Quando Tim Berners-Lee inventou a World Wide Web, em 1990, criou junto um navegador web chamado WorldWideWeb, assim mesmo, sem espaços. Ele tinha duas funções: exibir sites e editá-los em tempo real, direto na página, como se fosse um documento do Word.
Posteriormente, o WorldWideWeb e o conceito da manipulação direta foram vencidos pela prática de escrever o código HTML em editores específicos, o que talvez soe como um contrassenso, pois mais fácil editar um site como se faz no Word do que tendo que decorar e escrever um código específico para isso.
Enfim. Em algum momento dos anos 2000, a “web 2.0” passou a permitir que qualquer um publicasse o que quisesse em sites desde que dentro das regras das plataformas, camadas extras na web que, com raríssimas exceções (caso da Wikipédia), quase sempre são controladas por empresas com fins comerciais. Essa camada tornou-se dominante e hoje ela é a interface de fato entre a criatividade humana e a publicação na web.
Em outras palavras, abdicamos do controle da nossa presença digital em prol de uma enorme conveniência.
Não que tenha sido uma troca ruim, mas, hoje, vícios ocultos e custos embutidos que não eram óbvios lá atrás estão evidentes. Um desses custos foi o da personalização e da criatividade na forma de nos apresentarmos digitalmente. Não chega a ser surpresa. Quando o objetivo é permitir que bilhões de pessoas interajam e se expressem, mira-se em mínimos denominadores comuns.
Dia desses, topei com o conceito de “jardim digital” no blog do Scott Nesbitt. Tomo a liberdade de trazer para cá a descrição que ele deu:
É algo que fica entre um caderno público e um blog. Você pode usar um jardim digital para coletar e organizar informações importantes que chegam até você. É uma maneira de compartilhar o que você sabe e o que está aprendendo. Não precisa (sempre) ser um conjunto de arquivos ou páginas estruturadas e hierarquizadas na web ou em seu computador, mas mais um grupo de informações que cresce na medida em que você aprende.
Ao ler mais sobre jardins digitais, veio à minha cabeça a imagem dos antigos sites pessoais, que construíamos “na unha” ou com a ajuda de editores rudimentares, como o FrontPage, com visuais esquisitos, bem “web 1.0”, para expressar ao mundo (três amigos e uns perdidos que caíam de paraquedas via buscadores) nossos hobbies e curiosidades.
Soa anacrônico falar em sites pessoais em 2021. Esse tempo não volta mais, eu sei, e não quero soar o nostálgico. É verdade, também, que uma coisa (redes sociais modernas, super fáceis e todas iguais) não necessariamente inviabiliza a outra, os sites pessoais, os jardins digitais. Elas podem coexistir, tal qual o rádio, a TV e a internet coexistem. É essa a minha esperança.
A metáfora ecológica para se referir aos jardins digitais é muito acertada. O jardim (de verdade) ocupa a lacuna entre a espontaneidade da vegetação selvagem e o controle idealmente absoluto de uma plantação. Da mesma forma, jardins digitais ocupam o espaço entre a cacofonia e o caos das redes sociais e a seriedade dos sites institucionais.
Um jardim pode ser bem cuidado, pode ser meio desleixado, pode ser o que alguém quiser. Nos digitais, não há muita preocupação com SEO ou audiência. Cada visita, acidental ou intencional, é uma descoberta, um universo novo, porque cada jardim tem uma identidade, uma beleza própria, do tipo que não só aceita, mas se apropria das imperfeições, da incompletude; dos GIFs animados de bonecos operários com um “under construction” piscando embaixo.
Alguns recursos para quem quiser criar seu “jardim digital”:
- Ferramentas e um diretório de jardins digitais (em inglês).
- Jardins digitais permitem que você cultive seu pedacinho de internet, no MIT Technology Review (em inglês).
- Outras plataformas (gratuitas) para criar jardins digitais: Neocities, mmm.page, TiddlyWiki.
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Foto do topo: Morgane Le Breton/Unsplash.
outra metáfora possível é a do gabinete de curiosidades: https://en.wikipedia.org/wiki/Cabinet_of_curiosities
Não conhecia esse conceito e adorei! Quando criei um site pessoal no wix minha ideia era transformar em um arquivo do que eu andava lendo, fazendo, vendo, jogando ou estudando e de quebra deixar umas coisas que tivessem mais ligação com trabalho como portfólio.
Porém cometi um terrível erro: comecei a divulgar em redes sociais e me preocupei com engajamento, acabou que fiquei até com vergonha do que publiquei e ocultei quase tudo. E não fiz mais nada. Única coisa que sobrou dessa ideia foi o domínio que consegui, que acho ótimo e continuo pagando (https://www.polli.info/).
Mas vou tentar retornar, vou procurar saber mais sobre jardins digitais e já entrei no grupo do Telegram.
