:
— Isso não vai acontecer agora.
— Eles não vão fazer?
— Ah, eles vão — você diz. — Eu só não estou fazendo
testes.
Cliff te convenceu a não tentar. Eu choro quando você me
diz isso, e você perde a paciência, me dizendo para “crescer”
porque é “apenas um quadrinho de merda”, sem perceber que
estou chateada porque você prometeu, quando nunca
promete, o que significa que eu já não sei o quanto posso
confiar em suas palavras.
Acho que foi esse momento que nos condenou. Foi tão feio
que ficamos dias sem falar. Você dormiu no sofá. A barreira do
silêncio torna-se uma montanha inescalável.
Tudo o que faço é chorar... chorar... chorar...
Estou no trabalho quando percebo o que está acontecendo.
Confirmo naquela noite, mas você já está desmaiado no sofá.
Vou deixar você dormir. Vou te contar pela manhã. Você ficará
sóbrio. Estaremos bem. Eu fico acordada a noite toda, sem
saber como me sentir. Quando ouço você se mexendo de
manhã, hesito. Estou assustada.
Eu nunca deveria ter medo de falar com você. O quê
aconteceu conosco?
Você está sentado no sofá, colocando os sapatos para sair.
Fico na porta do quarto e pergunto:
— Podemos conversar um minuto?
— Eu tenho coisas para fazer — você diz, nenhuma afeição
em sua voz. Você soa como seu pai naquele momento, mas
nunca diria essas palavras para você.
— É importante. Eu tenho algo para te dizer.
Você se levanta e está sóbrio como uma pedra, seus olhos
azuis tão claros, e acho que talvez esteja tudo bem, mas então
você me encara nos olhos e diz:
— Diga a alguém que se importa.
E então você sai.
Você sai.
E então eu desmorono.
Minhas pernas não me seguram.
E você não sabe disso, mas aquela mulher com quem você
não se importa mais? Aquela cujo mundo você acabou de
destruir? Ela está grávida. Ela vai ter seu bebê, Jonathan. E você
nem sabe. Você nem se importa.
Capítulo 27
Kennedy

Está chovendo.
Aqui não chove muito, não mais do que a média, mas parece
sempre querer chover nos piores momentos. É como se o céu
tivesse uma linha direta com minhas emoções. Quando as
coisas se contorcem dentro de mim, o mundo começa a rachar
e o céu se desfaz.
Estava uma tempestade quando acordei esta manhã, mas
agora, no início da noite, mal cai um fio. A chuva diminuiu o
suficiente para Maddie chapinhar nas poças de lama no jardim
da frente do meu pai, enquanto eu me sento em uma cadeira na
varanda. Meu pai está ao meu lado, balançando
constantemente.
— Você parece perdida de novo — diz ele. — Como se não
soubesse se está indo ou vindo.
Eu olho em sua direção.
— Estou tendo uma vibe de déjà vu aqui, pai
— Você e eu, garota — diz ele. — Parece que a cada poucos
meses passamos por isso. Ele aparece e depois vai embora, e você
fica para trás para lamentar.
— Desta vez é diferente.
— Tem certeza?
— Ele está voltando.
— Ele não volta sempre?
— Sim, mas…
— Mas é diferente — diz ele. — Ainda assim, não é.
Eu suspiro, exasperada, o que só serve para fazê-lo rir.
— Ele queria que fôssemos com ele.
Meu pai parece surpreso.
— Então por que você está sentada aqui?
Eu pisco para ele.
— Você não é o mesmo homem que enlouqueceu da última
vez que saí com ele?
— E você não é a mesma garota que não se importava com
o que os outros pensavam se você estava indo?
— Eu tinha apenas dezessete anos. Não sabia o que estava
fazendo.
— Por isso que fiquei enlouquecido.
Eu me afasto, olhando para Maddie. Ela está coberta de lama
e sorrindo. Não parece nada perdida. Ela parece saber
exatamente onde pertence.
Eu gostaria de ter a resiliência dela.
Eu gostaria que as palavras de Jonathan fossem suficientes
para acalmar meus medos.
Ele se foi por duas semanas.
Já estamos na metade do mês. Mais duas semanas e ele deve
estar pronto. Eles estão na Europa agora, e a diferença de fuso
horário torna isso difícil. As ligações são esporádicas,
mensagens de voz de trinta segundos dizendo boa noite para
Maddie ou dizendo “eu te amo”. Acordo com mensagens de
texto e, quando respondo, ele está ocupado demais para lê-las.
— Não posso viver minha vida nos termos dele — digo.
— E ele não pode viver a vida dele nos seus — diz meu pai.
— É por isso que existe um compromisso. Sua mãe e eu
raramente concordávamos em alguma coisa. Era uma questão
de dar e receber. Você ganha alguns, perde alguns e continua
jogando.
Maddie corre até nós, tirando o cabelo do rosto. Ela salta
para a varanda, deixando um rastro de lama atrás dela, e
instantaneamente, sem pensar duas vezes, ela se joga em mim.
Eu suspiro. Ela está encharcada, o abraço me deixando
enlameada.
Rindo, ela corre novamente, gritando:
— Peguei você!
— Sua pequena… — Eu pulo, e ela grita enquanto eu a
afasto da varanda. Ela espera que eu pare por aí, mas corro para
o quintal. O chão está escorregadio, e eu escorrego, e... — Ah!
Meus pés saem de debaixo de mim, e eu caio, mas não antes
de colocar minhas mãos em Maddie, levando-a junto. Nós duas
pousamos na grama, atordoadas, cobertas de lama.
Meu pai ri da varanda.
— Peguei você — digo, sentando, cutucando Maddie no
lado quando ela fica de pé. Ela pula em mim, tentando me
agarrar, enquanto meu bolso vibra. Fico confusa até ouvir o
toque abafado. — Oh, espere, trégua!
Eu levanto uma mão para parar Maddie enquanto pego
meu telefone. Ela me dá apenas cinco segundos para olhar para
a tela antes de tentar me derrubar, tempo suficiente para ver o
nome dele no FaceTime. Jonathan.
— Espere! É o seu pai! — Digo, mas é tarde demais, porque
a garota bate em mim com tanta força que o telefone sai
voando, caindo na grama molhada.
Maddie pega o telefone enquanto ele fica mudo. Com os
olhos arregalados, ela o empurra para mim.
— Arrume isso, mamãe.
— Está quebrado? — Eu pergunto, apertando botões, grata
por ainda funcionar. Abrindo o FaceTime, ligo de volta. Ele
toca e toca e toca e meu coração canta quando ele atende.
Ele está em uma cama em um quarto escuro, parecendo que
está meio adormecido. Sua testa franze.
— O que vocês estão fazendo? Luta na lama?
— Eu, hum... sim.
Ele ri, um tipo de riso sonolento.
O som faz coisas ao meu interior.
— Ei, papai! — Maddie diz, pulando nas minhas costas, me
sufocando enquanto envolve os braços em volta do meu
pescoço. — Você está cochilando?
— Algo assim — diz ele. — Estou meio triste, estou
perdendo toda a diversão.
— Breezeo não está sendo divertido? — Maddie pergunta,
pegando o telefone da minha mão para assumir.
— É muito trabalho — diz. — Não é tão divertido quanto
você parece estar se divertindo.
— Não se preocupe, podemos nos divertir quando você
voltar para casa — diz Maddie. — Nós podemos brincar na
chuva, e você e a mamãe podem lutar!
— Promete?
— Sim.
— Bom — diz ele. — Você pode colocar sua mãe de volta?
Não posso falar muito.
— Ok — diz ela, entregando o telefone para mim, gritando:
— Tchau!
Ela está fora, correndo para a varanda, enquanto olho para
Jonathan.
— Eu perguntaria como você está — diz ele —, mas acho
que a visão de você agora provavelmente resume tudo.
— O que, estou uma bagunça?
Ele ri.
— Sem comentários.
— Sim, bem, você parece...
— Com merda? Estou me sentindo assim. Longos dias e
ainda estamos atrasados. Eu vou terminar isso perto de voltar a
tempo.
A tempo.
Meu olhar pisca para Maddie antes de voltar para Jonathan,
que parece incrivelmente nervoso.
— Quão perto?
— Depende — diz ele. — Quando é a peça exatamente?
— Três horas do dia dois de junho.
Ele hesita.
— Nós encerramos nessa manhã em Nova Jersey.
Meu coração cai até os dedos dos pés.
— Estarei lá — diz ele. — Não se preocupe.
— É difícil não me preocupar.
— Eu vou fazer isso. Prometi a ela que faria. Eu só queria
que você soubesse, caso…
— Caso você não consiga?
— No caso de eu ter que quebrar algumas leis.
Sorrio disso.
— Eu vou te perdoar.
Ele olha para mim, como se quisesse dizer mais, mas não tem
certeza das palavras.
— Você está bem? — Eu pergunto. — Parece exausto.
— Só estou cansado — diz ele. — Os dias parecem meses
sem você.
Essas palavras ressoam com uma parte profunda de mim,
uma parte que parece muito mais velha e muito mais fria do
que deveria ser.
— Eu conheço o sentimento.
— Estou em Paris agora — diz ele. — Três dias atrás, estava
em Amsterdã. Eu estive em todo o mundo, mas o único lugar
que realmente quero estar é Bennett Landing.
— Você odeia Bennett Landing.
— É onde você está. Onde está Madison.
— Nós estaremos aqui — eu digo. — E nos veremos às três
horas do dia 2 de junho.
— Nós vamos. — Ele sorri. — Eu preciso tentar dormir um
pouco. Devo estar no set em algumas horas.
— Ok — digo. — Durma bem.
— Eu te amo — diz ele, pressionando o botão para encerrar
a chamada, a tela fica preta enquanto as palavras ficam na ponta
da minha língua em resposta. Eu te amo.
Hoje faz dez anos desde a noite em que fugimos. Nosso
décimo Aniversonho. Ele não mencionou isso. Não sei se ele se
lembra, mas nunca vou esquecer. Ao escolhê-lo, mudei todo o
meu mundo e, olhando para minha garotinha coberta de lama,
sei que nunca me arrependerei de um único momento.

