matty’s review published on Letterboxd:
“The world is changing. The truth is vanishing. The war is coming”
Poucos atores atualmente podem se orgulhar do fato de serem o mais próximo que esta geração poderá reconhecer como sendo uma estrela de cinema do que Tom Cruise. O cartaz que ele estampa como parte do material promocional de Rogue Nation, por exemplo, capturado enquanto está inclinado sobre a moto que roubou em meio a uma perseguição pelas ruas de Casablanca, durante aquele segundo que somente uma câmera em mãos competentes poderia ter registrado, consegue ser tão familiar ao público quanto a sequência propriamente dita, assim como aquela que abre o longa de 2015, na qual acompanhamos o protagonista pendurando-se corajosamente na lateral de um avião. Portanto, a ideia de que o rosto do principal sucesso de bilheteria de 2022, isto é, Top Gun: Maverick, terá que lidar com uma inteligência artificial consciente do poderio que carrega no que diz respeito a fomentar o clima de insegurança mundial não soa incomum. Soa, na verdade, como um próximo passo bastante condizente com o que Ethan Hunt já enfrentou até este ponto da saga.
A menos que você seja alguém que estrelou o lançamento de Peter Weir em 1998, ou alguém que tem deliberadamente permanecido longe não apenas das redes sociais, mas de todo e qualquer outro meio de comunicação que ocorra por intermédio de aparelhos eletrônicos — decisão esta que, de acordo com Luther, não é o suficiente para nos manter completamente fora do radar de um algoritmo como a Entidade — deve lembrar-se do quão embasbacado estava quando descobriu que uma imagem, tão crível quanto uma fotografia, era, na verdade, um produto gerado inteiramente por uma inteligência artificial. Todos nós lembramos, é claro, afinal, o Papa Francisco não estava realmente usando outra roupa que não fosse sua vestimenta habitual. Tal ocasião foi apenas o pavio sendo aceso para uma série de ocorrências que tem nos acompanhado até este momento, gerando desde debates acerca de aceitar ou não tamanha interferência no cotidiano até especulações sobre como seria um determinado sucesso da música quando cantado por outra cantora.
Para Tom Cruise, principalmente nesta primeira parte de Mission: Impossible - Dead Reckoning, a ideia de que existe um algoritmo criando e espalhando desinformação propositalmente enquanto assombra o coração de uma sociedade inconsciente de que há muito tem estado refém do alcance que as telas azuis podem oferecer, significa lidar diretamente com o fato de que podemos estar cada vez mais próximos de nos tornarmos irreversivelmente menos humanos enquanto abrimos mão de nosso livre-arbítrio. Para as nações com as quais Ethan Hunt e companhia precisam lidar toda vez que uma nova missão lhes é designada, por outro lado, esta chamada Entidade — um gigantesco olho azulado que lembra o Grande Olho da trilogia Lord of the Rings — representa a possibilidade de concentrar um poder como nunca visto antes. Esta é a corrida deste novo século, a dominação do mundo através de um algoritmo autogerenciável, mas que, seguindo uma escolha que está de acordo com os próprios planos, fomenta a ilusão de controle do homem que a criou.
O embate entre Hunt e a Entidade poderia facilmente parecer como um meio termo entre os acontecimentos de 1984, quando o Exterminador de Arnold Schwarzenegger tentou assassinar a Sarah Connor de Linda Hamilton para impedir o nascimento do líder da resistência contra Skynet, e o futuro pós-apocalíptico de 2029 que nos impressionou em The Terminator (1984), ou até mesmo uma melhora quando comparado aos planos que Dolores esteve desenvolvendo para o Rehoboam ao longo dos oito episódios da terceira temporada de Westworld. No entanto, diferente tanto da ficção-cientifica de James Cameron quanto do drama entre anfitriões de parques temáticos e humanos da HBO, este novo capítulo da saga, novamente dirigido por Christopher McQuarrie, pauta-se em elementos que prestam simultaneamente ao ideal realista destes filmes e ao absurdo que soa ridículo até que esteja sendo articulado dentro de uma ação que imediatamente diz “isso deve ser visto na maior e melhor tela do cinema que esteja disponível na sua cidade”.