Eu tenho um blog pessoal desde 2005. Hoje, acho que menos de 10% do que já publiquei está no ar. Acho bem útil esse poder de “derrubar” coisas que podem até ter feito sentido em algum momento, mas que hoje nos constrangeriam ou causariam desconforto.
Agora tu entende pq eu apagava meus comentários no Disqus? :p
(Sim sim, também era de birra…)
Hey, pessoal. Alguém mais ficou empolgado com o post sobre jardins digitais esta semana? Eu achei bem legal e fiquei tentado a fazer um, mas não estou certo de qual ferramenta utilizar. Eu queria fazer algo ultraestilizado-pós-tudo-experimental, mas ainda tô tateando com HTML/CSS. O que vocês indicariam?
Also, que jardins/blogs legais vocês conhecem/conheceram? (se tiver a tal inspiração ultraestilizado-pós-tudo-experimental, melhor ainda)
Tem aqueles criadores de site no estilo “O que você edita é o que vai ver” (não vou lembrar agora a sigla exata, mas é o famoso WSIWYG, não sei se é assim). Eu uso o Mobirise, que permite criar sites HTML com uma certa facilidade. Eles tem uma versão gratuita, mas os recursos bons só por assinatura. Vai fazer três anos que fiz essa assinatura (quando fiz o dólar estava a 3,99. Essa foi a última vez que o dólar valia abaixo de 4)
Além do Mobirise, tem o Pingendo, tem o próprio Wix. Agora se quer algo mais dinâmico, tem que usar um CRM como o WordPress, Joomla, da uma pesquisada que tu pode achar algo pra ti.
Valeu pela dica, Rodrigo. Vou dar uma olhada nesses aí. ;)
iago,
apesar de ter adorando o termo, não sei exatamente o que você quis dizer com “ultraestilizado-pós-tudo-experimental”. entretanto, pelo que eu entendi, o grande lance do jardim digital é o link bidirecional, porque é ele que permite conectar as anotações. no link que o ghedin disponibilizou, a maggie appleton indica uns modelos bem interessante, e talvez começar por algo pré-definido pode te ajudar a construir algo que você queria, alterando os detalhes conforme você vai se inteirando com as linguagens.
:)
Só para constar/esclarecer, “link bidirecional” é um problema mais em sistemas fechados (Notion) e aplicativos desktop. Na web, links (bidirecionais ou de qualquer tipo, na real) são nativos. Na real, são a fundação do da web, então se o seu jardim digital for online/em HTML, isso já é dado.
rodrigo,
muito obrigado pela correção!
é isso que dá quando a gente vai falar sobre o que não entende direito… desculpe a confusão.
uma coisa que eu percebi, e talvez vocês possam me ajudar a encontrar o nome correto pra isso, é que em grande parte dos projetos que eu vi sobre jardins digitais, o link bidirecional é criado com as chaves, como no [[markdown]]. entendo que para colocar isso no site, é necessário um conhecimento de outras linguagens além do html, não?
Imagina!
Em HTML, você usa uma tag de âncora. Funciona assim:
<a href="https://enderecodosite.com/pagina">link</a>
Se o inglês estiver em dia, estas páginas lhe serão úteis.
Então, eu também não estou tão certo do que seria o “ultraestilizado-pós-tudo-experimental” ainda, mas a ideia seria fugir um formato padrão dos sites – categorias, barrinha em cima ou lateral – e do minimalismo que tem se adotado ultimamente, que é ótimo pra experiências de leitura, mas que sacrificam um pouco uma potência multimídia da internet.
Então, não sei ainda, tô pensando, mas vou dar uma olhada nos links da Maggie.
Minha nossa, o que você quer dizer com “ultraestilizado-pós-tudo-experimental”?
Fiquei curiosa
Poxa, fiquei bastante interessado em fazer um pra mim também. Gosto de pensar na passagem de informações entre gerações (fala->escrita->rádio->internet->?) e acho importante a manutenção de arquivos abertos (libre) para serem acessados no futuro.
Organizo todos os meus pensamentos acadêmicos pelo Zotero em arquivos txt vinculados aos originais.
Para pensamentos pessoais, uso uma série de arquivos .txt organizados em pastas.
Alguém topa juntar um pequeno grupo pra se ajudar no processo de criação de jardins digitais?
Opa. Eu topo. Mas vc tem alguma ideia de como?
Não conheço esse zotero.
Podemos fazer um grupo no telegram pra discutir sobre.
Gosto da ideia. Você consegue criar um? Podemos aprender juntos.
Dei uma olhada durante a manhã e basicamente aqui tem tudo o necessário: https://github.com/MaggieAppleton/digital-gardeners?utm_source=manualdousuario&utm_medium=email
thiago e gabriel, também topo!
eu tô nessa tentativa de criar um jardim digital tem alguns meses, mas como não entendo muito de programação, sofri pra conseguir colocar em prática. encontrei alguns materiais que talvez possam ser úteis (foram pra mim), então podemos compartilhá-los e trocarmos experiências.
@Gabriel, @Léo e @quem mais se interessar:
Criei um grupo no telegram – t.me/JardinsDigitais – para conversarmos e começarmos.
