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Acordos de Roboré

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Os Acordos de Roboré foram tratados polêmicos celebrados entre Brasil e Bolívia, em 29 de março de 1958.[1] São compostos de 31 documentos, sendo 10 convênios, 11 protocolos e 10 notas reversais[2], que tratam de assuntos como a exploração do petróleo da Bolívia; a ferrovia Corumbá—Santa Cruz de la Sierra, cujo último trecho havia sido inaugurado em janeiro de 1955; e a circulação de mercadorias bolivianas.

Os Acordos de Roboré foram atualizações do Tratado de 1938, assinado pelos dois países quando, no Brasil, não havia a Petrobrás, e, na Bolívia, como reação à derrota na Guerra do Chaco, as concessões da Standard Oil Co. foram retiradas e se criou a empresa estatal YPFB. Para o governo da Bolívia, a aproximação com o Brasil era necessária com vistas a evitar que outros vizinhos usurpassem ainda mais a soberania boliviana, cujo território foi diminuindo pela voracidade dos países fronteiriços, numa série de conflitos ocorridos desde o século XIX.[2]

Quando José Carlos de Macedo Soares e Manuel Barrua Pelaéz, chanceleres de Brasil e Bolívia, respectivamente, assinaram esses acordos, os dois vizinhos estavam retomando um tratado acertado 20 anos antes, em 1938, que, apesar do tempo, não saiu do papel.[2]

Em 1938, o tratado previa prospecção e sondagem em território boliviano, numa parceria entre empresas brasileiras e bolivianas, em sociedades de capital misto. Somente em nota reversal de 1952, porém, estabeleceu-se a área precisa para exploração: 32.000 km2. No governo Café Filho, entendendo que o Brasil não cumpriria a sua parte, o Presidente Paz Estenssoro cobrou uma posição do país, pedindo que o governo brasileiro abrisse mão da área delimitada para que a Bolívia a explorasse (ou entregasse a quem o quisesse). Ao assumir o ministério das Relações Exteriores, em 1956, Macedo Soares viu a nota de Café Filho sobre a desistência do Brasil no tratado e, aproveitando a visita do recém-eleito presidente boliviano ao Brasil, iniciou novos entendimentos no sentido de reatar o acordo. Naquele ano, assumiram a presidência de seus respectivos países, Juscelino Kubitschek, em janeiro, e Hernán Siles Zuazo, em agosto. Este último propôs, então, que os dois chanceleres se encontrassem na fronteira entre os dois países e discutissem o assunto. Daí resultaram os 31 documentos apontados anteriormente.[2]

Ainda que a pedra de toque dos acordos firmados fosse o petróleo, havia outros compromissos firmados que compunham a totalidade dos entendimentos entre os dois países. Assim, um convênio cultural previa o intercâmbio de pessoas, informações e material educativo, professores, bolsistas e reconhecimento recíproco de diplomas universitários. No campo comercial, estimava-se o intercâmbio de artigos e gado, a instalação de uma agência do Banco do Brasil em La Paz, créditos para a borracha produzida na Bolívia e compra dessa borracha, além da abertura dos portos brasileiros (Belém, Manaus, Porto Velho, Corumbá e Santos) para circulação e operações comerciais do país vizinho. Ainda, o Brasil facilitaria a aquisição de terrenos para construção de armazéns em nosso território, bem como a instalação de telégrafo ligando Santa Cruz de la Sierra à Corumbá. Seria criada, também, uma comissão especial para estudar a construção da estrada de ferro ligando essas duas localidades, e o Brasil liberaria, imediatamente, oitocentos milhões de cruzeiros iniciais para a realização destes projetos.[2]

Recebeu a crítica dos nacionalistas e de outros setores da sociedade brasileira, que classificaram os acordos de “entreguistas”. Isso porque o Brasil, ao rever um acordo firmado com a Bolívia em 1938 (gestões Getúlio Vargas e Germán Busch), acabou cedendo territórios, abrindo mão de garantias de dívida e perdendo na negociação que envolvia o petróleo.[3]

