A Dama do Lotação me lembrou do meu primeiro contato com Buñuel, com A Bela da Tarde.

Logo quando quis descobrir mais sobre o surrealismo no cinema, vi o filme protagonizado por Catherine Deneuve e nunca mais fui a mesma. A forma como Buñuel usa o surrealismo a fim de atingir uma dimensão psicológica, um estudo de personagem psicanalítico, foi muito marcante para mim.

Mulheres são ensinadas a associar o amor ao prazer e quando não encontram ambos na mesma pessoa, vivem achando que estão condenadas à essa insatisfação e infelicidade para o resto da vida.

Em que pese para homens se reze a mesmíssima lenda, a perpetuação desse pensamento tem um efeito diferente. Ao contrário de punição, essa forma de pensar valida a infidelidade sem o mínimo de remorso, validando o pensamento popular de mulheres "para casar" e "para transar".

A condição feminina dentro do casamento implica dizer que estas devem se sentir culpadas pela infidelidade, como se fossem indignas de amor. É quebra de laço divino. Um divórcio de sua moralidade. Enquanto para os homens, é apenas mais uma expressão de sua condição animalesca.

Nesse sentido, tanto Buñuel quanto Neville D'Almeida enxergam em suas protagonistas algo para além de símbolos sexuais. A fluidez narrativa de ambos os filmes que brincam com o subconsciente, morada dos mais estranhos desejos, nos leva à construção gradual de uma inegável e e rica complexidade, sempre criticando o moralismo burguês e deixando cinzento o campo do certo e errado.

Quando se trata de intimidade e prazer, as regras do jogo mudam e muitas variáveis não se aplicam, inclusive as distinções de classe. "Se todo mundo conhecesse a intimidade sexual de todo mundo, ninguém mais falava com ninguém".

A angústia da personagem de Sonia Braga em tentar punir-se a todo custo por tentar libertar-se sexualmente é poderosa e contagiante e se mistura com Nelson Rodrigues e Neville D'Almeida escancarando a hipocrisia e tirando o véu do moralismo.