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EUA: ‘Remain in Mexico’ prejudica crianças e famílias

Em dois anos de programa, milhares enfrentam violência, trauma, incerteza

A Honduran migrant mother and child wait in line for a dinner provided by volunteers at a makeshift encampment occupied by asylum seekers sent back to Mexico from the U.S. under the "Remain in Mexico" program, officially named Migrant Protection Protocols (MPP), in Matamoros, Tamaulipas, Mexico, October 27, 2019.  © 2019 REUTERS/Loren Elliott

(Washington, DC) – O programa do governo dos Estados Unidos, “Remain in Mexico” (“Fique no México”, em português), expõe crianças e adultos a danos graves e contínuos, incluindo sequestro e estupro, e deve ser encerrado rápido e definitivamente, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. O presidente eleito Joe Biden deve cumprir imediatamente sua promessa como candidato e encerrar o programa de dois anos.

O relatório de 103 páginas (em inglês), “‘Como se estivesse me afogando’: Crianças e famílias expostas à violência pelo programa dos  EUA ‘Remain in Mexico’”, é uma investigação conjunta da Human Rights Watch, do Programa de Saúde Mental e Direitos Humanos da Universidade de Stanford e da Clínica de Defesa da Criança e da Família da Universidade de Willamette. Crianças e adultos entrevistados descreveram ter sido abusados ​​sexualmente, sequestrados para pedido de resgate, extorquidos, roubados à mão armada e expostos a outros crimes sob os Protocolos de Proteção ao Migrante (MPP, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, conhecido como programa “Remain in Mexico”. Em muitos casos, eles disseram que esses ataques ocorreram imediatamente depois que as autoridades dos EUA os enviaram ao México para aguardar as audiências do tribunal de imigração dos EUA sobre seus pedidos de refúgio, ou quando retornaram das audiências. Testemunhas disseram que oficiais da imigração mexicana ou policiais cometeram alguns desses crimes.

“‘Remain in Mexico’ expôs, de forma desnecessária e previsível, crianças e adultos a um alto risco de violência e outros perigos”, disse Michael Garcia Bochenek, conselheiro sênior sobre direitos das crianças da Human Rights Watch e autor do relatório. “Reparar este dano levará tempo, mas o governo Biden deve começar imediatamente a permitir que as pessoas no programa retornem aos Estados Unidos enquanto seus pedidos de refúgio estão pendentes.”

A investigação contou com 52 pessoas entrevistadas que foram colocadas em MPP. A equipe de investigação também analisou arquivos de casos, incluindo documentos emitidos pela Alfândega, pela Patrulha de Fronteiras, pelo tribunal de imigração e, quando disponíveis, os registros médicos e os relatórios policiais sobre casos de violência no México para a maioria dos entrevistados, além de conversar com mais de 40 advogados, profissionais de saúde, funcionários de abrigos, voluntários, e outros que trabalham com famílias de migrantes.

As autoridades dos EUA enviaram mais de 69.000 requerentes de refúgio para algumas das cidades mais perigosas do México no âmbito do programa, incluindo bebês e crianças de todas as idades, alguns deles com deficiência.

O padrão exigido pelo programa para pessoas especialmente vulneráveis ​​é quase impossível de se cumprir, descobriram os grupos. “A impressão que as autoridades dos EUA parecem ter é que sequestro, estupro ou extorsão são corriqueiros”, disse um advogado de imigração.

Ao enviar dezenas de milhares de pessoas para cidades fronteiriças mexicanas que, de outra forma, teriam se dispersado pelos Estados Unidos, o programa piorou a condição de temas habitacionais, serviços de saúde e apoio. Abrigos para migrantes em Ciudad Juárez, Tijuana e outras cidades fronteiriças lotaram rapidamente. As condições são particularmente terríveis em Matamoros, onde entre 1.000 e 2.600 pessoas – ou mais – vivem em barracas com acesso inadequado a água potável ou saneamento básico.

As doenças se espalharam rapidamente nos alojamentos superlotados. As pessoas entrevistadas descreveram as lutas diárias para manter as condições de higiene para si e seus filhos. Doenças de pele, catapora e infecções respiratórias e intestinais são rotineiros, disseram autoridades, profissionais e voluntários da área de saúde.

A violência e as privações sofridas no México afetam o bem-estar mental. Adultos e crianças disseram que sofreram de maior ansiedade, estresse ou desesperança; mudanças de humor; uma sensação de estar sempre alerta; ou mudanças em seu comportamento. Os pais disseram que seus filhos tinham pesadelos, começaram a fazer xixi na cama, tornaram-se inquietos ou agressivos, ou tiveram dificuldades para interagir com outras pessoas. “Agora ele se incomoda facilmente, fica mais irritado, fica com nervoso facilmente”, disse o pai de uma criança de 5 anos. “Vimos uma mudança completa no menino.”

As crianças mostraram ansiedade significativa, medo intenso e outras mudanças de comportamento conforme os julgamentos do tribunal de imigração se aproximavam, mudanças que os pais relacionaram à angústia que seus filhos sofreram durante o tempo em que permaneceram nas celas da imigração após as audiências no tribunal, muitas vezes durante a noite. Esses pais disseram que se sentiram compelidos a escolher entre submeter seus filhos a traumas e perder suas audiências no tribunal de imigração.

“A constante ameaça de perigo, a exposição frequente a abusos e assédio, a falta de clareza sobre os caminhos para a proteção e a falta de acesso a suporte se combinam para criar e exacerbar o trauma”, disse o Dr. Ryan Matlow, professor clínico associado de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e membro da equipe de pesquisa. “Para muitas famílias, o resultado é sofrimento agudo grave, com potencial para consequências psicológicas e de saúde duradouras”.

Os frequentes adiamentos das audiências de refúgio desde março significam que a maioria das pessoas passam pelo menos um ano, e em muitos casos até mais, no México antes que os tribunais de imigração dos EUA julguem seus casos.

O programa enfrenta vários questionamentos jurídicos. Em um caso, um tribunal federal de apelações em São Francisco concluiu em fevereiro que o programa violou a lei federal e os tratados internacionais e causou “danos extremos e irreversíveis”. A Suprema Corte concordou em revisar a decisão ainda este ano.

O governo Biden deve agir rapidamente para encerrar o programa de forma justa e ordenada, disse a Human Rights Watch. Os Departamentos de Segurança Interna, Justiça e Estado devem desenvolver planos para que as pessoas no programa se apresentem a uma passagem de fronteira dos Estados Unidos e tenham permissão para entrar novamente no país até que seus pedidos de refúgio sejam julgados.

O governo dos EUA deve salvaguardar o direito dos requerentes de refúgio a uma audiência justa e oportuna, incluindo o estabelecimento de um sistema de tribunal de imigração independente com recursos adequados e fornecendo representação legal nomeada pelo tribunal para os solicitantes, ao menos para os de grupos vulneráveis.

“O MPP foi elaborado e executado por funcionários do governo dos EUA que sabiam ou deveriam saber que estavam colocando crianças em perigo”, disse Warren Binford, professor de direito da Universidade Willamette e membro da equipe de pesquisa. “Seria inconcebível para o governo Biden defendê-lo no tribunal.”

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