Catenária
Em matemática, catenária é a curva assumida por uma corrente ou cabo flexível suspensa fixada apenas por suas extremidades e sujeita somente à força de seu próprio peso (gravidade). A curva catenária tem um formato semelhante a letra U ou a um arco de parábola e é bastante comum, estando presente, por exemplo, no design de alguns arcos arquitetônicos.
Aspectos históricos
[editar | editar código-fonte]A palavra "catenária" vem do Latim catena,[1] que significa corrente. Christiaan Huygens foi o pioneiro no uso do termo catenária em uma correspondência com Gottfried Leibniz em 1690.[2]
O problema de descrever matematicamente a curva catenária foi proposto, oficialmente, por Jakob Bernoulli, que, em 1690 no Acta Eruditorum, periódico científico da época, lançou o desafio: “E agora vamos propor este problema: encontrar a curva formada por um fio pendente, livremente suspenso a partir de dois pontos fixos”.[3] Anteriormente, Galileu Galilei já havia demonstrado interesse no problema e propôs que a curva, devido a sua aparência, seria aproximadamente uma parábola.[4] No entanto, em 1646 Christiaan Huygens, aos 17 anos, demonstrou que a catenária não poderia ser uma parábola. Demonstração realizada também por Joachim Jungius em 1627, divulgada, contudo, postumamente, em 1669.[5][6] As resoluções corretas para o problema, apresentadas por Gottfried Leibniz, Huygens e Johann Bernoulli, foram publicadas em junho de 1691 no Acta Eruditorum.[3]
Na arquitetura, o pioneiro a propor a curva catenária no design de arcos foi o cientista Robert Hooke. Motivado pela reconstrução da Catedral de São Paulo, em Londres, buscava o formato ideal para a construção de arcos, feito com a menor quantidade possível de materiais[7] e com boa estabilidade. Em 1671 anunciou a The Royal Society que havia descoberto a maneira ideal de construir arcos, sem, no entanto, dizer qual seria.[8] Em 1675, publicou no apêndice do seu livro “A Description of Helioscopes and Some Other Instruments” um anagrama encriptado que revelaria, nas suas palavras, “a verdadeira forma matemática e mecânica para a construção de arcos de todos os tipos”, no entanto, não divulgou a resolução do anagrama enquanto vivo. Somente em 1705, dois anos após seu falecimento, o responsável pelo espólio de Hooke publicou a solução: “Ut pendet continuum flexile, sic stabit contiguum rigidum inversum”,[9] o que significa “Assim como uma forma flexível e contínua fica pendurada, quando invertida, permanecerá contiguamente rígida”.
Descrição matemática
[editar | editar código-fonte]A equação da catenária em coordenadas cartesianas é dada pelo cosseno hiperbólico e a sua equivalente exponencial:[5][10]
na qual o parâmetro relaciona a componente horizontal da tensão () com o peso por unidade de comprimento .
A equação de Whewell é:[5]
na qual é o comprimento de arco e o ângulo entre a reta tangente à curva e o eixo .
na qual é a curvatura.
A equação do raio de curvatura é:
Propriedades
[editar | editar código-fonte]Quando uma parábola rola sem deslizar sobre a reta tangente à sua curva, a rolete traçada pelo seu foco (denominado gerador ou polo) é uma catenária.[12][13]
A envolvente de uma catenária é uma tractriz.[14]
Rodas em forma de qualquer polígono regular, com exceção do triângulo, conseguem rolar sem saltar em uma superfície constituída por saliências de catenárias invertidas, desde que as dimensões das catenárias e do polígono sejam coerentes.[15][16]
A revolução da catenária em torno de um eixo adequado gera a superfície de mínima área catenoide, que é a forma assumida por uma película de água e sabão limitada por dois círculos, demonstração feita por Euler em 1744.[11]
Análise
[editar | editar código-fonte]No problema da catenária existem duas condições importantes: o cabo é considerado flexível, logo as tensões são sempre tangentes a curva, e está em equilíbro, ou seja, as forças resultantes nas direções x e y devem ser nulas. A partir destas duas condições são obtidas as equações que darão início à demonstração matemática.
Considerando, primeiramente, o comprimento de arco entre o ponto mais baixo da curva Po (0,y) e P1 (x,y). Neste pedaço da curva atuam três forças: a tensão To no Po, a tensão T no P1 e a força peso. A To atua somente na direção x, sendo seu vetor definido como (,0). A força peso atua somente na direção y, sendo seu vetor definido como (0, -), no qual é o peso por unidade de comprimento. A tensão T atua na direção da reta tangente à curva no ponto P1 (devido à flexibilidade do fio) e pode ser decomposta em dois vetores paralelos aos eixos x e y, sendo seu vetor definido como (, ) ou (, ).
Devido à condição de equilíbrio:
Na direção x: (1)
Na direção y: (2)
Dividindo a equação (2) pela (1):
(3)
sendo que é conveniente definir o parâmetro .
Observação: A solução da equação (3) é a função que descreve a catenária. Para resolvê-la é necessário expressá-la com apenas duas variáveis (x e y(x)) em vez de três (x, y(x) e s(x)) por isso é preciso diferenciar em relação a x e substituir o termo referente ao comprimento de arco.
