Conservadorismo autoritário
Conservadorismo autoritário (também conhecido como ultraconservadorismo) é uma ideologia política que reúne ideais conservadores com uma abordagem autoritária, buscando defender ordem social, tradição e hierarquia, muitas vezes com a supressão de revolucionários e radicais como comunistas e anarquistas.[1]
Na política contemporânea, o termo ultraconservadorismo, também usado para se referir ao fundamentalismo religioso, chega a ser empregado por críticos de políticos/partidos defensores de um conservadorismo que não se adequa à política constitucional, é baseado em preceitos religiosos (direita cristã) e amistoso ao neoliberalismo,[2] ao populismo de direita[2] e, em muitos casos, ao militarismo.
Entre algumas das figuras políticas classificadas como conservadoras autoritárias ou ultraconservadoras estão o monarca iugoslavo Alexandre I, o chanceler austríaco Engelbert Dollfuss, o ditador chileno Augusto Pinochet,[3] o ex-presidente peruano Alberto Fujimori, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu,[4] o político chileno José Alberto Kast,[5][3] o presidente salvadorenho Nayib Bukele,[3][6] entre outros.
Ideologia
[editar | editar código-fonte]Raízes históricas
[editar | editar código-fonte]Os dois antepassados filosóficos do conservadorismo, Edmund Burke e Joseph de Maistre, inspiraram duas formas distintas de conservadorismo. Enquanto o primeiro estava enraizado numa tradição Whig mais libertária, o último era ultramontano, ultrarrealista e, em última análise, autoritário.[7]
G. W. F. Hegel também foi identificado como um dos mais importantes filósofos conservadores.[8] Especialmente a sua obra de 1821, Princípios da Filosofia do Direito, exerceu uma influência poderosa sobre a ideologia conservadora.[9] Por isso, liberais clássicos criticam Hegel: Karl Popper identificou Hegel como o principal ideólogo do estado autoritário prussiano e o considerou um dos principais inimigos ideológicos de uma sociedade aberta,[10] e Isaiah Berlin o acusou de ser um dos arquitetos do autoritarismo moderno.[11]
Relação com o fascismo
[editar | editar código-fonte]Os movimentos conservadores autoritários foram proeminentes na mesma época do fascismo, com o qual por vezes entrou em conflito.[12] Embora ambas as ideologias partilhassem princípios fundamentais, como a defesa de valores tradicionais e identidade nacional, e tivessem inimigos comuns, como o comunismo e o materialismo, havia, no entanto, um contraste entre a natureza tradicionalista do conservadorismo autoritário e a natureza revolucionária, palingenética e economicamente intervencionista[13] do fascismo. Portanto, era comum que regimes conservadores autoritários suprimirem movimentos fascistas e nacional-socialistas em ascensão.[14] A hostilidade entre as duas ideologias é evidenciada pela luta pelo poder na Áustria, que foi marcada pelo assassinato do estadista ultracatólico Engelbert Dollfuss pelos nacional-socialistas austríacos. Da mesma forma, os fascistas croatas assassinaram o rei Alexandre I da Iugoslávia.[15]
O jornalista e autor britânico Edmund Fawcett explica a diferença entre fascismo e conservadorismo autoritário:
O fascismo, para esquematizar, é uma forma de totalitarismo. Impõe controle sobre todos os aspectos do Estado, da sociedade, da economia e da vida cultural. Funciona através de um partido único com uma ideologia abrangente, geralmente sob um líder carismático que afirma falar em nome do povo. Os seus inimigos são o pluralismo e a diversidade. O fascismo sufoca a oposição através da violência e do medo e estabiliza-se através da mobilização do envolvimento popular. O autoritarismo, pelo contrário, permite organismos econômicos e sociais independentes, formas de representação limitada e um certo grau de liberdade religiosa. O seu inimigo é a participação democrática. Também sufoca a oposição através da violência e do medo, mas estabiliza-se confiando na aquiescência passiva numa troca entre tranquilidade social e perda de papel político. O fascista é um não conservador que leva o antiliberalismo ao extremo. O autoritário de direita é um conservador que leva o medo da democracia ao extremo.[16]