◈◈◈

Restam apenas algumas páginas em branco na parte de trás do


meu velho caderno esfarrapado. Depois que Maddie surgiu, a
narrativa mudou. Não era mais uma história sobre um garoto
descarado com estrelas nos olhos e uma garota apaixonada com
o coração na manga, não mais “você” e “ela” para falar. A trama
se partiu. Aquele menino e menina ainda existiam no mundo,
e ocasionalmente suas histórias se cruzavam, mas seus mundos
eram muito diferentes.
Tornou-se a história de um homem errante, cujo sonho o
estava matando.
Tornou-se a história de uma mulher de coração partido, que
encontrou seu propósito.
Ambas as histórias continuaram a ser documentadas, mas
não como antes. Uma apareceu na capa dos tabloides,
enquanto a outra foi rabiscada em livros de bebês.
Sempre pensei que a primeira história estava terminada, a
original, e talvez esteja. Talvez este seja apenas um epílogo, ou
talvez seja uma sequência.
Eu passo minha mão ao longo da capa esfarrapada do
caderno. Maddie está dormindo, deitada ao meu lado no sofá.
Breezeo está passando silenciosamente na tela da TV, ainda
naquele loop infinito.
Há uma batida na porta do apartamento. Separei o caderno.
Já é tarde, quase dez horas da noite. Olhando pelo olho mágico,
vejo alguém parado ali – um cara, mais ou menos da minha
idade, com cabelo loiro desgrenhado, vestindo jeans e uma
camiseta preta de Call of Duty. Ele está segurando algo,
parecendo nervoso, murmurando para si mesmo.
Ele bate novamente, então abro a porta um pouco, apenas o
suficiente para cumprimentá-lo.
— Posso ajudar?
— Hum, sim, estou procurando por Kennedy?
— Sou eu.
Sua testa franze. Ele me olha.
— Sério?
— Sim, sério — digo. — E você é…?
Estou a cerca de dois segundos de bater a porta na cara dele,
porque ele me olha como se não houvesse como eu ser quem
ele está procurando. Estou de pijama, meu cabelo em um coque
bagunçado, ainda úmido do longo banho quente que tomei
para lavar a lama.
Ele balança a cabeça.
— Eu conheço seu namorado – ou, hum, como você quer
chamar o cara. Meu nome é Jack.
— Jack — digo, e sei que minha expressão deve espelhar a
dele. — Sério?
— Acho que você já ouviu falar de mim.
— Ele mencionou você — eu digo. — Pelo jeito que ele
falou, acho que não esperava que você parecesse tão normal.
— Ele me chama de troll, não é? Aquele imbecil do
caralho…
Sorrio, abrindo ainda mais a porta.
— Então, o que posso fazer por você, Jack?
Ele segura algo – uma caixa de presente.
— Apenas fazendo um favor para o idiota e deixando isso.
Eu pego dele, surpresa.
— Isso é de Jonathan?
— Jonathan — diz ele com uma risada. — Nunca ouvi
ninguém chamá-lo assim. Mas sim, Jonathan me pediu para
entregar para você, disse que era importante que fosse hoje. Ele
teria enviado, mas está ocupado fazendo outra sequência de
merda… minhas palavras, não as dele… e ele não confia em mais
ninguém, então aqui estou eu.
— Uau, você veio até aqui por ele? Ele pagou pelo seu
combustível, pelo menos?
— Melhor do que isso – ele me contratou.
— Sério?
— Disse que precisava de alguém para aliviar sua carga e
manter as pessoas longe de sua bunda. Eu disse a ele que não ia
chupar ninguém por ele, mas se me pagar o suficiente, não
tenho nenhum problema em ser seu mensageiro e gritar com
ele quando deveria estar em algum lugar — diz ele. — E quem
estou enganando, pela quantia obscena que ele me ofereceu?
Eu provavelmente explodiria alguém.
Um assistente pessoal. Uau. Não tenho ideia de como os
dois vão trabalhar juntos, mas já posso dizer que será
interessante.
— Bem, obrigada. Eu agradeço.
Ele zomba, me saudando.
— Está bem. Tenha uma boa noite.
— Você também — eu digo, fechando a porta quando ele
sai. Eu tranco novamente antes de abrir a caixa para encontrar
um caderno espiral dentro. É simples, como o da faculdade,
com uma capa azul, uma caneta de gel azul brilhante em cima.
Não poderia ter lhe custado mais do que um dólar. Quando o
tiro da caixa, um bilhete escorrega da frente do caderno, caindo
no chão aos meus pés. Pego para ler.

Dez anos atrás, você fugiu comigo para que eu pudesse seguir
meu sonho. É hora de você seguir o seu. Onde quer que você o
leve, eu estarei lá.
Feliz Aniversonho.
Jonathan

Meus olhos ardem. Nossa, estou chorando. Minha visão fica


embaçada, e eu pisco as lágrimas enquanto me sento no sofá.
Abro o caderno novo, olhando para as linhas em branco por
um momento antes de começar a escrever, tinta azul brilhante
fluindo pela página:

A chuva caía do céu nublado em rajadas esporádicas, rápidas


chuvas maníacas seguidas de momentos de nada. O
meteorologista no canal seis previra um dia calmo, mas a
mulher sabia mais. Uma tempestade tumultuada se
aproximava. Não havia como evitá-la.
Capítulo 28
Jonathan

— Amor no exterior.
Eu puxo meu braço sobre os olhos cansados para olhar para
a porta do meu trailer, onde Jazz está, segurando o que eu
garanto ser a última edição do Hollywood Chronicles, lendo.
— Eu não quero ouvir isso — murmuro, cobrindo meus
olhos novamente, tentando bloquear o mundo e roubar um
pouco de paz, mas isso é pedir um milagre. Tenho uma pausa
de duas horas no meio das filmagens, nosso primeiro dia de
volta em solo americano, e tenho o pior caso de jet lag. Eu me
sinto de ressaca, aquela sensação grogue de “dia depois de uma
farra de cocaína” onde eu odeio a porra do mundo e todos nele
– inclusive eu.
— Não há nada como a Cidade do Amor para reacender o
fogo entre ex-amantes — diz Jazz, me ignorando enquanto
continua a ler. — Fontes no set de Breezeo: Ghosted em Paris
nos dizem que as coisas estão esquentando novamente entre
Johnny Cunning e Serena Markson.
Se por “esquentando” eles querem dizer que ela me deixa
com tanta raiva que eu poderia cuspir fogo, estariam certos
sobre isso. Estar perto dela tem sido intolerável.
— Os dois foram vistos juntos algumas vezes recentemente
— diz Jazz. — Há rumores de que Serena decidiu perdoar
Johnny por suas indiscrições depois que ele implorou por outra
chance.
Rindo secamente, eu me sento. Eu nem vou entreter essa
besteira com uma resposta.
— Jazz, sem ressentimentos, mas você pode apenas... se
foder?
— Como quiser, rabugento. — Ela folheia o artigo
enquanto diz: — Eu me pergunto quem poderia ser a fonte
deles no set.
— Você sabe que eles fazem merda, certo? — Fico de pé,
cambaleando até a pequena geladeira para encontrar algo com
cafeína. — Ou outra pessoa inventa merda e dá para eles.
— Sim, mas alguém tira as fotos — diz ela. — Elas com
certeza não são inventadas.
Água engarrafada. Água vitaminada. Algum tipo de suco
chique. Sem cafeína. Suspirando, eu pego um pouco de romã
antioxidante antes de virar para Jazz.
— Há fotos?
— Claro — diz ela, segurando-a para me mostrar – um
conjunto completo de fotos do set. — Tanta coisa para um set
fechado. As fotos estão vindo de dentro.
Ela ri de sua própria piada, mas eu não acho nada
engraçado... provavelmente porque é a minha vida que eles
estão tentando destruir. Pode ser qualquer número de pessoas,
mas aquelas que trabalham na produção tendem a valorizar
demais seus empregos para arriscá-los.
Além disso, há muita sujeira legítima com a qual eles
poderiam me vender, não essa merda de relacionamento
fabricado.
Abrindo o suco, tomo um gole e engasgo, cuspindo de volta.
— Isso é nojento. Onde está toda a porra da cafeína?
— Senhor Caldwell a removeu — diz ela, fechando o
tabloide. — Algo sobre você arrumar sua vida.
Suspiro, jogando o suco no lixo antes de passar as mãos pelo
rosto.
— Preciso de um novo empresário.
Jazz ri, mas é interrompida quando a porta do trailer se abre
e Cliff entra. Jazz se desculpa, saindo rapidamente.
Cliff a observa sair correndo pela porta e pergunta:
— Alguma coisa está acontecendo entre vocês dois?
Eu caio no sofá.
— Eu tenho uma namorada.
— Você? Oficializou?
— Não falei sobre isso. Não tenho certeza se isso importa.
O amor não conhece títulos.
Ele pisca para mim.
— Você acabou de citar Breezeo?
Dou de ombros.
— De qualquer forma — diz ele, sacando um pedaço de
papel. — Preciso passar por algumas coisas com você, já que
tem tempo. A produção termina em dois dias e queremos
manter o ritmo.
Examino o papel quando ele o entrega para mim. Uma
agenda provisória que ele coordenou com meu agente.
Encontros. Audições. Publicidade. Sem mencionar semanas
inteiras bloqueadas pelo RP para promoção. Olho para trás e
balanço a cabeça quando vejo a data.
— Não posso fazer isso.
2 de junho às 16h
— Perdão? — Cliff diz.
— Eu não posso fazer a primeira reunião.
— Por que não?
— Minha filha está em uma peça.
— Uma peça.
— Sim — digo. — Eu prometi a ela que estaria lá, então vou
sair no segundo em que terminarmos.
Cliff me encara.
— Algum outro conflito que devemos saber? Talvez
algumas reuniões de descanso remunerado que precisamos
resolver? Acompanhando viagens de campo? Disney on Ice,
talvez?
Sua voz soa tão condescendente que eu quero jogá-lo para
fora da porra do meu trailer, mas visto que eu tenho um trailer
graças ao seu trabalho duro, isso provavelmente não é uma boa
ideia.
— Vou mantê-lo informado — digo, colocando o papel
para baixo.
— Eu apreciaria — diz ele antes de sair, fechando a porta
com mais força do que o habitual.
Suspirando, abaixo minha cabeça e fecho os olhos, exausto.
Exasperado. Eu mal consigo um minuto de paz antes de Jazz vir
espiar.
— Sim — murmuro. — Ele se foi.
Ela entra no trailer, segurando uma lata de Red Bull.
— Trouxe um presente para você.
— Eu poderia te beijar por isso — digo, pegando, abrindo a
tampa e tomando um gole.
— Eu preferiria que você não o fizesse — ela diz. — Eu li
tudo sobre os lugares onde esses lábios estiveram.

