Vestido Sem Costura’s review published on Letterboxd:
Eu encontrava, aliás, o equivalente na adoração por uma atriz, esta cultivada até a mania: foi o nome de Gaby Morlay que me intrigou primeiro, uma tarde em que eu via televisão e que minha mãe tinha elucidado para mim essas sílabas bizarras… Eu só me lembro da cena final do filme que passava naquele dia: aquela em que ela visitava Fernandel, de volta à sua Provence natal, e na qual eu a descobria como um ícone absoluto de gentileza (a Mãe junto do Filho que era Gérard Philipe?)... Como todas aquelas que viriam em seguida, essa imagem se perde aos meus olhos numa névoa mística: eu não via uma mulher com um rosto e um corpo, eu me aproximava de uma Madona descida dos céus, e da qual eu assistia às aparições televisivas como tantos milagres roubados à divindade. Nesse itinerário, eu encontrei a minha noite pascaliana depois de ter visto Quadrille em que me era oferecida uma antologia do estilo Morlay, de seus tiques, de suas risadinhas relinchantes, de seus lenços torturados... Tudo isso era realçado pelos prestígios do pequeno mundo de Guitry, mas, curiosamente, eu só guardei dessa primeira visão duas imagens: de novo a cena final, na qual os dois casais se cruzam num balé estilizado de forma ingênua; os créditos, nos quais Gaby Morlay se penteia antes da filmagem, e se apresenta ao público como uma autocaricatura simpática. Hoje, eu me pergunto se essas imagens foram imediatamente presas em mim ou se foi o tempo que as decantou, isolou, depurou de seu contexto... Seguiu-se, um pouco mais tarde, Derrière la façade, com um monólogo ao telefone que era também uma coleção de piscadelas autoparódicas: eram bem esses clichês que reanimavam o meu amor e eu só corria atrás dessa sombra quando ela estava reduzida à sua mais simples expressão.
Foi então que começou uma paixão inverossímil, a de trazer de volta uma rainha morta, justapondo todas as vistas tomadas dela em todos os instantes de sua vida. Eu acumulava não somente todas as informações que eu pudesse recolher, mesmo as mais fúteis, mas também todos os traços visuais de uma presença. Era o empreendimento de um taumaturgo que captura tudo o que ele pega de passagem, fotos recortadas ou fotocopiadas dos jornais, fotos recolhidas nos arquivos familiares, filmes vistos como tantas evidências que provariam a realidade de uma existência... Quando eu vejo agora um filme em que aparece Gaby Morlay, eu não sinto mais nenhum prazer: isso se tornou uma atenção desenfreada a cada um de seus gestos, a cada nuance de sua voz, a cada detalhe de seu jeito, como para não perder nada e impedir, pelo meu pensamento, o próprio avanço do filme. Eu precisava de todos os signos de uma vida fugidia, ao ponto de, finalmente, recusar que essa vida se recomponha, de a suspender numa eterna câmera lenta (eu lembro da minha febre, na época das primeiras fitas de vídeo e da ideia de que eu iria poder analisar imagem por imagem os menores tremores da minha ídola). No fim das contas, eu já não sabia mais se eu amava essa mulher ou se eu desejava apaixonadamente a sua morte: ela não era mais que uma carcaça inerte, um brinquedo quebrado que eu desmontava em todos os sentidos, procurando sempre outra coisa, qualquer coisa que teria escapado do meu amor predador. E por uma estranha inversão, nada me emocionava mais que as raras fotos em que ela era outra, em que ela me revelava um rosto desconhecido, irredutível ao estereótipo que eu tinha eleito primeiro: via-se ela na beira do mar, louca de alegria junto de um homem que ela amava; via-se ela na janela de um trem, a cabeça voltada para trás, o ar sonhador; via-se ela de pé contra uma parede, num vestido preto, com uma expressão de estátua, distante, que era também a de minha mãe.
Nostalgia das imagens por Noël Herpe
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(publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma, n°16, inverno de 2001)