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Provando Deus em 12 teses

por Vinicius Waltrick

Introdução

“Deus existe?” Talvez essa tenha sido uma das perguntas mais feitas pelo Homem durante os últimos séculos, e não é de hoje que o debate a respeito de sua existência tem se realizado. Em meio a tantas discussões, um dos maiores argumentos em prol da existência de Deus foram as vias tomistas, os argumentos que levam a fama de serem irrefutáveis. De fato, creio que as vias de Aquino são excelentes provas para a existência de Deus; entretanto, a forma como são expostas em debates contra ateístas gera diversas dúvidas a seu respeito: “quem move Deus?”, por exemplo, é uma das diversas dúvidas levantadas contra tomistas, e muitos dos ateístas e descrentes que levantam esse tipo de dúvida levam-nas como críticas sérias aos argumentos de São Tomás! Aquino tem diversos livros tratando sobre este assunto, cada livro contendo centenas de páginas (sem contar outros escolásticos e comentadores que complementam a filosofia tomista). Com tanto conteúdo assim, será que os céticos não acharam que questões estúpidas como essa já não foram pensadas?

Entretanto, este não será um texto expondo as vias ou respondendo dúvidas ou “contra- argumentos” delas. Meu objetivo aqui será sintetizar certos elementos da metafísica tomista e da filosofia em geral para desenvolver um “argumento próprio” para a existência de Deus. Obviamente, não haverá como eu expor absolutamente tudo que concerne ao argumento, então ainda pode haver “pontas soltas” que não foram provadas aqui, mas não é esse o objetivo desse artigo, ele simplesmente serve de introdução para a teologia natural. Ainda assim, apesar desse texto ser uma sintetização, tentarei deixá-lo o mais objetivo possível, com o menor número de implicações possíveis, e responderei críticas que podem ser feitas às minhas teses.

Contingência v.s. Necessidade

Observe os objetos em sua volta, perceba como eles são determinados por outro, e que este outro é determinado por um anterior. O dispositivo pelo qual você lê esse artigo é constituído por diversos componentes eletrônicos anteriores, e tais são constituídos por outras partes menores. Mesmo coisas abstratas são “constituídas” (ou determinadas) por outrem; o amor, por exemplo, é um sentimento determinado por outra coisa, no caso um amado e um amante; o movimento (tomamos na definição da física moderna) também não subsiste por si só, o movimento é determinado por outra coisa, um movente e um movido, etc.

Quando algo determina outro, pensamos em tal relação ou como sendo necessária ou contingente. O necessário é aquilo que não pode faltar na determinação (ou constituição) de um objeto ou estado qualquer. Por exemplo, é impossível pensarmos no movimento sem um movente e um movido; sem um movente, como o movimento poderia ter início? E sem o movido, onde o movimento ocorreria? Ou seja, estes são seres necessários para que haja o movimento, pois esse último não se daria de modo diferente.

Se o necessário é aquilo que não pode faltar, o contingente é o oposto. Tome como exemplo, novamente, o dispositivo pelo qual você está lendo esse artigo. Ele, de algum modo, determina o fato de você estar lendo esse artigo, correto? Com toda certeza, mas poderia ser diferente. Ora, se você está lendo por um computador, poderia simplesmente começar a ler pelo seu celular, ou você poderia não ler por nenhum dos meios eletrônicos e imprimir o texto (lendo por uma folha de papel). Perceba, o meio pelo qual você lê esse artigo é contingente em relação à possibilidade de você lê-lo, e não necessário. Ou seja, o necessário é aquilo que não poderia ser de outro modo, e o contingente é aquilo que poderia ser.

Porém, mesmo aquilo que é necessário em relação à X, poderia ser contingente em relação à Y. Por exemplo, poderíamos dizer que é necessário que haja movimento para que exista mudança, porém – embora isto seja verdade — o movimento não necessariamente deve existir. Ora, é necessário o movido e o movente para que haja movimento, porém não necessariamente eles vão existir, assim, só havendo seres estáticos. Desse modo, podemos dizer que é necessário corpos (moventes e movidos) para que haja movimento, porém não o contrário, ou seja, o movimento se faz necessário à mudança, mas contingente aos corpos.

Tese 1: O contingente sempre é por outro, e nunca por si mesmo.

Supomos que haja algo que é contingente – i.e., algo que poderia ser de outra forma – e que este mesmo algo seja por si mesmo – i.e., não seja determinado por nada anterior. Algo que não possua determinação anterior alguma não poderia possuir nenhuma extensão: por exemplo, imagine um X que é Y, Z e W; X não poderia ser algo que não possua nenhuma determinação anterior, pois já está explícito que X só é o que é porque está sendo determinado por Y, Z e W. Podemos concluir, então, que se X é por si mesmo, é necessário que X não possua nenhuma extensão, X simplesmente é. Mas o que ele é? Nada? X não pode ser nada que não seja ele mesmo, e ele também não poderia ser o próprio nada (ou o não-ser). O nada absoluto de nenhum modo poderia ser, nem sequer ele mesmo, pois o nada simplesmente não é. Por esse motivo, dizer que X é o nada (e vice-versa) é algo contraditório, pois de nenhum modo o nada poderia ser.

Se X não pode ser o nada, então X só poderia ser, i.e., só poderia ser o próprio Ser (com letra maiúscula, o Ser enquanto tal). Então, o que X é? X simplesmente é, X é o próprio Ser. Contudo, é aí que mora o perigo, pois se X é o próprio Ser, então X não é contingente, e sim absolutamente necessário, pois o Ser de nenhum modo poderia ser diferente. Ora, só pelo fato de ser dito que o Ser pode ser diferente já há uma contradição, pois essa minha afirmação já está dizendo que o seré no momento que ele deixou de ser. Não poderíamos dizer que poderia haver o não-ser (o nada) ao invés do ser, pois o não-ser justamente não é, não há e não poderia ser de nenhum modo. Ou seja, é sempre necessário que o ser sempre seja, e é por si mesmo, pois não possui extensões.

Portanto, podemos concluir a impossibilidade de algo ser contingente e, ao mesmo tempo, destituído de partes (ser por si). Se algo se diz contingente, aquele algo possui partes.

Tese 2: O absolutamente necessário sempre é por si, e nunca por outro.

Antes de prosseguir na prova dessa tese, é necessário esclarecer algumas coisas: quando digo que algo é absolutamente necessário, digo que aquilo não poderia ser de outro modo em nenhum aspecto em relação a nada. O Ser, como já foi exposto anteriormente, é necessário de forma absoluta, pois não poderia ser de outro modo em relação a nada. Isso é diferente do movimento, que é necessário para que haja mudança, mas não é necessário para outras coisas (como a existência de corpos, como já foi citado antes).

Um ser absolutamente necessário não poderia ser por outro, pois se fosse por outro, ele seria contingente em relação às partes que o determinam. Se X possui partes Y, Z e W, tais partes poderiam ser de outro modo, e não necessariamente as partes poderiam ser X. Ou seja, X é contingente em relação às partes Y, Z e W. Contudo, alguém poderia afirmar que essas partes são indivisíveis entre si, ou seja, que Y não poderia ser de outro modo que não fosse com Z e W, que Z não poderia ser se não fosse Y e W e que W não poderia ser se não fosse por Z e Y. Ou seja, temos que tais partes não poderiam ser de outro modo se não fosse pelo modo de X.