◈◈◈

Apesar de filmar do outro lado da fronteira, em Jersey City,


ainda ficamos no hotel habitual em Midtown. Eu me encontro
com Jack assim que chego à cidade, o serviço de carro me deixa
em seu apartamento no porão.
— Bom lugar — digo quando entro, olhando ao redor. É
minúsculo e escuro, e me lembra uma caverna. Cartazes
cobrem o lugar, meus olhos vão direto para um de Breezeo.
Não sou eu. Nem mesmo o filme. É um pôster da capa do
Ghosted – o mesmo pôster que Kennedy tinha na parede
quando adolescente. — Pensei que você não fosse fã de
Breezeo.
— Nunca disse isso — Jack diz. — Eu disse que os filmes
eram uma merda e você não merecia estar neles. Há uma
diferença.
Balançando a cabeça, entrego a ele o papel de Cliff.
— Tenho um horário para você.
Ele o pega enquanto se joga na cadeira do computador.
— Eles te dão algum tempo para dormir?
— Ocasionalmente — digo. — Meu empresário é um
pouco durão.
— Por que você aguenta isso?
— Porque ele é bom no que faz — digo. — E porque eu
assinei um contrato concordando em fazer o que ele me disser.
— De quanto tempo é o seu contrato?
— Renova-se todos os anos.
— Você não pode desrenovar?
— Isso nem é uma palavra de verdade.
— Ah, apenas responda a pergunta, idiota.
— Envio uma carta certificada dizendo que não vou
renovar.
Ele balança a cabeça, deixando o papel de lado.
— Vou manter isso em mente para quando você começar a
reclamar que não dorme há seis meses.
— Faça isso — digo. — Obrigado, Jack.
Eu saio, caminhando até o hotel a poucos quarteirões de
distância, conseguindo evitar qualquer multidão. Entrando no
saguão, um barulho alto chama minha atenção, vindo do bar.
Serena está sentada ali, cercada de pessoas, socializando. Ela tem
uma bebida na mão, copos vazios no bar à sua frente, então não
há dúvida de que é álcool.
Amanhã, no set, ela vai ser um inferno.
Eu me afasto, sabendo que falar com ela é uma causa
perdida, quando um flash chama minha atenção do outro lado
do saguão. Um homem está tirando fotos, um homem que eu
reconheço – aquele do Hollywood Chronicles.
— Ei! — Vou em direção a ele enquanto ele se move pelo
saguão para sair. — Ei você! Pare!
O cara não para, vai direto para fora.
Eu o alcanço na calçada em frente, tentando chamar sua
atenção, mas ele não está prestando atenção. Sério? Os abutres
me cercam todos os dias tentando me fazer falar, mas a única
vez que tenho algo a dizer, o idiota foge?
Eu aperto sua camisa e o puxo para parar antes de empurrá-
lo contra a lateral do prédio, prendendo-o lá. Ele parece
atordoado, levantando uma sobrancelha.
— Isso é agressão.
— E o que você está fazendo é assédio.
— Estou apenas fazendo o meu trabalho — diz ele. — Não
é problema meu se você não gosta que meu trabalho inclua tirar
fotos de você olhando para sua esposa bêbada cercada por
homens.
— Eu disse que não tinha uma esposa.
— Sim, bem, não é isso que seu pessoal me diz.
Começo a dizer que não me importo com o que as pessoas
dizem a ele, antes que me surpreenda com a forma que ele
expressou isso.
— Meu pessoal? Onde você está obtendo sua informação?
— Desculpe, amigo, mas vou levar isso para o túmulo — diz
ele. — Eu jurei meu segredo na linha pontilhada há muito
tempo. Não há volta. Minhas fontes são confidenciais.
Ele não percebe, mas ao dizer isso, apenas confirmou o que
eu suspeitava há algum tempo. Nenhum RP é mau RP. Esse é
o lema de Cliff. Ele inventou Johnny Cunning naquela manhã
sentado em seu escritório, um personagem que concordei em
interpretar, e eu tenho dado a ele o desempenho de uma vida
sem nem perceber que cada momento da minha existência foi
roteirizado.

◈◈◈

— Como está meu pequeno floco de neve?


— Excelente! — Madison diz, sua voz animada
chacoalhando o viva-voz. Tentei fazer FaceTime com ela, mas
ela recusou, dizendo que eu não podia ver sua fantasia até a
hora do show. — Você está a caminho para voltar para casa?
— Ainda não, mas em breve — eu digo, sentando na cadeira
de Jazz no trailer de Cabelo e Maquiagem, me preparando para
o último dia de filmagem. — Eu tenho que terminar meu
trabalho primeiro.
— Mas você vai estar lá?
— Eu prometi, não prometi?
— Mas prometa de novo.
— Eu prometo que estarei lá.
— Ok, papai! — ela diz. — Tchau!
— Espere, Madison, não desligue! Eu quero… — CLICK —
falar com sua mãe.
Jazz ri enquanto eu solto um suspiro.
Ela desligou na minha cara.
Abrindo minhas conversas, envio uma mensagem rápida
para Kennedy. Madison desligou antes que eu pudesse
dizer que te amo, então sou eu, dizendo que te amo.
Isso realmente conta como me dizendo se está sendo
enviado por mensagem?
Eu mando de volta para ela o emoji do carinha amarelo
dando de ombros.
Bem, nesse caso, eu também te amo.
Eu olho para o meu telefone.
Leio essa mensagem várias vezes.
Meu maldito coração está batendo nas minhas costelas
enquanto eu mando uma mensagem de volta. Você realmente
quis dizer isso?
A resposta dela vem imediatamente.
O emoji da senhora amarela dando de ombros.
Quero continuar a conversa, mas o clima é interrompido
quando a porta do trailer se abre e Serena entra furiosa com sua
assistente de luta. Cliff está atrás delas, ninguém parecendo feliz
esta manhã. Serena não estava por perto para buscá-la e não
houve resposta em seu quarto, então Cliff ficou no hotel para
encontrá-la.
Serena se senta em uma cadeira de maquiagem próxima,
grandes óculos escuros protegendo seus olhos. O fedor de
álcool gruda nela, fazendo meu nariz se contorcer.
— Não estou com disposição para isso — diz ela. — Não
vejo por que não podemos adiar. É um dia.
— Eles não têm um dia — diz Cliff. — Já atrasaram demais
por causa de Johnny.
— Johnny, Johnny, Johnny — ela resmunga, balançando a
cadeira para me encarar. — É sempre tudo sobre Johnny.
— Bem, ele é a estrela — diz Jazz.
Serena zomba, ainda olhando para mim.
— Por que você não pede para adiarem para amanhã?
Aposto que vão fazer isso por você.
— Não vai acontecer.
— Figuras — murmura Serena enquanto tira os óculos
escuros e se vira para olhar no espelho, inclinando-se para se
examinar. Seus olhos estão vermelhos, sua pele suada, pálida. —
Ninguém nunca se importa com o que eu sinto.
Eu sei que ela está me dando uma indireta com isso, mas
deixo passar.
Levanto-me para sair quando Jazz termina comigo, prestes
a guardar meu telefone, quando vejo de relance a tela, vendo
duas novas mensagens de Kennedy.
(Quis dizer)
(Eu te amo)
Eu quero ficar aqui para sempre, absorvendo essas palavras.
Quero me deleitar com elas, absorvê-las, mas não tenho tempo
para me alongar. Depois de passar pelo guarda-roupa, vestindo
a fantasia pela última vez, vou para o meu trailer pessoal para
roubar alguns minutos sozinho, ouvindo gritos abafados
vindos do Cabelo e Maquiagem. Serena está surtando com
alguma coisa, e Cliff está tentando acalmá-la.
Sua assistente anda pelo lado de fora, tão frustrada que está
chorando.
Assim que estou no meu trailer, ligo para Jack. Toca, toca e
toca, e estou prestes a desistir quando ele finalmente atende.
— Puta merda, cara, não são nem oito ainda! O que você
poderia precisar a esta hora? Bacon?
— Eu preciso que você venha para o set.
— Onde está o set?
— Jersey.
— Nova Jersey?
— É a única que tem.
— Mas eu não gosto de Nova Jersey.
Ele está choramingando.
Dou-lhe o endereço e digo-lhe para estar aqui ao meio-dia
antes de desligar e colocar meu telefone em uma mesa. Eu saio
para o set na hora marcada, mas Serena está atrasada de novo.
Ela nos atrasa trinta minutos.
É uma longa manhã – tomada após tomada, erro após erro.
Estou ficando frustrado, enquanto Serena está perto de ter um
colapso. Eu acho, enquanto a vejo fazer uma bagunça de tudo,
que deve ter sido assim que foi lidar comigo ao longo dos anos.
— Corte! — o AD grita, e meia dúzia de pessoas gemem
quando ele acrescenta: — Vamos fazer uma pausa de dez
minutos para limpar nossas cabeças.
Imediatamente, Serena vai até Cliff, os dois tendo uma
discussão acalorada antes que ele a puxe para seu trailer. Jazz se
aproxima de mim, fazendo um movimento, batendo na narina
como se estivesse cheirando alguma coisa.
Jazz não está longe do alvo, porque Serena tem muito mais
ânimo quando ela ressurge.
— Você está chapada — digo a ela. Não é uma pergunta
agora, porque eu sei.
Em vez de ficar com raiva, Serena sorri, pressionando a mão
no meu peito.
— Você quer um pouco?
— Está louca? — agarro seu pulso e puxo sua mão. — Você
acabou de ter uma overdose no mês passado.
— Cale a boca — ela sibila, saindo do meu alcance. —
Ninguém sabe disso. Cliff prometeu...
— Que ele manteria isso em segredo? Talvez ele vá, mas esse
não é o ponto. Você precisa de ajuda, Ser. Precisa voltar para a
reabilitação.
Ela me encara.
— Eu disse que estava bem. Posso lidar com isso.
— Preciso lembrá-la novamente que você teve uma
overdose?
— Isso não tem nada a ver com a maldita coca — ela grunhe.
— Então, o que, eu engoli um monte de pílulas para dormir e
tirei uma soneca. Saia da minha bunda sobre isso.
Uau. Que porra?
— Você fez isso de propósito?
— Estava cansada — diz ela. — Eu superei. Isso nunca mais
vai acontecer.
Somos chamados para a cena antes que eu possa responder.
Mais algumas tomadas, é tudo o que precisamos, mas estou
lutando para manter o foco depois do que Serena me disse,
enquanto ela está quicando nas malditas paredes.
Repetidamente, passamos por isso, antes de finalmente
conseguirmos terminá-lo.
Isso é um filme.
Respiro aliviado. Todos ao meu redor aplaudem. Eu tento
ir atrás de Serena, falar com ela, mas Cliff fica no meu caminho,
dizendo:
— Parabéns.
Eu olho para ele com cautela enquanto Serena foge para seu
trailer.
— Obrigado.
— Você não parece feliz — diz ele. — Vai sentir falta do
figurino?
Dou de ombros. Eu acho que realmente poderia. Não vou
sentir falta do estresse de tentar ficar sóbrio enquanto estou
cercado pela tentação, noite após noite, mas vou sentir falta de
vestir o traje, sentir falta de interpretar o personagem que
mudou minha vida.
— Apenas agridoce — digo a ele.
— Eu aposto — diz ele, me dando um tapa nas costas. —
Mas há muito mais oportunidades em seu futuro, Johnny. Já
que você não pode chegar às quatro horas de hoje, o produtor
quer vê-lo em trinta minutos, então vá até o guarda-roupa e nos
encontre em seu trailer. — Ele começa a se afastar, mas hesita.
— Ah, a propósito, a segurança me disse mais cedo que um cara
apareceu, alegando ser seu assistente.
— Já? Que horas são?
— É quase uma hora — diz ele. — Você está me dizendo
que você realmente contratou alguém?
Meu coração acelera.
Eu empurro Cliff, ignorando-o enquanto ele me chama,
querendo que sua pergunta seja respondida. Vou direto para a
segurança, avistando Jack parado ao lado com um guarda,
parecendo algo entre perturbado e divertido.
— A coisa mais estranha que eu já testemunhei em Jersey —
diz Jack, olhando para mim. — E isso quer dizer alguma coisa,
porque uma vez vi um chimpanzé andando de patins, e isso foi
estranho pra caralho.
— Vou tomar isso como um elogio, mesmo sabendo que
não é — digo, agarrando seu braço e fazendo-o me seguir. São
cerca de duas horas e meia de carro até Bennett Landing, mas
mal tenho duas horas. — Por favor, me diga que você dirigiu.
Antes que ele possa responder, ouço Cliff gritando
enquanto ele me segue.
— John! Onde você está indo?
— Ah, amigo. — Jack olha atrás de nós para Cliff. — Eu sou
seu piloto de fuga?
— Algo assim — digo. — Você já jogou Grand Theft Auto?
— Todo maldito dia, cara.
— Bom — eu digo, continuando a andar, apesar de Cliff
tentar alcançá-lo. — Se você puder me levar onde eu preciso
estar, haverá uma recompensa infernal para você.
Seus olhos se iluminam quando ele tira um molho de chaves
do carro.
— Missão aceita.
Há uma multidão reunida ao redor do set. Eles descobriram
que estamos aqui. Sabem que estamos encerrando hoje. Eu
examino a área, procurando uma maneira de contorná-los.
— Onde você estacionou? — Eu pergunto, esperando que
seja em qualquer lugar, menos do outro lado da rua.
— Do outro lado da rua — diz ele.
Porra.
Eu vou ter que passar pela multidão.
— Tem certeza que você, hum, não quer mudar? — Jack
pergunta, seus olhos piscando para mim, em conflito.
— Não há tempo para isso.
A multidão me vê e começa a enlouquecer, fazendo Cliff
gritar mais alto para chamar minha atenção, mas eu não paro.
Saio do set, passo pelas barricadas de metal e vou direto para a
rua, enquanto a segurança tenta manter a multidão afastada,
mas é um jogo perdido. Então corremos, e eu sigo Jack até uma
velha caminhonete, a pintura marrom desbotada.
— Isso é o que você dirige?
— Nem todos nós crescemos com fundos fiduciários — diz
ele, batendo a mão no capô enferrujado. — Esta foi a minha
herança.
— Sem julgamentos — eu digo, parando ao lado dele. — É
como uma dona de casa suburbana dos anos 70.
— Isso soa como julgamento, idiota.
Abro a porta do passageiro para entrar no carro quando
Cliff me alcança, um pouco sem fôlego de tanto correr.
— O que você está fazendo, Johnny? Você está indo?
— Eu disse que tinha um lugar para estar.
— Isso é ridículo — diz ele, a raiva cortando sua voz. —
Você precisa definir suas prioridades.
— Essa é uma ideia muito boa — eu digo. — Considere este
meu aviso.
— Seu aviso?
— Estou fazendo uma pausa — digo. — De você. Disso. De
tudo isso.
— Você está cometendo um grande erro.
— Você acha? — Eu pergunto, olhando-o bem no rosto. —
Porque acho que o erro que eu cometi foi confiar em você.
Entro no carro, bato a porta, deixando Cliff parado na
calçada, fumegando.
Jack liga o motor, virando os olhos para mim.
— Então, para onde? O escritório de desemprego?
— Em casa — digo —, e preciso chegar lá o mais rápido
possível, porque alguém está esperando por mim e não posso
decepcioná-la.
“Hora de Dizer Adeus”