A direita conservadora autoritária distingue-se do fascismo na medida em que tais conservadores tendiam a usar a religião tradicional como base para as suas opiniões filosóficas, enquanto os fascistas baseavam as suas opiniões no vitalismo, no irracionalismo ou no neoidealismo secular.[17] Os fascistas muitas vezes recorreram a imagens religiosas, mas usaram-nas como um símbolo para a nação e substituíram a espiritualidade pelo ultranacionalismo e pela estatolatria. Mesmo no mais religioso dos movimentos fascistas, a Guarda de Ferro romena, Cristo foi despojado do genuíno mistério sobrenatural e reduzido a uma metáfora para a redenção nacional.[18]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Freeden, Michael; Sargent, Lyman; Stears, Marc (15 de agosto de 2013). The Oxford Handbook of Political Ideologies (em inglês). [S.l.]: OUP Oxford. pp. 294–297. ISBN 978-0-19-958597-7
- ↑ a b Nelson, Linda Williamson; Robison, Maynard T. (2013). «Which Americans Are More Equal and Why: The Linguistic Construction of Inequality in America». Race, Gender & Class (em inglês). 20 (1/2): 294–306
- ↑ a b c «Ultraconservadores e nostálgicos de Pinochet, a rápida ascensão da direita radical no Chile». Folha de Pernambuco. 11 de maio de 2023. Consultado em 25 de setembro de 2023
- ↑ «Novo governo ultraconservador de Netanyahu atrai críticas dentro e fora e Israel». UOL. 23 de dezembro de 2023. Consultado em 7 de fevereiro de 2024
- ↑ Duchiade, André (19 de dezembro de 2021). «Quem é José Antonio Kast, o ultraconservador católico que radicalizou a direita do Chile». O Globo. Consultado em 25 de setembro de 2023
- ↑ «El Salvador torna-se o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda corrente». Valor Econômico. 9 de junho de 2021. Consultado em 25 de setembro de 2023
- ↑ Fawcett, Edmund (2020). Conservatism: The Fight for a Tradition (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press. pp. 6–7. ISBN 9780691174105
- ↑ Herbert, Tingsten (1966). De konservativa idéerna (em sueco). [S.l.]: Aldus/Bonniers. pp. 18 e 74. OCLC 1166587654
- ↑ Söderbaum, Jakob E:son (2020). Modern konservatism: Filosofi, bärande idéer och inriktningar i Burkes efterföljd (em sueco). [S.l.]: Recito. pp. 161–175. ISBN 978-91-7765-497-1
- ↑ Popper, Karl (2015). The Open Society and Its Enemies (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 9781138126800
- ↑ Berlin, Isaiah (2003). Freedom and Betrayal: Six Enemies of Human Liberty (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press
- ↑ Blinkhorn, Martin (1990). Fascists and Conservatives: The Radical Right and the Establishment in Twentieth-century Europe (em inglês). [S.l.]: Psychology Press. p. 10
- ↑ Powell, Jim (22 de fevereiro de 2012). «The Economic Leadership Secrets of Benito Mussolini». Cato Institute (em inglês). Consultado em 7 de fevereiro de 2024
- ↑ Blamires, Cyprian; Jackson, Paul (2006). World Fascism: A Historical Encyclopedia, Volume 1 (em inglês). [S.l.]: ABC-CLIO. p. 21. ISBN 978-1576079409
- ↑ Tomasevich, Jozo (2001). War and Revolution in Yugoslavia, 1941–1945: Occupation and Collaboration (em inglês). [S.l.]: Stanford University Press. pp. 33–34. ISBN 978-0-8047-3615-2
- ↑ Fawcett, Edmund (2020). Conservatism: The Fight for a Tradition. [S.l.]: Princeton University Press. p. 263. ISBN 9780691174105
- ↑ Payne, Stanley G. (1996). A History of Fascism, 1914–1945 (em inglês). [S.l.]: University of Wisconsin Press. p. 16. ISBN 978-0299148737
- ↑ Blamires, Cyprian; Jackson, Paul (2006). World Fascism: A Historical Encyclopedia, Volume 1 (em inglês). [S.l.]: ABC-CLIO. p. 10. ISBN 978-1576079409