Nos últimos meses tenho andado desleixada quando se trata de leituras. Para contornar essa situação decidi tentar voltar ao ritmo de pessoa-que-lê-nas-horas-vagas-ao-inves-de-ficar-olhando-para-uma-tela com umas leituras mais curtas, só pra me lembrar de como é ler um livro. Sendo assim, em agosto li
- Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras, 2019) do Ailton Krenak. Do Krenak eu nunca tinha lido nada, então comecei pelo mais famoso, que coincidentemente era o que estava dando mosca no sebo. O Ideias... é a reunião das adaptações de duas palestras e uma entrevista; três textos, no total. Particularmente, acho que ouvir o Krenak palestrar deve ser mais cativante do que ler a palestra, mesmo que adaptada. Um texto que foi produzido para ser discursado para uma plateia geralmente não tem o mesmo efeito quando a gente lê na sala da nossa casa. Ainda assim, foi bom ler o Krenak e finalmente conhecer mais da pauta que ele defende.
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Já no início de setembro entrei de férias, o que significa que a leitura rendeu. Viajei, levei cinco livros comigo e consegui ler todos os cinco. Isso só confirmou minha suspeita de que talvez o ideal seja eu largar todos os meus compromissos e virar uma eremita que vive apenas de leitura. Comecei o mês com
- O céu dos suicidas (Alfaguara, 2012), do Ricardo Lísias, autor que eu não conhecia. O livro foi comprado esse ano, o clássico vi num sebo, o título me chamou atenção, etc. A trama trata de um colecionador, há anos sem ter uma coleção, que deve lidar com o suicido de seu melhor amigo. É meio tosco resumir um livro em uma frase, mas é esse o acontecimento que desencadeia toda a narrativa. O livro tem capítulos bem curtinhos, que não ultrapassam duas páginas -- o que combina com um colecionador de selos e tampinhas de garrafa, miudezas -- e por conta disso a leitura flui bem rápido. Não foi uma leitura que me conquistou, confesso, mas gostei de conhecer a escrita do Lísias e espero ler outro livro dele no futuro. Depois li
- Bambino a Roma (Companhia das Letras, 2024), do queridíssimo Chico Buarque. Esse eu estava super animada para ler; é lançamento e também o segundo do Chico que leio esse ano. Bambino..., que traz na capa a indicação "FICÇÃO" logo abaixo do título, apresenta dois anos de uma infância em Roma que se constrói através da memória, do real e do imaginário. Não é de hoje que Chico faz esse jogo entre memória e esquecimento -- e, consequentemente, aí entra o imaginário, que completa as lacunas. Eu queria falar mais sobre esse livro (que eu gostei demais), mas, francamente, no momento me faltam palavras e esse post tem que sair logo. Desculpa, Chico!
- Auto-retrato e outras crônicas (Record, 1989), do Drummond. Ou melhor, finalizar a leitura. Eu tinha iniciado ele em abril (!!!), mas as circunstâncias da vida (leia-se desanimo total) me fizeram deixar ele de lado. A seleção das crônicas foi feita pelo Fernando Py, tendo como fontes a revista Leitura, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil. As crônicas, organizadas por ordem de publicação, abrangem os anos de 1943 até 1970, mas a maioria delas é da década de 60. Como todo bom cronista, Drummond compõe um delicado retrato daquilo que era o mundo na época, como no caso de "Ontem, em casa de Anibal...". Destaque para "Chuva no papel" e "Os dias escuros", que falam das chuvas no Rio de Janeiro (nada mudou); "Coração de moça", sobre transplante de órgãos; e "A Banda", que é exatamente sobre o que você está pensando.
- Dois irmãos, do Milton Hatoum (Companhia de Bolso, 2006). Não tenho muito o que falar desse aqui (desculpa) além de que estou satisfeita demais por ter lido um livro que parece que todo mundo leu menos eu. Gostei da leitura. Agora vou ir atrás da adaptação em quadrinhos dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon.
- Pernoite (Martins Fontes/FUNARTE, 1989), do Antônio Maria. O Maria é um dos meus grandes queridinhos quando se trata de crônica (o outro é o Braga, claro). Esse foi um achado de sebo, e fiquei curiosa para ver se nele tinha crônicas que não entraram em Vento Vadio (Todavia, 2021), ótima antologia do Maria organizada pelo Guilherme Tauil. A resposta é sim, tem crônicas que não estão no outro livro (ou melhor, Vento Vadio traz novas crônicas que não estão em Pernoite), mas acho que por um bom motivo: Maria tem crônicas melhores do que essas. A proposta de Pernoite é trazer uma seleção das crônicas publicadas pelo Maria numa coluna de mesmo nome, mas, francamente, da seleção apresentada quase nenhuma se destaca. Se você quer conhecer o Antônio Maria, ou quer conhecer ele melhor, recomendo mesmo Vento Vadio, que é um trabalho muitíssimo cuidadoso do Tauil e uma excelente apresentação ao Maria (mas também dá para dar uma olhada nas crônicas dele no Portal da Crônica Brasileira).
- Chico Buarque: Perfis do Rio, da Regina Zappa (Relume Dumará/RioArte, 1999). Foi engraçado ler esse aqui depois de Bambino a Roma, porque algumas informações e anedotas trazidas pela Zappa também foram utilizadas pelo Chico para o desenvolvimento da narrativa dele (a bicicleta cromada, a namoradinha do colégio...), então foi um surpresa agradável ir encontrando as semelhanças entre um e outro. O objetivo do livro em questão é realizar um perfil do Chico -- não é uma biografia! Gostei bastante do início do livro, das conversas da Zappa com o Chico, o relato dela de como é o backstage de um dos shows dele, os relatos das pessoas que trabalham com ele. Da metade para o final algumas partes vão ficando menos interessantes, particularmente os capítulos em que Zappa entrevista a Marieta Severo e as filhas do Chico. Um perfil é para ser algo pessoal, claro, mas nesses momentos tive a impressão de que muito da vida pessoal dele foi exposta (isso vindo de alguém que gosta de ler cartas e diários). Ainda assim, gostei de ler sobre o processo criativo do Chico, como ele trabalha, as anedotas da juventude dele.
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Eu ia escrever um post só para a resenha de Bambino a Roma, mas descobri que deveria ter começado a escrever assim que terminei o livro (a
ideia está mais fresca na cabeça) e não quase um mês depois (a ideia já
começou a apodrecer). E também que não deveria ter lido a resenha do Odorico Leal
antes, o que me deixou seriamente desmoralizada e descrente na minha
capacidade de resenhista. Acabou que, no final das contas, nem um parágrafo saiu. Lições aprendidas: 1) escrever o quanto antes;
2) não ler a resenha dos outros antes de terminar de escrever. Bola pra
frente.
Bom, esse foi o meu mês (agosto quase não conta). Só autores nacionais! Escrevendo esse post fui perceber que o único livro da lista que não é de segunda mão é o Bambino a Roma, já que é um lançamento. O resto é fruto dessa minha honrada labuta como rato de sebo.