Para deixar isso mais claro, imagine os atributos de ser bondoso, misericordioso e justo. Não seria possível ser bondoso sem ser misericordioso, tampouco é possível ser ambos sem ser justo e vice- versa. E se X possuísse atributos tão indivisíveis quanto? Bem, como estamos trabalhando com analogias, temos certas barreiras para ultrapassar: primeiramente, os atributos de bondade, misericórdia e justiça não necessariamente precisam se dizer de um único ser, mas sim de vários (vários seres podem ter tais características, não somente um). Por esse motivo, se as propriedades Y, Z e W fossem iguais às de bondade, misericórdia e justiça, elas também não diriam respeito somente à X, mas também a outros (assim, X tornar-se-ia contingente em relação à Y, Z e W). Mas como já fomos tão longe em nossas hipóteses, vamos assumir também que as propriedades de X dizem respeito somente a ele, e de mais nenhum outro ser. Bem, mesmo se for o caso, X só poderia ser necessário em relação às suas partes somente se não houver uma distinção entre elas. Ora, voltamos nos predicados de bondade, misericórdia e justiça, uma coisa muito importante que não mencionei: não há realmente uma distinção entre ser bondoso, justo e misericordioso, são só palavras diferentes para se referir a mesma coisa. Assim, X só poderia Ser necessário em relação a seus atributos se seus atributos só se dessem na maneira de X e seus predicados só poderiam se dar somente na maneira de X se não houvesse uma distinção entre eles.

Com tudo isso em mente, chegamos em uma contradição, assumindo que X é absolutamente necessário e composto de partes, concluímos que não poderia ser o caso que ele é feito de partes. Desse modo, X não seria extenso, e se ele não é extenso, então ele é o próprio Ser (como vimos na tese anterior).

Comentários à tese 1 e 2:

Uma coisa que vale ressaltar é a respeito da tese 2, onde afirmei que propriedades só poderiam se dar de um único modo na medida em que não há uma distinção entre elas. Ora, se houvesse uma distinção entre determinadas propriedades, elas seriam separáveis uma da outra, assim, elas poderiam se dar de vários modos, não somente de um. Por exemplo, o fato do Homem ser um animal, bípede e racional: tais predicados são diversos, e poderiam se dar de outros modos que não sejam somente no homem, poderia ser o caso que você tem o animal sem o bípede e racional, o racional sem o bípede e o bípede sem ambos. Isso é diferente dos predicados de bondoso, misericordioso e justo, que jamais poderiam se dar de outro modo que não seja com todos esses atributos juntos, isso pois não há uma distinção real entre eles.

E talvez o leitor esteja se perguntando qual o objetivo de tal exposição da contingência e necessidade dos seres nessa primeira parte. Peço vossa paciência, pois toda essa exposição será de suma importância para as próximas teses e para a prova da existência de Deus. Nada aqui será em vão.

O Ser que é por si mesmo

Vimos até agora que há seres contingentes e necessários, e que a contingência e a necessidade é sempre uma relação de um ser para outro. Assim, há determinadas coisas que são necessárias para certos seres, mas não o são para outrem. Da mesma forma, há seres que são contingentes em relação a um determinado estado de coisas, mas não para outras.

Em meio a tudo isso, há o próprio Ser enquanto tal, que é absolutamente necessário, i.e., é necessário em relação a tudo. Como demonstramos na tese 2, o Ser enquanto Ser não poderia ser de nenhum outro aspecto que não seja ele mesmo, pois isso implicaria que ele não fosse – o que é absurdo, até porque isso seria assumir que o ser poderia não-ser, uma clara contradição. Então, o Ser é aquilo que há de mais necessário, pois não há nada que o anteceda e tudo se faz nele, ou seja, o Ser é por si mesmo.

Tese 3: A existência não se identifica com os seres contingentes.

O que é “existir”? Quando dizemos que algo existe, dizemos que esse algo é em certo aspecto, como a estátua de mármore que existe dentro de um museu, pois ela está no museu – ela possui o ser nesse aspecto. Agora, um unicórnio não existe no aspecto de estar no mundo, ele é em outro aspecto, no aspecto de ser possível ou imaginável. Ou seja, poderíamos dizer que o unicórnio não existe no mundo, mas que existe enquanto um ser imaginário. Um ser que não existe, seria o ser que não é de nenhum modo, como um quadrado de três lados, que não é concebível nem no mundo e nem em nossa imaginação, portanto, ele não é, não existe.

Porém, existir não é uma propriedade, existir é uma condição para que as propriedades se deem nos objetos (como Kant explica em sua crítica ao argumento ontológico*). Ora, quando dizemos que X existe no mundo, dizemos que as propriedades de X são instanciadas em X. Ou seja, a existência é uma condição para que a predicação ocorra, não participando dela. Nesse caso, nenhum ser contingente existe por si mesmo, pois a existência não pode ser uma propriedade contida nos objetos; nenhum objeto existe por si mesmo.

Tese 4: No Ser enquanto tal, a existência e as propriedades se identificam

Existir não é uma propriedade dada, e sim uma condição para que qualquer propriedade seja dada. Porém, isso não ocorre no Ser necessário, pois ele é por si mesmo. O Ser possui uma única propriedade, que é a propriedade de ser ele mesmo (como demonstramos na tese 2), não possuindo nenhuma anterioridade ou extensão, portanto, ele existe por definição, por necessidade de ser, não sendo por outro.

É importante ressaltar que a existência do Ser necessário toma outro sentido do que a existência dos seres contingentes. Enquanto nos seres contingentes a existência é tomada como ser por outro ou provir de outro – como a estátua de mármore que existe por estar no museu e por provir do escultor que a fez ou como o unicórnio que está na imaginação humana e que provém dela –, a existência do Ser necessário não é tomada dessa forma, pois ele não provém/não é por nada mais que não seja ele mesmo. Existir é justamente ser em certo aspecto, e se o Ser necessário é por si mesmo, então ele existe por si mesmo, não havendo uma diversidade entre sua existência e sua propriedade de ser.

Deus é o Ser

Como vimos até agora, o Ser é aquilo que há de mais fundamental em tudo, isso não nos resta dúvidas. Mas, e Deus? Seria Deus superior ao próprio Ser? Não poderia ser o caso, pois é impossível haver algo superior ao Ser, já que tudo se fundamenta nele. Seria Deus inferior ao Ser? Também não, pois Deus é descrito (pelo menos na tradição cristã e ocidental) como o ser de máximo, onipotente e perfeito, não havendo nada acima d’Ele. A única coisa que nos resta afirmar é que o Ser é Deus e vice-versa, ambos se identificam. Talvez o leitor esteja se questionando como o Ser – algo aparentemente abstrato e demasiado simples – poderia ser Deus, e é o que vamos investigar nas próximas teses.

