Políptico da Capela do Salvador
O Políptico da Capela do Salvador, ou Retábulo de São Bento, é um políptico de pinturas a óleo sobre madeira criado no período de 1520 a 1525, tratando-se provavelmente de obra colectiva com participação proeminente dos artistas portugueses do Renascimento Gregório Lopes e Jorge Leal. Integrou inicialmente o Retábulo da Capela do Salvador no Convento de São Francisco da Cidade, em Lisboa, estando os quatro painéis sobreviventes actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.[2]
O Políptico da Capela do Salvador era composto por cinco painéis, havendo um painel central, a Deposição da Cruz ou Lamentação de Cristo, de que se desconhece o paradeiro, que era ladeado pelos quatro painéis que chegaram até ao presente e que são: a Visitação, a Adoração dos Reis Magos, a Apresentação do Menino no Templo e o Menino Jesus entre os Doutores, conforme reconstituição ao lado.[3]
No século XVII, os painéis do Políptico da Capela do Salvador transitaram da Capela do Salvador no Convento de São Francisco da Cidade para a Capela de Nossa Senhora dos Prazeres no Mosteiro de São Bento da Saúde (o actual Palácio de S. Bento onde funciona a Assembleia da República Portuguesa), passando desde então a ser conhecido como Retábulo de São Bento. Mais tarde, com a extinção da ordens religiosas em 1834, foi transferido para a Academia Real de Belas Artes de onde, finalmente, passou para o MNAA.[3]
Reinaldo dos Santos encontrou num Livro de Notas do Mosteiro de São Bento da Saúde[4] um recibo de pagamento a Gregório Lopes datado de 1520, e Vitorino Magalhães Godinho havia encontrado um documento de 1525[5] segundo o qual os pintores Jorge Leal e Gregório Lopes tinham acabado de pintar o Políptico da Capela do Salvador do Mosteiro de São Francisco, trabalho que iria ser avaliado pelo pintor régio Jorge Afonso e pelo pintor Antão Leitão. Conjugando as datas destes dois documentos é possível delimitar a data de execução do Políptico.[3]
Descrição
[editar | editar código-fonte]Apresenta-se a seguir a descrição dos quatro painéis conhecidos do Políptico da Capela do Salvador, seguindo uma lógica narrativa.
Visitação
[editar | editar código-fonte]Trata-se de um dos cinco painéis do Políptico da Capela do Salvador, tendo de altura 181 cm e 133 cm de largura e representa o episódio bíblico da Visitação.[3]
No centro da composição está Isabel ajoelhada para saudar Maria que se inclina para a erguer. Atrás de Maria, do lado esquerdo, surgem três figuras femininas que simbolizam, como se pode ler nas inscrições das auréolas, a Castidade, a Pobreza e a Humildade. Do lado direito estão Zacarias, marido de Isabel, à entrada da sua casa, e duas outras mulheres. No céu de um azul luminoso está um grupo de seis anjos.[3]
O enquadramento da cena é formado por um edifício clássico composto de colunas, arcos e uma torre revestida com uma delicada decoração gótico-flamejante, e por um apontamento paisagístico lateral ao edifício.[3]
Particularmente interessante é o jogo das linhas de força que estruturam a composição, definido no primeiro plano pelo triângulo formado por Maria e Isabel, e pela diagonal descendente formada pelos anjos. Também a posição das mãos dos restantes personagens, todos com gestos diferenciados, repetem os principais elementos geométricos. Assim, a figura feminina em último plano coloca as mãos em sinal de oração, o que tem paralelo com o triângulo das duas figuras centrais. Tal como os anjos, Zacarias e a Castidade apontam ou sugerem uma linha diagonal em direcção ao grupo principal. Por fim, o movimento circular das mãos da Humildade e da personagem colocada ao lado de Zacarias tem paralelo com o circulo formado pelos braços e rostos de Maria e de Isabel.[3]
Adoração dos Reis Magos
[editar | editar código-fonte]Trata-se de um dos cinco painéis do Políptico da Capela do Salvador tendo de altura 176,5 cm e 133 cm de largura e representa o episódio bíblico da Adoração dos Reis Magos.[6]
A Sagrada Família encontra-se do lado direito da composição e os restantes personagens do lado oposto, sendo ainda o painel dividido por uma acentuada diagonal.[2]