Kennedy Garfield

O único relógio no pequeno apartamento de um quarto brilha


em azul do velho micro-ondas no balcão da cozinha. Os
números são confusos, e muitas vezes perde tempo, alguns
minutos de vez em quando, como se às vezes se esquecesse de
continuar contando.
Ele diz 6:07 PM quando eu saio. (Sim, eu. Esta parte da
história é toda minha. Não há como negar.) Não tenho certeza
de que horas são realmente, mas cerca de doze horas se passaram
desde que você falou aquelas palavras amargas. Levei meio dia
para reunir coragem para sair, sabendo que uma vez que o
fizesse, não voltaria. Passei a maior parte dessas horas olhando
para a porta, esperando que ela se abrisse, que você voltasse, que
me dissesse que não queria dizer aquilo.
Eu rasgo um pedaço de papel da parte de trás do meu
caderno e olho para as linhas em branco, linhas que deveriam
conter muito mais da nossa história.
Adeus.
Isso é tudo que escrevo. Há um milhão de coisas que quero
escrever, mas mantenho essas palavras bem guardadas. Deixo o
bilhete no balcão da cozinha, ao lado daquele micro-ondas.
Levo apenas algumas coisas, enfiando algumas roupas e
lembranças na mochila, antes de ir para a estação de trem.
Preciso de tempo para pensar.
Três dias depois, chego a Nova York, não mais a garota de
dezessete anos apaixonada que fugiu com um menino tantos
anos atrás. Agora sou uma mulher de 21 anos de coração
partido, que não sabe que lugar chamar de lar.
O táxi me deixa no meio-fio em frente à casa branca de dois
andares em Bennett Landing. Eu pago ao motorista usando até
o último centavo no meu bolso. Estou enjoada e exausta, e
quero chorar, mas as lágrimas não caem.
A neve está caindo, no entanto. O mundo lá fora parece
gelado. Minha jaqueta é fina e estou tremendo. O sol ainda
brilhava na Califórnia.
Quando o táxi se afasta, a porta da frente da casa se abre.
Meu pai sai para a varanda e fica ali em silêncio. Ele não está
surpreso. Ele sabia que eu estava vindo.
— Kenney? É você? — Minha mãe sai de casa e me abraça.
— Eu não posso acreditar que você está aqui!
Sua excitação me deixa tonta. A névoa cobre minha visão.
Ela me arrasta para dentro de casa, passando direto pelo meu
pai, que ainda não diz nada, mas seus olhos dizem o suficiente.
Minha mãe quer conversar. Eu só quero parar de sentir que
estou prestes a desmaiar.
— Posso deitar em algum lugar?
— Claro, querida — diz ela. — Você sabe onde é o seu
quarto.
Meu quarto está exatamente como deixei, exceto que a cama
está recém-feita. Eles me esperavam, e não apenas em algum
nível de “você vai voltar rastejando algum dia”. Alguém os
avisou.
Eu fico debaixo das cobertas, puxando-as sobre minha
cabeça, tentando encontrar algum calor novamente. Não
quero pensar em quem deve ser esse “alguém”.
Outros três dias se passam. Eu não me movo a menos que
seja necessário. Estou doente e fraca, minha mãe fica me
vigiando, trazendo garrafas de água e me forçando a comer
bolachas e alisando meu cabelo e me dizendo que vai ficar tudo
bem, fazendo todas aquelas coisas que uma mãe faz para a filha
dela. E eu a amo, e sei que ela faz isso porque me ama, mas quero
gritar com ela, porque como é possível amar alguém tão
incondicionalmente? Como ela pode olhar para mim, sorrir e
ficar tão feliz por eu estar aqui, que eu existo, quando ela tem
todos os motivos do mundo para ficar brava pelo problema que
eu causei? Todas as noites sem dormir que ela suportou, todo
o estresse e preocupação...
— De quanto tempo você está? — ela pergunta naquela
terceira noite quando me encontra enrolada no chão do
banheiro. Sua voz é gentil quando se senta ao meu lado.
Eu apenas olho para ela.
Ela sorri suavemente.
— Uma mãe sabe.
— Não tenho certeza.
— Você quer falar sobre isso?
Abro a boca para dizer não, porque falar é a última coisa que
quero fazer. Mas a negação morre em meus lábios e sai como
um soluço, e uma vez que começa, não consigo parar. Ela me
puxa para ela, e deito minha cabeça em seu colo enquanto
choro. E as palavras saem de mim junto com as lágrimas, todas
as lutas e brigas, as mentiras e as promessas quebradas, o
ressentimento que cresceu quando ele foi arrastado pelo
furacão e me deixou para trás para lutar contra a tempestade.
— Ele está ligando para cá — diz ela. — Bêbado. Seu pai
atendeu a primeira chamada. Ele queria saber se tínhamos
notícias suas. Disse que ele voltou para casa e você se foi, então
ele pensou que você poderia estar aqui. E ele continuou ligando
de volta, mas seu pai não respondeu novamente até esta noite...
quando disse a ele que se soubesse o que era bom para ele,
pararia.
— Sinto muito — sussurro.
— Você não tem nada para se desculpar — diz ela. — Eu sei
como é. Seu pai é o melhor homem que conheço, mas ele era
um bêbado terrível. Isso muda as pessoas, e isso não desculpa
nada, mas significa que há esperança. Eles podem melhorar,
mas você não pode mudá-los. Eles têm que querer mudar.
— Ele não quer.
— Talvez não — diz ela. — Ou talvez ainda não. Seu pai
demorou um pouco. Mas não importa o que ele fizesse, eu sabia
que tinha que cuidar de mim mesma... e da minha filha. E não
tenho dúvidas de que você fará o mesmo, porque você é minha
filha.
Eu me sinto melhor ouvindo isso. Não completamente, é
claro, porque a vida é assustadora e meu coração ainda está
partido e o garoto por quem me apaixonei se foi, mas o
suficiente para me levantar e continuar.
Os dias passam. Uma semana. Um mês.
Um novo ano chega.
Reúno coragem para consultar um médico. Ainda estou no
primeiro trimestre. Meu pai e eu não conversamos muito, mas
ele sabe que estou grávida. Ele chama isso de “doença do amor”.
Mais dias.
Consigo um emprego na mercearia e odeio isso, mas eles me
dão muitas horas e preciso de dinheiro.
Mais semanas.
Está começando a aparecer. Eu me olho no espelho,
esfregando minha barriga, sentindo o inchaço. É estranho. Há
uma vida crescendo dentro de mim agora.
O médico me diz que é uma menina.
Você tem uma filha, Jonathan, e nem sabe. Eu sinto a
vibração enquanto ela se move, e meu coração está disparado.
Ainda estou com medo, tanto medo, mas quando a sinto, uma
sensação avassaladora de amor flui através de mim e sorrio.
Estou sorrindo novamente.
É como se eu finalmente descobrisse o objetivo de tudo, o
propósito da nossa história – é ela.
Mais meses.
O mundo está descongelando. Chega a primavera.
Estou com seis meses e sentada na varanda, em uma das
cadeiras de balanço, agasalhada para afastar o frio, quando você
aparece. O carro preto da cidade para lentamente no meio-fio
em frente à casa, e lá está você. Minha mãe tem que impedir meu
pai de sair de casa.
Você se parece com você mesmo de longe, mas ao se
aproximar, vejo que os olhos estão todos errados. É cedo, o sol
mal no céu, e você ainda está acordado da noite passada. Está
em algum lugar na área cinzenta entre bêbado e ressaca,
coerente o suficiente para ficar em pé, mas de forma alguma
você está sóbrio.
Ainda tão bonito como sempre, no entanto. Você está
vestindo um terno e sua gravata está solta, um vislumbre de um
rebelde adolescente que eu lembro.
— Podemos conversar um minuto? — você pergunta,
parando perto da varanda, e eu quase sorrio da sua escolha de
palavras, porque foi o que eu perguntei também.
Eu não digo nada, olhando para você.
— Sinto muito — você diz, sua voz falhando. — Eu sinto
muito, baby.
Algo que você nunca saberá é que naquele exato momento,
enquanto diz essas palavras, eu te perdoo. Eu nem sei do que
você sente muito, mas eu te perdoo por tudo. Eu não digo,
porém, porque não faço isso por você.
É por ela.
Eu ainda olho.
Você fala um pouco mais, falando sem parar sobre como
estava errado e o quanto sente minha falta e como não teve uma
noite de sono decente, como é difícil não ter que voltar para
casa, e tudo o que consigo pensar enquanto ouço suas palavras
é o quanto você tem que crescer, Jonathan, porque cada frase
de seus lábios contém “eu” ou “meu” ou “mim”, mas você não
pode mais ser o centro do universo.
Não deste universo.
— Então é verdade? — você pergunta. — Você está grávida?