Primeiramente devemos esclarecer o que é Deus: Deus é o ser absolutamente perfeito – aquele que não carece de nada –, onipotente – aquele que pode fazer tudo –, onipresente – aquele que está em todo lugar – onisciente – aquele que sabe de absolutamente tudo –, o Sumo Bem – o bem enquanto tal – e o ser incausado – que não possui nenhuma causa, que existe por si só.

Tese 5: No Ser, nada falta; o Ser é perfeito. (A absoluta perfeição do Ser)

Perfeição define-se como a carência de carências, um avião se diz perfeito quando não falta nada nele para que ele decole, se faltasse uma asa ou uma turbina dele, o avião não seria mais perfeito, pois ele é ausente dessas coisas. Antes de prosseguir nessa tese, também é importante explicar a diferença entre potência ativa e potência passiva: a potência ativa é a possibilidade que algo possui de oferecer uma perfeição (uma qualidade) a outrem. Por exemplo, o fogo tem a potência ativa de esquentar, pois ele pode oferecer o calor a outra coisa. Já a potência passiva é a possibilidade que algo tem de receber uma perfeição, como a madeira que pode receber o calor do fogo. Ou seja, o fogo tem a potência ativa de esquentar, já a madeira tem a potência passiva de aquecer.

De imediato, poderíamos pensar que o Ser é indeterminado, ou seja, carece de qualquer perfeição, sendo ele passível de receber determinações para então formar os seres contingentes (como o fogo e a madeira, que são seres com determinações). Porém, não poderia ser o caso, pois assumir isso seria dizer que existe algo que está fora do Ser, e que esse algo é o que fornece as determinações dos seres contingentes, o que é impossível, pois não pode haver nada fora do escopo do Ser. Por esse motivo, a possibilidade das determinações dos seres contingentes (o calor do fogo, o brilho das estrelas…) não está fora do Ser, e sim contido nele; o Ser não possui a potência passiva de receber determinações e formar os seres contingentes, e sim a potência ativa; o Ser é aquele que determina a possibilidade de qualquer qualidade existir.

Comentários à tese 5: Não poderíamos dizer que o Ser contém todas as perfeições possíveis numa relação de predicação (como se o Ser fosse luminoso, quente, pesado e afins), e sim que o Ser possui a perfeição ontológica para gerar tais determinações. Ou seja, o Ser possui a virtualidade – a possibilidade – de todas as perfeições possíveis, e não as predicações de tais perfeições (pois uma predicação só há em um ser extenso, um ser determinado por outrem, e não no Ser enquanto tal, que é totalmente singular).

Tese 6: O Ser pode originar tudo. (A onipotência do Ser)

Poderia me prolongar aqui, mas imagino que o que foi demonstrado na tese 5 já seja o suficiente para provar que o Ser pode originar tudo. Tudo o que existe só existe pelo Ser, tudo o que poderia ser, só é possível pelo Ser (uma quarta dimensão, uma nova cor, tudo isso é possível no escopo do Ser, pois nada disso é impossível em seu escopo).

Tese 7: O Ser existe em tudo e em todo lugar. (A onipresença do Ser)

O Ser está presente nas coisas não em sentido físico, como uma entidade material que envolve as coisas ou como uma espécie de “energia” que está contida nelas, até porque o Ser não se predica em nada (como demonstrado na tese 3). Dizemos que uma coisa contém o Ser na medida em que ela possui uma determinada predicação, como o Homem que ébípede e racional; o Ser se faz presente em todos os corpos, criaturas e entes no geral na medida em que elas são alguma coisa; se o Ser não se fizesse presente em algo, então aquilo não seria, sendo o próprio não-ser.

Comentários à tese 7: É importante destacar que aqui deve-se ser feito uma distinção entre a todo ser e potência de ser. O ato de ser é aquilo que está sendo predicado no ser naquele instante, como o fato dos os oceanos serem líquidos ou da Lua estar em órbita em volta da Terra. A potência de ser é aquilo que poderia ser predicado no ente em outro instante, como o fato de ser possível que os oceanos estivessem congelados e a Lua estivesse na órbita de Saturno. O Ser só se faz presente naquilo que está em ato, e não naquilo que está em potência, pois aquilo que está em potência não possui determinada predicação naquele instante. Não poderíamos dizer que o Ser está presente em um unicórnio, justamente porque o unicórnio não possui o ato de ser; o Ser só está presente no conceito de um unicórnio, pois o unicórnio é em sentido abstrato. Da mesma forma, o Ser não está no unicórnio concreto, pois o unicórnio não é em sentido concreto.

Outra coisa que vale ressaltar é a forma como os entes “contêm” o Ser. Como afirmamos anteriormente, o Ser não está nas coisas de forma predicativa, e sim de forma participativa: o Ser não está nos entes de maneira literal, na verdade eles participam do escopo do Ser, onde é o Ser que contém os demais entes e seus modos. Tudo o que é, é por participar do Ser: a Terra participa do Ser em um aspecto concreto (pois a Terra existe no universo, então ela é em sentido concreto; ela participa do Ser em aspecto concreto); o unicórnio não participa do Ser em aspecto concreto, e sim no aspecto imaginário/abstrato (pois o unicórnio não é em sentido concreto; o unicórnio participa do Ser no aspecto imaginário).

Uma boa analogia para entender a participação dos entes com o Ser é imaginar o Ser como um conjunto numérico, e os demais entes como os números. Os números {1, 2, 3, 4, 5,…} participam do conjunto dos números naturais, e esse conjunto contém em si os números {1, 2, 3, 4, 5,…} de forma virtual; o unicórnio, a casa, o cavalo, o Homem, a Terra, … participa do Ser, e o Ser contém o unicórnio, a casa, o cavalo, o Homem, a Terra de forma em virtual. O Ser é distinto de seus participados da mesma forma que o conjunto numérico é distinto de seus números: o conjunto numérico não possui os seus números de forma extensiva, como se ele fosse o número 1, 2, 3, etc., ele na verdade contém a possibilidade de tais números se darem; o Ser não possui seus entes de maneira extensiva – ele não é seus próprios entes –, ele possui a virtualidade seus entes, a possibilidade deles se darem.

Claro, tal analogia possui suas limitações, isso pois o conjunto dos naturais diz respeito a uma propriedade dos números, que é o fato deles serem inteiros e positivos. Mas o Ser não diz respeito a uma propriedade dos entes, e sim ao modo ou possibilidade das propriedades se darem neles.

Tese 8: O Ser é Sumamente Bom. (A bondade infinita do Ser)

O que é o bem? O bem é aquilo ao qual todas as coisas tendem; a finalidade de tudo. Você diz que uma caneta é boa na medida em que ela escreve sem falhar, isso pois ela está cumprindo seu objetivo; o objetivo do arqueiro é acertar o alvo, então o arqueiro é bom quando cumpre tal objetivo, etc. Agora, o mal é justamente o oposto, a ausência de bem, como um assassino, que é um Homem que não cumpre seus objetivos enquanto ser social ou como agente moral.