Na época, essas medidas não foram examinadas pelo Congresso Nacional por serem notas reversais, isto é, notas que dispensam a aprovação do Legislativo. Mais tarde, em 1961, o ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, informou que submeteria quatro reversais ao exame do Congresso, visto que tratavam de assuntos que não deveriam estar em notas reversais, e que, pela sua magnitude, exigiam aprovação legislativa.[4] Foram, enfim, ratificadas por decreto legislativo em 30/09/1968.[5]

Foi firmado no Rio de Janeiro, entre Brasil e Bolívia, em 25 de fevereiro de 1938, e foi ratificado pelo Brasil, em 5 de setembro, e promulgado em 5 de outubro do mesmo ano, através do Decreto nº 3.131, assinado pelo presidente Getúlio Vargas e o chanceler Osvaldo Aranha.

O governo brasileiro foi motivado pelo desencadeamento iminente da Segunda Guerra Mundial e as consequências nas áreas mundiais produtoras de petróleo, que poderiam afetar o suprimento do país. No momento da assinatura, no Rio de Janeiro, a junta militar de governo da Bolívia foi representada pelo ministro Alberto Ostría Gutierrez, e o Brasil, pelo chanceler Pimentel Brandão, que pouco tempo depois foi substituído por Osvaldo Aranha, quem assinou o decreto de ratificação.[6][7]

Foram 11 artigos que propuseram determinadas obrigações:

  1. "os governos dos dois países efetuariam sondagens topográficas e geológicas com o objetivo de verificar as reais potencialidades das jazidas petrolíferas da zona subandina boliviana;
  2. os estudos seriam desenvolvidos por técnicos dos dois países interessados, que constituiriam uma comissão composta de geólogos, engenheiros, petrógrafos e topógrafos;
  3. os governos do Brasil e da Bolívia seriam responsáveis pelo custeio das despesas relacionadas com o trabalho de campo executado, calculado na época em um milhão e meio de dólares;
  4. as entidades beneficiadas com as pesquisas reembolsariam os governos brasileiro e boliviano;
  5. para início dos trabalhos de sondagens, o Brasil adiantaria a cifra de 750 mil dólares;
  6. a exploração da zona subandina teria de ser efetuada por sociedades mistas brasileiras e bolivianas;
  7. às empresas mistas de procedência brasileira e boliviana seriam concedidos privilégios para a construção de oleodutos;
  8. o Brasil se comprometeria a criar entidade autárquica de refinaria, meios de transportes e sistema de distribuição de derivados, dando preferência à compra do petróleo boloviano;
  9. ambos os governos dariam, em seus territórios, garantias para o desenvolvimento de atividades industriais relacionadas com o aproveitamento do petróleo boliviano;
  10. o Brasil daria livre trânsito, em seu território, ao petróleo boliviano destinado à exportação;
  11. os dois países formalizavam compromissos para cumprimento dos ajustes constantes dos itens anteriores."[8]
Mapa elaborado pelos bolivianos. A linha pontilhada mostra a fronteira de acordo com o Tratado de 1928 e as Reversais de 1941. A linha cheia é a criada pelos Acordos de Roboré. A área que existe entre uma e outra é a que o governo boliviano, sob as ordens de Henry Holland, ganhou.[9]

Notas Reversais de 1958

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Em 1938, o contexto de cada parte no acordo era bem diferente, por isso os governos perceberam que havia a necessidade de atualização e, assim foi feito, quando esses tratados foram atualizados por meio de Notas Reversais em 1958, em La Paz. Essas Notas foram assinadas pelos chanceleres José Carlos de Macedo Soares (Brasil) e Manuel Barrau Peláez (Bolívia).[10]

A nota reversal de número 1 acarretou perdas territoriais ao Brasil que causaram revolta em setores da sociedade e gerou a alcunha de Traição de Roboré.[9]

