João Melchíades
João Melchíades Ferreira da Silva | |
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Nome completo | João Melchíades Ferreira da Silva |
Nascimento | 07 de setembro de 1869 Bananeiras |
Morte | 10 de dezembro de 1933 (64 anos) João Pessoa |
Nacionalidade | brasileiro |
Ocupação | Poeta popular, cantador. |
Magnum opus | O Romance do Pavão Misterioso |
João Melchíades Ferreira da Silva (Bananeiras, 7 de setembro de 1869 – João Pessoa, 10 de dezembro de 1933), também conhecido como “O Cantor da Borborema”, foi um cantador e poeta paraibano de literatura de cordel, considerado um dos grandes nomes da primeira geração de cordelistas nordestinos.
Biografia
[editar | editar código-fonte]João Melchíades nasceu em Bananeiras, interior da Paraíba. Ficou órfão de pai ainda criança. Seus parentes, inclusive a mãe, eram pequenos proprietários. Aprendeu a ler com um dos seus avós, que era ex-seminarista e professora dos meninos da região.[1]
Casou-se em 1897 com Senhorinha Melchíades, que na ocasião tinha apenas 28 anos, e tiveram quatro filhos. Fausto, o mais velho, morreu ainda criança; Gervásio (apelidado de Duda) tornou-se médico sanitarista em Recife; Amélia casou-se e foi morar no Rio de Janeiro e Santina, a caçula, permaneceu em João Pessoa e casou-se com um oficial da polícia, com quem teve doze filhos.
Sargento reformado por causa do beribéri, João Melchíades passou a morar na capital paraibana. Sustentava a família com a aposentadoria que recebia mensalmente do Exército, da venda de seus folhetos e de cantorias.
João Melchíades entrou para o Exército aos 19 anos de idade, ainda na Monarquia, e foi promovido a sargento em setembro de 1893. Combateu nas campanhas de Canudos em 1897 e do Acre em 1903. Retornou de Canudos com perda de audição e do Acre com beribéri, da qual se tratou em Recife, no Rio e em Minas Gerais, onde quase morreu. Também foi regente da banda de corneteiros do 28º batalhão em S. João da Barra, no Estado de Minas Gerais. Deixou o Exército em 1904.
O necrológio de Melchíades ficou a cargo do poeta Antônio Ferreira da Cruz, que o versou no folheto "A morte do trovador João Melchíades".
Obras
[editar | editar código-fonte]Publicação e comercialização
[editar | editar código-fonte]Sabe-se que a maior parte dos folhetos de João Melchíades foi publicada pela Popular Editora, tipografia do amigo e cordelista paraibano Francisco das Chagas Batista. Não é conhecida a data do seu primeiro folheto, mas em 1914 passou a publicá-los regularmente. O poeta lia História, Geografia, Mitologia, Romances e a Bíblia; era muito religioso e amigo de alguns frades.
Viajava anualmente para vender folhetos pelo interior, sobretudo nos sertões da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará, participando também de cantorias. Essas viagens eram feitas em época de safra. As viagens eram sempre a cavalo, levando um alforje com folhetos seus e de Chagas Batista e também terços, livros de missa e "romances de prateleira".
Após a morte de João Melchíades, sua esposa Senhorinha e seus filhos venderam os direitos de publicação ao poeta e cantador Manuel Camilo dos Santos, que passou a editar os folhetos de Melchíades[1]. Entretanto, naquela ocasião os cordéis já eram publicados por João Martins de Athayde e, posteriormente, José Bernardo da Silva, principalmente "O Romance do Pavão Misterioso".
A disputa entre editores pelos direitos de publicação das obras do "Cantor da Borborema" se estendeu por muitos anos até 2010, quando entraram em domínio público.
Os cordéis de Melchíades e a Guerra de Canudos
[editar | editar código-fonte]Já foram identificados pelo menos 36 poemas de João Melchíades[1], porém é provável que esse número seja maior. O folheto mais conhecido é "O Romance do Pavão Misterioso" (32 páginas), mas existem muitos outros de grande valor para a literatura de cordel, tais como “História de José Colatino e o carranca do Piauí”, “História do valente sertanejo Zé Garcia” e, principalmente, “A Guerra de Canudos”, o primeiro cordel sobre Antônio Conselheiro. Com relação a Canudos, é natural que assumisse a defesa da República, contra a ideologia pregada e praticada por Conselheiro e seus adeptos. Ao contrário de Euclides da Cunha, ele não viu nenhum mérito naquele grupo de valentes sertanejos que se insurgiu (e venceu, em algumas ocasiões) o Exército brasileiro.[2]
Seus folhetos são essencialmente pelejas, romances, poemas de época e descrições da Paraíba, da Serra da Borborema e dos proprietários da região. Entre os poemas de época, abordou a 1ª Guerra Mundial, a Guerra de Canudos, desabamentos e impostos. Na sua obra destacam-se o combate ao protestantismo, a exaltação da fé cristã e do sertão.