O Ser justamente não poderia ter a ausência de bondade, pois isso implicaria que ele não fosse (não-ser) em certo aspecto, o que é impossível, pois o Ser não pode carecer de nada (como demonstrado na tese 5). O Ser contém a virtualidade de toda forma de bondade, o bem da caneta, o bem do arqueiro, o bem do Homem, etc. Desse modo, o Ser possui o Bem (o bem enquanto tal), pois ele possui a determinação ontológica para que o bem dos seres contingentes se faça real. Mas, qual a natureza do bem enquanto tal? Se o Ser possui o Bem, e se o bem é toda finalidade de algo, qual a finalidade/bem do Ser?

O bem é um aspecto de ser das coisas, no caso, tudo que cumpre seu objetivo, é bom (é nesse aspecto). Porém, no Ser isso não ocorre, não há uma distinção entre seu bem e ele mesmo, pois não pode haver uma distinção entre ele e seus aspectos. Isso pode parecer um pouco estranho, mas fica evidente quando analisamos que o objetivo/bem de tudo é ser: o bem da caneta é escrever, a finalidade da caneta é ser aquilo que escreve; o objetivo da caneta é ser. O bem do arqueiro é acertar o alvo, a finalidade do arqueiro é ser aquilo que atinge o alvo; o objetivo do arqueiro é ser. O bem do Homem é ser feliz, a finalidade do Homem é ser aquilo que é feliz; o objetivo do Homem é ser. E qual é o bem do Ser? Não poderia ser nada externo a ele, pois seria assumir que há uma determinidade externa a ele. Se não há nenhuma anterioridade ao Ser para determinar seu objetivo, a finalidade do Ser é simplesmente ser. O objetivo do Ser é ele mesmo, sendo ele seu próprio bem.

Comentários à Tese 8: O Ser não somente é a finalidade dele mesmo, como também ele é a finalidade de tudo, ele é a finalidade enquanto tal, o bem em si. Os seres contingentes sempre têm como finalidade alguma determinação do Ser, como o amante que tem sua amada como finalidade, sendo a amada uma forma de ser. Em última análise, o Ser é o próprio Bem, pois o Ser é a finalidade ao qual tudo tende – o arqueiro e o amante visam o Ser, porém, enquanto um visa o ser enquanto alvo, o outro visa o ser enquanto amada; o arqueiro visa o bem enquanto alvo e o amante visa o bem enquanto amada; ambos visam o Bem, ambos visam o Ser.

E quando dizemos que “o Ser tende a ele mesmo” ou “o Ser é seu próprio objetivo”, dizemos isso em sentido análogo, pois ele de fato não tende a nada, nem a objetivo algum, pois ele já está em sua plenitude. O amante se distingue da amada, o arqueiro não é seu alvo, Beethoven se diversifica de sua música. Todos tendem a seu bem, menos o Ser, pois o Ser já é seu próprio bem.

Tese 9: O Ser é incausado. (O Ser é a primeira causa e eterno)

Se fosse o caso que o Ser é causado por outro, seria o caso que o Ser é determinado por outrem, o que é absurdo (como demonstramos nas teses passadas). O Ser também não poderia ter causado a si mesmo, pois isso sequer faz sentido, o fogo não pode ser a causa de seu próprio calor, pois seria dizer que ele causou em si algo que ele já tinha, o que é equivalente a dizer que ele não causou nenhum calor em si, até porque ele já possuía tal qualidade. Também não poderia ser o caso que o Ser foi causado pelo nada – ou que veio do nada –, pois, do nada, nada provém.

Se o Ser não é causado por outrem, nem por si e muito menos pelo nada, só poderia ser o caso que o Ser é incausado e eterno (o Ser não veio a ser, nem deixará de ser algum dia, ele sempre é, em todo momento, em todo instante).

O Ser, além de eterno e incausado, é também a causa de todos os demais seres. Numa série finita de causas, a primeira causa não poderia ser contingente, pois, se fosse o caso, essa causa teria que ser determinada por outrem (como demonstramos na primeira tese). Se fosse o caso que essa causa não é por si mesma, e sim por outrem, então ela deixaria de ser a primeira causa. Ou seja, a única coisa que pode ser a primeira causa nesse curso teria que ser por si mesmo, e único que é por si mesmo é o Ser (tese 2). Logo, se há uma primeira causa para tudo, essa primeira causa não é outra senão o Ser.

Mas e se houvesse um número infinito de causas? Seria isso possível? Ora, é um tanto questionável assumir a possibilidade de um número infinito de causas no passado, pois isso leva a várias implicações que dividem a opinião dos filósofos. Mas, para os fins deste artigo, vamos assumir a possibilidade de uma série infinita de causas no passado. Mesmo assumindo essa hipótese, o Ser ainda é o princípio das causas, não mais em sentido temporal (pois no sentido temporal não haveria uma primeira causa), mas sim em sentido ontológico: embora o Ser não fosse mais a causa primeira das coisas, ele ainda seria a causa final delas, pois o Ser é o Bem, e o Bem move tudo enquanto causa final (como demonstrado na tese anterior).

Tudo que é causado, é causado para um fim, o arqueiro só dispara a flecha visando atingir o alvo, o viajante só viaja visando o destino, o animal só caça visando se alimentar, as estrelas só brilham visando liberar energia, etc. Tudo visa seralgo em certo aspecto, tudo visa ser, em última análise, o Ser é a causa final de tudo; o Ser é aquilo para qual toda ação tende. Além disso, tudo ainda estaria fundado no Ser, pois tudo é. O corpo é, a partícula é, o Homem é, etc., tudo ainda estaria baseado no Ser, o Ser ainda seria o princípio ontológico de todas as coisas existentes.

Então, mesmo num universo sem uma causa primeira, o Ser ainda seria o princípio de todas as causas, pois toda causa só realizaria seus efeitos visando ser algo. Do mesmo modo, tudo existiria na medida do Ser, pois tudo é, tudo é um aspecto diferente do Ser, ou seja, o Ser ainda seria o fundamento ontológico de toda a existência (mesmo que a existência sempre tenha existido).

Tese 9.1: O Ser é o princípio de toda hierarquia ontológica.

Decidi encaixar essa tese com a nona pois ela também envolve causalidade, mas não em sentido temporal, e sim ontológico.

Provamos na primeira tese que todo ser contingente é por outro, e nunca por si mesmo, assim, se há uma hierarquia ontológica finita de seres, o primeiro ser dessa hierarquia deve ser por si mesmo, ou seja, o Ser. Os corpos compõem o espaço, as moléculas compõem os corpos, as partículas compõem as moléculas, e assim vai indo. Mas, nessa relação hierárquica, quem é o primeiro ser a dar as perfeições que constituem todos os seres contingentes? O próprio Ser. Se não houvesse uma primeira causa da hierarquia ontológica, não existirá um primeiro princípio que dá às partículas as suas perfeições, e assim elas não poderiam dar origem a todos os outros seres contingentes da hierarquia ontológica (as moléculas, os corpos, etc.) E se esse primeiro ser da hierarquia ontológica não fosse por si mesmo, ele seria por outro, deixando de ser primeiro. Ou seja, o primeiro ser da hierarquia ontológica não poderia ser outra coisa se não o próprio Ser, pois o Ser é a única coisa que é por si mesmo, é a única coisa que poderia ser a primeira causa de toda hierarquia ontológica.