A Virgem Maria segura nos braços com atitude protectora o Menino Jesus estando sentada à entrada de um edifício cuja frontaria se encontra ornada com colunas de mármore vermelho, não ostentando assim o aspecto habitual de edifício em ruína. Atrás, olhando em frente está São José que afasta uma cortina em brocado de tons verdes com motivos geométricos e vegetais. A Virgem Maria envolta num manto azul com bordadura dourada está em cima de um estrado, ou lage, cujo lado da frente marca a linha central da composição. A seus pés estão colocadas duas taças douradas de oferendas trazidas pelos Reis Magos, enquanto a terceira está ainda nas mãos de um pajem que a está a entregar a Baltazar.[6]
Por detrás dos três Reis Magos estão os seus pajens e a seguir três personagens masculinos que envergam vestes negras, os quais têm atrás um acompanhamento de soldados empunhando lanças e bandeiras. Em fundo vê-se um cortejo de gente a pé ou a cavalo que, por um caminho inserido numa paisagem rochosa pontuada por algumas edificações, se dirige para o nascimento de Jesus.[6]
Com grande realismo fisionómico, as duas figuras vestidas de escuro com cabelo e barba grisalha foram identificadas com os dadores da obra, podendo também tratar-se de auto-retratos dos autores Gregório Lopes e Jorge Leal e o mais jovem ser Cristóvão Lopes, filho e seguidor na profissão de Gregório Lopes. [6]
As vestes e barretes escuros destes personagens realçam a riqueza de colorido da restante cena, sendo também de sublinhar a expressividade do seu rosto. A pintura revela minúcia no tratamento dos pormenores e um gosto pela exaltação do luxo e da caricatura, características do estilo gótico internacional.[2]
Numa posição pessoal até agora não seguida por outros estudiosos, José dos Santos Carvalho propõe que a figura do Rei Mago em primeiro plano, o mais à esquerda na pintura, seja um retrato do próprio rei D. Manuel I, e que a figura da Virgem Maria é um retrato da rainha D. Leonor, propondo ainda que outras figuras sejam retratos de outros membros da corte.[7] Há quem considere a mais objectiva representação deste monarca a escultura no portal ocidental do Mosteiro dos Jerónimos (para comparação veja-se imagem no Commons).[8][9]
Já para Vítor Serrão, a Adoração dos Magos é seguramente a pintura mais notável deste Políptico pelo requinte palaciano da composição triangular, repleta de pormenores, com figuras de traje aristocrático contemporâneo do pintor, pela notabilíssima riqueza de cromatismo, a pompa das armas, adereços e peças de ourivesaria, e o realismo surpreendente de certas cabeças de execução superior, caso dos dois presumíveis doadores de vestes escuras em plano recuado integrados no séquito dos Reis Magos.[10]
Conclui Serrão que estamos de facto perante uma das primeiras obras em que Gregório Lopes participou e a sua maneira cortesã encontra-se já em certos pormenores como com clareza sucede na figura da Virgem Maria com o rosto ovalado, no maneirismo dos dedos, na agitação dos tecidos de formas elípticas, e mesmo em certas preferências cromáticas, presentes nesta estupenda pintura. Quanto ao outro interveniente no Políptico, o menos conhecido Jorge Leal, a carência de elementos seguros impede que por agora o seu estilo possa ser individualizado, muito embora a alta qualidade desta série faça crer num mestre de sólidos recursos, que evoluiu também na oficina de Jorge Afonso.[10]
Apresentação do Menino no Templo
[editar | editar código-fonte]Trata-se de um dos cinco painéis do Políptico da Capela do Salvador tendo de altura 173 cm e 129,5 cm de largura e representa o episódio bíblico da Apresentação de Jesus no Templo narrado no Evangelho segundo São Lucas (Lucas 2:22–40).[11]
Em segundo plano, a Virgem Maria com um manto azul, tendo a seu lado de joelhos São José que oferece as duas rolas/pombas do rito judaico da Apresentação, já entregou o Menino Jesus nos braços de Simeão. Este segura o Menino com as mãos veladas em sinal de respeito e reverência e, apesar de não ser sumo-sacerdote, ostenta mitra e um pluvial que é sustentado por um dos cinco homens que se situam atrás dele. Na esquina da mesa está a profetisa Ana a apontar Jesus para um grupo de três figuras femininas que completam a cena.[11]