Segue o texto: A Comissão Mista Demarcadora de Limites Brasileiro-Boliviana efetuará a demarcação a que se refere a cláusula VII das Notas Reversais de 29 de abril de 1941, pela forma seguinte: a partir do marco do Morro dos Quatro Irmãos, seguirá a linha de fronteira em direção a um ponto sobre a margem norte da Baía Grande (Laguna Del Marfil) de forma a que a Baía Grande fique dividida em duas partes iguais aproximadamente. A partir deste ponto, seguirá em linha reta até o marco do Turvo, continuando para Leste pelo paralelo que passa por este marco, até a sua interseção com a geodésica que une o marco de Quatro Irmãos com a nascente do Rio Verde, reconhecida em 1909 pela Comissão Mista Demarcadora de Limites Brasileiro-Boliviana, e por esta geodésica até a nascente reconhecida em 1909 acima referida.[5]

Conforme Gondin da Fonseca, apenas no setor do Rio Verde, o Brasil perdeu uma área maior que a do finado Estado da Guanabara.[9] Em 1908, o Coronel Fawcett (P. W. Fawcett) chefiava na Bolívia uma expedição em cata da nascente do Rio Verde, e em 1909, informou tê-la encontrado. Todavia, o Brasil nunca a reconheceu como tal. Por não a termos reconhecido é que se formou em 1944 uma Comissão Mista Brasileiro-Boliviana a fim de a descobrir. Chefiava a expedição brasileira o então Coronel Sebastião Claudino de Oliveira e Cruz. Depois de meses de trabalho no campo, essa Comissão Brasileiro-Boliviana descobriu, em 1945, a verdadeira nascente do Rio Verde. Uma ata foi lavrada e um mapa assinado por brasileiros e bolivianos. A nascente real do Rio Verde, — asseverou em 1945 a Comissão Mista Brasileiro-Boliviana, — assinala-se a 14 graus, 49 minutos, 6 segundos e 15 centésimos de latitude sul e 60 graus, 26 minutos, 9 segundos e 76 centésimos de longitude oeste. Contudo, Juscelino Kubitschek ignorou os estudos da comissão e cedeu aos desejos bolivianos.[9]

Já no setor dos Quatro Irmãos, Juscelino Kubitschek aceitou criar um marco no meio da Bahia Grande, que não existia nos tratados anteriores, pois os bolivianos careciam de uma fonte de água potável para seu gado na região.[9]

O supracitado general Sebastião Claudino de Oliveira e Cruz foi uma das personalidades que mais se indignaram com a conduta do governo brasileiro, tendo escrito uma carta que entregou em mãos ao ministro J. C. Macedo Soares. Tal carta foi transcrita, quase na íntegra, na edição número 152 do Jornal O Semanário. [9]

Referências

  1. «Ministério das Relações Exteriores». www.itamaraty.gov.br. Consultado em 13 de julho de 2020 
  2. a b c d e Casas Vilarino, Ramon (2006). Os Acordos de Roboré - Brasil, Bolívia e as questões do petróleo, desenvolvimento e dependência no final dos anos 1950 (PDF). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
  3. Cervo, Amado Luiz & Clodoaldo Bueno; "História da política exterior do Brasil", p. 304.
  4. CASAS VILARINO, RAMON (2005). «POLÍTICA IMPERIALISTA NOS TRÓPICOS : OS ACORDOS ENTRE BRASIL E BOLÍVIA» (PDF). Londrina. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. Consultado em 13 de julho de 2020 
  5. a b «Notas Reversais de Roboré - Brasil/Bolívia». 29 de março de 1958. Consultado em 6 de abril de 2025 
  6. Boletín CDD. [S.l.]: SIIS - Centro de Documentacion y Estudios 
  7. Lemos, Walter Gustavo da Silva. Os acordos de Roboré e o pensamento geopolítico brasileiro / Walter Gustavo da Silva Lemos. – Porto Alegre, 2015.
  8. Brasil, CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. «ROBORE, ACORDO DE». CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 13 de julho de 2020 
  9. a b c d e f da Fonseca, Gondin (26 de Março a 1° de Abril de 1959). «Juscelino e a Traição de Roboré» (PDF). O Semanário. O Semanário (152): 1,3. Consultado em 6 de abril de 2025  Verifique data em: |data= (ajuda)
  10. «FRONTEIRA BRASIL / BOLÍVIA». info.lncc.br. Consultado em 13 de julho de 2020