Mas alguém poderia contra-argumentar dizendo que a hierarquia ontológica dos seres é infinita, não necessitando haver um princípio de tal hierarquia. Há certas implicações em afirmar isso, pois seria assumir que existe um infinito em ato, i.e., um número infinito de seres numa hierarquia existindo simultaneamente, o que muitos filósofos irão discordar, pois um infinito em ato é impossível. Mas, não vamos entrar nesse mérito, vamos assumir que é sim possível haver um número infinito de seres em ato: mesmo assim, o Ser se faz princípio de tal hierarquia, pois tal hierarquia é, ela é por participar do Ser, ou seja, ela só existe mediante o Ser. O Ser ainda é o princípio ontológico dessa hierarquia, pois ele ainda se faz a coisa mais fundamental nela.

Também não seria possível dizer que uma hierarquia de seres surgiu do nada, como se tivesse havido um momento em que nada existia e, a partir do nada, um primeiro ser contingente (uma partícula ou algo do tipo) surgiu sem nenhuma causa. Isso pois o nada não possui perfeição alguma (ele é a própria privação delas), não seria possível ele gerar algum ser, pois ele estaria dando a esse ser propriedades que ele mesmo não possui. Ou seja, é impossível o universo ter sido criado do nada.

Tese 10: O Ser possui uma consciência infinita. (A onisciência do Ser)

Chegamos na parte que é provavelmente mais contra intuitiva de nosso texto, pois aqui entraremos em um vale de estranheza acerca da natureza do Ser.

Ter consciência é poder comportar o ser de outro em si mesmo, como o homem que conhece a pedra por justamente comportar o ser dela em seu próprio ser (no caso, o homem comporta em seu ser o fato da pedra ser dura, resistente, cinza, pesada, etc.) Mas, é claro, o Homem não comporta estes seres de forma material, como se a pedra se predicasse na essência do Homem. O Homem comporta sua natureza animal de forma material (a animalidade se predica no Homem), já a pedra é contida no Homem de forma imaterial, ele não possui a pedra em sentido concreto, e sim em sentido abstrato.

Com isso em mente, fica claro o porquê do Ser conhecer tudo o que existe, pois ele contém, em si mesmo, todos os seres possíveis e atuais, pois tudo o que é, é na participação do Ser (como foi provado na tese 7). Se fosse o caso que o Ser não pudesse conhecer, seria o caso que ele não poderia comportar nenhum outro ser em si mesmo, o que é absurdo.

Alguém poderia até contra-argumentar afirmando que o Ser possui o ser dos outros no mesmo sentido que a água possui a liquidez, onde a liquidez é uma forma de ser cuja a água possui em si mesma; a água possui um outro ser em si mesma, nem por isso ela conhece o outro, pois a água é inconsciente. Porém, conhecer algo não é possuir seu ser de maneira material e extensiva, a água possui a liquidez de maneira extensiva, por isso ela não compreende o que é a liquidez. Já o Homem compreende os outros seres na medida em que ele possui os outros seres de maneira não extensiva em seu ser, mas sim de maneira contemplativa; o homem contém o ser do cachorro na medida em que ele consegue representar o cão de maneira imaterial em si mesmo, ou seja, ele o contém em si, mas não de forma material, e sim imaterial. O Homem o possui enquanto um conhecimento, uma representação imaterial, já a água possui a liquidez não de forma imaterial, mas sim material, de maneira predicativa.

Por essa razão, o Ser não poderia possuir os demais seres da mesma forma que a água possui a liquidez, do mesmo modo que o fogo possui o calor, no mesmo passo que as pedras possuem peso, etc. Isso pois o Ser não é extenso, ele não possui todas as propriedades de ser de forma predicativa ou material (como demonstrado na tese 5 e 2), o Ser possui todas as perfeições possíveis de maneira virtual e imaterial. O Ser não contém o calor de maneira predicativa, se fosse esse o caso, o Ser deixaria de ser enquanto tal, tornando-se ser enquanto calor.

Por esse motivo, é necessário que o Ser não contenha os outros seres de forma extensiva, e sim de maneira virtual e imaterial, ou seja, ele possui os demais seres enquanto representações imateriais; o Ser não é quente, o Ser possui o calor enquanto um ser possível (um calor virtual), uma representação imaterial que é/pode ser dada a tudo que é quente. O Ser possui a consciência de todos os demais seres, pois ele contém os seres de forma imaterial.

O Homem conhece as coisas através de uma pluralidade de conceitos imateriais que são dados aos objetos – como o calor, que é um conceito imaterial que o Homem pode dar a tudo aquilo que é quente, como o fogo, o sol, o verão, etc. O Ser, embora possua os entes em si de forma virtual, i.e., ele também possui a conceitualização/idealização dos entes no universo, não há uma real distinção entre as ideias do Ser e os entes aos quais o Ser pensa. O conceito/ideia que o Ser tem de Sócrates não se distingue do Sócrates da realidade, isso pois não é uma mera representação conceitual que participa do Ser, e sim o próprio Sócrates que participa do Ser. Mesmo que o Sócrates real esteja participando do Ser (e não o mero conceito do mesmo), o Ser ainda possui o filósofo de maneira imaterial e virtual, pois ele não se predica no Ser, e sim participa dele. Isso também implica no fato do Ser possuir a totalidade dos entes que conhece, pois não possui meramente um conceito imperfeito de Sócrates em seu conhecimento, e sim enquanto tal, desde os mais elementares átomos que constituem seu corpo até os seus pensamentos mais ocultos. Se não fosse o caso que o Ser conhece tudo de maneira absoluta, seria o caso que há seres que não participam dele, o que é absurdo, pois tudo que existe, existe por participar do Ser. E se fosse o caso que as ideias do Ser são distintas dos entes que o Ser conhece, seria o caso que apenas a conceitualização dos entes reais participam do Ser, o que não ocorre, pois não é meramente a conceitualização dos entes que participam do Ser, e sim eles enquanto tais.

Por essa razão, o intelecto do Ser é infinitamente superior ao dos humanos. Um mero mortal não poderia ter suas ideias idênticas aos entes que conhece, pois nos mortais o conhecimento e o conhecido são distintos, sendo o primeiro uma representação imperfeita do último.

Da mesma forma que as ideias do Ser são idênticas aos objetos que ele conhece, a forma como o Ser conhece é idêntica a ele mesmo. Talvez pareça meio absurdo, mas temos que analisar isso com mais cautela: nós conhecemos as coisas que observamos através da cópula ser; se simplesmente afirmamos “ouro”, “amarelo” e “metal”, estamos apenas jogando no ar conceitos que nada dizem. Entretanto, quando dizemos “o ouro é um metal amarelo” inferimos nestes conceitos um significado, um conhecimento acerca deles, pois agora estamos usando da cópula do ser para “dissecar” estes conceitos. Mas, é claro, nosso conhecimento é meramente análogo, de maneira alguma diz respeito à totalidade dos objetos que observamos, pois não conhecemos o ouro por ele mesmo (i.e., pelo ser que imana do ouro), e sim pelo conceito abstrato (pelo ser que imana do conceito imperfeito de ouro). Isso é totalmente diferente da forma como o Ser conhece o mundo, pois não há distinção entre as ideias do Ser e os objetos que ele conhece. O Ser não conhece o ouro por um conceito abstrato, e sim pelo próprio ser que imana do ouro – pelo ouro enquanto tal; o Ser não conhece Sócrates por um conceito abstrato, e sim pelo próprio ser que imana Sócrates, etc. Ou seja, o Ser conhece as coisas mediante o próprio Ser, mediante o ser real das coisas, e não por uma cópula verbal de ser. Enquanto nós conhecemos os objetos por um ser abstrato e ideal, o Ser conhece os objetos mediante ele mesmo (i.e., mediante o Ser concreto e real das coisas). Ou seja, não há uma diferença entre o Ser e seu modo de conhecer, pois ele conhece as coisas por ele mesmo, o intelecto do Ser é ele próprio.