A cena está simetricamente enquadrada quer pela mesa/altar, em primeiro plano, colocada ao centro, quer, em fundo, por um arco suportado por duas colunas, equidistante de ambos os lados do quadro, e ainda do candeeiro rica e finamente lavrado em forma de Custódia de Belém dependurado do tecto no meio do arco e a apontar ao centro da mesa/altar. A linha central do quadro é definida pelo candeeiro que pende sobre o altar e em simultâneo sobre a mão indicadora da profetisa e a oferenda sacrificial dada por S. José. A mesa/altar de mármore coberta por uma colcha com franja tendo por cima uma toalha branca delicadamente debruada de motivos vegetais, é suportada por colunas similares às do edifício da Adoração dos Magos.[11]
Menino Jesus entre os Doutores
[editar | editar código-fonte]Trata-se de um dos cinco painéis do Políptico da Capela do Salvador tendo de altura 178 cm e 133 cm de largura e representa o episódio bíblico de Jesus entre os Doutores relatado no Evangelho de Lucas (Lucas 2:42–51).[12]
O episódio, o último do ciclo da infância de Jesus, acontece quando, aos doze anos, acompanhou os pais a Jerusalém na festa da Páscoa. Jesus entrou no Templo, e entre os sábios rabínicos declarou que tinha chegado o Messias, tal como tinha sido anunciado por Isaías. E, segundo Lucas, «Todos os que o ouviam, muito se admiravam da sua inteligência e das suas respostas».[12]
Jesus está no centro da composição, de pé, em frente a uma cadeira coberta por um dossel circular no cimo de uma escadaria. De ambos os lados estão os sábios rabínicos, e também a Virgem Maria (do lado direito com manto azul) e São José, e até um espectador que ao fundo espreita pela cortina que separa a área do templo onde decorre a cena da que lhe é contígua. De realçar a variedade de formas como é transmitida a admiração e a incredulidade dos Sábios. Um deles vestido de negro com óculos consulta um livro acompanhando a leitura com o dedo, outros falam entre si (como no grupo do lado esquerdo), outro argumenta com Jesus enumerando com os dedos das mãos os seus pontos de vista, e há os que o escutam atentamente.[12]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ PEREIRA, Fernando António Baptista - Imagens e Histórias de devoção. Espaço, Tempo e Narrativa na Pintura Portuguesa do Renascimento (1450-1550), Tese de doutoramento em Ciências da Arte. Faculdade de Belas Artes da U.L.: policopiado, 2001, Vol II, pág. 118.
- ↑ a b c Museu Nacional de Arte Antiga, Coleção Museus do Mundo, Coord. João Quina, editor Planeta de Agostini, 2005, pag. 102-103, ISN 989-609-301-6
- ↑ a b c d e f g Nota sobre a Visitação na Matriznet em [1]
- ↑ Torre do Tombo, Códice nº 21 do Cartório de São Bento
- ↑ Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte II, maço 125, nº 150
- ↑ a b c d Nota sobre a Adoração dos Reis Magos na Matriznet em [2]
- ↑ José dos Santos Carvalho, Quatro Painéis da Confraria do Salvador Provenientes do Mosteiro de São Bento Expostos no Museus Nacional de Arte Antiga, em Cadernos de Interpretação Iconográfica, disponível em [3]
- ↑ Nota sobre a obra Casamento de Santo Aleixo (Garcia Fernandes) na página do Museu Histórico Alemão: [4]
- ↑ Imagem no Commons [5]
- ↑ a b Vítor Serrão - "Adoração dos Magos", in Grão Vasco e a Pintura Europeia do Renascimento. Lisboa: C.N.C.D.P., 1992, pag. 364-365.
- ↑ a b c Nota sobre a Apresentação do Menino no Templo na Matriznet [6]
- ↑ a b c Nota sobre a Menino Jesus entre os Doutores na Matriznet [7]
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Página oficial do Museu Nacional de Arte Antiga [8]
- Pinturas de Portugal
- Pinturas do século XVI
- Pinturas da década de 1520
- Pintura do Renascimento
- Pinturas com temas bíblicos
- Pintura religiosa
- Pinturas de Gregório Lopes
- Maria (mãe de Jesus) na arte
- Pinturas sobre Maria (mãe de Jesus)
- Pinturas no Museu Nacional de Arte Antiga
- Séries de pinturas
- Polípticos em Portugal