(4)
A partir da fórmula do comprimento de arco tem-se que:
(5)
Substituindo a equação (5) na (4):
(6)
que é uma Equação Diferencial Ordinária de segunda ordem redutível à primeira ordem através de uma substituição de variáveis.
Separando as variáveis e integrando:
obtém-se:
Como no ponto P1 a derivada é positiva, o termo será positivo.
Isolando , ou seja, , e integrando:
A constante C pode ser igualada a 0 dependendo da posição do eixo y, portanto:
.
Aplicações
[editar | editar código-fonte]Uma força aplicada em um ponto qualquer da curva é distribuída igualmente por todo material, proporcionando maior estabilidade à estrutura.[17] Por isso é amplamente utilizada na construção de arcos arquitetônicos, domos de catedrais e até iglus.[18] Geralmente, pontes pênseis assumem a forma de uma parábola, embora frequentemente esta forma seja confundida com a catenária.[10][19][20]
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Arcos em forma de catenárias invertidas na Casa Milà (Barcelona, Espanha).[21]
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Gateway Arch: Arco em forma de catenária invertida achatada (St. Louis, Estados Unidos).[22]
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Arco em forma de catenária invertida de tijolos de barro.
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Teto da estação ferroviária Keleti tem forma de catenária invertida (Budapeste, Hungria).[19]
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Iglus são construídos com base na forma da catenária invertida (considerando a seção).
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Marquette Plaza, arranha-céu com arco de catenária em seu design (Mineápolis, Estados Unidos).[23]
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O domo da Catedral Santa Maria del Fiore tem a forma de uma catenária invertida (considerando a seção (Florença, Itália).[24]
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Cabos suspensos entre dois pontos formando catenárias.
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Catenárias em uma teia de aranha
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Corrente suspensa formando uma catenária.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ «Etimología de catenaria». Consultado em 20 de março de 2020
- ↑ «Catenary». Janeiro de 1997. Consultado em 22 de março de 2020
- ↑ a b MAOR, Eli (2008). e: A história de um número. Rio de Janeiro: Record
- ↑ FAHIE, John Joseph (1903). Galileo, his life and work [Galileu, sua vida e trabalho] (em inglês). Londres: John Murray. p. 360.
- ↑ a b c Lockwood, Edward Harrington (1961). A Book of Curves [Um Livro das Curvas] (PDF) (em inglês). [S.l.: s.n.] p. 119-124. Consultado em 22 de março de 2020
- ↑ Leibniz, Gottfried Wilhelm (1995). La naissance du calcul différentiel: 26 articles des "Acta Eruditorum" [O nascimento do cálculo diferencial: 26 artigos do "Acta Eruditorum"] (em francês) 2.ª ed. [S.l.: s.n.] p. 192. Consultado em 22 de março de 2020
- ↑ «Maths in a minute: St Paul's dome». 8 de setembro de 2011. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ Jardine, Lisa (2001). «Monuments and microscopes: scientific thinking on a grand scale in the early Royal Society.» [Monumentos e microscópios: pensamento científico em grande escala no início da Royal Society]. Notes and Records of the Royal Society of London (em inglês). Londres. Consultado em 22 de março de 2020
- ↑ Página arquivada «Arch Design». 2002. Consultado em 22 de março de 2020
- ↑ a b Brietzke, Eduardo H. M. «Cabo Suspenso». Consultado em 29 de março de 2020
- ↑ a b Weisstein, Eric W. «Catenary». Consultado em 29 de março de 2020
- ↑ Transactions of the Royal Society of Edinburgh. [S.l.]: The Society. 1849. p. 526. Consultado em 31 de março de 2020
- ↑ Gilbey, Julian. «Rolling a parabola». Consultado em 31 de março de 2020
- ↑ Weisstein, Eric W. «Tractrix». Consultado em 31 de março de 2020
- ↑ Serras, Herman. «Polygonal wheels». Consultado em 31 de março de 2020
- ↑ Peterson, Ivars. «Riding on Square Wheels». Consultado em 31 de março de 2020
- ↑ Raposo, Claúdia Sofia Carrilho Morgado (2013). Curvas Famosas e não só: teoria, histórias e atividades (PDF) (Tese de Mestrado). Universidade de Lisboa. p. 26. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ Handy, Richard L. (1973). «The igloo and the natural bridge as ultimate structures.» [O iglu e a ponte natural como as melhores estruturas.] (PDF). Artic (em inglês). Estados Unidos. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ a b Matthews, Bennie (2019). Statics and Analytical Geometry. [S.l.]: Scientific e-Resources. p. 276. 296 páginas. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ «Equilíbrio de cabos suspensos». Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ «The inverted catenary arch». Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ Osserman, Robert (2010). «Mathematics of the Gateway Arch» (PDF). Notices of the AMS. 57 (2): 220-229. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ «Marquette Plaza». Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ LaRouche, Lyndon (2017). The State of Our Union: The End of Our Delusion!. [S.l.]: Executive Intelligence Review. Consultado em 30 de março de 2020
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Simmons, George F.. Cálculo com geometria analítica, vol 1. 1aedição. São Paulo: McGraw-Hill Ltda, 1987.
- Faria, Sirlene Rezende de. A catenária. Disponível em <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-94QMAZ/1/a_catenaria.pdf>. Acessado em 6 de outubro de 2019.