O conhecimento do Ser também não é plural, não há uma diversidade de operações distintas que se encarregam de conhecer diferentes coisas; o Ser conhece tudo em um único ato, de uma única forma, que é a forma do Ser. Enquanto nós conhecemos a criação por uma pluralidade de termos que predicamos nela, o Ser conhece tudo por um único “termo” e um único ato, que é ele mesmo; temos conceitos distintos que se encarregam de conhecer diversas partes da criação (como o calor, a luminosidade, a quantidade de corpos, etc.), o Ser possui uma única operação que se encarrega de conhecer tudo, que é ele mesmo. Não poderíamos dizer que no Ser há uma pluralidade de ideias que dizem respeito a criação, pois o Ser conhece tudo não mediante uma cópula indeterminada do ser (como nós), e sim mediante o Ser real da criação, que contém todas as determinações contidas nele de forma virtual e singular. Ou seja, o conhecimento do Ser é homogêneo.

O Ser não possui um conceito de calor, um conceito de peso, um conceito de luminosidade, etc., o Ser possui um único “conceito”, que é o Ser, e já possui (de forma virtual) o calor, o peso, a luminosidade, etc. Na prática, o Ser possui uma única ideia, que é a ideia dele mesmo, e essa ideia não é distinta dele (na verdade, o Ser e sua ideia de Ser são idênticas). Por essas razões, as ideias do Ser e o intelecto do Ser são todas idênticas ao próprio Ser, e por esses mesmos motivos, o conhecimento do Ser é singular, pois nele há uma única ideia, que é ideia do Ser, e essa ideia já possui todas as outras possíveis ideias de forma virtual.

Comentários à tese 10: Alguém poderia apontar certas contradições nessa tese, a julgar que originalmente foi dito que o Ser possui ideias, e que suas ideias são idênticas aos objetos aos quais se referem. Porém, também foi dito que as ideias do Ser são idênticas a ele, pois o Ser conhece tudo na medida dele mesmo. Isso dá a entender que, se o Ser é idêntico a suas ideias, e se suas ideias são idênticas aos objetos que constituem a criação, logo os objetos que o Ser conhece são o próprio Ser, ou seja, tudo é idêntico ao Ser. De fato, isso não está totalmente errado, na verdade tudo é idêntico ao Ser em certo aspecto, pois tudo é; Sócrates é idêntico ao Ser no aspecto de seralguma coisa. Porém, ao mesmo tempo que é igual ao Ser nesse único aspecto, é diferente em infinitos outros, pois é mortal, mutável, criado, determinado por outrem, divisível, etc. Sócrates é o Ser somente no curso do Ser, em qualquer outro curso, Sócrates é não-ser, pois nele há a privação das perfeições do Ser.

É como imaginar uma casa que é constituída de tijolos, telhas, madeira e afins; o mestre de Platão é como um tijolo da casa, e o Ser é a própria casa. A casa se identifica com seus tijolos na medida da casa (pois é da natureza dela ser feita de tijolos), consequentemente, é da natureza do tijolo se identificar com a casa no aspecto dela (pois o tijolo é uma determinação da casa). Porém, em qualquer outro sentido, o tijolo é totalmente distinto da casa, o tijolo é uma “não-casa”, pois o tijolo carece das perfeições mínimas para que algo seja considerado uma casa. Nesse mesmo sentido, Sócrates se distingue do Ser em qualquer outro aspecto que não seja no curso do Ser, pois Sócrates é privado das perfeições do Ser, ou seja, é um não-Ser. Claro, como toda analogia, temos nossas limitações aqui, pois o tijolo se predica à casa, o que não ocorre com Sócrates e o Ser, pois Sócrates não se predica no Ser, e sim participa dele. Mas é só uma analogia para facilitar o entendimento.

Também é importante ressaltar que eu usei o termo “ideias” (no plural) no início da exposição dessa tese, mas foi apenas num sentido equívoco, até porque não há uma pluralidade de ideias no Ser, e sim uma única ideia, que é a dele mesmo (e todas as outras são conhecidas mediante essa única ideia). E a prova que usei para sustentar que o Ser possui uma única ideia (a dele mesmo) partiu de um raciocínio progressivo, onde assumi que o Ser conhece tudo de algum modo e, analisando as implicações disso, conclui que ele só poderia conhecer tudo mediante ele mesmo, e não mediante outra coisa. Porém, poderíamos também fazer o contrário, um raciocínio regressivo, provar que o Ser conhece a si mesmo e concluir disso que ele conhece tudo o que existe. Ora, é fato que não haveria como o Ser não conhecer a si mesmo, tendo em vista que conhecer a si é justamente possuir seu próprio ser de maneira imaterial – como Sócrates, que conhece a si mesmo por possuir um conceito imaterial (ele mesmo). O Ser se contém não de maneira extensiva (como a casa, que possui os tijolos de modo extensivo), pois todas as suas perfeições estão nele de maneira virtual (como demonstrado na tese 5).

Assim, o Ser possui ele mesmo de modo análogo à forma como Sócrates possui um conceito de si mesmo; ele detém suas perfeições de maneira virtual, pois elas não necessariamente precisam habitar somente nele, mas poderiam ser de outra forma (como o conceito de barba e humildade intelectual que Sócrates atribui a si mesmo, conceitos que são virtuais/imateriais justamente por poderem ser atribuídas a outros homens); o Ser também detém suas perfeições de maneira virtual, pois elas poderiam se dar de vários modos (como o Bem, o Poder, a Perfeição, etc., que podem se dar de infinitos modos em todos os seres possíveis), o Ser possui a sua própria virtualidade. A única – e infinitamente gigantesca – diferença entre a forma como Sócrates se conhece e como o Ser se conhece é que o filósofo grego não se identifica com seu próprio conceito (suas perfeições conceituais, justamente por serem virtuais, não dizem respeito às suas perfeições reais; da mesma forma que um tijolo conceitual não se identifica com um tijolo à parte, pois um é geral e o outro não), diferente do Ser, onde as perfeições virtuais dele são idênticas às suas perfeições reais; não há diferenças entre a Bondade real do Ser e a Bondade virtual/conceitual do Ser (como haveria entre um conceito de tijolo e um tijolo real), pois a Bondade enquanto tal já é, em essência, virtual, por poder se dar de infinitos modos, e isso se aplica a qualquer outro atributo do Ser (desde a Perfeição, o Poder, a Presença, etc., todos esses atributos são virtuais, pois podem se dar de várias maneiras na criação, sendo eles próprios sua própria conceitualização). E todos os atributos do Ser se identificam entre si e com o próprio Ser, pois os mesmos são inseparáveis entre si (veremos essa identidade entre atributos com mais detalhes na tese 12).