Evito seu olhar e aceno com a cabeça, porque você merece
saber, mas não consigo mais encontrar as palavras que preciso
dizer.
— Eu posso dizer — você diz. — Você está brilhando. Está
tão bonita.
Eu olho para você quando diz isso.
— Volte para mim — você diz. — Preciso de outra chance,
só mais uma. Não podemos deixar que termine assim. Nós
vamos ter um bebê, e eu nem sei... é um menino? Uma garota?
De quanto tempo você está? Não sei nada, mas quero. Então
venha comigo. Por favor. Estou ganhando dinheiro agora e
posso cuidar de você.
Se alguém está realmente lendo isso, e eu não sei se alguém
vai ler, este é o momento em que vou perdê-los, onde eles vão
reclamar sobre aquele personagem estúpido bagunçando a
história. E eu entendo, porque muito de mim anseia que você
seja meu final feliz, mas não posso me desculpar por fazer o que
é certo.
Eu levanto para fora da cadeira de balanço e saio da varanda.
Seu olhar vai direto para o meu abdômen, assim como suas
mãos. Eu não paro você, embora meu peito pareça estar
desmoronando. Seus olhos estão se iluminando, e eu sei – Deus,
eu sei – você será um ótimo pai, um dos maiores, e vai adorar
essa menina com cada parte de sua alma.
Mas isso não pode acontecer até que você esteja pronto.
— Eu te amo — sussurro, três palavras que você não disse,
enquanto coloco minha mão em cima da sua na minha barriga.
— Mais do que tudo... exceto por ela.
Você encontra meu olhar.
— É uma menina?
Eu aceno e hesito, antes de te beijar, demorando, deixando
você ter este momento, e para ser honesta, é o mesmo para mim.
Eu preciso deste momento para reunir minha coragem.
E quando faço isso, eu me afasto e digo:
— Eu preciso que você vá embora.
Você olha para mim, atordoado.
— Eu preciso que vá e não volte até que você melhore — eu
digo. — Estou te pedindo... não, estou te implorando... não
volte aqui assim de novo. Ela vai precisar de um pai de verdade,
alguém que possa amá-la mais do que tudo. Não há lugar em
nossas vidas para um viciado. Então, por favor... vá embora,
Jonathan.
Entro, porque não posso ficar ali olhando para ele, passando
por meu pai. Eu sento no sofá. Eu sento e sento e sento. Meu
pai ainda fica ali, assistindo. E uma hora depois, ele diz:
— Ele finalmente foi embora.
Você demorou uma hora.
Depois que você se vai, minha mãe diz:
— Estou orgulhosa de você. Eu sei que deve ter sido difícil.
— Estou surpreso que o filho da puta tenha respeitado os
desejos dela — diz meu pai. — Ele nunca respeitou o meu
quando eu lhe disse para ficar longe da minha filha.
— Michael — minha mãe avisa. — Agora não é a hora.
Ele levanta as mãos.
— Não estou surpresa que ele tenha ouvido — ela continua.
— Ele é um cara bom.
Meu pai solta uma risada alta.
— Ele é — minha mãe diz. — Ele é apenas um viciado, e sua
filha foi sua primeira droga. Aquele garoto teria corrido direto
para o trânsito se ela dissesse que precisava dele.
Meu pai olha para mim.
— Eu vou te pagar cinquenta dólares para fazer isso.
— Michael!
— Nossa, tudo bem, não arranque minha cabeça, mulher
— diz ele, apertando meu ombro enquanto diz: — Vou ser um
pouco de babá grátis também.
Minha mãe ri.
— Você vai ser babá de graça, vovô.
Ele faz uma careta, murmurando:
— Vou precisar de um apelido melhor.
Antes que meu pai possa ir embora, pergunto:
— O que fez você melhorar?
Ele suspira.
— Você fez, garota.
— Eu?
— Eu arruinei seu aniversário — diz ele. — Esqueci que era
seu aniversário. Cheguei em casa bêbado, comi seu bolo antes
que pudesse, desmaiei no sofá e me mijei. Sua mãe endoidou e
tentou me matar por isso.
— Eu não tentei — minha mãe diz. — O que seu pai está
deixando de fora é que eu o expulsei naquela manhã, mas ele
não respeitou meus desejos de ficar fora.
— Em minha defesa, fiquei bêbado e esqueci que não
deveria estar lá.
— Como isso é uma defesa?
— Acho que não é.
— De qualquer forma, eu o ameacei para que ele não
esquecesse novamente.
— Acordei com você derramando bebida em mim — diz
ele. — Então você puxou fósforos e ameaçou incendiar minha
bunda!
— Exatamente — diz ela. — Eu ameacei.
Lembro-me vagamente da coisa do bolo, mas não me
lembro disso.
— Então a mãe te assustou sóbrio?
— Oh, não, por mais assustadora que ela possa ser, não foi
isso — diz ele. — Depois que ela largou os fósforos, eu pedi
desculpas a você. Eu disse que sentia muito, e você disse...
Ele para, então minha mãe entra na conversa.
— Você disse a ele que não se importava com a desculpa dele
porque ele não era mais seu pai, você decidiu que não queria
um pai porque tudo o que eles faziam era pedir desculpas, então
ele poderia ir.
— Você tinha apenas cinco anos — diz ele. — Você não
estava brava. Foi incisiva.
— Isso te deixou sóbrio? Mas quase ser incendiado não?
— Sua mãe tentou me matar porque me amava e queria o
marido de volta — diz ele, ignorando-a quando ela novamente
diz que não tentou. — Você decidiu que não me queria mais.
Eu era como um brinquedo quebrado que você nunca gostou,
então estava bem com sua mãe me jogando fora. Eu te amava,
mas nunca te dei uma razão para me amar. Eu tive que fazer
uma mudança.
— O que Jonathan fará também — minha mãe diz.
— Vamos ver — diz meu pai. — Mas ei, se ele não fizer,
nunca mais teremos que vê-lo novamente, então ganha-ganha?
— Eu juro, Michael, deveria ter apenas riscado aquele
fósforo.
Os dois estão brincando. É bom vê-los felizes, sabendo que
sobreviveram a tudo que foi jogado neles. Não consigo
imaginar uma vida em que não sejamos uma família.
Eu esfrego meu abdômen, sentindo aquelas cutucadas
suaves enquanto a bebê se move.
Seis meses se transformam em sete e depois vêm oito.
Trabalho, como e durmo. Lavo, enxaguo e repito. Antes que
eu perceba, o verão está sobre nós. Estou grávida de nove meses,
aqueles empurrões suaves e chutes redondos.
Minha bolsa rompe na manhã da minha data de parto, bem
na hora, mas ainda parece muito cedo para mim. Estou longe
de estar pronta. Eu tenho um berço, fraldas e todas as coisas que
ela vai precisar, mas ainda não descobri como ser mãe.
E estou apavorada. Nunca tive tanto medo na minha vida.
Minha mãe está ao meu lado, meu pai está na sala de espera, e
sua irmã aparece, porque ela está animada para ser tia, mas você
não está aqui, e eu sabia que não estaria. Eu dizia isso a mim
mesma todos os dias. Mas enquanto a dor me despedaça e as
pessoas gritam para eu empurrar, empurrar, empurrar, não há
ninguém no mundo de que eu precise mais.
Eu não posso fazer isso sem você.
Não posso.
Não posso.
Não posso.
Mas então ela está aqui, e ela está gritando, e eu estou
chorando, no segundo que eles a entregam para mim, o mundo
se inclina novamente. E é isso. Eu sei com certeza que vou amar
esse lindo ser pelo resto da minha vida. Até o meu último
suspiro, vou lutar para mantê-la feliz, para proteger seu coração
de quebrar, porque ela é a maior criação que já existiu, e nós a
fizemos.
Ela nasceu às 6:07 da noite. Exatamente. Nascida em quatro
de julho. Eles me disseram que você veio ao hospital na manhã
seguinte, quando o sol ainda estava nascendo lá fora. Nossa
pequena estava no berçário, e eu estava dormindo enquanto
tinha chance. Você foi direto para vê-la, olhando pelo vidro
enquanto ela dormia.
Você perguntou sobre assinar a certidão de nascimento dela,
sobre se colocar como pai, mas disseram para você passar por
mim. Então veio ao meu quarto – ou assim me disseram,
porque eu nunca te vi. A porta estava aberta, e você ficou na
porta por um longo tempo, me observando dormir, antes de ir
embora.
Você saiu sem segurar sua filha.
Saiu antes de descobrir o nome dela.
Então você não sabe disso, mas aquela garota? Aquela linda
pequenina envolta em rosa no berçário? O nome dela é
Madison Jacqueline Garfield, e um dia você vai conhecê-la.
Algum dia, ela vai te chamar de papai. E quando isso acontecer,
ela vai roubar seu coração, e terá a chance que pediu. Mas
precisa estar pronto, Jonathan, porque ela está aqui e
esperando. Não a faça esperar muito antes de encontrar o
caminho de casa.
Capítulo 29
Kennedy