Tanto antes quanto depois de Ghost Protocol, momento este em que esta saga passou a lidar mais diretamente com uma reação em cadeia entre causa e consequência, o mundo de Mission: Impossible sempre esteve próximo ao que poderia ser considerado como um último colapso que o levaria à uma possível Terceira Guerra Mundial, tão mortalmente destrutiva quanto as duas anteriores. Um reflexo propositalmente exagerado de modo a justificar os planos mirabolantes, os apetrechos adaptados de produções clássicas de espionagem, e as soluções de “pura sorte” por parte dos agentes da IMF, entretanto, não menos realista no cerne de suas preocupações. Com a chegada de uma ameaça como a Entidade, cujo potencial de destruição em larga escala é excessivamente destacado durante as quase três horas, este cenário está inclinado a se tornar ainda mais perigoso, afinal, as câmeras que Hunt e companhia evitaram por tanto tempo ao assumirem uma missão estão respondendo a um propósito que dificilmente poderá ser impedido por mãos humanas.
Dead Reckoning expressa preocupação quanto ao que está nos aguardando neste futuro tecnológico que está se aproximando com uma rapidez impossível de ser contida, que transforma o olhar, anteriormente fundamental para compreensão do que pode ser visto, em uma ferramenta útil ao que uma ameaça como a Entidade pode fazer. Este sentimento aterrador de estar inserido em um estado de vigilância que tende apenas a intensificar o nó da corda em nossos pescoços sob pretexto de estar preocupado com o bem-estar e a segurança nacional ganha uma forma definitivamente no momento em que as apostas se tornam difíceis até mesmo para os padrões de alguém como Ethan Hunt, isto é, quando McQuarrie destaca que as formas projetadas nas paredes ao redor de um Tom Cruise cujo olhar expressa tanto horror quanto uma compreensão de puro choque quando ao que está acontecendo são, na verdade, um mesmo olho que estava acompanhando atentamente o andamento da negociação entre diferentes partes interessadas na mesma chave.
Por trás de cada máscara, cada capuz, e cada pseudônimo que utilizava durante suas missões, há um homem de natureza brutalmente humana em Ethan Hunt, que, consciente do que suas ações podem representar a um mundo caótico como este, nunca deixou de pesar as consequências de seus atos, por vezes julgados como imprudentes ou golpes de pura sorte, para as milhares de vidas que tem protegido das sombras. É um heroísmo que está em correspondência direta com os anseios comuns de luta e proteção de um bem maior que torna fácil para o público reconhecer uma parte fundamental de si mesmo na imagem daquele herói que equilibra os dilemas morais com suas obrigações para com um mundo que não reconhece, e embarcar imediatamente nesta aventura que percorre o submundo da espionagem de diferentes nações durante uma corrida desenfreada para impedir que o ponteiro do relógio do apocalipse esteja um minuto mais próximo do caos absoluto, aproveitando cada segundo da adrenalina que Cruise tem para oferecer.
Embora não seja tão brilhantemente bem executado quanto Mission: Impossible - Fallout, tendo em vista que, diferente do que acontece em seus antecessores, este longa precisa introduzir e simultaneamente conter informações o bastante de modo a justificar a existência de uma segunda parte para esta luta entre Hunt e companhia contra um algoritmo que, no que parece ser uma alfinetada direta a reciclagem do passado que os filmes de super-heróis tem feito, tem enviado rostos do passado para representá-lo neste combate corpóreo, Dead Reckoning representa um novo nível na colaboração entre Cruise e McQuarrie neste cinema de ação que reconhece o absurdo em meio a uma boa dose de adrenalina. Tanto o ator transformado em um espécie de “messias da importância da experiência cinematográfica” para estes tempos assustadores em que salas de cinema estão fechando suas portas quanto o diretor que encontrou uma mina de ouro nesta saga expressam seu amor ao filmarem e performarem em um escapismo com o melhor que há em um blockbuster.