Os valentes louvados nos poemas de Melchíades fogem a algumas características dos poemas de folhetos, pois não são pobres vaqueiros e sim homens de riqueza. É o caso de Cazuza Sátiro, Belmiro Costa e Zé Garcia. Se vários poetas aceitavam "cantar ciência" em desafios, João Melchíades recusava-se a falar sobre esse tema e o exemplo mais categórico ocorreu em sua peleja com Francisco Pequeno. Ele dizia que preferia cantar sobre o povo e suas necessidades.
O acervo do Cantor da Borborema é de domínio público, a exemplo do que ocorre com outros poetas populares da primeira geração, e foi digitalizado e disponibilizado ao público pela Fundação Casa de Rui Barbosa[3].
O Romance do Pavão Misterioso
[editar | editar código-fonte]Há uma controversa discussão sobre a autoria do folheto "O Romance do Pavão Misterioso". Átila Augusto F. de Almeida[4] afirma que esse cordel foi plagiado por João Melchíades do original de José Camelo de Melo Rezende, mas essa versão não é partilhada por outros estudiosos,[5][6] considerando que os dois poetas populares tinham o romance como parte do repertório comum de suas cantorias.
A versão de João Melchíades tem 32 páginas enquanto a de José Camelo, rara hoje em dia, tem 40 páginas. Há sensíveis diferenças na estrutura das duas histórias e a versão resumida de Melchíades apresenta erros de métrica, característica inexistente na obra de Camelo. Naquela época, a versão do Cantor da Borborema popularizou-se e por muitos era considerada a original, fazendo mais sucesso que a de Camelo. De acordo com Expedito Sebastião da Silva, chefe gráfico da Lira Nordestina, esse desgosto motivou o poeta José Camelo a destruir o próprio folheto.
A pesquisadora Jerusa Pires Ferreira aponta diversos pontos de convergência entre os folhetos "Roldão no leão de ouro" e "O Romance do Pavão Mysteriozo". Nas duas narrativas, o herói apaixona-se de tal maneira pela moça do retrato a ponto de adoecer e desejar conhecê-la pessoalmente, para saciar o sua paixão. No caso de “Roldão no Leão de Ouro”, o herói procura um habilidoso artesão que constrói um animal mecânico – o leão de ouro – para chegar na torre em que se encontrava prisioneira a Princesa Angélica, filha do poderoso Almirante Balão. No Romance do Pavão Mysterioso, o herói Evangelista também procura um engenheiro, Edmundo, que constrói um aeroplano-pavão de alumínio, capaz de chegar na torre onde a condessa Creusa encontrava-se prisioneira, a mando do próprio pai. No caso do leão, Roldão consegue penetrar no palácio por meio da astúcia. No caso do pavão, o herói chega a torre sem ser pressentido pelos guardas. Nas duas estórias, a moça é raptada e casa com o herói. Quanto a autoria de “Roldão no Leão de Ouro”, adaptação de um episódio da História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França, não paira a menor dúvida quanto a autoria de João Melchíades Ferreira.[7]
De acordo com o poeta Arievaldo Viana, isso não só reforça a hipótese de que Melchíades reescreveu (e não plagiou) a história, como também chegou a acrescentar elementos de uma fonte que já havia visitado: A História de Carlos Magno.
Obras selecionadas
[editar | editar código-fonte]- O Romance do Pavão Misterioso
- A besta de sete cabeças
- A rosa branca da castidade
- Quinta peleja dos protestantes com João Melchíades
- Peleja de João Melchíades com Olegário
- Peleja de João Melchíades com Claudino Roseira
- História de José Colatino e o carranca do Piauí
- História de Juvenal e Leopoldina
- As quatro órfãs de Portugal
- História do valente sertanejo Zé Garcia
- O filho que casou com a mãe enganado
- Peleja de Joaquim Jaqueira com João Melchíades
- Peleja de Francisco Pequeno com João Melchíades
- Peleja de Manoel Cabeceirinha com Alexandre Torto
- Roldão no leão de ouro
- Victoria dos aliados: a derrota da Allemanha e a influenza hespanhola
- Os crimes e horrores da Alemanha
- A Guerra de Canudos
- Cazuza Sátiro, o matador de onças
- A cigana esmeralda
- O marco de Lampião
- História sertaneja
- O desabamento do morro Monte Serrat
Tributos
[editar | editar código-fonte]Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
[editar | editar código-fonte]O dramaturgo e poeta paraibano Ariano Suassuna é um grande admirador da obra de João Melchíades e prestou a sua homenagem ao trasnformá-lo em personagem do seu livro Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, publicado em 1971. O personagem João Melchíades era padrinho do personagem-narrador, Quaderna.