Olho para o relógio pela décima vez nos últimos cinco minutos,
deixando escapar um suspiro profundo enquanto me mexo na
cadeira. Em três minutos curtos, serão três horas.
— Ele não veio — diz Meghan.
Ela está sentada à minha direita, um assento vazio entre nós,
reservado para um Jonathan notavelmente ausente. Liguei para
ele uma dúzia de vezes na última meia hora, mas tudo que
recebo é sua mensagem de voz genérica. A pessoa para quem você
está ligando não está disponível.
Deixei algumas mensagens, dizendo que era melhor ele se
apressar, mas não ouvi nada.
— Ele estará aqui — eu digo. — Ele prometeu.
— É melhor ele vir — meu pai diz de seu assento à minha
esquerda. — Se o menino sabe o que é bom para ele.
Há uma zombaria atrás de mim, uma voz familiar
murmurando:
— Se estamos contando com Cunningham usando seu
cérebro, provavelmente ficaremos desapontados.
Eu me viro, vendo a Sra. McKleski sentada ali, tricotando...
sim, ela está tricotando. Eu nem tenho certeza de por que ela
está aqui. É uma apresentação pós-escola do jardim de infância.
Meu olhar varre o pequeno auditório, surpresa com quantas
pessoas vieram para ver um punhado de crianças fazendo uma
peça sobre o clima.
Olhando de volta para a Sra. McKleski, pergunto:
— O que você está fazendo aqui?
— Seu pai me convidou — diz ela.
Olho para meu pai, que dá de ombros.
— É o grande dia da minha neta. Eu queria que as pessoas
soubessem disso.
— Quantas pessoas você convidou?
— Metade da cidade — a Sra. McKleski responde por ele.
Balançando a cabeça, olho para a hora. 2:59.
Chamo Jonathan novamente. Correio de voz.
A professora sai pela beirada do palco, em frente à grande
cortina, no momento em que a hora muda, marcando três
horas.
Suspirando, eu desligo sem deixar uma mensagem,
guardando meu telefone. Não há mais nada que eu possa fazer.
Eu ouço as crianças se movendo atrás da cortina, entrando em
seus lugares, e tudo o que consigo pensar é em como Maddie
estará arrasada quando perceber que ele ainda não apareceu.
A cortina se abre, a peça começa.
Maddie está na parte de trás do palco, vestindo sua fantasia
– branca da cabeça aos pés, com um tutu fofo e flocos de neve
de papelão recortados amarrados às costas como asas.
Ela sorri animadamente, acenando para nós, mas não
demora muito para que ela perceba o assento vago. Meu pai
está gravando, e eu deveria dizer a ele para parar, porque não
tenho certeza se o primeiro coração partido dela é algo que
qualquer um de nós vai querer reviver, mas não consigo formar
essas palavras. Eu não posso me forçar a dizer isso.
Não consigo acreditar.
Apesar de tudo, ainda acredito nele.
Maddie está lá, não mais sorrindo, seu olhar examinando
cada rosto no auditório. Ela está ansiosa, e toda vez que ela olha
na minha direção, eu a vejo ficar um pouco mais triste. Uma
por uma, as crianças avançam para dizer suas falas. Quando é a
vez de Maddie, ela não se move.
Há um silêncio constrangedor.
A professora cutuca Maddie, sussurrando algo para ela.
Maddie dá alguns passos à frente, franzindo a testa. Outra longa
pausa.
Ela olha para mim.
Eu quero arrancá-la do palco e abraçá-la, fazer tudo isso ir
embora, mas em vez disso, eu dou um sorriso, esperando que
talvez isso a ajude.
Ela sorri de volta.
Assim que ela está prestes a falar, sua boca se abrindo, há um
barulho alto na parte de trás do auditório, a porta se abrindo.
Maddie olha, seus olhos se arregalando enquanto ela grita:
— Papai!
Murmúrios fluem pelo auditório. As pessoas se mexem em
seus assentos. Maddie corre para fora do palco, descendo o
corredor central o mais rápido que suas pernas podem levá-la.
Eu me viro, mais do que um pouco alarmada por ela estar
fugindo, e congelo quando o vejo. Ah meu Deus.
Jonathan está lá, da cabeça aos pés em traje completo de
Breezeo. Ele dá alguns passos à frente, pegando Maddie. Ela o
abraça, enquanto ele a carrega de volta pelo corredor,
ignorando os olhares que todos estão lançando para ele.
Confusão. Choque. Descrença. Há algumas risadas, alguma
empolgação, até mesmo um pouco de irritação com a
interrupção. Eu? Estou tentando não chorar no momento.
Jonathan deposita Maddie de volta no palco antes que seu
olhar encontre o meu. Ele se senta na cadeira ao meu lado,
sussurrando:
— Desculpe o atraso
— Ei pessoal! — Maddie anuncia, pulando direto em sua
fala. — O que tem seis braços e não tem nada igual no mundo
todo?
Um coro de crianças atrás dela diz:
— Um floco de neve!
— Este sou eu! — Maddie diz. — Estou caindo e caindo e
caindo. Para onde vou?
— Para o chão — dizem as crianças.
Ela se afasta, tomando seu lugar na parte de trás, a peça
continua como se a interrupção não tivesse acontecido.
Maddie não presta mais atenção na peça, olhando para o pai,
remexendo-se, sorrindo, como se estivesse apenas esperando
que acabe.
A professora a cutuca. Ela tem que dar a última fala da peça.
Maddie dá um passo à frente, e eu vejo quando ela fica em
branco. Ela esqueceu sua fala. Um segundo se passa, e depois
outro, antes que ela dê de ombros.
— Eu tenho uma fala aqui, mas não sei — diz ela. — Então,
vou improvisar como meu papai diz.
As pessoas ao nosso redor riem.
Jonathan balança a cabeça.
As crianças devem fazer fila e se curvar enquanto a multidão
aplaude, mas eles têm que fazer isso sem Maddie, porque ela
está fugindo do palco novamente. Jonathan se levanta,
pegando-a enquanto ela pula para o lado, nem mesmo se
preocupando em usar os degraus desta vez.
Meu pai para de gravar então, balançando a cabeça.
— Nunca há um momento de tédio com aquela garota.
— Eu sabia que você viria, papai! — Maddie diz quando ele
a coloca de pé. — Eu fiz uma boa atuação?
— A melhor — diz ele. — Me desculpe, eu perdi o começo.
— Está bem. — Ela encolhe os ombros. — Você não
precisava ver as outras pessoas, de qualquer maneira.
A peça chega ao fim oficialmente quando as crianças saem
do palco, encontrando suas famílias na plateia. É um caos
então, sem surpresa, enquanto as pessoas cercam Jonathan.
Meu pai pega a mão de Maddie, puxando-a para longe do
centro.
— Você foi muito bem, garota. Estou orgulhoso de você.
— Você gravou? — ela pergunta.
— É claro!
— Posso assistir? — ela pergunta, pulando. — Eu quero ver!
Ele entrega o telefone para ela, para que possa ver o vídeo,
enquanto a conduz em direção à saída. Meghan e eu estamos
logo atrás. Jonathan demora um pouco mais antes de seguir,
dando alguns autógrafos ao longo do caminho, antes de sair da
multidão quando estamos do lado de fora.
— Cunningham — meu pai diz. — Estou feliz em te ver.
— Você também, senhor — diz ele. — Estou feliz por estar
aqui.
É tudo tão cordial. Não parece muito com eles.
Mas tenho que me perguntar, enquanto eles apertam as
mãos e meu pai nos dá adeus antes de sair, se talvez eu esteja
errada sobre isso. Talvez sejam eles agora, o avô amoroso e o pai
que estão tentando ser melhores, não mais adversários em um
pesadelo político que se tornou pessoal.
Suas histórias também mudaram.
Seguimos para o estacionamento. Estacionado na frente do
Porsche azul, nem mesmo em um local adequado, está uma
caminhonete velha e esfarrapada, um cara familiar sentado no
capô. Jack.
— Conseguiu? — Jack pergunta, mastigando um pequeno
saco de batatas fritas.
— Bem a tempo — diz Jonathan, alisando o cabelo de
Maddie. — Ela estava prestes a dizer suas falas quando eu
entrei.
— Bom negócio — Jack diz, olhando para Maddie. —
Então você é a garota, hein? Ouvi muito sobre você.
— Quem é você? — ela pergunta, olhando para ele de volta.
— Meu nome é Jack — diz ele, estendendo seu saco de
batatas fritas para ela, oferecendo uma. — Fritas?
Ela olha para o pacote por um segundo antes de olhar para
Jonathan, sussurrando alto:
— Ele é um estranho? Porque então você tem que comer
um caso seja veneno.
— Eles são seguros — diz Jonathan. — Jack é um amigo.
Maddie pega uma frita, sorrindo para ele.
— Vocês são melhores amigos?
Jack faz uma careta em protesto.
— Eu não iria tão longe.
— Com licença, me desculpe — Meghan interrompe,
apontando para o irmão. — Eu odeio terminar o que quer que
seja, mas por que diabos você está vestindo isso? Está me
assustando. Tipo... é estranho.
Jack olha para ela com admiração, como se estivesse
percebendo sua presença agora. Ele estende seu pacote para ela.
— Fritas?
Meghan olha para ele, carrancuda, acho que ela pode estar
prestes a ferir os sentimentos dele, mas em vez disso ela estende
a mão, arrancando uma única frita e colocando-a na boca.
— Nós terminamos tarde — explica Jonathan. — Não tive
tempo de ir ao guarda-roupa. Inferno, eu nem peguei meu
telefone no trailer.
— Então é por isso que você não respondeu quando eu
liguei — digo. — Achei que você estava me evitando.
Jonathan coloca o braço em volta de mim, me puxando para
ele. Ele dá um beijo no topo da minha cabeça, sussurrando:
— Nunca.
— Ele literalmente fugiu do set — Jack diz com uma risada.
— A merda mais estranha que eu já vi, cara vestindo elastano
apertado sendo perseguido por um homem irritado de terno.
Foi tão ridículo, como uma cena arrancada diretamente de um
dos filmes estúpidos do Breezeo.
— Ei! — Maddie diz, estreitando os olhos para ele. — Não
diga isso! Breezeo não é estúpido!
— Diga a ele — diz Jonathan, cutucando-a.
— Foi mal — Jack diz, estendendo a bolsa novamente,
como uma oferta de paz. — Mais batatas fritas?
Maddie não hesita, pegando um punhado inteiro, tantos
que algumas caem no chão. Jack olha para ela chocado antes de
olhar dentro do pacote, segurando-o de cabeça para baixo.
Vazio.
— Você não merece nenhum — ela diz a ele. — Só se gostar
de Breezeo você pode ter um pouco.
— Ah, isso é injusto — diz ele. — Conta que eu amo os
quadrinhos?
Ela considera isso antes de entregar a ele uma única batata
quebrada.
Ele come, enquanto Meghan o encara com um olhar
peculiar no rosto.
— Então, Jack, como é que você conhece meu irmão? Você
não era, tipo, o traficante de cocaína dele, era?
Os olhos de Jack se arregalam quando olha para ela.
— Seu irmão?
— Essa é minha tia Meghan — Maddie diz a ele, terminando
o resto das batatas fritas.
— Meghan Cunningham — diz Meghan, estendendo a mão
enquanto se apresenta. — Meu irmão não reivindica nossa
família, então não estou surpresa que ele não tenha me
mencionado.
Jack pega a mão dela.
— Ah, ele mencionou você. Ele simplesmente falhou em me
dizer que você era tão linda.
Meghan pisca para ele, surpresa, suas bochechas ficando
rosadas quando ele beija as costas da mão dela. Ah meu Deus,
ela está corando.
— Bem, hum, obrigada — diz ela, afastando a mão.
— E eu não era o traficante dele — diz Jack. — Embora,
quem quer que seja, provavelmente seja podre de rico agora,
então eu meio que gostaria de ser. Mas não, eu ajudo a manter
o idiota sóbrio, o que realmente é um trabalho ingrato.
— Agradeço o tempo todo — diz Jonathan.
Jack acena para ele.
— Tanto faz cara.
— Então, você é um padrinho sóbrio — diz Meghan.
— Mais como um estagiário — ele diz a ela. — Não sou pago
por isso. Deveria, porém. Quero dizer, você já teve que lidar
com o cara?
Jonathan ri.
— Você sabe que estou aqui, certo?
— Impossível não te ver — Jack diz. — O que, com você
vestido como se fosse Comic-Con.
Meghan ri, como se ela achasse isso hilário.
— Bem, isso foi uma explosão, mas eu deveria ir. Maddie,
meu pão de banana com strudel e canela, você foi brilhante.
Obrigada por me convidar. Vejo vocês mais tarde. — Ela se vira,
olhando para Jack. — Foi um prazer. Espero que eu veja você
por aí.
— Pode contar com isso — Jack diz quando ela começa a se
afastar. Ele a observa por um momento antes de se virar para
Jonathan, levantando uma sobrancelha enquanto acena para
Meghan. — Ela pode ser minha recompensa?
— Nem pense nisso — diz Jonathan.
— Não vou pensar nisso — Jack diz, pulando do capô do
carro. — Eu só vou atrás.
— Boa sorte — digo, enquanto Jonathan resmunga,
olhando para Jack enquanto ele corre para alcançar Meghan.
— O que ele está fazendo? — Maddie pergunta, olhando
para mim.
— Acho que ele vai convidar sua tia Meghan para sair.
Seus olhos se arregalam.
— Como em um encontro?
— Sim — digo.
— Ah, diga a ela que ela é bonita! — Maddie grita, pulando.
— E traga flores! Certo, papai?
— Certo — diz Jonathan, embora ele não pareça tão
animado com a ideia quanto Maddie.
— Por que não os deixamos e voltamos para casa? — Eu
sugiro.
— Casa — diz Jonathan. — Parece bom.