Sintam-se livres para convidar quem mais puder se interessar!! Até lá
Eu super toparia. Se organizarem pra fazer algo, tô dentro! ;)
@Iago, o @ Thiago criou um grupo no telegram para conversarmos sobre. Aliás. Obrigado @Thiago!
fiquei pensando ao ler, no Mastodon ou nos recônditos da “light web” (quem deu o nome de “Darkweb” para o jardim proibido, oculto ou seguro mesmo?)
Seria interessante um diretório brasileiro de “jardins digitais”. Acho difícil encontrá-los.
Eu não segui ainda o link então pode ser que eu tenha perdido alguma coisa. Mas, se entendi bem, o conceito são os bons e “Cringes” (não pude perder a oportunidade de usar o termo) sítios web pessoais?
Não sei se é um pouco fora do tópico mas eu me deparei com com um manifesto que me fez repensar meu sítio pessoal e, de certo modo tangência o conceito de “jardim digital”…
Seu conteúdo estará disponível daqui a x anos? O manifesto advoga o bom e velho HTML : https://jeffhuang.com/designed_to_last/
Uma ferramenta (com mais de 10 anos) nesta linha de desenvolvedor brazuca é o txt2tags
É minimalista e permite personalização (na base do css) talvez não funcione para a geração TikTok (juro, sem nenhum juízo de valor!).
Meus dois centavos
Contribuição do “verde” Aurélio!
Isso mesmo! Eu iria colocar o link, mas dois links num comentário poderia cair em filtro de spamm…
Noooossa. Que página legal. Há um bom tempo eu venho pensando em escrever algo como isso, rascunhei várias vezes mas nunca fui adiante por não achar bom. Vou usar ela como referência. Muito, muito obrigado.
Fascinante esse “Markdown brasileiro”!
Sérgio, mundo pequeno. Estava pesquisando sobre jardins digitais e me deparei com o seu comentário. Fui sua aluna no cp2 em 2009 (certamente você não se lembrará rs). Só passando para dar um oi :)
Tenho cultivado um jardim digital faz quase dois anos. Utilizo uma instalação própria do Ghost CMS num ambiente fechado. Por isso, concordo demais com o conceito de jardim digital. Julgo que produzir e organizar conteúdo sem a interferência das grandes plataformas(e de um algoritmo) é libertador.
Apesar de ser saudosista de uma internet mais livre e aberta, concordo com o Ghedin, acho difícil esse modelo voltar e torço pra que pelo menos o espaço continue disponível para os interessados.
Vejo um caminho na integração entre esse jardim e as grandes plataformas. Gostaria, por exemplo, de capturar algumas notas e distribuir em redes como Twitter, LinkedIn e Instagram. É uma integração simples de ser feita e não me força a produzir conteúdo na plataforma, só redistribuo as plantas que “floresceram”.
O conceito e referências abordadas no texto deram nome e embasamento pra um conceito que eu tinha dificuldades pra condensar. Obrigado. :)
De fato, esse texto combina muito com como tenho tentado consumir conteúdo nos últimos tempos. Troquei o feed, por uma organização dos favoritos, isso reduziu minha ansiedade de não ler tudo que tinha no meu feed. As newsletter também me geravam essa angustia. Então procuro sites que me sinto confortável e adoro encontrar coisas tão bem organizadas como o Manual, com um bom conteúdo, sem ser algo lotado de distrações.
Também gosto da ideia de uma internet mais agnóstica a plataformas e tecnologia, sei que não é para todos, mas gosto de uma internet onde o site é hospedado em um servidor.
Enfim, adorei esse conceito de jardins virtuais e adoro que ele seja algo mais abstrato, independente de uma plataforma, afinal um editor HTML e uma hospedagem pode ser o necessário para construir seu jardim.
tem o tilde (https://tildeverse.org/) que tenta reproduzir algo dos primórdios da internet, da época que quando a pessoa contratava um provedor ganhava, além do email, um local para colocar um html bem básico e usar como preferir, nesse caso a idéia é formar comunidades com até conversas via IRC
achei o espaço interessante porque eu queria fazer algo mais experimental e tem muitas páginas que são quase artísticas (algo também que se perdeu com o tempo)
até agora só coloquei 1 coisa lá: https://tilde.club/~fractalverse/
O Tumblr e o Notion são parecidos com esse conceito, mas os dois possuem suas limitações.
É muito interessante ver a criatividade das pessoas mostrando suas páginas pessoais no subreddit do Notion:
https://www.reddit.com/r/notion
coincidência ou não, estamos falando de blogs no post livre da semana, rs
Ghedin, poderia citar o mataroa.blog também, e como ele mesmo diz, vc cria um blog minimalista em menos de 1 minuto!
será que existe um diretório de blogs brasileiros? se não, será que não rola fazer um igual o de newsletter?
Não nego nem confirmo que estamos trabalhando em algo nesse sentido ?