tenho dormido pouco coisas da idade
mas hoje acordei cedo para ver o meu amor
poucas forças me movem — amar
escrever e trabalhar
o futuro normalmente já está posto de antemão
procuro estoicamente não me preocupar
mas o amanhã que já aconteceu
será decisivo para o país
indecisos decidirão que rumo tomaremos
agora já está decretado para sempre
uma nação separada mas que já é
antes de sair deixei recicláveis na calçada
enquanto caminho para o ponto
por mim passa uma senhora que revista sacos
sei que ficará satisfeita com os meus restos declinados
minhas sobras a alimentarão
assim como me refestelo de dejetos
as minhas inspirações
me escrevo paladino de manhãs solares
sentindo que me equilibro à beira
do buraco escuro da existência descendente de assassinos
que mataram a si mesmos esperançosos
sem buscar o que lhe são mais íntimos
de norte a sul a bipolaridade
de este a oeste a singularidade
do trajeto luminar todos que vão
sem sentido vão sequer que fosse
enquanto presencio esgares e palavras de ordem
por ruínas muros murais de arte rueira
limpo minhas fossas nasais de restolhos
renite renitente em choque térmico
passeio em ônibus me turistando
em sólida solidão coletiva sobre quatro rodas
em pele e carne que (em) breve sentirá
outra pele e outra carne sendo uma só
não consigo transcender além
de meu mundo meu umbigo
mal visito o território visto vestido de antagonismo
no entanto estou indo amar por metrô
trilhas marcadas por trilhos assentados
por mortos
mais alguns quilômetros transfiro o centro
do universo para abaixo do meu umbigo
deixo marcas de meus dedos no corpo da amada
gozo em desespero milhas de voos em jatos
em clara manhã de sol antes da tempestade
enquanto ouço (ou penso ouvir) desesperançado
cascos de cavalos no asfalto…
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