◈◈◈

O caderno azul novo está sobre a mesa de centro, a caneta gel


em cima dele, a tinta quase esgotada porque eu a usei muito.
Jonathan para na frente dele na sala de estar.
— Vejo que você recebeu meu presente.
— Claro — eu digo, deslizando meus braços ao redor dele
por trás, descansando minha cabeça em suas costas. —
Obrigada.
— De nada — diz ele, me puxando para um abraço.
Ele me abraça, e eu sinto que estou derretendo em seus
braços, o calor me engolindo. Eu poderia me acostumar com
isso.
Me acostumar a tê-lo por perto.
— Por quanto tempo você ficará aqui? — Eu pergunto,
temendo sua possível resposta de que ficar aqui é temporário.
Ele não trouxe nada com ele – nenhuma roupa, nem mesmo
seu telefone. Pelo que sei, ele está apenas de passagem.
— Eu te disse antes de sair — diz ele. — Ficarei aqui pelo
tempo que quiser.
— Essa não é uma resposta real, Jonathan.
— Por que não é?
— Porque eu quero você desde que tinha dezessete anos.
Dizer isso é como prometer para sempre. Eu preciso de uma
resposta real.
Ele fica quieto por um momento, descansando a cabeça em
cima da minha antes de perguntar:
— O que há de errado com o para sempre?
— Nada — digo —, desde que você queira dizer isso.
— Acreditaria em mim se eu prometesse?
— Sim — sussurro. — É por isso que eu preciso que você
não o faça.
Ele suspira, afrouxando um pouco seu aperto para olhar
para mim. Seus olhos examinam meu rosto enquanto um leve
sorriso toca seus lábios.
— Eu posso ter destruído minha carreira hoje.
Eu pisco para ele.
— O que?
— É uma longa história — diz ele —, mas simplesmente não
posso continuar fazendo isso.
— Mas esse é o seu sonho.
— Os sonhos mudam — diz ele. — Do jeito que eu estava
vivendo... estava infeliz. Quero minha vida de volta, e vou
recuperá-la, porque perdi muito tempo. Eu nunca vou desistir
de atuar. É quem eu sou. Mas não é tudo o que sou. Sou pai e
quero ser o homem que você pensou que eu seria. Eu seria
muito mais feliz fazendo teatro comunitário, se chegasse a isso,
contanto que eu pudesse voltar para casa com você, do que
jamais seria como Johnny Cunning sem você. Então, se você
quiser para sempre, porra, eu estarei lá.
Meu coração, martela com força no meu peito, golpeando
violentamente minhas costelas. Quero falar muito, mas não sei
nem por onde começar. Culpa. Temor. Excitação. Um enxame
inteiro de borboletas esvoaça no meu estômago.
— Para todo sempre.
Ele balança a cabeça, sussurrando:
— Eu prometo.
— Ta-da! — O grito animado de Maddie quebra o
momento quando ela corre para a sala, vestida com sua fantasia
de Breezeo. Estamos em casa há dez minutos e ela já abandonou
a roupa de floco de neve. — Olha, papai! Nós estamos iguais!
Jonathan ri.
— Nós estamos.
— Vamos lá — diz ela, agarrando sua mão e puxando-a,
puxando-o para longe de mim. — Nós podemos brincar,
porque você está em casa agora!
Jonathan me lança um olhar conflitante.
— Prossiga. — Eu aceno para ele. — Vá se divertir sem mim.
Ele consegue me dar um beijo rápido antes que Maddie o
arraste para o quarto dela. Eles jogam por horas, parando
apenas para pegar sanduíches para o jantar.
A escuridão caiu no momento em que Jonathan ressurge,
me encurralando na cozinha. Ele envolve seus braços em volta
de mim por trás e beija meu pescoço. Eu cantarolo enquanto
arrepios percorrem minha espinha.
— Você terminou de jogar Breezeo agora?
— Estou apenas começando. — diz ele, me virando para que
eu esteja de frente para ele. — Maddie está dormindo, então
acho que é sua vez de se divertir um pouco. Lembro-me de
prometer uma vez que faria o que pudesse para que um dia você
me visse com essa fantasia.
Meu rosto fica quente.
— Você se lembra disso?
— Claro — diz ele. — É toda a razão pela qual eu fiz o teste.
— Você me disse que seu empresário o convenceu a não
fazer isso.
— Ele fez, mas eu disse foda-se. Ele me disse que eu não
tinha chance no inferno, mas você acreditou em mim, então fui
em frente, e olhe para mim agora.
Eu mal consigo olhar para ele. É impossível envolver minha
mente. É como se minha fantasia mais louca estivesse
convergindo com a realidade e meu cérebro não pudesse lidar
com isso. Como isso é real? Eu passo minhas mãos ao longo de
seu peito largo, sentindo o material escorregadio.
— Você consegue manter isso?
— Não deveria — diz ele. — Eles podem até chamar a
polícia porque eu peguei.
— Hum, então provavelmente devemos fazer bom uso disso
enquanto podemos, hein?
— Provavelmente deveríamos — ele concorda.
Eu grito quando ele me agarra, me levantando. Envolvendo
minhas pernas em volta de sua cintura, eu me agarro a ele
enquanto ele cambaleia para o quarto. Ele quase me derruba
duas vezes, o material tão escorregadio que quase perco o
controle, e sorrio quando caímos na cama, ele pousando bem
em cima de mim.
Ele me beija, a boca explorando avidamente enquanto me
tira das minhas roupas, as mãos tocando e acariciando cada
centímetro do meu corpo. Seus dedos, eles exploram, me
fazendo uma bagunça contorcida com apenas alguns golpes.
— Você vai ter que abrir a fantasia — diz ele. — Eu não
posso fazer isso sozinho.
— Hum, então o que você está dizendo é que se eu recusar,
não terá escolha a não ser continuar?
— É exatamente o que estou dizendo.
— Então por que eu iria ajudá-lo?
— Porque não posso foder você com esse traje — ele diz —
, e eu tenho uma sensação estranha de que você realmente quer
ser fodida agora.
Essas palavras incendeiam meu corpo, formigamentos
envolvendo cada centímetro da minha pele. Eu chego atrás
dele, puxando o zíper, puxando-o para baixo o máximo que
posso.
Ele se despe, e eu o observo, tentando não rir. Ele leva quase
dez minutos de luta antes de voltar para a cama.
— Meio que matou o clima, hein? — ele pergunta com uma
risada. — Destruiu mais de uma década de fantasias em apenas
alguns minutos.
— Isso requer alguma habilidade — digo. — Mas talvez, se
você for bom comigo, eu possa te perdoar.
— Eu posso fazer isso — ele murmura contra meus lábios,
em cima de mim, dentro de mim, sempre tão lentamente
empurrando. Ele faz amor comigo, me dando tudo dele, sem
pressa para que acabe.
Durante toda a noite, de novo e de novo, ele me leva ao
limite, deixando-me uma bagunça pegajosa e trêmula. A luz do
dia já está tentando atingir o pico, o céu lá fora começando a
clarear. Eu deito aqui, olhando para o teto. Meus músculos não
se importam mais em trabalhar.
Jonathan ainda está nisso, indo forte, seus lábios trilhando
ao longo do meu abdômen, indo cada vez mais para baixo,
enquanto ele acaricia minha coxa, o toque leve fazendo partes
de mim formigarem. Eu não sei como ele faz isso. Justo quando
acho que terminei, quando acho que não aguento mais.
— Ah Deus.
Sua boca está em mim, seu rosto enterrado entre minhas
coxas. Agarro seu cabelo, movendo meus quadris, incapaz de
ficar parada. Um minuto, talvez dois, antes que ele me faça ver
estrelas. Eu fecho meus olhos, gritando enquanto o prazer flui
através de mim em ondas.
Uma vez que eu relaxo novamente, respirando
pesadamente, ele beija ao longo da minha coxa antes de morder
suavemente. Rindo, eu o afasto enquanto fecho minhas coxas.
Eu nem tenho energia para lutar de verdade.
— Você está definitivamente perdoado — sussurro. — Isso
foi... uau.
Rindo, ele cai na cama.
— Graças a Deus, porque estou exausto.
— Eu também — digo. — Nem acho que posso chegar ao
chuveiro.
— Eu também. Inferno, nem tenho alguma roupa que eu
possa vestir. Não posso ligar para Jack para fazê-lo pegar minhas
coisas, já que não tenho meu telefone.
— Hum, bem, eu sei de uma maneira que você pode entrar
em contato com ele — digo, pegando meu telefone da mesa de
cabeceira. — Vou ligar para sua irmã.
Antes que eu possa tentar fazer a ligação, Jonathan pega o
telefone da minha mão e o joga atrás dele, jogando-o direto no
chão.
— Eu nem quero pensar nele estando em algum lugar com
minha irmã a esta hora. Prefiro ficar nu.
Sorrio, aconchegando-me contra ele, pressionando um beijo
leve em seu peito.
— Eu te amo, Jonathan.
— Eu também te amo. — Ele envolve seus braços em volta
de mim antes de sussurrar: — Você é a rainha, baby.
Epílogo
Um ano depois