O Ser possui sim ideias a respeito de seus atributos (ele conhece a si mesmo), mas suas ideias e seus atributos são a mesma coisa, e os atributos do Ser se identificam com ele próprio. Ou seja, o Ser não possui uma pluralidade de ideias, ele possui uma única ideia, que é a ideia dele próprio, e essa ideia se identifica consigo mesmo (o Ser é sua própria ideia). Disso segue-se que o Ser conhece tudo o que existe, pois tudo o que existe participa dele. O universo é um espelho defeituoso que reflete a imagem do Ser, ele conhece o que está nesse espelho na medida que se conhece, sabe que partes dele são refletidas no espelho; consequentemente, sabe o que não está sendo refletido; conhece seu reflexo imperfeito na medida do que, em seu reflexo, habita nele.

Tese 11: O Ser é Deus

Deus não é superior ao Ser, nem o inverso, pois Deus é o próprio Ser, pois não há nenhuma diferença entre ambos. Deus é o ser máximo perfeito, o ser que nada está acima, ou seja, Deus só poderia ser o próprio Ser enquanto tal. Mas tínhamos outra problemática: como o Ser poderia ser Deus sendo que Deus possui atributos que, aparentemente, não estão no Ser? Bem, ao longo dessas últimas 5 teses provamos que o Ser possui sim todos os atributos de Deus.

Se é aceito que o Ser existe, e que o Ser é a máxima perfeição, é inevitável aceitar que o Ser é o próprio Deus.

Tese 12: Deus é, assim como o Ser, absolutamente simples.

Não há distinção entre Deus e suas perfeições, pois todas elas são inseparáveis entre si. Ora, não seria possível ser perfeito sem ser onipotente, onipresente e onisciente e sumamente bom, do mesmo modo, não seria possível ter um desses atributos à parte sem conter os demais. Como demonstramos na tese 2, Deus não poderia ser nada além d’Ele próprio, ou seja, todas as suas perfeições são Ele mesmo, até porque, se não fosse simples de forma absoluta, não seria Ser enquanto tal, e sim um ser enquanto outro. A suma perfeição de Deus se identifica consigo, pois ser perfeito é, em última instância, ser algo (não possuir uma privação), ou seja, o perfeito é e o não perfeito não é. Perfeição é ser, e o que é o máximo Ser senão Deus? Ele é a Sua própria perfeição. A mesma coisa ocorre com todos os seus outros atributos, não é possível ser simplesmente Bom, Poderoso, Presente e Consciente sem ser, todos esses atributos são. Todos os atributos de Deus são simplesmente aspectos diferentes de ser, mas, em última análise, no Ser tudo isso se identifica, pois tudo é. E o que é o Ser senão Deus? Se todas as perfeições do Ser se identificam nele mesmo, e se Deus é o próprio Ser, é fato que todas as suas perfeições se identificam.

Não haveria como Deus ser sumamente perfeito sem antes ser onipresente, onisciente, onipotente e sumamente Bom. Do mesmo modo, não teria como possuir somente um desses atributos à parte, pois são indivisíveis entre si, todos eles se identificam com Deus. E isso pode ser provado simplesmente observando a natureza de tais atributos: como seria possível Deus ser perfeito sem ser Bom? Se fosse o caso que fosse ausente do Sumo Bem, seria o caso que carece de algo, o que não convém a um ser perfeito. Do mesmo modo, não haveria como Deus ser sumamente Bom sem antes ser perfeito, pois ser o Sumo Bem implica em ter nada além de si como sua causa final, e o que tem a si mesmo como causa final se não Deus (o Ser)? E o que Deus é se não o ser mais perfeito que existe? O Sumo Bem de Deus e Ele próprio se identificam, um é indissociável do outro.

Do mesmo modo, a onipresença de Deus é indissociável d’Ele próprio. Ora, o que é Deus senão o Ser? E o que é a coisa mais presente no universo senão o Ser? Não haveria como Deus ser perfeito sem antes ser o próprio Ser, e não haveria como o Ser não estar presente em tudo o que existe, pois tudoé, o Ser está em tudo (como demonstrado na Tese 7). O ato da presença de Deus nas coisas se identifica com ele, pois não haveria como abranger todo o escopo do Ser sem sernomundo inteiro – a presença de Deus no mundo é Ele próprio, pois é o próprio Ser que habita no mundo, e o Ser que habita no mundo é o próprio Ser que o transcende. Neste mesmo raciocínio, também não haveria como algo ser onipresente sem ser perfeito, pois a única coisa que pode ser onipresente é o Ser (Deus), ou seja, a onipresença é indissociável de Deus.

A onipotência também é indissociável de Deus, e isso é bem evidente, não haveria como algo ser onipotente (poder fazer tudo) sem ser perfeito (não carecer de nada), se algo carece de alguma coisa, implica que aquilo não poderia fazer algo (ou seja, ser privado da onipotência). O mesmo ocorre no contrário, não há como ser perfeito sem ser onipotente, como algo perfeito poderia carecer do poder de fazer tudo? É contraditório.

Todos esses atributos são meramente palavras diversas que se referem à mesma coisa. Tudo que diz respeito a Deus é, em última análise, Ele próprio.

Respostas à argumentos ateístas

1 - Deus poderia fazer uma pedra que Ele mesmo não poderia levantar?

Essa é uma clássica pergunta que ainda coloca muitas pessoas em dúvida, pois apontaria uma suposta contradição na onipotência divina. Deus pode fazer uma pedra que Ele mesmo não poderia levantar? Se sim, então não seria onipotente, pois não teria o poder para levantar a pedra, ou seja, seria o caso que não conseguisse fazer algo. Se não, então ainda assim não seria onipotente, pois não teria o poder para criar uma pedra tão pesada que nem mesmo o Ser Supremo poderia levantar. Qualquer resposta que você dê leva a uma contradição, pois, se é o caso que Deus é onipotente, seria o caso que ou Ele não poderia levantar a pedra imóvel ou seria o caso que não poderia criar essa tal pedra.

Este argumento é um Reductio ad absurdum, pois assume a onipotência divina e disso conclui que ela é impossível, ou seja, se é o caso que a onipotência existe, é o caso que ela não existe (devido o paradoxo da pedra). Em outras palavras, assume-se o princípio da não-contradição: não poderia ser o caso que Deus pudesse levantar e não levantar a pedra ao mesmo tempo, pois isso é uma contradição e Ele não poderia fazer algo contraditório.