O livro foi adaptado para a televisão em 2007 na microssérie A Pedra do Reino[8], dirigida por Luiz Fernando Carvalho e escrita por Luís Alberto de Abreu, Bráulio Tavares e Luiz Fernando Carvalho. João Melchíades foi interpretado pelo poeta e compositor Abdias Campos. Essa microssérie foi a primeira rodada e exibida das quatro concebidas no Projeto Quadrante.
Pintura de Flávio Tavares
[editar | editar código-fonte]O artista plástico paraibano Flávio Tavares, que tem relação próxima com a família Melquíades, pintou uma tela a óleo retratando o Cantor da Borborema e a deu de presente a uma neta de João Melchíades. A pintura é inspirada na foto mais conhecida do cordelista e tem ao fundo pavões, numa clara alusão a sua obra mais conhecida: O Romance do Pavão Misterioso.
Canção de Ednardo
[editar | editar código-fonte]O cantor e compositor cearense Ednardo compôs a canção "Pavão Mysteriozo" em 1974, que foi incluída na trilha sonora da telenovela Saramandaia, de Dias Gomes, exibida pela Rede Globo em 1976.
A faixa fez grande sucesso e ganhou mais de 20 regravações, inclusive nas vozes de Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Oswaldo Montenegro e Fernanda Takai.
Cordelteca da Casa do Cantador
[editar | editar código-fonte]Em 11 de dezembro de 2019 foi inaugurada a cordelteca da Casa do Cantador, espaço cultural projetado por Oscar Niemeyer e localizado na região administrativa de Ceilândia (DF), batizada com o nome João Melchíades Ferreira da Silva em homenagem ao cordelista. A cordelteca conta com um acervo de 1,5 mil obras com catalogação eletrônica e uma instalação do artista plástico Valdério Costa, com xilogravuras que incluem a representação do Pavão Misterioso.
Academia Brasileira de Literatura de Cordel
[editar | editar código-fonte]João Melchíades Ferreira da Silva é o patrono da cadeira número 40 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), ocupada desde 2000 pelo poeta popular cearense Arievaldo Viana.
Em 2007, Arievaldo Viana e o cartunista/ilustrador pernambucano Jô Oliveira lançaram pela editora cearense IMEPH o livro "O Pavão Misterioso", uma releitura para o público infantojuvenil dos folhetos "O Romance do Pavão Mysteriozo", de João Melchíades Ferreira e José Camelo de Melo Rezende.[5]
Antes mesmo da publicação do livro, as ilustrações de Jô Oliveira do Pavão Misterioso para a coleção de selos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos lhe renderam o prêmio ASIAGO (Itália) de melhor selo do mundo, categoria Turismo.
Referências
- ↑ a b c TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memórias de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste (1893 a 1939). São Paulo: Global Ed., 1983.
- ↑ Fonte: Acorda Cordel http://acordacordel.blogspot.com/
- ↑ Link para o acervo de João Melchíades Ferreira da Silva no site da Fundação Casa de Rui Barbosa
- ↑ ALMEIDA, Átila Augusto F. de, 1923- (Átila Augusto Freitas de). Dicionário biobibliográfico de poetas populares. 2. ed. ampL. e rev. Campina Grande: Univ. Fed. da ParaÍba, 1990.
- ↑ a b Avoa, imaginação
- ↑ Biografia de João Melchíades Ferreira, por Roberto Benjamin - Casa de Rui Barbosa http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/JoaoMelquiades/joaoMelquiades_biografia_ctd.html
- ↑ VIANA, Arievaldo. A maior polêmica do cordel. Blog Acorda Cordel http://acordacordel.blogspot.com/2012/02/maior-polemica-do-cordel.html
- ↑ «Link para a microssérie A Pedra do Reino, do Projeto Quadrante». Consultado em 19 de fevereiro de 2012. Arquivado do original em 22 de janeiro de 2012