Click. Click. Click.


O flash incessante das lâmpadas era brilhante e ofuscante
enquanto os estremecimentos das câmeras disparavam em
rápida sucessão, tirando dezenas de fotos a cada poucos
segundos, imortalizando o momento. Centenas – talvez
milhares – de fãs se alinhavam nas barricadas de metal ao longo
da rua em frente ao famoso teatro de Hollywood. As pessoas
acamparam por dias, desesperadas para fazer parte disso,
desesperadas para estar lá no tapete vermelho do Breezeo.
Thudum. Thudum. Thudum.
O batimento cardíaco irregular de Jonathan batia e ecoava
em seus ouvidos. Ele havia feito eventos suficientes ao longo
dos anos para que isso fosse fácil, mas estava nervoso. Não por
ele, não... por ela. A garotinha que se agarrava com força à sua
mão, usando um lindo vestido rosa que sua mãe havia
escolhido. Era sua primeira vez em Hollywood, a primeira vez
que estava envolvida nessa parte de sua vida.
Ele não queria que ela ficasse sobrecarregada.
— Johny! Johnny! Por aqui! — As pessoas gritavam ao
redor deles, tentando chamar sua atenção. — Deste jeito! Vire
à esquerda! À sua direita! Johnny, espere! Pare aí mesmo! Olhe
para cima!
Eles pararam para posar para mais fotos depois de caminhar
alguns metros, e Jonathan se inclinou para o nível dela, dando-
lhe um sorriso enquanto as câmeras continuavam a piscar.
— Você está bem? — ele sussurrou.
Ela assentiu, sorrindo, seus olhos azuis brilhando sob as
luzes.
— Estou sendo um floco de neve de novo, então não
consigo ouvir ninguém.
— Boa menina — disse ele. — Apenas continue sorrindo.
Jonathan se inclinou, beijando sua bochecha, enquanto um
coro de oohs e ahhs os cercava. Ela roubou os holofotes no
momento em que eles saíram da limusine, capturando a
atenção de todos, essa linda garotinha com estrelas nos olhos.
Click. Click. Click.
Eles continuaram andando pelo tapete, posando, antes que
os cerimonialistas os conduzissem para os meios de
comunicação. Entrevistas. Essa era a parte que ele mais odiava
– ser forçado a responder perguntas, algumas delas
desconfortáveis.
— Senhoras e senhores, o homem que vocês esperavam, a
estrela da noite – Johnny Cunning! — A pequena repórter
loira sorriu deslumbrantemente quando subiu na plataforma
circular para se juntar a ela para uma transmissão ao vivo. —
Como você está esta noite, Johnny?
— Maravilhoso — disse ele. — Feliz por estar aqui.
— Bem, devo dizer – você está realmente incrível —
declarou a repórter. — Você tem um brilho sobre você, e, na
minha opinião, isso pode ter algo a ver com esta preciosa
garotinha com você?
— Sem dúvida — disse ele. — Eu sou o homem mais
sortudo do mundo esta noite.
Perguntas. Tantas perguntas.
Ele respondeu tudo o que podia.
— Agora, antes de você ir, sabe que temos que perguntar —
diz a repórter. — Foi anunciado esta manhã que os quadrinhos
Breezeo estavam sendo relançados. Alguma chance de vermos
você voltar a vestir o traje para outro filme?
Ele sorriu.
— Neste momento, estou apenas tentando aproveitar
minha família, mas certamente não vou descartar nada.
Repetidamente, as perguntas fluíam – algumas pessoais,
mas a maioria não. Ele passou de repórter para repórter, uma
dúzia deles no total.
Toc. Toc. Toc.
Jonathan olhou para baixo enquanto Madison batia em sua
perna para chamar sua atenção depois que eles limpavam a
seção de mídia. Em seguida, ele dava autógrafos para os fãs, e
então eles entravam no cinema para assistir Ghosted.
— Papai, olhe, é Maryanne.
Ele se virou, olhando na direção que sua filha estava
olhando, vendo Serena Markson posando com seu par – o
novo cara de Hollywood, Gerard Jackson. Clifford Caldwell
espreitava perto deles, observando. Jonathan havia cortado
oficialmente os laços com o homem algumas semanas antes, no
momento em que seu contrato lhe deu uma abertura, e ele
assinou com outra pessoa – alguém que entendia que sua
família tinha prioridade.
Jonathan se virou, dando os autógrafos, conversando e
deixando que eles tirassem algumas fotos rápidas, antes de
conduzir Madison pelo tapete até a entrada do teatro.
Claque. Claque. Claque.
Os sapatos sociais de Madison bateram no chão de mármore
quando se aproximaram de um grupo reunido no saguão, o
som anunciando sua chegada. Sua equipe de pessoas, todas
novas – nova administração, novo RP, até mesmo um novo
advogado. Ele manteve seu agente, e ele ainda tinha Jack, mas
todo o resto exigia uma ficha limpa. Muito havia sido
contaminado por Clifford Caldwell.
O homem uma vez tentou manchar a mulher que amava
também. Jonathan aprendeu isso enquanto lia uma história
antiga rabiscada em um velho caderno espiral. Ele leu cada
palavra, não importa o quão dolorosa. Tudo o que ele não
sabia... ele sabia tudo agora.
Kennedy estava no meio do grupo, usando um vestido preto
simples. O diamante em seu dedo anelar esquerdo brilhava sob
as luzes do teatro enquanto ela mexia nele distraidamente.
Ela estava nervosa... nervosa demais para andar no tapete
vermelho.
Isso a deixou doente do estômago quando pensou sobre
isso.
Jonathan vendeu sua mansão em Los Angeles e construiu
uma casa em Bennett Landing, na mesma rua do Landing Inn,
tornando-os vizinhos de McKleski. Ele a pediu em casamento
por capricho, embora tivesse o anel por um tempo e, para sua
surpresa, ela disse sim sem precisar pensar nisso. Ele se
preocupou por um momento que eles pudessem estar se
movendo muito rápido, mas ele percebeu que não importava.
Ele tinha perdido muito tempo assim.
Ele não iria perder mais um segundo.
Tick. Tick. Tick.
— Podemos conversar um minuto? — Kennedy perguntou
quando deslizou para a multidão ao lado dela. As pessoas
afluíam constantemente ao teatro. Eles precisavam encontrar
seus lugares logo.
— Claro — disse ele, envolvendo o braço em volta da
cintura dela para puxá-la para ele, levantando a mão livre para
dizer ao seu novo empresário para esperar quando o homem
quase os interrompeu. — O que há de errado?
— Não há nada de errado — disse ela, sorrindo, um brilho
em suas bochechas coradas. E antes que ela pudesse abrir a boca
novamente, antes que pudesse dizer as palavras, ele já sabia, mas
ainda não deixou de chocá-lo quando ela sussurrou: — Estou
grávida.
Agradecimentos

Vinte anos atrás, publiquei minha primeira fanfic online – uma


história de terror cruzada *NSYNC & Tales From the Crypt.
Eu tinha quatorze anos na época. Dois anos antes disso, eu
escrevi uma peça de mitologia grega baseada na briga de rap da
Costa Leste/Costa Oeste entre Biggie e Tupac. Desde então,
escrevi inúmeras histórias abrangendo muitos fandoms,
algumas das quais ninguém nunca lerá, mas as escrevi porque
quis, porque algo me inspirou. Então, antes de tudo, eu preciso
reconhecer os fandoms, o material de origem e meus colegas
fangirls/fanboys. Sem essas comunidades, sem essas pessoas e
esses personagens, esses livros, bandas, filmes e shows, não sei
quem eu seria hoje. Eu certamente não seria uma escritora se
não fosse por eles (principalmente Crepúsculo, por me fazer
acreditar em mim mesma o suficiente para dar o salto para a
ficção original). Aos meus companheiros con-goers, aqueles
que dormiram nas calçadas para entrar em painéis e que
acamparam por dias para ver tapetes vermelhos. Eu nunca vou
esquecer as noites passadas online analisando fotos granuladas
cobertas de círculos vermelhos como se fôssemos detetives
particulares.
Aos meus amigos, família e a todos que me ajudaram ao
longo do caminho com seu livro – vocês sabem quem são. Eu
os amo e devo muito a vocês por sua ajuda e seu apoio. Aos
leitores, blogueiros e amantes de livros – muita gratidão.
Obrigada por dar uma chance às minhas palavras. Para
Kimberly Brower e sua equipe – obrigada por acreditarem em
mim!
Esther Cristofori, também conhecida como
"wickedalbion", desenhou a arte de Breezeo para este livro. Ela
é extremamente talentosa, e sua arte de fã roubou meu coração
no momento em que a vi. Estou extremamente honrada por ela
estar disposta a dar vida ao meu Breezeo. Dê uma olhada nela!
Sobre a autora

J.M. Darhower é autora best-seller do USA Today de


romances de suspense romântico sobre os piores bad boys e as
mulheres que os amam. Ela mora em uma pequena cidade na
Carolina do Norte, onde produz mais palavras do que jamais
verá a luz do dia. Ela tem uma profunda paixão pela política e
por se manifestar contra o tráfico de pessoas, e quando não está
escrevendo, geralmente fala sobre essas coisas.

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