Porém, o próprio paradoxo da pedra já assume uma contradição, no caso, uma pedra imóvel. Ora, uma pedra é um corpo, e todo corpo tem potência para sair de um ponto do espaço e ir para outro, pois o espaço é passivo para comportar qualquer corpo (até porque o espaço é a própria forma dos corpos). Se uma pedra fosse imóvel, seria o caso que não poderia se deslocar de um ponto para outro, mas isso é impossível, pois o espaço pode comportar qualquer corpo, e isso independe do quão pesada ela é ou que força mística prende a pedra, o espaço sempre será passivo de comportar a pedra. Do mesmo modo que o ponto A do espaço pode comportar uma pedra, o ponto B também pode, pois todo lugar do espaço já contém a pedra em potência.

Uma pedra que não pode ser deslocada é o mesmo que um quadrado redondo; o espaço é passivo de receber qualquer corpo em qualquer ponto, e uma pedra que não possui a potência para estar em qualquer ponto do espaço é uma pedra que não é um corpo, ou seja, uma pedra que não é uma pedra.

A resposta para o paradoxo da pedra seria, então, que Deus não poderia fazer uma pedra imóvel, mas não por limitação d’Ele, e sim da pedra, que é um corpo passivo de ser movido, e isso pertence à sua própria natureza (para que a pedra fosse imóvel, teria que deixar de ser um ser espacial, ou seja, deixar de ser o que é). Há outras formulações desse paradoxo, trocando a palavra “levantar” por “partir/dividir”, mas a resposta é a mesma, também não haveria como uma pedra ser indivisível, pois ela possui partes, e tais partes poderiam se dar de outro modo que não fosse no modo da pedra (como demonstrado na tese 1).

A real pergunta aqui deveria ser: Deus pode fazer algo contraditório? A resposta é não, mas não porque Deus careça de tal poder, e sim porque a contradição é impossível em essência. Uma contradição é o próprio não-ser, pois ela abrange tudo aquilo que não é. Um quadrado redondo, por exemplo, é contraditório na medida que ele é um quadrado que não é um quadrado, ou seja, é um quadrado que não é, o próprio não-ser. E como vimos na tese 1, o não-ser de nenhum modo poderia existir, pois é a própria negação da existência. Quando dizemos que Deus não poderia fazer algo contraditório, na verdade estamos dizendo que há a impossibilidade da contradição vir a ser, pois a contradição não é, e não poderia ser de nenhum modo; a contradição não pode existir pois é a própria não-existência, ela não pode existir por uma (infinitíssima) imperfeição dela mesma, e não por uma imperfeição de Deus.

2 - Se Deus existe, e é bom, por que permite o mal?

Vamos separar essa pergunta em “sub perguntas” e responder uma por uma:

O mal existe? Não. O mal é a ausência de bem, dizemos que uma caneta é má quando ela não escreve, ou seja, quando ela carece do cumprimento de seu objetivo. A mesma coisa ocorre com o arqueiro, que é um mal arqueiro na medida em que ele descumpre seu papel enquanto tal. Assim, podemos responder a próxima pergunta: Deus criou o mal? A resposta também é não. Deus de fato criou tudo o que existe, mas o mal não existe, o mal é a carência de algo (o bem), ou seja, o mal não foi criado por Deus. Mas, Deus permitiu o mal? Não, quem permite o mal são as criaturas e os seres que Deus criou, que tendem ao mal justamente por se afastarem de Deus (que é o Sumo Bem); não foram os tímpanos de Beethoven, antes corroborando em sua audição, que permitiram sua surdez – do mesmo modo, não foi Deus, antes corroborando no bem das criaturas, que permitiu que se corrompessem.

Mas, se Deus é o Sumo Bem, por que Ele não faz nada a respeito da corrupção das criaturas? Ora, mas Deus não precisa de nada além d’Ele mesmo para ser bom, Ele é bom por si mesmo. Todas as criaturas dependem de outros seres para serem boas, o arqueiro busca sua bondade no alvo (em atingir o alvo), a caneta busca sua bondade no papel (em escrever corretamente), o Homem busca sua vontade nas virtudes (em ser virtuoso), etc. Mas Deus não tem sua bondade em outra coisa se não n’Ele mesmo (como demonstrado na tese 8). Dessa forma, o ônus da questão recai sobre aquele que fez a pergunta, por que Deus deveria fazer algo a respeito de um mal que não é d’Ele? Ora, se já é bom por si mesmo, não tem nenhuma responsabilidade sobre a falta de bondade de suas criaturas (a responsabilidade está com elas).

Com toda essa exposição, imagino que todas as dúvidas sobre essa questão já estejam respondidas. Sendo assim, vamos para a próxima.

3 - Se Deus criou tudo, quem criou Deus?

Deus não poderia ter vindo do nada, pois do nada, nada provém. Deus não poderia ter criado a si mesmo, pois, para que X crie X, implica que X já existisse para então criar X, ou seja, X já estava criado. Deus, então, não poderia ter criado a si mesmo, pois, para criar, é necessário que aquilo já exista – o fogo só consegue criar calor pois já o possui, não teria como um fogo inexistente criar seu próprio calor, pois seria o mesmo que algo que não existe criando uma existência, i.e., algo provindo do nada. Deus também não poderia ter vindo de outrem, pois Deus é o próprio Ser, e o Ser sempre é idêntico a si. Não houve um momento em que Deus não era e, repentinamente, veio a ser, pois seria o mesmo que dizer que veio a ser um dia (sendo que o Ser sempre é).

Dizer que Deus foi criado por algo, seria o mesmo que dizer que todas as suas partes estavam separadas e foram juntas por algo, mas isso é impossível, pois é absolutamente indivisível. Ele não é um composto de partes, é apenas uma totalidade singular. Também não poderia ser o caso que houve um momento em que Deus estivesse contido em um determinando X, e que esse X o criou, isso pois não há nada mais perfeito que Deus que possa contê-lo. A única coisa que contém Deus é Ele mesmo, é eterno e imutável, não houve ponto no qual foi criado, sempre existiu, sempre é.

A causa sempre é maior que o efeito, Deus é a causa do universo, e é infinitamente mais perfeito. Mas quem é mais perfeito que Deus para criá-lo? Se Deus é a própria perfeição, não haveria como ter existido algo mais perfeito para então o criar. Deus sempre existiu, sempre é, e não poderia ser diferente, pois não há como o próprio Ser não ter sido algum dia.

Conclusão

Com toda essa exposição, vimos não somente que Deus existe, mas que é o próprio Ser, que n’Ele tudo se identifica, que não há nada que lhe escape. Perante Ele, nenhum segredo é oculto, nenhuma impossibilidade recai ao Seu poder, tampouco carece de algo, pois é o próprio Poder, é a própria perfeição. Não há nada em que lhe seja distinto, é idêntico as Suas partes, e suas estas são idênticas entre si. Deus não poderia não existir (não ser), pois é a própria Existência.

Agradeço a todos que tiveram paciência para ler até aqui, é um conteúdo muito extenso e, como eu disse no início do texto, não dá para se aprofundar muito em apenas poucas páginas, mas acredito que seja uma introdução satisfatória para qualquer leitor que tenha dúvidas sobre a existência de Deus.

Notas

*- Crítica da Razão Pura, Quarta Secção “Da impossibilidade de uma prova ontológica de Deus”

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Artigo "Provando Deus em 12 teses", por Waltrick, e seus respectivos arquivos

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